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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

quinta-feira, junho 30, 2016

# Quanto mais uma pessoa usa o Facebook, pior se sente.

A impiedade que afeta os Millennials. Comece por aceitar a solidão

Harvard Business Review 05.05.2016 / 10:46

Não é de surpreender que um estudo recente da Universidade de Michigan
sugira que, quanto mais uma pessoa usa o Facebook, pior se sente.

Embora as diferenças geracionais sejam muitas vezes sobrevalorizadas
no local de trabalho, os millennials (nascidos desde os anos 80 até
aos primeiros anos de 2000) enfrentam um desafio particular, imposto
pela realidade da moderna comunicação 24/7: "uma comparação impiedosa"
com os seus pares. Em centenas de entrevistas recentes com pessoas na
casa dos vinte anos por todo o Reino Unido, ouvi esta questão de forma
recorrente. Um desses entrevistados descreveu assim o desafio, "Somos
uma geração em que cada um se compara impiedosamente com quem o rodeia
e, ao mesmo tempo, com os seus modelos de comportamento. E, se não
estivermos a fazer algo de excecional, ou não nos sentirmos
importantes e realizados por aquilo que estamos a fazer, passamos um
mau bocado". Leia mais: 5 estranhos negócios criados por millennials A
intensidade desta comparação cria ansiedade. Nas minhas entrevistas,
emergiram três razões em particular: Distorção dos êxitos conseguidos
nas redes sociais. Os millennials sentem-se pressionados a igualar as
conquistas propaladas pelos seus pares nas redes sociais. Muitos
entrevistados reconheceram que estas publicações nas redes sociais
eram "editadas" para ocultar as dificuldades e destacar os êxitos.
Ainda assim, as comparações são inevitáveis — tal como os sentimentos
desmoralizadores que estas podem provocar. Não é de surpreender que um
estudo recente da Universidade de Michigan sugira que, quanto mais uma
pessoa usa o Facebook, pior se sente. Histórias divulgadas na
comunicação social sobre millennials muito bem-sucedidos. O entusiasmo
dos media pelas histórias de sucesso de um pequeno número de jovens
também pode ser enganador. Histórias acerca dos êxitos e lucros das
suas startups, ou de ascensões rápidas dentro de corporações, criam
uma ideia irrealista de sucesso nos indivíduos em princípio de
carreira. Listas como a Forbes 30 Under 30 são um pau de dois bicos.
Por um lado, podem inspirar as pessoas da mesma faixa etária; por
outro, podem recordá-los de que nunca estão a fazer o suficiente.
Inúmeras opções de percurso de carreira e luta constante para
concretizarem o seu potencial. A geração do Milénio explora
incansavelmente as suas opções devido às redes sociais, ao aumento da
proeminência do empreendedorismo como um percurso de vida aceitável e
à crença de que terão muitos empregos e não uma carreira única. Além
disso, muitos entrevistados acreditam que realizar os seus sonhos é
possível, em parte devido às redes de auto-ajuda. A comparação com
"eus" futuros hipotéticos cria insatisfação, pois os millennials
acreditam que há sempre uma porta aberta, algures, para desenvolverem
o seu potencial.
Embora cada um destes três fatores tenha raízes profundas e haja
poucas probabilidades de desaparecerem nos próximos tempos, existem
táticas para reduzir a comparação impiedosa: Refletir nos fios
condutores que ligam os nossos passatempos e atividades. A comparação
originada nas redes sociais incentiva-nos a reparar no que correu bem
aos outros, mas não nos leva a refletir sobre os temas que emergem
continuamente no nosso próprio trabalho. Através da nossa educação,
leituras e passatempos, todos desenvolvemos capacidades e interesses.
Estas competências, ou "fios condutores", como um entrevistado lhes
chamou, emergem repetidamente ao longo da carreira de um indivíduo.
Ajudam-nos a cultivar valores e uma sensação de enraizamento num mundo
cheio de incertezas. Adotar uma visão a longo prazo da vocação. As
carreiras de sucesso constroem-se ao longo de uma vida, uma realidade
que muitas vezes se perdera junto dos meus entrevistados. Um estudo de
2014 feito pela PayScale.com sugere que os salários de homens e
mulheres atingem o seu máximo entre o final dos 30 anos e o final dos
40. O facto de a esperança de vida aumentar significa que os
millennials devem pensar estrategicamente acerca das suas carreiras e
objetivos de vida a longo prazo e no que será necessário para os
alcançar ao longo de 30-50 anos, e não em três ou cinco. Aceitar a
solidão. Os entrevistados comentam muitas vezes que estarem ligados a
dispositivos móveis e laptops 24 horas por dia, sete dias por semana,
é esgotante psicologicamente, e que o mundo online interrompe o tempo
para a reflexão individual. Os millennials devem, por isso, ver a
solidão — tempo passado a contemplar questões acerca do seu próprio
trabalho e vida — como um investimento no seu bem-estar. Solidão não
significa, neste contexto, tempo passado sozinho num laptop, mas sim
estar sozinho e livre de distrações — uma atividade cada vez mais rara
na nossa sociedade.

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# Acham normal não pagar à lavandaria?

Graça Franco
RR online 28 jun, 2016

70% das mulheres considera justa a repartição do trabalho doméstico
com os homens. Azar meu que faço parte das 30% que vêem aqui uma
enorme injustiça.

As mulheres portuguesas com emprego fora chegam às férias com mais um
mês de trabalho realizado do que os respectivos maridos (mais 24 dias
8 horas diárias para ser exactos). Não é novidade, mas convém fazer do
" óbvio" notícia. Só para a tornar tema de conversa de jantar no maior
número de casas. Mero "fait divers"? Errado. Aqui radica boa parte da
explicação para a baixa fecundidade nacional, como prova um precioso
estudo da FFMS sobre a baixa natalidade em Portugal.
O novo inquérito aos "Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em
Portugal", realizado pelo Centro de Intervenção Social, permite fazer
as contas: no trabalho pago eles gastam em média mais 27 minutos (daí
um salário ainda mais alto). Já no trabalho não pago elas dedicam mais
uma hora e 12 minutos dedicando um total de 3 horas e 6 minutos às
"tarefas domésticas" (cozinha/limpeza/tratamento de roupas e afins) .
Numa semana, a soma das duas parcelas equivale a efectuar uma jornada
adicional de mais seis horas e um quarto. Ao fim de um ano isso
traduz-se em mais mês e meio de trabalho (ao ritmo de oito horas/dia).
Resumindo: as "executivas" portuguesas, 40 anos passados, ainda não
gozam da semana-inglesa.
Mesmo que morem perto do trabalho quem quiser folgar os normais dois
dias terá de roubar pelo menos um deles ao sono. As que além disso
estão sujeitas a perder infindáveis horas nos transportes, não têm
alternativa ao velho sistema chinês: nem sono nem folga.
Se considerarmos que cuidar dos filhos não é sempre ou não é só um
prazer podemos contar também com mais quase uma hora (52 minutos)
gastos com as criancinhas em comidas, banhos, fraldas e diversos do
que os dispensados pelos respectivos companheiros. Por ano isso
significa 39 jornadas adicionais de "babysitting".
Perguntarão os homens: mas tratar dos próprios filhos "é trabalho?".
Mesmo que se faça a concessão de achar que não, e eu concedo de bom
grado que não seja, vale a pena discutir a repartição das tarefas em
matéria de parentalidade . Eles gastam em média duas horas e 14
minutos basicamente a brincar e ajudar nos trabalhos. Elas a dar
banhos, confeccionar e dar refeições, etc… Quem não trocará as papas
pelas brincadeiras? Já a tortura dos trabalhos é certo que pode
continuar com eles.
Olhando este dia a dia, 70% das inquiridas considera justa a
repartição. Azar meu que faço parte das 30% que vêem aqui uma enorme
injustiça. Não fora lá em casa uma repartição bem mais equitativa e
não vejo possível ter tido cinco filhos.
Tudo se faz com gosto? Claro. E nem todas gostariam, ainda mais, de
poder descansar um bocadinho? Também.
O estudo da FFMS é claríssimo: nos casais jovens em idade fértil, uma
maior repartição de tarefas – ou seja, "pais mais presentes" –
mostra-se um dos factores determinantes para que as mulheres encarem a
passagem de um para o segundo filho, o suficiente para garantir a
renovação geracional. Pelo contrário: pais ausentes impedem que o
ideal "dos dois filhos" venha a concretizar-se.
Faz sentido. As mulheres que trabalham fora e sofrem sozinhas a
sobrecarga de trabalho resultante da chegada do primeiro filho demoram
mais tempo a organizar-se e a dispor-se a receber mais um, mesmo que o
desejem.
Tem aliás que a explicação de tanta felicidade possa resultar de um
acentuado desvio estatístico: duas horas em média de trabalho a mais
com as crianças pode resultar de uma grande diversidade de situações.
Basta uma hora a mais para a vizinha de cima e três a mais para a
vizinha do lado. Nada para a sortuda que tem um marido que trabalha em
casa, adora cozinha e trata das crianças, e quatro horas de lufa-lufa
diário para quem teve o azar de casar com o machista preguiçoso.
A discussão do tema aqui na redacção foi sintomática: fazer as
refeições próprias e dar banho aos filhos é trabalho?
Escandalizaram-se os homens. A cozinheira e a "babysitter" ganham por
ler o jornal? Contrapuseram as mulheres. O trabalho em benefício
próprio é mero lazer? Ou tudo o que se faz com gozo deixa de ser
trabalho? Será que os jornalistas ou jardineiros, médicos ou
cozinheiros felizes dispensam as férias? Bela teoria.
Eis o ponto. Paga-se à lavandaria, à "babysitter", ao operário que
limpa os vidros do prédio, à cozinheira, costureira, à porteira que
cuida das limpezas, e à empregada doméstica interna se fizer um pouco
de tudo isso. As empresas que asseguram as idas e vindas das escolas
também se fazem pagar. Razão tinha o saudoso professor Alfredo de
Sousa (reconhecendo o valor económico do trabalho doméstico) ao
lembrar que "sempre que alguém casa com a governanta se reduz a
riqueza nacional na exacta dimensão do respectivo salário". O mesmo
acontece se a relação envolve o jardineiro ou o "personal trainer" .
Vale a pena também aqui seguir o Papa Francisco na sua Exortação sobre
a família, cuja leitura dos capítulos 4º e 5º se recomenda vivamente.
Aí se diz que a causa dos problemas da família actual não está no
facto de as mulheres trabalharem "fora" de casa nem podem resolver-se
voltando às formulas passadas . A solução passa por maior partilha de
tarefas entre pais e filhos e entre marido e mulher, bem como numa
legislação laboral que permita maior conciliação e maior tempo de
lazer.
O inquérito revelado na segunda-feira mostra, por exemplo, que embora
mais de metade dos inquiridos considere relativamente "fácil"
conseguir no emprego uma ou duas horas para imprevistos domésticos
esta percentagem é muito menor entre trabalhadoras em idade fértil.
Além disso um terço dos trabalhadores revela que várias vezes por mês
é chamado a reduzir o tempo de lazer para atender as solicitações da
empresa onde trabalha. E entre as mulheres mais de dois terços
reconhece que quando deixa o emprego sente demasiado cansada para
atender à vida de família ou simplesmente usufruir da própria vida
pessoal. Dá que pensar.

