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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

# SER: o facto que passou a decisão

INÊS DIAS DA SILVA 08.02.17 ACEGE
http://o-povo.blogspot.pt/2017/02/ser-o-facto-que-passou-decisao.html

O SER já não é um facto que faz as pessoas na sala de partos vibrar,
mas passou a ser uma decisão.

Ouvi uma vez uma pediatra de neonatologia dizer que o que a
impressionava mais no nascimento é que entravam para a sala de partos
3, 4 pessoas e daí a uns momentos havia mais uma. E que essa 'nova'
pessoa não se impunha pela sua inteligência ou personalidade pois
naquele momento ainda não eram conhecidas, mas impunha-se só pelo
facto de ESTAR, de SER.

Eu e o meu marido vivemos quatro vezes este momento do nascimento de
mais um de nós. E para nós, foi sempre uma experiência de
amadurecimento darmo-nos conta de que está ali mais uma pessoa, que
apesar de gerada da nossa união, não foi criada por nós. Se fosse
criada por nós, não nos seria desconhecida a cor dos seus olhos, a sua
inteligência, a sua personalidade... No entanto, um pai e uma mãe
sabem, que com o crescimento, estas características revelam-se e com
elas revela-se a total ignorância dos pais sobre quem é, na verdade, o
seu filho.

Não houve momento em que esta percepção tenha sido mais clara para nós
do que no nascimento do nosso filho Pedro, uma criança diferente logo
no início, pela sua doença genética rara e hereditária, da qual
tínhamos toda a informação, mas para a qual decidimos não fazer a
prevenção medicamente sugerida: fertilização in vitro com manipulação
genética ou aborto.

Porque é que um casal diferenciado (ambos com formação superior), com
conhecimento de um diagnóstico hereditário de uma doença rara e
incapacitante, opta por não a prevenir? Acima de tudo porque na nossa
experiência de vida, ganhámos a certeza de que uma doença não é uma
sentença nem define uma pessoa. Como tal, quando casámos, vímos como
mais prejudicial para nós e para o amor que nos unia, ver a nossa
descendência gerada em laboratório. O nosso amor pedia um casamento
sacramental, e ver nascer dele, os filhos, quando e como haveriam de
nascer. Esta entrega não foi feita ao acaso, porque acreditamos que o
Criador sabe o que faz, e tudo o que fez, 'viu que era muito bom'
(Gen, 1, 31).

Apesar de certos dos passos que tomámos, ali nos encontrávamos com uma
criança diferente que ninguém conhecia e que não obedecia aos manuais
de desenvolvimento infantil. A consulta genética no Hospital de Santa
Maria foi o primeiro momento em que pensámos vir a receber ajuda para
melhor ajudar o nosso bebé acabado de nascer. No entanto, numa
secretária onde os processos se empilhavam de forma tão desorganizada
que não foi possível encontrar o nosso, a única ajuda oferecida foi
para 'fazer' outro filho. Á saída, o meu marido disse, com graça, que
não poria os seus genes na mão de quem não consegue encontrar um
processo em cima de uma secretária...

Cedo, o Pedro começou a revelar sintomas de uma insuficiência
respiratória que o levou de urgência várias vezes para o hospital,
gravemente doente. Das perguntas feitas à entrada, constava sempre se
tínhamos feito diagnóstico pré-natal, a informação que tínhamos das
alternativas e o que nos tinha sugerido o nosso obstetra. A criança
estava ali, e era a nossa preocupação, mas a preocupação dos médicos
parecia ser sempre identificar a falha num processo preventivo
pré-natal que não tinha funcionado. Sentimos desde o início, que o
Pedro era, para grande parte das equipas médicas, alguém que não devia
ter nascido e por isso era recebido como um problema consequente da
incompetência de outros colegas que era importante identificar, para
garantir que o mesmo não voltasse a acontecer.

A partir do momento em que chegou de Inglaterra um envelope com a
confirmação do diagnóstico, fomos preparados pela equipa para 'o
pior', e nos momentos piores que efectivamente chegaram, foi-nos
muitas vezes sugerido de forma que consideramos extemporânea, que não
insistíssemos em tratamentos que prolongassem a sua vida.

