Informação ontem avançada no Porto por Dulce Rocha, reportando-se a um
relatório da UNICEF
ComerciodoPorto 13052005
RÉMULO JÓNATAS
Portugal é o sexto país do mundo com maior número de crianças mortas devido
a maus-tratos.
Esta preocupante informação foi ontem avançada no Porto por Dulce Rocha,
presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens, a
propósito do seminário "Justiça de Proximidade" - integrou juntamente com
Maia Neto e Manuela Rezende o painel sobre "O papel da comunidadade na
protecção das crianças" - organizado pela delegação portuense da
Universidade Católica em colaboração com a autarquia presidida por Rui Rio.
Reportando-se a um relatório da responsabilidade da UNICEF referente a 2004
(que avança que morrem 3500 crianças anualmente em todo o mundo vítimas de
maus-tratos), Dulce Rocha sublinhou que "é horrível ver o nosso país
aparecer no sexto lugar de uma lista desta natureza", tanto mais que a
mesma "integra 26 nações mundiais".
"Desconheço os indicadores utilizados pelos autores deste estudo, no
entanto não deixam de ser números preocupantes e que deixam claro a
necessidade de um maior investimento na defesa dos direitos das crianças",
acrescentou, alertando que esses direitos "devem ser valorizados em relação
aos interesses dos progenitores".
Falando depois sobre o conceito de perigo, e a necessidade da sua
clarificação, a responsável pela Comissão Nacional de Protecção de Crianças
e Jovens explicou: "Temos um conceito de perigo restrito, muito baseado na
vitimização, nas omissões relativas a cuidados, mas não temos ainda um
conceito que possa funcionar preventivamente".
"Se valorizarmos a relação afectiva que a criança estabelece com as pessoas
que lhe prestam cuidados, estaremos perante uma prevalência da relação
afectiva sobre a biológica, e o que acontece neste caso é que a lei é muito
pouco clara", criticou esta especialista, deixando claro que é urgente "que
a lei seja o indicador mais perfeito para este tipo de cenários".
Esperança na disponibilidade do Governo
Dulce Rocha não perdeu a oportunidade para lançar um repto ao novo Governo,
referindo esperar do executivo liderado por José Sócrates "quanto mais não
seja abertura para o diálogo e disponibilidade para uma grande discussão na
área dos direitos das crianças".
"Essa é a única forma para se aperfeiçoar o conceito de perigo, assim como
outros aspectos relevantes sobre esta matéria, atté porque não é admissível
que já tenhamos determinados conhecimentos e não os utilizemos na lei",
concluiu.
Secretário de Estado da Justiça recusa falar sobre temas "quentes"
Em representação do Ministro da Justiça Alberto Costa, João Tiago Silveira,
o seu secretário de Estado, foi uma das figuras convidadas para a abertura
do seminário da Universidade Católica "Justiça de Proximidade", tendo,
contudo, escusado-se a comentar os temas mais "quentes" da actualidade no
que a justiça diz respeito.
Quando questionado sobre temas como a morte da pequena Vanessa e,
consequentemente, sobre qual a posição do seu ministério em relação à
prevalência das relações biológicas sobre as afectivas, João Tiago Silveira
disse que estava ali "apenas para falar sobre o seminário e o seu tema",
tendo respondido de igual forma quando instando a comentar as constantes
violações do segredo de justiça em Portugal e sobre o recente caso
referente à investigação em torno do licenciamento de um complexo turístico
em Benavente, que alegadamente envolvem membros do anterior governo de
coligação PSD-CDS/PP (Nobre Guedes, Telmo Correia e Costa Neves).
Governo quer alargar rede de julgados de paz
A Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa organizou ontem,
em parceria com a Câmara Municipal do Porto, um seminário subordinado ao
tema "Justiça de Proximidade", visando essencialmente promover um espaço de
reflexão e debate sobre alguns dos mecanismos alternativos, designadamente
os julgados de paz, os juízos de execução, os juízes sociais e as comissões
de protecção de menores e jovens.
À abertura dos trabalhos presidiu João Tiago Silveira, secretário de Estado
da Justiça (presente em representação do ministro Alberto Costa), que
aproveitou para reafirmar, já depois de ter recusado comentar os casos do
"momento" da justiça nacional (ver caixa), a intenção do Governo de
"alargar a rede de julgados de paz", anunciando estar já em fase de
desenvolvimento um estudo em parceria com as universidades públicas para o
planear.
"Os julgados de paz são um caso claro de sucesso porque colocou a justiça
mais perto dos cidadãos e porque acima de tudo estes sentem que o juiz de
paz resolve rápido e efectivamente os seus litígios", acrescentou,
sublinnhando que "cerca de 30 por cento dos processos entrados nos julgados
de paz são resolvidos por mediação, algo que não acontece nos meios
jurisdicionais clássicos".
Encontrar respostas para superar a crise na justiça
Responsável pela Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto e, por
isso, um dos responsáveis pela organização do seminário, Paulo Morais,
vice-presidente da autarquia portuense, disse que uma vez que é claro para
todos que "a sociedade portuguesa se confronta com uma grave crise na sua
justiça", é necessário "encontrar respostas que o Estado possa dar para
superar ou pelo menos atenuar a situação".
Assim, Paulo Morais aponta que o caminho pode passar por "reconhecer que
embora a realização do Estado de direito se dirija ao próprio Estado, não
constitui campo de monopólio ou reserva de intervenção estatal". "A ordem
jurídica estatal complementa a ordem social geral, sendo absolutamente
necessária uma co-assunção de responsabilidade pelo Estado e pela sociedade
civil, pela efectivação do direito", acrescentou.