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terça-feira, junho 21, 2016

# Homem belga pede eutanásia porque não quer ser gay

http://observador.pt/2016/06/21/homem-belga-pede-eutanasia-porque-nao-quer-ser-gay/

HÁ 2 HORAS

Um homem belga quer recorrer a essa opção por não conseguir lidar com
a sua homossexualidade. Na Bélgica a eutanásia é legal desde 2002, se
três médicos estiverem de acordo.

Desde 2002 a eutanásia é legal na Bélgica, e em 2014 a lei passou a
permitir que as crianças também possam recorrer a este procedimento

Um homem belga pediu a eutanásia, porque não consegue aceitar a sua
homossexualidade. "Sempre pensei na morte. Desde as minhas primeiras
recordações, sempre esteve presente. Isto é um sofrimento permanente,
é como estar prisioneiro no próprio corpo", disse o homem à BBC.

A Bélgica, país onde a eutanásia é legal, tem leis específicas para o
procedimento. No caso de o doente sofrer de uma enfermidade física,
tem de haver acordo entre dois médicos e o paciente. Nos casos de
doenças psiquiátricas, é necessário que haja três médicos de acordo. O
pedido de eutanásia tem de ser feito de forma voluntária, consciente,
e apenas se houver sofrimento físico ou mental incurável, constante ou
insuportável, lembra a BBC.

Gilles Genicot, professor de direito médico na Universidade de Lieja e
membro do comité de revisão da eutanásia, declara que "é muito
provável que ele tenha problemas psicológicos relacionados com a sua
sexualidade". Ainda assim, o responsável conclui: "Não consigo
encontrar um rasto de doença psíquica real aqui".

Genicot considera, no entanto, que não se pode "descartar a opção de
eutanásia para estes pacientes". "Eles podem ser amparados pela lei,
quando se tiverem tentado todos os tratamentos e nenhum tenha tido
êxito, e três médicos cheguem à conclusão de que não sobra mais
nenhuma opção", explicou o membro do comité de revisão da eutanásia.

"Para mim é só uma anestesia", disse o homem que quer morrer. Há 17
anos a fazer tratamentos terapêuticos, lembra que "toda a vida" o
levou a esta realidade: "A minha mãe tinha demência, e então eu não
estava bem mentalmente".

O belga diz que se sentiu "muito sozinho" durante a infância. "Tinha
medo de sair, de ser visto. Estava sempre assustado e era
consideravelmente tímido", disse.

"Eu não queria ser gay", afirma na entrevista à BBC. O homem está
decidido a recorrer à eutanásia como última arma para lutar com o que
considera um "sentido constante de vergonha e sensação de cansaço, por
estar atraído por gente por quem não me devia sentir atraído".

Desde 2002 que a eutanásia é legal na Bélgica, e em 2014 a lei passou
a permitir que as crianças também possam recorrer a este procedimento.

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segunda-feira, junho 20, 2016

# As crianças deviam votar

http://o-povo.blogspot.pt/2016/06/as-criancas-deviam-votar.html

Inês Teotónio Pereira DN 20160618

Os meus filhos fartam-se de juntar dinheiro. São profissionais em
arrecadar moedas pretas que se espalham no carro, negoceiam as moedas
de 50 cêntimos que enfiamos nos carrinhos do supermercado e guardam
religiosamente o dinheiro que lhes oferecem nos anos. Depois, gastam o
nosso dinheiro. São peritos em gastar o nosso dinheiro. O deles é
intocável, e tão valioso que só serve para juntar, tipo coleção de
caricas. O nosso serve para comprar gelados, ir ao cinema, comprar
chuteiras e sustentar vícios infantis como cadernetas e cromos. Não
lhes passa pela cabeça gastar aquelas moedinhas todas, que justificam
a utilidade das carteiras cheias de divisórias, em parvoíces. Há
limites para a brincadeira.

Os meus filhos deviam votar. Todos os filhos deviam votar. Eles jamais
iriam na cantiga de oferecer metade do conteúdo da sua carteira ao
Estado para este gastar em coisas parvas. Fariam birras insuportáveis.
Exigiriam saber por que raio de carga de água é que as suas moedas
seriam entregues a pessoas como Armando Vara ou Mário Nogueira ou
Carlos Santos Silva seus amigos ou tantos outros. Seguiriam o rasto do
dinheiro como cães de caça e morderiam as canelas de quem o gastasse
mal. Haveria sangue. Experimentem ir à carteira dos vossos filhos para
comprar o último modelo da Bimby ou um candeeiro de Siza Vieira para o
quarto deles ou um estudo qualquer sobre um projeto parvo que
até-era-giro-mas-não-vai-dar, e verão a cor do sangue.

Se as crianças votassem não sobreviveriam maus gestores e péssimos
políticos. Era tudo corrido com revoluções feitas de birras, petardos
de fraldas a transbordar de diarreia e papa Cerelac despejada nas
cabeças dos sinistros negociadores de negócios ruinosos como a TAP, a
CGD, as Refer desta vida, as PPP e as cedências aos estivadores. Não
ficava ninguém de pé. Os nossos filhos votariam com uma única
orientação: quem vai gastar e como vai gastar as minhas moedinhas? As
crianças não são parvas e por isso não admitem esvaziar a carteira em
coisas parvas. Para isso têm os pais, que estão habituados a sustentar
socialistas desde tenra idade. E que ainda chamam a isso democracia

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quinta-feira, junho 16, 2016

# Problemas de país rico

http://o-povo.blogspot.pt/2016/06/problemas-de-pais-rico.html

Nos próximos meses será essencial não esquecer que Portugal é um país
rico, moderno, desenvolvido. Avizinham-se momentos de grande
turbulência, aperto, dificuldade, onde será fácil perder de vista esta
realidade que, no entanto, permanece indiscutível. Precisamente porque
deixaremos muito do que agora gozamos, é bom não esquecer tudo o que,
apesar disso, ainda temos. Uma crise conjuntural, mesmo grande, não
chega a afectar a estrutura nacional.
Nos tempos áureos do império, Portugal foi o povo mais rico do mundo.
Depois, durante século e meio e até há umas décadas, vimo-nos
relativamente carentes e atrasados face aos vizinhos. Isso magoava-nos
mais por lembrar velhas glórias. Esse amargo complexo, que os
intelectuais apelidaram de "tese da decadência", deixou há muito de
ter validade, embora permaneça no folclore mediático e cânone
intelectual.
O último meio século transformou Portugal. O país conseguiu um
desenvolvimento importante desde os anos 1950, uma democratização
sólida desde os anos 1970 e uma integração internacional desde os anos
1980. Hoje somos membros de pleno direito dos clubes globais mais
selectos e conceituados, de que fazemos parte há muito tempo e com
naturalidade. Os graves problemas que nos assolam desde o início do
século não chegam, por enquanto, para perturbar essa condição.
Quando éramos pobres tínhamos a compreensível ilusão de que atingindo
a prosperidade seria tudo fácil. Agora sabemos que um país rico tem
problemas; tem crises, tem pobres. Aliás, as nossas dificuldades vêm,
em certa medida, precisamente de sermos ricos. As doenças que temos
são semelhantes às do Japão, Itália, Espanha; não parecidas com as do
Congo, Brasil, Índia, como há cem anos. Doem na mesma, mas é bom
conhecer a diferença.
Os indicadores económicos não deixam dúvidas acerca da nossa fortuna.
O produto por pessoa coloca-nos em 162.º lugar nos 202 países com
dados. Acima de 80% dos países, que compreendem 85% da população
global, como podemos não ser dos ricos? Os indicadores sociais
confirmam. Na mortalidade infantil temos a 10.ª taxa mais baixa dos 28
e a 6.ª mais baixa dos 15 da União Europeia. Considerando as
infraestruturas, como todos ouvimos a cada momento, estamos acima da
maioria dos nossos parceiros. Aliás, foi isso mesmo que gerou a dívida
que nos trouxe à crise.
Este elemento constitui o paradoxo que caracteriza a situação: boa
parte da doença que nos aflige só aconteceu porque já somos ricos. Há
20 anos nunca poderíamos ter chegado aqui. O nosso problema pode ser
descrito como mero deslumbramento pela participação num clube de
opulentos.
Compreenderíamos isso com clareza se ouvíssemos com atenção os nossos
lamentos, exigências e reivindicações; exactamente aquilo que faz
explodir a despesa pública e gera boa parte da presente dificuldade.
Achamo-nos com direito a reduções de horário de trabalho e subidas de
salários e pensões que seriam incompreensíveis aos nossos
antepassados. O salário real médio, mesmo com crise, é hoje 32%
superior ao que era em 1990, enquanto a pensão média mais do que
duplicou no mesmo período em termos reais.
Até os sinais negativos, sem deixarem de ser dramáticos, manifestam
essa abundância. Taxas de desemprego acima de 10% eram inauditas entre
nós até 2009, precisamente porque antes nunca as teríamos conseguido
suportar. Num país pobre, quem não trabalha não come. Hoje, entre
crianças, desempregados, pensionistas e outros inactivos, temos 56% da
população sem contribuir para o sustento nacional. Além disso, cada um
dos empregados já trabalha anualmente 6% menos horas do que trabalhava
em 1989, e ainda acha muito.
A constatação de que somos um país rico, tão omissa das nossas
discussões, tem implicações importantes na compreensão da situação.
Primeiro transforma o padrão da crise, tornando a recessão bastante
distinta das anteriores. O que os anos passados nos ensinaram tem-se
mostrado pouco relevante em condições muito diferentes.
Por outro lado, as nossas queixas, no meio de uma abundância que os
antigos nem sonhavam, trazem lições importantes. Devíamos tomar
consciência que riqueza e pobreza são, em grande medida, realidades
subjectivas e comparativas. Hoje muita gente lamenta-se de miséria,
apesar de viver realmente muito melhor do que viviam os seus pais e
avós. Isto não tira nada ao sofrimento, mas talvez contribua para
amenizar a raiva e a depressão. Acima de tudo, fazendo-nos apreciar o
que ainda temos, deveria aumentar a solidariedade, partilhando com os
que realmente mais precisam.