Num desses momentos em que vimos o Pedro na agonia que pensámos ser a
do fim da sua vida, estávamos com a médica que o passou a acompanhar,
a fazer as nossas despedidas. Enquanto lhe afagávamos os cabelos entre
as fitas da mascara do seu ventilador, a médica disse, para nosso
espanto: "Ele é mesmo muito bonito".

Em três anos, nunca se tinham referido a nenhuma característica dele
que não fosse deficiente ou insuficiente. Por isso aquela frase
relembrou-nos a frase do Génesis: "Deus fez todas as coisas e viu que
era tudo muito bom", e renovou a nossa alegria de ser seus pais, bem
como a da médica de ser sua médica, o que contagiou toda a equipa do
serviço.

Em conclusão, a nossa percepção é de que a despenalização do aborto,
que se tornou rapidamente num direito dos pais a matar os seus filhos,
criou uma sociedade médica e de cuidados de saúde céptica quanto ao
valor de cada um de nós. Um diagnóstico traz com ele uma equação, onde
são pesados os prós e contras de SER. O que vimos acontecer neste anos
em meio hospitalar foi que esta equação começou a sobrepôr-se à
pessoa. SER já não é um facto que faz as pessoas na sala de partos
vibrar, mas passou a ser uma decisão. Por isso, não me espanta que
perante um grande sofrimento seja mais comum dizer-se que talvez seja
melhor não viver. Mas nós aprendemos, por experiência, que a única
resposta razoável perante o sofrimento de alguém que amamos, é
re-afirmar a beleza da sua vida. O Pedro não morreu naquele dia, tem
hoje 4 anos, metade dos quais passou internado e em agonia
respiratória, e "é mesmo muito bonito".

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# Papa sugere que é melhor ser-se ateu que um católico hipócrita

http://www.tsf.pt/sociedade/interior/papa-sugere-que-e-melhor-ser-se-ateu-que-um-catolico-hipocrita-5686789.html

23 DE FEVEREIRO DE 2017 - 14:09

Durante a missa da manhã na sua residência de Casa Santa Marta, o papa
Francisco criticou a "vida dupla" de quem se diz católico mas faz
"negócios sujos".

O papa Francisco criticou esta quinta-feira "a vida dupla" de algumas
pessoas que se dizem "muito católicas", mas depois fazem "negócios
sujos" e "aproveitam-se das pessoas".

"O que é um escândalo? É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida
dupla. 'Eu sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta ou
à outra associação, mas a minha vida não é cristã, não pago com
justiça aos meus empregados, aproveito-me das pessoas, faço negócios
sujos'", criticou o papa, durante a missa da manhã na sua residência
de Casa Santa Marta.

Francisco disse, citado pela Radio Vaticana, que "muitos católicos são
assim" e que, por isso mesmo, causam "escândalo".

"Quantas vezes ouvimos, todos nós, no nosso bairro e noutras partes,
'para ser um católico como esse, era melhor ser ateu'? É esse o
escândalo. Destrói-nos, deita-nos por terra", lamentou.

Francisco deu como exemplo o caso de um empresário católico que estava
de férias numa praia do Médio Oriente enquanto os trabalhadores da sua
companhia, quase falida, ameaçavam fazer uma "greve justa" porque não
recebiam os salários.

O papa recordou que isto acontece "todos os dias" e que, para nos
darmos conta disso, "basta ver o telejornal ou ler os jornais".

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terça-feira, fevereiro 21, 2017

# “Devemos ser jardineiros junto das crianças - não carpinteiros nem escultores”

KATYA DELIMBEUF EXPRESSO 18.02.17
http://o-povo.blogspot.pt/2017/02/devemos-ser-jardineiros-junto-das.html

Catherine l'Ecuyer é canadiana, mãe de quatro filhos e investigadora.
Ao observar os seus rebentos a crescer, começou a constatar "coisas" -
o modo como aprendiam, como se espantavam diante do novo. Hoje, tem
publicada uma teoria educativa numa revista científica. Em suma,
defende que a curiosidade natural das crianças e o espanto devem ser a
base de tudo.