João César da Neves
DN 20160616

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# Em 5 anos há quase 3x mais idosos registados como vivendo sozinhos

http://observador.pt/2016/06/16/gnr-sinaliza-43-322-idosos-a-viver-sozinhos-sao-quase-tres-vezes-mais-do-que-ha-cinco-anos/

GNR sinaliza 43.322 idosos a viver sozinhos. São quase três vezes mais
do que há cinco anos

16/6/2016, 7:29 PAULO NOVAIS/LUSA

Durante a operação "Censos Sénior 2016", a GNR identificou 43.322
idosos a viver sozinhos, isolados ou em situação de vulnerabilidade.
Em 2011, foram sinalizados 15.596 idosos.

A GNR identificou 43.322 idosos a viver sozinhos, isolados ou em
situação de vulnerabilidade, um número que quase triplicou desde 2011,
ano em que foi realizada a primeira operação "Censos Sénior", segundo
dados da Guarda Nacional Republicana.

Os cerca de 300 militares da GNR envolvidos na operação "Censos Sénior
2016", que decorreu entre 1 e 30 de abril em todo o país, fizeram
também, pela primeira vez, o levantamento das pessoas portadoras de
deficiência, tendo sinalizado 600 pessoas. Dessas, 166 vivem sozinhas,
38 residem em locais isolados, 33 vivem sozinhas e isoladas. As
restantes 363 situações não se enquadram nestas situações, adianta a
GNR.

Os dados da GNR referem ainda que a maioria (28.691) dos idosos
sinalizados são mulheres.

Dos 43.322 idosos sinalizados – mais 4.106 relativamente ao ano
anterior (9,4%) -, 26.000 vivem sozinhos (mais 2.004 relativamente a
2015), 4.626 moram em locais isolados (menos 579) e 3.085 vivem
sozinhos e isolados (menos 203).

Os restantes idosos sinalizados (9.611) encontravam-se em "situação de
vulnerabilidade fruto de limitações físicas e/ou psicológicas", mais
2.884 relativamente ao ano anterior, refere a GNR.

Os dados mostram que, entre 2015 e 2016, quase triplicaram (174%) as
situações de idosos que foram sinalizados e reencaminhados para as
entidades competentes, sobretudo de apoio social, para fazer o seu
acompanhamento futuro.

Em 2015 foram encaminhados para instituições de solidariedade social
315 idosos, enquanto este ano foram 864, a maioria mulheres (514).

Em declarações à agência Lusa, o capitão Ricardo Silva, do Comando
Geral da GNR, explicou que estes idosos encontravam-se em situações
"muito extremas" e necessitavam de um acompanhamento mais próximo.

Ricardo Silva contou que, entre as várias situações detetadas, havia
casos de idosos com "carências alimentares".

Os dados da GNR mostram um aumento gradual deste tipo de situações: Em
2011, foram sinalizados 15.596 idosos, número que subiu para 23.001 em
2012, para 28.197 em 2013, para 33.963 em 2014, para 39.216 em 2015 e
para 43.322 em 2016.

Segundo o capitão Ricardo Silva, este aumento deve-se a um melhor
registo das situações.

"Não quer dizer que haja mais idosos [a viver sozinhos e isolados],
simplesmente é feita uma melhor referenciação das situações", explicou
o capitão Ricardo Silva.

"A tendência será o aumento porque, cada ano que passa, conseguimos
ter um melhor conhecimento do terreno e um melhor registo de onde os
idosos estão", acrescentou.

Realizada anualmente pela GNR, a operação "Censos Sénior" tem como
objetivo atualizar os registos dos idosos que vivem sozinhos e
isolados, identificar novas situações e informar as entidades
competentes das situações de potencial perigo.

Durante a operação foram ainda realizadas ações de sensibilização para
que "esta população adote comportamentos de segurança que permitam
reduzir o risco de se tornarem vítimas de crimes", refere a GNR.

A GNR adianta que continuará, ao longo ano, a acompanhar os idosos
sinalizados e as pessoas com deficiência, realizando visitas regulares
às suas residências, no sentido de realizar mais ações de
sensibilização e fazer uma avaliação da sua segurança.

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segunda-feira, junho 13, 2016

# Diretor do Inst. Contabilidade e Administração de Coimbra: «Este capitalismo tem uma dimensão tumoral, patológica, cancerosa e transforma a economia na economia do inumano»

[Recomenda-se ver na página online ou youtube a intervenção de 19 minutos].

http://www.snpcultura.org/este_capitalismo_tem_dimensao_tumoral_patologica_cancerosa.html

https://youtu.be/acJiKzqMSBE

É «perigoso deixar-se a crítica do capitalismo neoliberal apenas à
esquerda», porque o cristão, independentemente das suas opções
políticas, «tem o dever de fazer também essa crítica», considera o
diretor do Instituto de Contabilidade e Administração de Coimbra.

Na intervenção que proferiu durante a 12.ª Jornada Nacional da
Pastoral da Cultura, que no último sábado debateu o tema "Cultura e
economia: implicações e desafios", Manuel Castelo Branco vincou que o
capitalismo atual «tem uma dimensão tumoral, patológica, cancerosa e
transforma a economia na economia do inumano».

Assumindo-se como «um cristão ao modo de Ruy Belo», o docente lembrou
o acompanhamento que teve, durante cerca de duas décadas, por parte
dos Jesuítas, recordou a militância partidária na Juventude Centrista,
qualificou o cristianismo de «humanismo radical» e sustentou as suas
teses em autores como Erich Fromm, Gilles Lipovetsky e Emmanuel
Mounier.

Para Manuel Castelo Branco, «a essência do capitalismo» reside no
«lucro», e não na «realização da pessoa humana: «Se o fosse, esta
economia não mataria», afirmou, evocando a frase do papa Francisco,
várias vezes citada ao longo da Jornada da Pastoral da Cultura.

«O mercado devorou literalmente o trabalho», pelo que «a pessoa não é
o referencial da atividade económica», sustentou, acrescentando que na
«semântica do capitalismo» não se fala «em pessoas, mas em capital
humano, em factor de produção trabalho, recursos humanos».

O mestre em Direito e especialista na área fiscal mostrou-se convicto
de que «ao converter a pessoa em factor de produção, o capitalismo
"coisifica"» a primeira, tornando-a «em mercadoria de rosto humano».

«O capitalismo devorou também a natureza», assim como «o amor e a
bondade», como é patente na «mercantilização do altruísmo»: «Com a
aparência de bem, procede-se com o mal do lucro. Não é necessária uma
empresa lucrativa para fazer empreendedorismo em matéria de altruísmo,
porque este é, por essência desinteressado, gratuito», assinalou.

Na atualidade «a caridade já não é anónima, mas publicita-se, exibe-se
de modo quase pornográfico», acrescentou, vincando, de seguida, que
também a ética «foi devorada pelo mercado».

«A moda da ética dos negócios, que substitui ou complementa outra
moda, a da responsabilidade social, mais não são do que instrumentos
subtis e sofisticados de maximizar o lucro», constituindo esta a
prioridade do capitalismo, e não «a realização concreta da dignidade
do gestor, do trabalhador, do cliente ou fornecedor».

No entender do chefe de gabinete da ex-Ministra da Justiça Celeste
Cardona, «o capitalismo é uma verdadeira religião» que aponta para uma
«nova transcendência da felicidade, da vida boa, associada ao paraíso
materialista do hiperconsumo», e por isso, hoje, «a transcendência não
está associada ao espiritual, ao elevado, ao poético, mas ao material
e à possibilidade maximizada do consumo».

«A arte e a cultura foram também devoradas pelo mercado. Hoje, tudo é
arte, logo tudo é mercado», frisou, realçando que «a arte é
considerada «um divertimento, espetáculo, show-bussiness, na lógica do
hiperindividualismo que é hedonista e para o qual só importa o
efémero, o presente, o momento, o instante, o aqui e o agora».

Perante a «hiperabundância de objetos culturais», o tempo da
contemplação demorada desvaneceu-se: «Somos consumidores de museus,
concertos, música, como consumimos carros e anúncios televisivos.
Passamos pelas coisas e não temos tempo, a pausa que nos permite
fruir».

O mundo capitalista «não apenas apaga a tradição e o passado, como não
tem qualquer horizonte e futuro, logo não tem qualquer horizonte de
responsabilidade com o rosto dos outros. O outro é o objeto que se
possui», deixando de ser «sujeito», vincou o presidente da Coimbra
Business School.

Depois de dizer que «à exaustão do trabalho» se responde «com as
rotinas do prazer», Manuel Castelo Branco concluiu: «No capitalismo a
cultura é instrumento de alienação, e posso dizer isto continuando a
não ser marxista».

A intervenção integral da conferência, integrada no painel em que
participaram António Gomes de Pinho, presidente da Fundação Arpad
Szenes-Vieira da Silva, e Clara Almeida Santos, vice-reitora da
Universidade de Coimbra para a Cultura, está disponível no vídeo
seguidamente apresentado.

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# Mário Cordeiro. “Sou gestor dos meus filhos, não dono”

12 Junho 2016 Ana Cristina Marques
http://observador.pt/especiais/mario-cordeiro-sou-gestor-dos-meus-filhos-nao-dono/

É benfiquista ferrenho, escritor compulsivo e pai de cinco. Aos 60
anos, o pediatria Mário Cordeiro conta numa entrevista de vida como
foi crescer entre sete irmãos e numa família de médicos.

É o mais novo de oito irmãos. Cresceu no seio de uma família grande
numa moradia no Restelo, mas nem por isso se sentiu especialmente
protegido. A infância ficou marcada por picardias fraternais e por um
universo infantil que lhe traçou o rumo profissional. O pediatra Mário
Cordeiro foi tio pela primeira vez aos 10 anos — hoje conta 50
sobrinhos e sobrinhos-netos — e lembra-se dos telefonemas que o pai, o
também pediatra Mário Cordeiro, recebia à hora de jantar, com
pacientes do outro lado da linha a pedirem, desesperados, conselhos
médicos.

Os laços familiares estendem-se a Goa, na Índia, não que isso tenha
influenciado a forma como foi educado, nem tão pouco a forma como
educou os cinco filhos (foi pai pela primeira vez aos 23 anos e, pela
última vez, aos 46). Ainda não conhece Goa, mas a viagem está em
carteira. Debruçou-se antes na escrita, não fosse ele um "jornalista
falhado" que já escreveu mais de 30 livros. Da escrita à intervenção
política: Mário Cordeiro diz não ter filiação, mas trata o
primeiro-ministro António Costa por tu caso o encontre na rua — os
pais de ambos foram vizinhos na mesma aldeia e em tempos brincaram
juntos.

Um dos pediatras mais conhecidos no país — já habituado a dar
entrevistas longas –, começou por ser um rapaz tímido, incapaz de se
rir de si próprio, além de ser existencialista. Com dez anos
determinou que ia morrer aos 54. Hoje com 60, diz que os pais não
devem ser escravos dos filhos, tal como os avós não o devem ser dos
netos. Reclama tempo para si, para a escrita, para o violino que está
a aprender a domar e para o Benfica, a sua derradeira paixão.

Um bom pediatra tem de ser sempre um bom pai?
É uma boa pergunta. Acho que a definição de um bom pai tem muito que
se lhe diga. Houve um psicólogo infantil inglês que, nos anos 1950,
descreveu o conceito de "mãe suficientemente boa" como sendo aquela
que fazia o seu serviço, não era perfeita e ninguém lhe devia exigir
que fosse. Acho que com os pais é a mesma coisa. A maioria dos pais
são bons no sentido em que tentam fazer das tripas coração para prover
às necessidades das crianças. Cada vez mais os pais estão envolvidos a
todos os níveis, não apenas em brincar, mas também no cuidar e no
mimar. Isso foi uma das boas coisas que a entrada das mulheres no
mercado de trabalho trouxe — os pais recuperarem uma coisa que era
deles e que durante milénios esteve ausente. Ser bom pediatra… acho
que nos obriga a estar atentos. E tendo-se passado por agruras
enquanto pai entende-se mais [os pacientes]. Passei por noites em
claro, birras para comer ou para dormir… Tive uma coisa completamente
ocasional em que um dos meus filhos só não teve uma morte súbita
porque, por acaso, se apagou quando estava ao meu colo. É daquelas
coisas… ele não estava 24 horas ao meu colo. Com tanta sorte para ele
e para todos nós, reanimei-o logo ali. Foi um susto de todo o tamanho.
Ele tinha quatro ou cinco meses e, de repente, deixou de respirar e o
coração deixou de bater. Por sorte estava ao meu colo. Se tivesse sido
cinco minutos antes ou cinco minutos depois, podia estar no berço,
como estava praticamente o dia todo.

Mas considera-se um bom pai?
Acho que tentei e que tento ser um bom pai no seguinte aspeto: educar,
dar mimo e afeto, estabelecer limites. Falo em educar para a
autonomia, de dar liberdade progressiva e, a certa altura, deixá-los
conduzir o seu próprio percurso de vida. Com os mais velhos, posso
comentar isto ou aquilo, mas nunca interfiro na vida deles. Com os
mais novos também tento fazer o mesmo, progressivamente claro. Mas
dar-lhes não só autonomia no pensar, como também no estudo, no ir a pé
para a escola… Tudo para que um dia eles sejam donos da sua própria
vida. Claro que terei cometido erros, terei gritado quando não devia,
terei sido injusto em pensar que eles fizeram uma coisa quando na
verdade não o fizeram. De certeza que a minha reação já foi, por
vezes, desproporcionada. Eles farão um juízo melhor. Mas pelo menos
fiz o que pude.

Tem cinco filhos e cinco netos, 50 sobrinhos e sobrinhos-netos.
Considera-se um homem de família?
Gosto do conceito de família e do de lar. Mas gosto ainda mais do
conceito de tribo. Na idade adulta temos de ter à nossa volta, em
saídas, programas ou relações, várias pessoas. Não é preciso ser uma
multidão, acho que a vida não é uma página de Facebook. A vida é feita
de alguns amigos. Essas pessoas podem ser familiares, amigos, primos,
conhecidos… Estou a lembrar-me da senhora de 90 anos a quem compro o
jornal todos os dias ali na esquina. Há 70 anos, incluindo domingos,
que ela está no seu posto a vender jornais. Estabeleci com ela uma
relação afetuosa. Falamos sempre. Para mim é inconcebível sair de casa
sem dizer adeus à dona Arlete. No outro dia, quando vi que ela não
estava, deu-me um baque. Estava lá o filho que viu a minha cara e
disse "a minha mãe foi só fazer uns exames". São afetos e pouco mais
sei sobre a vida dela. É uma pessoa que faz parte da minha tribo.

Considerando os irmãos, que tenho muitos, na infância e na
adolescência é normal eles andarem todos juntos, com picardias, com
competições ou com uma grande união. Acho que na idade adulta a pessoa
vai-se definindo em termos de autonomia, em termos de identidade, e os
pontos comuns podem permanecer ou não. Eu não acredito que os chamados
laços de sangue sejam uma união suficientemente forte para, se tudo o
resto não existir, se manter esse conceito de família. O que tenho é
um conceito de lar: é bom chegar a casa para alguém. Creio que a morte
dos pais é muito simbólica. É a libertação dos filhos, digamos, de uns
em relação aos outros. Muitas vezes ainda se mantém alguma unidade
porque ainda há a mãe ou o pai. Quando ambos desaparecem creio que aí
é que se vê em que planeta cada um está. Manter esse modelo um bocado
obrigatório leva, às vezes, a alguma intromissão entre irmãos,
sobretudo em famílias muito grandes — todas as crianças da família
tentam chegar-se à frente perante os pais, porque há sempre o medo de
que os pais não gostem delas; é o chamado medo do abandono.

Teve filhos em momentos muito diferentes da sua vida. Ser pai aos 23
não é certamente o mesmo que ser pai aos 46. O que mudou? Houve
educações muito diferentes?
É óbvio que sim, ser pai aos 23 e aos 46 é muito diferente, não só
porque passados 23 anos os tempos são outros, mas também porque eu não
era a mesma pessoa aos 23 que era aos 46, seja em termos profissionais
ou pessoais e, por isso, há uma parentalidade diferente. Mas é
engraçado que às vezes falo com pais que não tiveram uma diferença
muito grande e eles próprios dizem que sentem que há uma diferença do
primeiro para o segundo. Se no primeiro um espirro é motivo para uma
ida ao hospital, no segundo filho é mais um "eu acho que ele
espirrou"; no terceiro nem se ouve o espirro. Há uma habituação e a
experiência ajuda. É como andar num avião: da primeira vez pensa-se
que o aparelho vai cair, depois percebemos que os tremeliques fazem
parte da viagem. Acho que também ganhei essa maturidade. Os próprios
filhos também ensinam os pais a serem pais, a perceber os erros que se
cometeram. Eu sou gestor, não sou dono destas crianças. Sou
orientador, vá lá, no sentido da sua autonomia. Obviamente que há
sempre uma palavra a dizer, mas as escolhas dos filhos, sobretudo
quando pensadas e já numa idade mais avançada, são as escolhas deles.
Sempre tive presente a ideia de que tipo de pessoas e cidadãos é que
eles iam ser.

Quando foi a primeira e a última vez que mudou fraldas?
A primeira vez foi em 1979, quando nasceu o meu filho mais velho. A
última deve ter sido com os filhos mais novos — os gémeos nasceram em
2003.

Rejeita a expressão de pai-avô. Porquê?
Não há pais-avôs. Há pais que podem, talvez e a dada altura, fazer
todos os fretes às crianças, mas nem por isso deixam de ser pais —
quanto muito são pais permissivos, que não educam, que se deixam
manipular, que já inverteram o triângulo pai-mãe-filho, no sentido em
que passa o filho a estar na mó de cima. Aquele desprezo de chamar
pai-avô é passar um atestado de incompetência aos pais porque, embora
não seja sempre assim, há o arquétipo de que o pai educa e o avô
estraga. Não são os avôs que têm de educar os netos, pelo menos não
são os principais responsáveis e podem, de vez em quando, transgredir
um bocadinho. Acho que um pai não; um pai tem a obrigação de ser um
farol, um guia, alguém que as crianças vejam como um modelo, mesmo que
depois possam crescer e renegar algumas coisas. Uma vez disse num
congresso que odiaria ter os valores dos meus pais. Eu quero ter os
meus valores: agarrei nos valores dos meus pais e nos de outras
pessoas com as quais contactei, pus tudo no caldeirão e misturei.
Moldei os meus valores, alguns são iguais aos dos meus pais, outros já
não são tão importantes para mim.

Que regras já transgrediu com os seus netos?
Pelo facto de ter filhos pequenos — os gémeos, os mais novos, são
adolescentes, têm 12 — e de ter uma vida muito sobrecarregada de
crianças, não tenho muito tempo e espaço para ser como aqueles avôs
reformados que se dedicam mais aos netos. Eu vejo é que os meus filhos
têm uma postura muito semelhante àquela que eu tive com eles em
relação à educação. Um exemplo: se um deles entrar numa sala e não
disser bom dia, vejo os meus filhos a dizer exatamente o mesmo que eu
lhes dizia. Não tenho muito tempo [para estar] com os meus netos, eles
têm a sua vida e eu a minha. E também faço questão de ter algum tempo
para mim, para a minha vida familiar, para escrever livros. Acho que
não devemos ser escravos dos filhos nem escravos dos netos. Tem de se
ir gerindo as coisas.

É um pai diferente daquele que o seu pai foi para si?
Acho que não. Numa coisa sim, sou mais presente no quotidiano,
presente em horas, vá lá. Muito mais, nem tem comparação. E talvez
seja menos cerimonioso, mas isso também vem com o tempo — há 50 anos
os conceitos, as cerimónias e as relações pai e filho eram diferentes
do que são hoje. O meu pai era uma pessoa extremamente tímida, como
eu, aliás. A timidez é uma coisa que às vezes faz com que a pessoa não
se exponha muito. Só mais tarde, só nos últimos anos [de vida do pai]
entendi que, no fundo, ele era uma porta encostada à qual bastava dar
um jeito com o dedo para a abrir. Não era uma porta fechada à chave.
Descobri isso quando eu próprio era mais velho. Os bocados que me
recordo de passar com ele, que são muitos, eram momentos de
ensinamento e de grande ternura, mesmo que não fosse durante um dia
inteiro, eram momentos para ensinar coisas, dar um passeio ou
conversar. Lembro-me de levar uns carrinhos e de ir brincar para
debaixo da secretária do meu pai enquanto ele trabalhava, enquanto
preparava aulas — não havia computadores, era tudo feito à mão e as
coisas eram mais morosas. Ele adorava ensinar e eu gostava de ouvir.
Coisas que eu agora ensino aos meus filhos, é um passar
transgeracional de mimo, de afeto, através da cultura.