Catherine nunca pensou que a vida dela desse uma volta tão grande. A
canadiana era advogada do outro lado do Atlântico antes de atravessar
o mar para fazer o mestrado em Barcelona. Foi aí que conheceu o
marido, catalão, e se instalou em Espanha. Entretanto, vieram os
filhos. Quatro, nada menos - de 12, 11, 9 e 5 anos. Mas foi só à
quarta gravidez, por uma finta do destino, que a professora
universitária de Administração de Empresas mudou de rumo. Um choque
frontal grave, durante a gestação da última filha, forçou-a a seis
meses de repouso. Foi nessa altura que começou, de jato, a "despejar"
as suas ideias para o computador. Nunca pensou que aquilo desse em
mais do que isso. O facto é que as suas ideias sobre aprendizagem
transformaram-se numa primeira conferência, em 2010, e num livro, "que
todas as editoras recusaram". Até que um artigo de contracapa no
jornal "La Vanguardia" alterou tudo. Hoje, os livros de Catherine
l'Ecuyer têm dezenas de edições, traduções em coreano e direitos a
serem negociados para entrar no mercado chinês. A última obra chama-se
"Educar na Curiosidade (Ed. Planeta). Em 2014, a autora publicou o
artigo "The Wonder Approach to Learning", na revista científica
"Frontiers in Human Neuroscience", que reconhece a tese de Catherine
como uma nova teoria da aprendizagem.
A sua teoria chama-se "aprender pelo espanto". O que é que isto significa?
Significa que uma pessoa espanta-se por tudo o que é e por tudo o que
poderia ter sido. É como se olhasse para as coisas sempre pela
primeira vez. É um pensamento filosófico, que Tomás de Aquino definiu
muito bem quando falou do "desejo de conhecer". Com as crianças,
devemos ser jardineiros – regar apenas - e não ser escultores ou
carpinteiros, no sentido de modelar. As crianças todas têm um sentido
inato para se estimularem com aquilo que está à sua volta, não
precisam de ser sobreestimuladas.

Defende que é preciso respeitar "a natureza" das crianças e os seus
ritmos. Contudo, vivemos numa sociedade frenética, tiranizada pelo
relógio, com pressa para tudo. Como compatibilizar estes dados
aparentemente antagónicos?
O ritmo das crianças é naturalmente lento. A infância é uma etapa
diferente da dos adultos. Respeitar a sua natureza implica coisas tão
simples como não as expor a violência, real ou na televisão,
permitir-lhes que se apeguem a um cuidador, dormirem as horas que
precisam, não acelerar o seu processo de crescimento. Os pais não
devem ter pressa para que os seus filhos aprendam mais, mais depressa.
Também não precisam de lhes comprar muita coisa... E quanto menos
pilhas e botões tiver um brinquedo, melhor – para que seja a criança a
comandar a brincadeira.

Existe a ideia de que as crianças de hoje são nativas digitais. Muito
cedo é-lhes dado um tablet para as mãos.. Qual é a sua posição sobre
ecrãs?
Eu sei o que os estudos científicos dizem. Dizem que por cada hora de
ecrã antes dos 3 anos temos 10% mais probabilidades de ter crianças
com déficit de atenção aos 7 anos. Não precisamos de os
sobreestimular.

Como faz em sua casa? Não há tablets, videojogos, televisão?
Não gosto muito de falar de mim, porque pode parecer que sou diferente
dos outros pais ou que a minha família é um modelo, quando não é o
caso. Em nossa casa, não há proibições. Mas não há videojogos. Nem
tablets. E há uma televisão, que só ligamos nos sábados à noite, para
ver filmes em DVD. Os meus filhos nunca pedem para ligar a televisão.

Como consegue essa proeza?
A ideia é que haja sempre alternativas mais apelativas. Ao fim de
semana vão pescar com o pai, andar de bicicleta, correr ou jogar
ténis... Fazer passeios na natureza. Temos sempre Legos espalhados
pelo chão.

Fala muito no silêncio e na natureza como uma das melhores formas de
respeitar a verdade das crianças. Porquê?
A natureza é muito boa porque nela a criança é protagonista. O "Locus
de controlo" é interno. É muito importante, porque é uma janela para o
assombro, para o espanto. O jogo livre, não estruturado, é a melhor
forma de desenvolver a concentração numa criança.