O seu pai era cerimonioso em que aspeto?
Não era nada austero, do género de pai tirano. Nada disso, mas havia
alguma cerimónia implícita na nossa relação. Lembro-me desde sempre
que não me passaria pela cabeça ir chateá-lo quando ele estava a
trabalhar, do género de arranjar birras. Não sei se isto é cerimónia
ou respeito, mas existia naturalmente. Eu sabia que podia conversar
com ele sobre o que quisesse, mas também sabia que ele tinha direito
ao seu tempo. Eu tinha seis irmãs e o único irmão que tinha era da
ponta de cima, casou e saiu de casa tinha eu nove anos [foi tio aos
10], pelo que habituei-me sempre a brincar sozinho, a estar em casa
sozinho, sem ser aquela coisa que eu às vezes vejo de as crianças
estarem sempre a pedir a atenção dos pais. Acho que deve haver sempre
alguma noção de que filhos são filhos, pais são pais, que são gerações
diferentes, o que não quer dizer que haja um conflito geracional.

O seu pai, Mário Cordeiro, foi um pediatra de referência. Também o seu
avô e o bisavô eram médicos. Esta realidade influenciou o seu percurso
profissional?
Não, por acaso não, com muita pena minha porque o meu pai morreu
quando eu ainda não tinha entrado em pediatria, tinha eu 25 anos.
Acabei o curso e fiz o estágio geral de dois anos em Santa Maria. Foi
aí que, por acaso, fiz dois meses de pediatria, sendo que ele era o
diretor de serviço e, confesso, era muito bom vê-lo a passar na
enfermaria e nas reuniões, sentia um certo orgulho porque ele era
realmente muito bom. Na altura não havia tanta tecnologia e as pessoas
tinham de fazer o diagnóstico mais à base da observação, da história
clínica. Hoje em dia nem se pergunta quase nada ao doente, avança-se
logo para os exames, na altura a clínica era feita à base de trabalho
de Sherlock Holmes. Depois disso, fui fazer o serviço médico à
periferia, que na altura era obrigatório (as pessoas iam para fora
durante cerca de oito meses, fazer saúde pública e, depois, havia mais
um ano de medicina geral). Fui para Óbidos. O meu pai morreu quando eu
estava em Óbidos.

Fez-lhe confusão estar longe de Lisboa quando isso aconteceu?
Fez um bocado, ele esteve doente durante algum tempo — teve um
acidente vascular cerebral. Eu morava na Lourinhã, vinha quando vinha,
não havia autoestradas.

Então, o que o fez escolher pediatria?
Acho que foram muitas coisas. Por um lado, vivi sempre rodeado de
crianças e até tive sobrinhos muito cedo [com 10 anos]. Por outro
lado, o meu pai era médico de crianças e, embora não contactasse com
os doentes dele, o universo infantil era muito presente lá em casa.
Não havendo e-mails e não havendo telemóveis, bem como bancos de
urgências, as pessoas telefonavam lá para casa às horas das refeições,
que era quando apanhavam o meu pai em casa. Então, à hora da refeição
assistia a isso. Às vezes os jantares e os almoços eram interrompidos
com esses telefonemas e até nos púnhamos a adivinhar o diagnóstico.
"Acho que o pai vai dizer para dar não sei o quê" — quase que fazíamos
apostas. Vivemos muito esse universo da pediatria. O facto de o meu
pai ser um pediatra não biomédico, e de ser um dos fundadores da
Pediatria Social, fazia com que a saúde estivesse acima da doença. Foi
uma coisa que me fascinou: percebi que esta ciência podia ser vasta e
exigia uma pessoa com uma dimensão completa. Aí comecei a ver a
diferença entre médicos que realmente tinham uma amplitude de
pensamento e de interesses, e outros que só falavam de medicina em
jantares e almoços, deste ou daquele caso.

Foi difícil crescer enquanto profissional na sombra do Mário Cordeiro pai?
Por acaso nunca senti uma coisa nem outra [pressão ou vantagens].
Nunca me senti beneficiado e sei que não o fui — tudo o que fiz foi
por concursos públicos. Mas também nunca senti nenhuma limitação, nem
nunca ouvi "Ou és igual a ele ou és um falhado". Ele nunca me pôs essa
pressão. Lembro-me de na véspera do primeiro exame, que era de Química
ou Física, estar aflito, ter medo de chegar lá e bloquear. O meu pai
percebeu isso e disse-me: "Não pode ter medo de ninguém. Não há razão
nenhuma para ter medo dos professores, pense que tem cá um em casa e
que é com esse professor que vai a jogos de futebol." Isso ajudou-me
imenso a relativizar as coisas.

É o mais novo de oito irmãos. Sentia-se protegido ou esquecido entre
tantos irmãos?
Fomos crescendo. Éramos oito. Tenho 14 anos de diferença do meu irmão
mais velho, ele é o meu padrinho. Os nossos ciclos de vida eram
diferentes. Quando eu nasci ele já estava no liceu, aos nove anos, na
altura em que eu ia entrar no primeiro ano [correspondente ao quinto],
estava ele a sair de casa e, passado um ano, a ter filhos. Lembro-me
de momentos muito engraçados, de quando íamos de férias para o
Algarve. Mas também das noites quentes, de ficarmos até tarde numa
varanda com vista sobre o Tejo, com o meu irmão, de barba comprida, a
tocar guitarra e uma das minhas irmãs, que tinha uma voz magnífica, a
cantar o fado. Mas, se fosse preciso, no dia seguinte andava tudo ali
a picar. Não me senti especialmente protegido, acho que as famílias
grandes às vezes têm isso. Há uma certa picardia. As pessoas às vezes
tornam-se muito críticas e apontam os defeitos uns dos outros. E
quando se é tímido, como é o meu caso, não dá muito para responder e
tem de se "amochar" um pouco. Isso senti um bocadinho.

A timidez acompanhou-o até mais tarde?
A timidez acompanhou-me toda a infância e toda a adolescência, pelo
menos até ao dia em que disse "não pode ser". Comecei a ver alguns
efeitos da timidez no liceu e na faculdade. Estava a ser um handicap
na relação com os outros, com os colegas. Se ninguém falasse comigo eu
não falava também. Aí pensei que não podia continuar assim, caso
contrário prejudicar-me-ia, e aos outros também. E fiz um esforço:
arranjei uma maneira de fingir que não era eu, ou seja, fingia que
estava numa peça de teatro e que era apenas um ator a interpretar um
papel — é aliás um conselho que dou às crianças que vejo que são
tímidas. Recomendo imenso o teatro, o que no fundo implica uma pessoa
a expor-se sem se expor.

Mas a timidez está muito relacionada com a baixa autoestima…
Sim. É um certo medo da avaliação externa, do que é que os outros
possam pensar de mim. É o assumir que, à partida, vão ser muito
críticos e vão ver a parte negativa, os erros — o que aliás é o que
faz o sistema educativo, avaliam-se os erros e não a performance. É
ficar com medo de que isto vai acontecer e que se acontecer eu vou
ficar ainda mais abaixo de cão. Por outro lado, tendo eu sete irmãos e
ainda assim viver um pouco isolado fez com que cultivasse amizades com
vizinhos e aprendesse a rir. Na altura não se falava da autoestima das
crianças nem de sentimentos.

O Mário ria-se, e ri-se, de si próprio?
Sim, também. Primeiro não. No início era um bocado urso. Lembro-me de
ser pequeno e de ser um bocado urso quando me criticavam — também eram
logo sete a criticar-me, era logo uma dose reforçada. Mas às vezes
rosnava. Depois fui aprendendo que é bom uma pessoa rir-se e
reconhecer os próprios erros.

Viveu numa moradia no Restelo. Qual é a primeira recordação que tem dessa casa?
Por acaso, as primeiras recordações que tenho não são dessa casa, mas
sim de uma casa onde fomos passar férias em São Pedro de Sintra, em
julho e agosto. É engraçado que as duas recordações que tenho são duas
traumáticas — na altura tinha três anos, ia fazer quatro, e era muito
miúdo. Uma delas foi de os meus irmãos estarem a jogar num campo de
ténis e de eu vir a correr, cair e esfolar os joelhos. Além de doer,
vi sangue, fiquei um pouco aflito e não tinha ninguém à volta.
Lembro-me, depois, de a minha mãe estar ali a cuidar e a limpar a
ferida. A outra foi num dia em que a minha família, que era católica,
foi à igreja em dia de feira. Estava imensa gente e lembro-me
perfeitamente de sair da igreja e de perder a mão da minha mãe.
Lembro-me de olhar e de não ver ninguém e de ficar um bocado aflito.
Daí a pouco uma senhora veio dizer-me "você é o filho do Mário
Cordeiro, não é? Perdeu-se? Então, vou levá-lo ao pai". Entretanto, o
meu pai estava com os meus irmãos na feira a tentar contar cabeças e a
ver que faltava uma. Só quando vi os meus pais é que… deu-me um pranto
de todo o tamanho. Não contente com isso, o meu pai muito compreensivo
disse "coitado, escolha lá um brinquedo para brincar". Escolhi um
carrinho, uma ambulância, que na altura não era de plástico e sim de
folha. Pego naquilo e faço um corte no dedo.

Foi para o Restelo com que idade?
Eu nasci lá. Nasci na Clínica de São Miguel, que já não existe, e
depois fui logo viver para lá.

Como era a vida nessa moradia? Viviam bem?
Era uma casa grande. Sim, vivíamos bem, mas éramos muito frugais. Tudo
o que fosse desperdício, excesso, show off, sinais exteriores de
riqueza… era zero. Os filhos só tinham aquilo que era necessário. O
meu pai disse sempre: "Tudo o que seja para vocês serem melhores
pessoas, sim senhora." Cursos de línguas, viagens de InterRail com
mochila às costas e a dormir em albergues de juventude… mais do que
isso, nada. Era uma filosofia de vida. Ele próprio tinha tido uma
filosofia de vida jesuíta, com um padre jesuíta que era tio dele e,
por isso, considerava que tudo o que fosse ter por ter era idiota e
que nos faria mal no futuro.

Tinham muitos ou poucos brinquedos?
Havia uns brinquedos na casa, mas como tínhamos um jardim, as
brincadeiras eram ali.

Há algum tempo que diz, em jeito de brincadeira, que é um jornalista
falhado. E chegou a criar o seu próprio pasquim quando tinha apenas 10
anos. Arrepende-se de não ter seguido essa carreira?
Criei um jornal. Fui diretor, chefe de redação e proprietário. Olhe
que nem todos se podem gabar disso. Era O Trapalhadas. Eu gostava
muito de escrever porque também lia muito. Não havia muitas coisas
para fazer para lá disso, só tivemos televisão quando eu tinha 15
anos. O meu pai dizia que a televisão era uma coisa boa, mas sabia que
íamos ficar agarrados a ela. Não o preocupava nada a televisão no
sentido dos estudos porque ele sabia que nós não deixávamos de
estudar. Ele achava era que o tempo livre ia ser passado a olhar para
a televisão e isso é que lhe dava pena. Um dia apareceu com a
televisão porque tinha aberto o segundo canal, tinha começado o Zip
Zip e o homem ia à Lua. Foram as três coisas. Portanto, foi em 1969
que tivemos televisão.

Mas gostava de ter sido jornalista? Porque criou o jornal?
Gostava de escrever e desde cedo que o meu pai me entusiasmou a ler
jornais. Lia muito o Diário de Notícias e o Diário de Lisboa. Achei
sempre muita piada ao jornal, ao facto de reportar notícias, de ter
reportagens, de ter palavras cruzadas, a organização por secções… O
facto de conseguir narrar a realidade — mas também a ficção — e de
estar orientado por espaços de interesse… Era um bocado de papel que
resumia uma série de coisas interessantes, mas que dava para toda a
gente. Era um formato em papel A4, tinha 16 páginas e tinha desde
notícias a novelas — de um número para o outro iam passando histórias
muito épicas –, mas também palavras cruzadas. Era eu que o fazia.

Tinha alguma periodicidade?
Saía quando saía, para aí de três em três meses. Não havia
computadores ou impressoras, escrevia à máquina e depois o meu irmão
fazia fotocópias, então conseguia produzir para aí seis, sete
exemplares. Era uma tiragem enormíssima. Sabe que aprendi a escrever à
máquina de uma forma curiosa. No Liceu Pedro Nunes, onde andei, quando
havia furos as pessoas podiam inscrever-se numa atividade. Como eu e
desporto é uma relação complicada, resolvi aprender a escrever à
máquina numa salinha minúscula, com duas bancadas com três máquinas de
escrever de cada lado. Os alunos podiam ir para lá, meter a folha e
aprender. Não foi útil apenas para o jornal, deu-me imenso jeito
porque muito cedo comecei a passar documentos do meu pai à máquina e
ele pagava. Para um miúdo em férias começar a receber dinheiro era uma
coisa maravilhosa. Mais tarde comecei a passar traduções para um
gabinete de traduções. E escrever tornou-se uma obsessão.

Por falar nisso, é autor de vários livros, não só de pediatria. Há
também obras de romance e poesia. Quantos livros já escreveu?
Devem ter sido para aí uns 30 e tal. Agora vai sair o quinto romance,
em setembro. Mas tenho mais dois praticamente prontos e um terceiro a
meio gás. De poesia já escrevi quatro, um deles uma antologia sobre
"nascer", é a única que existe a nível mundial. Há um tempo comecei
também a escrever peças de teatro e contos.

Escreve todos os dias? Com que frequência?
Todos os dias não sei, às vezes é por surtos. Mas escrevo muito.
Comecei a escrever por gostar de jornalismo. Comecei depois a escrever
para jornais — escrevo para a [evista] Pais & Filhos há mais de 20
anos. Acho o jornalismo uma profissão absolutamente fantástica.

Como é que acha que é um jornal?
Eu já visitei redações. Tenho um filho jornalista, começa por aí. Mas
por acaso visitei-o quando ele estava na escola de jornalismo do El
País e gostei imenso. Na escola dos meus filhos, nas atividades do ATL
onde os pais também participam, dei um curso de jornalismo aos miúdos
do segundo ciclo porque na faculdade davam, durante anos, aulas sobre
jornalismo e saúde para explicar um pouco aos futuros médicos o que
era o jornalismo.

O bichinho ficou sempre?
Sim, sempre.

Considerando um registo mais pessoal, teve três casamentos, sendo que
os seus pais estiveram juntos até morrer. Como acha que são as
relações hoje em dia?
Acho que [hoje] as relações são mais transparentes. Acho que os
conceitos de felicidade talvez tenham mudado um pouco. Não vou dizer
isto em relação aos meus pais porque eles, de facto, amaram-se até ao
fim, mas há realmente a noção de que as pessoas têm de estar juntas
por causa dos filhos, acho que isso vai desaparecendo, porque é uma
falsidade. As pessoas têm de ser pais, mas a sua vida conjugal não
passa pelos filhos. Foi um dado adquirido que talvez tenha feito com
que durante não sei quanto tempo as pessoas não se separassem. Isso ou
então as dependências económicas, as mulheres estavam mais dependentes
dos homens. Ser filho de pais separados era uma coisa esquisitíssima,
era como não ser batizado — lembro-me de um professor dizer que os não
batizados eram como os cães, não tinham alma. Hoje se um professor
dissesse isto tinha um processo e era expulso da escola. Acho que
sendo as relações mais transparentes, duram o que duram. Como dizia o
Vinicius [de Moraes], "o amor é eterno enquanto dura".

Acha que hoje em dia é mais fácil desistir de uma relação do que no
tempo dos seus pais?
Acho que hoje as pessoas são menos tolerantes, no bom e no mau
sentido. Tolerantes no bom sentido por não tolerarem certas coisas,
como humilhações; num mau sentido porque a vida é tão trituradora que,
às vezes, pode-se fazer uma tempestade num copo de água. Às vezes é
realmente complicado descomplicar. Sempre fui adepto de que as
relações, sejam elas de que tipo forem, devem durar o que devem durar.
Nem mais, nem menos. Também há agora uma diferença muito grande face à
esperança média de vida quando comparada com a de há 50 anos.
Provavelmente se hoje fosse dada a casais desses anos o contexto de
hoje, o número de divórcios seria o mesmo de hoje.

Como pediatra fala na boa relação dos pais como contributo para a
estabilidade dos filhos. Que influência é que os três casamentos
tiveram na educação dos filhos?
Acho que os divórcios podem afetar a conceção que as crianças têm de
que o desfazer da relação conjugal implica o desfazer da relação
parental. Às vezes até para nós, adultos, é difícil perceber que o
homem e a mulher são uma coisa e que o pai e a mãe são outra, quanto
mais para uma criança… Isto era pior quando a criança ficava, como a
lei diz, de visita ao pai — não se visita um pai, visitam-se amigos.
Era um termo completamente obsceno, ainda existe, mas desde 2008 a lei
já está muito mais virada para o default ser a guarda conjunta e para
a vivência repartida, o que acho ser mais justo para as crianças. Isso
afeta, mas há estudos que mostram que filhos de pais divorciados não
têm nenhuma diferença em termos académicos ou cognitivos do que os
filhos de pais não separados. A questão é se são objetos de guerra.

Os seus filhos também tiveram medo de perder o pai e a mãe?
Não sei, terá de lhes perguntar a eles. É evidente que há uma
instabilidade, mas é como quando se muda de escola, quando se muda de
cidade. Hoje felizmente as pessoas estão muito mais vocacionadas para
a mudança.

Encarou os divórcios como um fracasso?
Acho que são decisões que se tomam. Creio que nunca são decisões
levianas, são processos, são desgastes.

Voltando à carreira, que contributos acha que já deu à medicina portuguesa?
Colaborei em muita coisa porque também me foi dada a oportunidade. O
que fiz foi sempre um bocado em trabalho de equipa. Trabalhar para a
Direção Geral de Saúde foi realmente uma escola porque tive uma chefe
que me ensinou muitíssimo. Não tinha bom feitio, mas era uma pessoa de
uma correção, de uma ética e de uma exigência enorme. Existia um
boletim de saúde que tinha a parte dos pesos e depois só tinha folhas
em branco. Em relação ao atual — apesar de já ter sofrido algumas
modificações plásticas — eu fui um bocado o seu cérebro.

Que retrato traça da pediatria em Portugal? O que não precisa de ser
mudado e o que ainda faz falta?
Uma das coisas que acho boa é a entrada no mundo pediátrico de uma
data de profissionais, nomeadamente dos jornalistas. Depois, já há a
constatação de que os problemas grandes são mais vastos e não se
resolvem apenas a prescrever antibióticos. Essa é uma das grandes
vantagens, o facto de haver cada vez mais intervenientes que têm
conhecimentos mais vastos — e isto inclui as chamadas medicinas
complementares. Entretanto, acho que o que falta fazer é libertar
algumas mentalidades do espírito profundamente biomédico e
hospitalocêntrico — não é só o hospital que conta, a vida faz-se cá
fora. Há largos anos que não vou aos congressos de pediatria. Não
tenho nada contra os meus colegas, sou amigo de vários, mas
simplesmente acho que estes conclaves não deviam ser só à volta de
doenças e de casos raros. Acho que se devia discutir mais a saúde das
crianças no geral.

Está-se a referir à falta de componente humana?
Sim. É normal [isso acontecer] num hospital, onde há a pressão da
urgência, acrescida da pressão financeira e de produzir números. A
entrada dos gestores na medicina teve efeitos positivos e efeitos
negativos. Era raro nos anos 1980 um médico saber o preço de uma
análise ou de uma radiografia.

Hoje em dia é fácil opinar sobre parentalidade e parece que é preciso
tirar um curso para se ser pai. Opina-se demasiado?
Às vezes exagera-se. É bom que se fale, não tenho nada contra. Não
gosto de visões redutoras e acho bem que se fale das coisas, mas tem
de haver limites. Às vezes sobrecarrega-se o sentimento de culpa dos
pais, a responsabilização, a ideia de ser o pai ou a mãe perfeita.
Depois, há manuais de instrução uns atrás dos outros, tal como nas
dietas. "Deixe de comer açúcar em sete dias", "Perca peso em seis
dias"… Agora também os há para a parentalidade. "Ponha o seu filho a
dormir em seis dias"… Encontrei muitos livros com esta fórmula na
Feira do Livro. Não era sequer "X dicas para o seu filho dormir
melhor". Não, era "em seis dias". Essas coisas são tão complexas, pode
haver "n" motivos para uma criança dormir mal, pelo que isso pode dar
um complexo de culpa brutal aos pais. Primeiro porque geralmente
[esses livros] têm regras tão rígidas que nenhum ser humano consegue
aguentar aquilo e, depois, se ao fim dos ditos dias a crianças
continuar aos berros à noite, os pais vão sentir-se ainda mais
incapazes.