Quais os principais erros que cometem os pais de hoje, mesmo com as
melhores intenções?
Procurarem respostas na "indústria dos conselhos empacotados", em
busca de soluções rápidas, quando na verdade os pais têm uma intuição
natural que, se aprenderem a ouvir, lhes dá sempre a resposta sobre os
seus filhos. Os livros vão contra essa sensibilidade natural, porque
dizem o que fazer para os miúdos dormirem, comerem e ficarem quietos.
Outro erro comum é acreditarem naquilo a que chamo "neuromitos",
interpretações erradas de estudos científicos, como: "só usamos 10% da
nossa capacidade do cérebro" ou "é preciso estimular a criança até aos
3 anos". Isso só vai ajudar a queimar etapas.

Nunca houve tantos livros publicados sobre educação. Os nossos avós
não tinham nenhum e contudo educaram os filhos. Os pais ficam perdidos
no meio de tanta informação?
É verdade, em parte porque se esquecem de ouvir a sua intuição, mas há
outro dado fundamental: é que passam pouco tempo com os filhos.
Conhecer os filhos é essencial e para isso o mais importante é passar
tempo com eles. Nem é preciso estar sempre preocupado em fazer
"programas" com eles, basta estar. No meu caso, não tenho muitos
programas pensados. Mas reservo muito tempo para falar com eles. Todas
as noites, converso pelo menos 15 minutos com cada um deles. Meto-me
na vida deles. É um hábito que tem de começar de pequeno, senão
torna-se difícil começar mais tarde...

O que aprendeu com cada um dos seus quatro filhos?
Essa pergunta é tão difícil... Diria que, no primeiro filho,
aprendemos tudo porque não sabemos nada. A paciência foi a primeira
coisa que tive de aprender. No segundo filho, inspirei-me. É aquele
que mais se espanta diante das coisas, muito observador. Já não me
preocupei em estimulá-lo tanto, já não lhe mostrei os DVD do "Baby
Einstein" (DVD com conteúdos educativos que supostamente estimulam a
inteligência). Ao terceiro e ao quarto filho, aprendi a não me irritar
tanto. A ser mais serena, a perceber que o mundo não acaba. Às vezes,
a solução é tão simples como baixar-me e colocar-me ao nível dos seus
olhos e ficar a olhar para ele, em silêncio. Simplificar é
fundamental. Eu não inventei nada. Os gregos já faziam aquilo que eu
escrevi, já falavam da Verdade, da Bondade e da Beleza. No fundo, é
regressar aos básicos.

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segunda-feira, fevereiro 20, 2017

# O pior aniversário de sempre

http://observador.pt/opiniao/o-pior-aniversario-de-sempre/

António Pedro Barreiro 19/2/2017, 9:04

O aborto não cumpriu as suas promessas e falhou gravemente às mulheres
portuguesas. Ao passarem 10 do referendo, lembremos que pior
aniversário é o aniversário dos que nunca poderão fazer anos.

Assinalam-se dez anos sobre o referendo que legalizou o aborto em
Portugal. Suspeito que pouca gente celebrará a data. Com a possível
excepção dos cavalheiros do Bloco de Esquerda – que, há dez anos,
comemoravam com estrondo o começo do século XXI –, não conheço ninguém
que ache que o aborto é bom. Conheço quem o veja como um mal
necessário ou, pelo menos, tolerável. Conheço quem defenda que a
legalização ajuda a minorar os seus danos sociais. Conheço quem
prefira tapar a morte com a peneira e lhe chame interrupção voluntária
da gravidez (IVG), esse prodígio eufemístico do jargão politicamente
correcto. Mas não conheço mesmo quem ache que o aborto é bom.

Mesmo pintado de todas as cores; mesmo disfarçado com todas as siglas,
o aborto é aquilo que é: uma prática invasiva com inúmeros riscos para
a saúde reprodutiva e psicológica da mãe, que se destina a eliminar
uma vida no ventre. Quando os jornais elogiam uma redução no número de
abortos, admitem implicitamente isto mesmo: se é bom que o aborto
diminua, melhor seria que baixasse ainda mais. E o ideal era que não
existisse de todo. Há dez anos atrás, os defensores da legalização
também sabiam que o aborto não era bom. Foi por isso que prometeram
que, uma vez legalizado, ele seria "raro, seguro e livre".
Infelizmente, nenhuma dessas promessas se cumpriu.