Mas há muitas teorias dentro da parentalidade. Isso pode, de alguma
forma, prejudicar os pais?
Acho que sim. No fundo, é como aquilo que a saúde pública fez nos anos
1960, e que depois provou-se ser totalmente errado. Era o doente
chegar e o médico olhar para análises e dizer "não fume, ande a pé
meia hora por dia, perca peso e adeus". E não dizia como. Dali a um
mês o paciente voltava com o mesmo peso e com o stress acrescido de
não ter cumprido nada do que o médico tinha mandado. Não é assim. É
preciso discutir, negociar com a pessoa. Isto é mau, é armarmo-nos em
deuses. Eu acho que os médicos não são deuses. Dão-se dicas que são
falíveis.

Por falar em deuses, li há pouco tempo que não gosta de dizer que há
pessoas que o seguem. Tem muitos fãs?
Tenho uma página no Facebook que não tem lá nada, portanto… Não sei
quem é que me segue ou deixa de seguir. Não gosto de ter coisas no
Facebook, de estar a anunciar o que faço. Para mim não faz sentido.

Já o acusaram de ser mau no que faz?
Já recebi uma ou outra crítica de pacientes que achei justas, faço
pediatria há muitos anos. Outras que achei injustas. Lembro-me de uma
vez se ter escrito sobre mim num blogue de mães e de alguém comentar:
"Não vão a esse tipo, no outro dia adiaram a consulta por duas horas
porque o fulano tinha de ir para a Assembleia da República". Realmente
era verdade, mas eu tinha ido à Assembleia da República porque ia ser
discutida a questão de transformar o abuso sexual em crime público —
isto já foi há uma data de anos –, e chamaram-me para ir dar a minha
opinião. Eu achei que era mais importante discutir se isso era crime
público do que adiar duas horas uma consulta que era de rotina. Não me
magoou, mas alertou-me para os riscos [da Internet]. Não gosto de
coisas sociais, não gosto de eventos sociais, nem de tendas VIPs —
confesso que fujo delas como o diabo da cruz.

Houve algum caso que o tivesse marcado muito?
Houve dois casos que me marcaram muito ainda no tempo em que eu era
interno de pediatria, em 1985. Um deles em que fiquei felicíssimo foi
um caso de uma miúda que tinha uma leucemia, embora não tivesse muitos
sinais. Houve um sexto sentido entre mim e os pais de que aquela
criança não estava bem. Na altura não havia a forma de diagnosticar
que há agora, mas os pais disseram: "Doutor, a nossa menina não parece
a mesma" e eu olhei para ela e houve qualquer coisa que senti. Ela
curou-se. Outro miúdo que também deu entrada, olhei para ele e vi
sinais de meningite. Um colega meu, que era meu chefe, disse-me "ele
não tem nada, vai para casa". Mas eu escondi a criança na copa, ele
até se chateou comigo. Passado um bocado fui ver e ela tinha mesmo
meningite. Mas tive outro caso em que senti uma solidão enorme, ao ter
de tomar uma decisão às três da manhã sobre uma criança de sete anos
que tinha uma paralisia cerebral gravíssima, daquelas de último grau.
Naquela altura ela entrou e estava a ter uma paragem respiratória e eu
pensei que aquilo não podia continuar assim, era querer enganar a mãe,
que até então tinha vivido para ela, era enganar toda a gente. Fui
falar com a mãe, que estava sozinha, e ela disse-me: "Faça o que deve
fazer". Não foi fácil. Escrevi um poema depois sobre isso. Foi uma
coisa que me marcou muito, ter de dar a ordem. Hoje em dia já não é
assim, hoje há um grupo, está tudo muito protocolado.

Falemos de política. É amigo de Maria de Belém.
Sim, trabalhei com ela no ministério [da saúde].

Qual é a sua filiação política?
Não sou filiado em nenhum partido, mas tenho opções políticas. Nunca
me manifestei muito, mas as pessoas sabem a que área pertenço, nunca
escondi. No nosso país continuam-se a fazer-se telenovelas de que as
pessoas não pertencem a partidos políticos. Veja-se nos EUA onde fazem
filmes e séries políticas que metem um ou outro partido. Se fosse
cá…acho que isto mostra um bocado a nossa imaturidade democrática.

Apesar de ser conservador, politicamente, e de ser católico, o meu pai
era muito progressista no sentido social. A minha mãe era um pouco
mais à esquerda, mas não muito. Tive uma vida de menino burguês, sabia
que ia para a faculdade se quisesse, só não sabia para qual. Nunca
tive essas angústias e não vou andar aqui a esconder. Não digo que
tenha sido uma autoestrada, foi antes um percurso normal com as suas
limitações. Na faculdade tive uma consciência social maior. Tive
episódios curiosos com o Marcelo [Rebelo de Sousa], de quem era amigo.
Eu era colega do irmão dele. Ele, aliás, uma vez fez um filme que se
chamava "Um Dia no Liceu", em que eu, o irmão e um outro colega fomos
os jovens atores de 10 anos. Passado muitos anos, o Marcelo
convidou-nos a ver o filme. Ainda era um filme de fita, em que se
tinha de pôr a bobine.

Aos 15, 16 anos, li Os Miseráveis e aí ganhei claramente consciência
do que eram justiças e injustiças. O livro marcou-me claramente. Na
faculdade deu-se o 25 de abril e eu fiz parte da associação de
estudantes, embora não tivesse filiação partidária, mas foi para
manter a escola a funcionar — muitas delas pararam, foram tomadas pelo
MRPP. A Faculdade de Medicina de Lisboa continuou a funcionar. Houve
uma dada altura, nos anos 1974, 1975, em que fiquei muito próximo do
PS, conhecia algumas pessoas de lá. Só tive uma intervenção política
que foi mais visível, que foi fazer parte da comissão de honra do
António Costa na candidatura à câmara de Lisboa.

Fez parte da comissão de honra de António Costa por se conhecerem?
Não, foi uma opção política. Não somos amigos. Se o vir na rua
falamos, damos um abraço, mas [não somos amigos] no sentido de ser
visita de casa.

O primeiro-ministro António Costa tem origem goesa católica do lado
paterno. O seu pai e avô eram goeses. Há alguma ligação entre as
famílias?
Por coincidência, o meu pai e o pai do António Costa eram amigos e
foram vizinhos em Goa, duas casas abaixo. O que tem muita graça é que
eram vizinhos numa aldeia no distrito de Bardez, em Goa. Por
coincidência eram os dois de lá. Depois o meu pai veio para cá e ele
também veio. Em criança brincavam e conheciam-se.

O Mário já nasceu em Portugal, mas o seu pai só veio para cá com 14
anos, depois de uma travessia de barco que durou meses — ainda veio
pelo cabo da Boa Esperança. Que memórias tem de Goa?
Não tenho ligação a Goa, mea culpa, mea culpa. Já lá devia ter ido, é
indecente que ainda não tenha ido. É daquelas viagens que quero ir com
tempo e com tudo preparado que… ainda está à espera [de ser
concretizada]. As minhas irmãs já foram, os sobrinhos também. Mas nem
eu nem os meus filhos fomos ainda. Fiz aquele livro sobre o meu avô
[Júlio Gonçalves — de Goa a Lisboa], sobre as memórias dele — é
engraçado que, como ele descrevia tão bem a vida em Goa e a sociedade
goesa, quase sinto que estive lá.

Há alguma influência de Goa na forma como foi educado?
Não, por acaso não. Nem comemos muita comida indiana. De vez em quando
a minha avó lá mandava de barco umas latas redondas com caril já
feito, que aguentavam no porão do barco durante não sei quanto tempo,
mas era uma coisa muito rara. Depois quando abriu o restaurante Velha
Goa, em Campo de Ourique, começámos a lá ir e até fiquei muito amigo
do Sebastião, que na altura era o chefe dos empregados.

Come comida indiana por opção?
Sim, gosto muito de cozinhar, adoro culinária. Os meus filhos comem
picante, malaguetas à dentada.

Num registo completamente diferente, é a favor da adoção por casais do
mesmo sexo. Quais os seus argumentos e que tipo de respostas já
recebeu?
Não tive uma única reação nas chamadas redes sociais. Acho que não
"incendiei" nenhuma rede social. As reações que tive foram muito
positivas. Eu sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da
adoção por casais do mesmo sexo e da lei da procriação que foi agora
implementada. Tenho enormíssimas reservas, que já expus há muitos
anos, sobre as chamadas barrigas de aluguer, seja de aluguer com ou
sem dinheiro envolvido. Tenho reservas porque não tenho conhecimento
científico sobre até que ponto é que isto afeta ou não as pessoas
intervenientes, mais do que as próprias crianças — estou mais
preocupado com as "mães de aluguer". Não sei se fica ali uma mulher a
sofrer. Se houver essa hipótese…não pode haver leis que põem como
hipótese alguém sofrer assim.

Quando fez 10 anos declarou que ia morrer aos 54 anos. Porquê?
Às vezes fico a pensar porque é que com 10 anos se reflete sobre a
morte, mas acho que isso era de ler e de pensar muito. Não defendo que
logo aos 10 anos se comecem a ler os clássicos russos, acho que uma
boa banda desenhada é ótimo, mas ler faz falta. É o tempo da leitura e
o tempo da reflexão. Não sou nada esquisito em relação ao que se lê,
agora o ler obriga a pensar. Lembro-me do dia em que fiz 10 anos,
lembro-me desse dia como se fosse hoje. Acordei e fiz as seguintes
contas: "Em 2000 vou ter 44 anos, como tenho agora 10, somo-lhe estes
dez". É a única explicação. O certo é que, tenha sido essa a equação
ou não, a partir daí construi a minha vida com base numa esperança
média de vida de 54 anos. Acho que isto tem que ver com a minha
angústia existencial, que é uma coisa muito forte e tem que ver com o
fazer — a necessidade de escrever, de fotografar, ouvir música, tocar
piano, fazer cursos de história, de devorar tudo.

Atualmente, qual é a sua relação com o tempo?
Sinto que perdi muito tempo na vida, como aliás toda a gente. Mas
sinto que gastei tempo demais com coisas e pessoas que não
interessavam e que eu já tinha notado. Agora a conclusão a que chego é
que a finitude do tempo angustia-me bastante e tento aldrabá-la mas,
de vez em quando, ainda sinto isso e o que tento fazer é não gastar
tempo com coisas que não interessam. E aprendi a dizer "não", que é
uma coisa que eu raramente dizia. Há peditórios para os quais já dei,
já prestei serviço. E às vezes digo que não. Comecei também a
desenvolver outras coisas que acho piada, como aprender a tocar
violino, que era um sonho de criança. Comecei em setembro e acho
imensa graça. Gosto de aprender.