Entre 2008 e 2015, a Direcção-Geral de Saúde estima que se tenham
feito 145 706 abortos por opção da mulher. O que significa que, por
cada cem crianças que nasceram no nosso País, quase vinte foram
abortadas por opção da mulher. Este número não inclui os abortos em
caso de violação, malformação do feto ou risco para a saúde da mãe. No
Expresso da semana passada, noticiava-se que a quantidade absoluta de
abortos está a diminuir. O que o Expresso não conta é que o número de
abortos por cada mil nascimentos tem crescido de forma consistente. Em
2009, segundo a DGS, havia 199 abortos por cada mil nascimentos. Em
2013, eram já 216.

O mesmo jornal argumentava também que "a maioria das mulheres não
reincide" no aborto, mas esquecia-se de explicar que a taxa de
reincidências tem aumentado todos os anos e que quase 30% das mulheres
que abortaram em 2015 não o faziam pela primeira vez.

Ninguém acredita no aborto como solução preferencial. Por isso, de
certa maneira, cada aborto pode ser lido como um fracasso da
sociedade, que não conseguiu oferecer outras opções àquela mãe.
Fracassamos quando permitimos que uma mulher seja levada a abortar por
pressão conjugal ou laboral. Fracassamos quando compactuamos com
abortos por motivos económicos, sem fazermos saber a quem aborta que
existem apoios financeiros disponíveis. Fracassamos quando sonegamos
às grávidas o necessário apoio psicológico. Fracassamos quando
aceitamos placidamente que o maior prestador de abortos em Portugal –
a infame Clínica dos Arcos – seja uma clínica privada que faz do
aborto um negócio pago pelo contribuinte. É, aliás, elucidativo que a
Clínica dos Arcos seja a única parceria público-privada que não tira o
sono ao Bloco de Esquerda.

É importante reafirmar que, independentemente dos números, o aborto é
uma má resposta, intrinsecamente violenta e destrutiva, e incapaz de
salvaguardar a saúde materna. Mas os números ajudam-nos a traçar o
retrato de uma sociedade onde o aborto não é um fenómeno raro, não
deixa as mulheres mais seguras e nem sempre configura um exercício de
liberdade. O aborto não cumpriu as suas promessas e falhou gravemente
às mulheres portuguesas. Ao celebrar o seu décimo aniversário, só
podemos desejar que seja o último. O pior aniversário de sempre é o
aniversário dos que nunca poderão fazer anos.

Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais, 20 anos

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# Vendas da Ritalina dispararam nos últimos 7 anos

http://observador.pt/2017/02/19/vendas-do-comprimido-da-inteligencia-dispararam-nos-ultimos-7-anos/

19/2/2017, 10:25

Especialistas preocupados com as consequências para a saúde pública da
medicação que combate défice de atenção. Quase 30% dos consumidores
são crianças até aos 9 anos.

É um comprimido que serve para combater os problemas de concentração
das crianças com perturbação de hiperatividade e défice de atenção
(PHDA) mas esse uso terapêutico tem sido desvirtuado em nome de uma
melhoria dos resultados escolares, avança o Jornal de Notícias.

Daí o nome de comprimido da inteligência.

As vendas de metilfenidato, a substância ativa mais prescrita para
combater os problemas das crianças com PHDA e que tem o nome comercial
de ritalina, mais do que duplicaram desde 2010. De 133.562 embalagens
prescritas em 2010 pelos médicos do Serviço Nacional de Saúde
passou-se para 270 492 em 2016. Embora este último resultado
represente uma ligeira queda face a 2015 (ano em que se venderam 283
075 embalagens), os especialistas alertam que estamos perante um
problema grave, noticia o JN.

Em 2015, por exemplo, 63% da ritalina foi utilizada por rapazes entre
os 10 e os 19 anos e 26% por crianças até aos 9 anos. Apenas 7% dos
comprimidos tiveram adultos como consumidores, segundo dados do SNS
citados pelo JN.

O bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Rodrigues, diz mesmo
que é um problema de saúde pública.

"Estamos diante de um enorme problema de enorme gravidade. Os pais
contam-me que houve quem lhes dissesse: «Tem aqui um medicamento.
Agora a escolha é sua. Depende da sua vontade de que o seu filho tenha
melhores notas ou não", afirma o psicólogo Eduardo Sá ao JN.

O terapeuta critica duramente aquilo que considera ser uma excessiva
preocupação com os resultados escolares. "Os pais, as escolas, os
professores e os médicos parece que entram numa vertigem em que vale
tudo para os meninos obtenham bons resultados" escolares.

O mesmo terapeuta avisa que há turmas no ensino privado em que mais de
80 % dos alunos toma ritalina para manter ou aumentar a sua
performance competitiva em termos de notas escolares.

O presidente de Associação de Diretores de Agrupamentos das Escolas
Públicas classifica estes alunos como os "alunos ritalina". "São
muitas as crianças medicadas porque foram consideradas desatentas e
problemáticas. O que era exceção, tornou-se habitual. É um exagero",
diz Filinto Lima.

O bastonário Francisco Rodrigues alerta, contudo, que "o efeito da
medicação não proporciona uma mudança de comportamento, ao contrário
da terapia com recurso a um psicólogo, declarou ao JN.

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domingo, fevereiro 19, 2017

# “As crianças estão a viver como pequenos executivos stressados”

http://observador.pt/especiais/as-criancas-estao-a-viver-como-pequenos-executivos-stressados/

18 Fevereiro 2017 Ana Cristina Marques

Estímulos que destroem a curiosidade das crianças e ritmos infantis
desrespeitados. Catherine L'Ecuyer, autora do livro "Educar na
Curiosidade", explica porque é urgente simplificar a infância.

Uma televisão ligada que hipnotiza os mais pequenos ou um smartphone
por perto, prestes a ser devorado pelas mãos de uma criança — talvez a
sua sala de estar, aí em casa, seja assim. As ferramentas tecnológicas
do dia-a-dia parecem, à partida, uma solução fácil para entreter a
pequenada, mas as consequências desse uso são bem reais. É que
demasiados estímulos interferem com a capacidade da criança em
descobrir o mundo, uma vez que a curiosidade natural é uma das suas
ferramentas mais poderosas.

"Quando damos muitos estímulos às crianças não temos em conta o desejo
delas em aprender, em conhecer. Assim 'cancelamos' a curiosidade dos
mais pequenos, que fica adormecida", diz ao Observador Catherine
L'Ecuyer, que esteve em Portugal esta semana para apresentar o seu
novo livro, "Educar na Curiosidade" (editora Planeta). Nele fala sobre
como é importante recuperar e simplificar a infância, bem como ter em
conta os ritmos de aprendizagem dos mais novos.

O discurso de Catherine, canadiana radicada em Barcelona, centra-se no
facto de a tecnologia atual e os seus estímulos estarem na origem de
crianças agitadas, que não se conseguem motivar e que estão cada vez
mais impacientes. Crianças que já parecem "pequenos executivos
stressados". A autora que também é consultora e investigadora de temas
educativos diz que é urgente reduzir o nível de stress e de consumo, e
que andamos a dar demasiada importância ao conceito de competência
digital.

Afinal, é preciso "simplificar as crianças e a paternidade" porque
"não existem pais perfeitos, antes pessoas que gostam muito dos seus
filhos, que têm um instinto e uma sensibilidade para perceber o que
eles precisam". O livro de L'Ecuyer quer devolver o poder e a
responsabilidade aos pais e aos seus instintos, pelo que não é de
estranhar que faça uma dura crítica ao que diz ser a "indústria dos
conselhos empacotados"

"Acho que a indústria dos conselhos empacotados fez muitos danos à
educação porque cancelou o instinto maternal e paternal. Quem sabe o
que fazer quando uma criança chora não é um autor que não conhece os
nossos filhos, somos nós."

No livro escreve que há crianças que precisam de ser motivadas, que
estão habituadas a demasiados estímulos e, por isso, chegam a ficar
apáticas. Esta é uma realidade recorrente? Estas crianças estão nas
nossas casas e nas casas dos nossos amigos?
Acredito que isto é uma tendência. A criança nasce curiosa porque tem
esse desejo para conhecer, pelo que não é preciso estimulá-la em
demasia e de fora para dentro. O que existe na criança é uma
capacidade normal para se maravilhar com uma quantidade mínima de
estímulos. Quando damos muitos estímulos às crianças não temos em
conta o desejo delas em aprender, em conhecer. Assim "cancelamos" a
curiosidade dos mais pequenos, que fica adormecida. Essa criança,
nesse momento, passa a depender de uma fonte externa de estímulos e
deixa de querer conhecer [o mundo] por si própria. O passo seguinte é
a adição, com as crianças a procurar sensações novas. Quando estas
regressam ao mundo real, que é lento, ficam aborrecidas.