Gosta de aprender e de ver futebol. Sempre foi do Benfica?
Cresci com o Benfica, o meu pai era do Benfica. Ia sempre ele, um
outro médico que era ferrenho do Sporting, e outro que era ferrenho do
Porto ver os jogos. Eu ia com eles — os outros não tinham filhos
pequenos. Habituei-me desde miúdo a ir ver os jogos ao Estádio da Luz,
sobretudo os jogos à noite, o que para mim era uma emoção — um miúdo
de sete ou oito anos a ver jogos à noite, então jogos internacionais.
Deixava-se o carro em "cascos de rolha", ia-se a pé, ia-se andando
cada vez mais depressa e a multidão a aumentar. Fiquei sempre
benfiquista, foi uma enormíssima paixão. E agora com os miúdos — dois
deles são do Benfica, o outro é do Sporting. Com os do Benfica… somos
sócios, vamos ao estádio, vemos jogos juntos, fazemos aquela mística
toda. Eu vibro no estádio, não consigo dizer palavrões de fazer parar
um carroceiro, mas dar pulos, berros, abraçar a pessoa que está ao
lado, isso sim, e sofrer quando se perde. E estas histórias como
benfiquista, a história do Jesus, malandro, isso faz parte. O Benfica
é talvez a minha maior paixão. O resto relativizo tudo.

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quinta-feira, junho 09, 2016

# Quer filhos felizes? Deixe-os brincar na rua

http://observador.pt/especiais/quer-filhos-felizes-deixe-os-brincar-na-rua/

08 Junho 2016495
OBS Lab

Aquilo que todos os pais querem é criar filhos felizes. A receita é
fácil e está ao alcance de todos: é deixá-los brincar. Em grandes
quantidades e ao ar livre, de preferência.

Recordar a infância é um exercício que nos traz à memória os finais de
tarde de brincadeira com os amigos à porta de casa, no recreio da
escola ou na quinta dos avós. A rua é sinónimo de liberdade, aventura
e felicidade, mas as crianças têm vindo a ser cada vez mais afastadas
deste meio que só lhes faz bem.

As vantagens de passar tempo ao ar livre refletem-se a todos os níveis
do desenvolvimento, não só físico mas também cognitivo e emocional. A
lidar de perto com crianças há mais de 20 anos, a psicomotricista
Tatiana Perrone Dolores acentua estas mais-valias: "Com a brincadeira
ao ar livre há uma estimulação sensorial direta, pois a criança está
em contacto com a relva, com as pedrinhas do chão ou a areia da praia,
integrando essa experiência através da pele. É importante crescer com
a oportunidade de subir árvores e cair, rebolar no chão e lutar na
brincadeira."

Mas as oportunidades para que este contacto se dê são cada vez
menores. As razões conhecem-se e passam pela insegurança das ruas ou
inexistência de locais apropriados perto de casa.

Tatiana Perrone Dolores conhece de cor estes fatores, mas também
observa "um aumento da cultura do não e do medo, que está a ser
instalada na nossa sociedade. As crianças são impedidas de brincar por
causa do receio que caiam e isso não é bom".

Como consequência, constata que os mais novos estão a desaprender de
brincar: "Já não sabem jogar em equipa. Percebo isso nas minhas aulas
de dança criativa quando, no início, os convido a brincar livremente.
Noto que não sabem brincar, porque não têm essa experiência. Os
intervalos da escola são muito curtos e nem todos os pais estimulam as
brincadeiras com os filhos ao ar livre nos fins de semana, por
exemplo."

Brincar ao faz-de-conta

Para a também professora do ensino básico, "as brincadeiras livres são
fundamentais, pois é quando as crianças podem exercitar o faz-de-conta
e a troca de papéis que aprendem a colocar-se no lugar do outro. "É
nesses momentos que põem cá para fora as suas emoções e conflitos,
aprendendo a gerir eles próprios as situações. Mas como estão a deixar
de brincar, começam a reprimir essas emoções que nem sabem que estão
lá dentro", adverte.

Além de conterem emoções, reprimem também o movimento, com todas as
consequências que isso acarreta. Tatiana Perrone Dolores explica que
"todas as crianças, principalmente as mais pequenas, apresentam um
pico de energia próprio do crescimento e têm de o libertar". Ou seja,
"têm uma hiperatividade que nem sempre é doença, na maioria dos casos
é perfeitamente normal, aliás, todas as crianças são hiperativas por
natureza e é ótimo que sejam." E brincar ao ar livre ajuda na
libertação dessa energia extra que concentram nestas idades.

Combater a rigidez imposta pelos tempos que vivemos é outra das
vantagens que a professora encontra na brincadeira. Por essa razão,
nas suas aulas de desenvolvimento infantil e juvenil usa técnicas como
oteatro da espontaneidade, por exemplo. O objetivo, diz, "é estimular
a criatividade livre da criança, porque hoje é tudo muito rígido.
Mesmo quando são jogos ao ar livre, normalmente são jogos com
estruturas muito marcadas e regras bem definidas, isto é, a criança
não consegue estipular as suas próprias regras e é maravilhoso quando
isso acontece", reflete.

Ainda assim, reconhece os benefícios das regras. "Têm de existir para
que haja ordem e para que a criança saiba até onde pode ir,
reconhecendo os perigos", afirma, lamentando o outro lado da moeda a
que também se assiste atualmente, isto é, "crianças educadas sem
qualquer regra ou limite".


Falta de tempo

Um outro aspeto crucial que determina a redução das brincadeiras é a
falta de tempo dos mais novos. Vários especialistas dedicados ao
acompanhamento da infância têm vindo a alertar para o elevado número
de horas que os mais novos passam na escola e nas diversas atividades
extracurriculares sem que lhes sobre tempo para brincar ou estar com
os amigos. Para Tatiana Perrone Dolores, esta situação que se vive "é
um absurdo, uma verdadeira loucura, as pessoas não têm noção do que
isso pode causar na sociedade futura."

Da forma como a escola e as atividades das crianças estão organizadas,
os mais pequenos acabam por estar muito centrados, sobretudo, em
desenvolver aptidões de raciocínio e de competição, deixando de lado a
parte emocional. "Se a pessoa não conseguir identificar as suas
próprias emoções, não vai conseguir identificar a emoção do outro e
isso pode dar origem a psicopatologias graves. Claro que uma situação
familiar regular vai ajudar a que as crianças exteriorizem essas
emoções, mas quando não têm isso em casa nem na escola e já apresentam
uma predisposição, a situação pode complicar-se", avisa.



Receita para crianças felizes

Para que as crianças cresçam felizes, Tatiana Perrone Dolores não tem
dúvidas que parte importante da receita passa mesmo pela brincadeira.
Se não puder ser ao ar livre, então que seja em casa, mas onde o
faz-de-conta possa entrar.

"As crianças um pouco mais reprimidas podem vir a ser deprimidas. E
nós vemos isso por nós mesmos, quando começamos a reprimir as emoções"
Tatiana Perrone Dolores

A psicomotricista recomenda também o envolvimento dos pais nas
diversões e de outras crianças: "Se não houver irmãos, convidem outros
amigos lá para casa. O importante é que brinquem com pares."

Na sua perspetiva, "as crianças um pouco mais reprimidas podem vir a
ser deprimidas. E nós vemos isso por nós mesmos, quando começamos a
reprimir as emoções". Por isso, o ideal é mesmo que brinquemos a vida
toda ou, pelo menos, no tempo em que é suposto fazê-lo: na infância.



10 razões para brincar na rua com os seus filhos

Sistema imunitário mais forte

Os imunoalergologistas acreditam que o grande aumento das doenças
alérgicas entre os mais novos deve-se, entre outros fatores, às poucas
atividades que praticam ao ar livre. Estima-se que passem cerca de 90%
do seu tempo em ambientes fechados, em casa ou na escola.

Melhoria do humor

Numa pesquisa levada a cabo na Universidade de Bristol, Reino Unido,
concluiu-se que as bactérias presentes na lama ajudam a ativar a
serotonina, um neurotransmissor responsável pela regulação do humor,
sono e apetite.

Crescimento saudável

Além dos anticorpos que são produzidos em maior quantidade quando há
um contacto direto com a natureza, daí resultando uma maior
resistência a algumas doenças, também a luz solar é necessária para o
crescimento saudável, contribuindo para a produção de vitamina D.

Boas memórias

Partindo das recordações que 150 jovens adultos tinham das suas
brincadeiras do tempo de criança, uma investigação da Universidade
Ocidental de Washington, EUA, permitiu concluiu que mais de 75%
recordavam sobretudo as atividades ao ar livre.

Maior concentração

Crianças e jovens que mantêm maior contacto com a naturezatendem a
apresentar um melhor funcionamento cerebral e menos sintomas de
hiperatividade e défice de atenção. Sabe-se também que quanto mais a
criança se move nos primeiros anos de vida, maior é o estímulo
cerebral. O processo ocorre sobretudo no cerebelo, região responsável
pela organização espacial e equilíbrio. O desempenho na escola também
melhora, havendo uma relação positiva entre o exercício físico e as
brincadeiras coletivas com o rendimento escolar.

Visão melhorada

Se as crianças brincarem, pelo menos, 40 minutos por dia ao ar livre,
estão a contribuir para conter a miopia. A pesquisa foi desenvolvida
em 12 escolas chinesas e desenvolvida ao longo de três anos. As
conclusões sugerem a necessidade de as crianças equilibrarem o tempo
que dedicam a atividades realizadas mais de perto, em lugares
fechados, nomeadamente em jogos no telemóvel, com atividades que usam
a visão à distância.

Mais dinamismo

Proporcionar espaços abertos para que as crianças possam correr
livremente torna-as mais ativas e com reservas de energia para
realizar qualquer tarefa.

Criatividade estimulada

Encaminhar as crianças para o exterior sem brinquedos
permite-lhesinventar as suas próprias brincadeiras, estimulando a
imaginação. Quando estão num ambiente em que nem tudo é controlado,
acabam por aprender a lidar com imprevistos e a ter de encontrar
soluções.

Promoção da autonomia

Crianças que brincam ao ar livre com maior frequência têm tendência
para ser mais independentes. Para que isso aconteça verdadeiramente é
importante que os adultos se reservem ao papel de observadores e
permitam que elas próprias resolvam as questões que forem surgindo.

Integração social

Brincar ao ar livre estimula a integração social mas é necessário que
as crianças interajam realmente umas com as outras e desenvolvam
atividades coletivas. Para tal, não devem levar os seus jogos
eletrónicos quando vão brincar para a rua.

Este artigo foi desenvolvido ao abrigo da parceria entre o Observador e a SKIP.

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