As novas gerações são as mais afetadas?
O ambiente mudou. Quando nós éramos crianças as coisas eram mais
lentas. Agora, o ambiente é mais frenético, há mais stress, há mais
consumismo e mais tecnologias. Além disso, os dois pais trabalham, têm
menos tempo. O ambiente faz com que as crianças não tenham tempo para
descobrir como dantes. Mas depende do ambiente. Há famílias que têm um
ambiente com menos estímulos, mais tranquilo e que respeita o ritmo
das crianças. Cada caso é um caso. O livro adverte para uma situação
geral, mas cada família deve ver o que pode fazer para reduzir o ritmo
e filtrar o stress. Muitas vezes os pais não filtram o stress, pelo
que o stress chega às crianças que acabam por viver como pequenos
executivos stressados.

Hoje em dia as crianças estão rodeadas de televisões, tablets e
smartphones. Quais os riscos de uma criança que está demasiado exposta
a estímulos externos?
A perda da curiosidade dificulta a aprendizagem. A curiosidade é o
desejo de conhecer e quando uma criança perde esse desejo… a criança
já viu tudo, já fez tudo, nada a surpreende, nada lhe desperta o
interesse. Isso faz com que ela fique aborrecida quando descobre algo
novo. Repito: perder a curiosidade dificulta a aprendizagem.

As crianças estão a crescer demasiado depressa ao serem expostas a
coisas que não correspondem à idade delas?
Estão a crescer demasiado depressa, sim. Chamo-lhe a redução da
infância. E qual é a consequência da redução da infância? Alarga-se a
adolescência. A infância deve ser vivida no tempo certo e, caso isso
não aconteça, as pessoas terão de a viver depois — é nesse sentido que
digo que a infância é como a varicela. Caso contrário dá-se o
infantilismo, que é a falta de maturidade mais tarde na vida. A
infância é a idade dos jogos, da imaginação, uma idade em que se
aprende muito. É muito importante vivê-la no momento certo.

Isso quer dizer que existem adultos que vivem como se ainda fossem adolescentes?
Cada vez mais as gerações se cruzam, as crianças comportam-se cada vez
mais como pequenos adultos e os adultos… vemos cada vez mais pais que
jogam videojogos. Temos de deixar que as crianças sejam crianças.
Quando adiantamos etapas fazemos com que a criança faça e veja tudo
antes do tempo. Então, muitas vezes a criança não está preparada para
assimilar esse conteúdo ou essa informação. Isto não é bom para o seu
desenvolvimento.

No livro lê-se, através de uma citação, que a brincadeira é a mais
velha cultura do mundo. O que acontece a uma criança que não brinca o
suficiente?
A criança que não brinca é a criança passiva, que está à espera que o
brinquedo aja. Mas não é o brinquedo que tem de agir, é a criança que
tem de o fazer através do brinquedo. Os brinquedos com menos pilhas e
botões são melhores. Mas há dois tipos de brinquedos. Há os que
proporcionam o desenvolvimento da criança porque, através dele, a
criança age. Estes brinquedos são aqueles em que a criança é
protagonista, pelo que ela desenvolve as suas funções executivas: a
planificação, a atenção e a memorização de trabalho; são bons porque
respeitam aquilo que a criança precisa, que é brincar. Há outros
brinquedos em que a criança está num mundo demasiado estimulado, em
que ela procura sensações novas e ritmos cada vez mais acelerados
porque vai perdendo a sua curiosidade, o seu desejo de conhecer. Aqui
falamos de brinquedos que dão às crianças conteúdos mais rápidos, que
não respeitam o ritmo interior dos mais novos.

Os pais têm noção do perigo dos videojogos e da cultura que lhes está associada?
Acho que tudo o que os pais fazem, fazem-no a pensar que isto ou
aquilo é bom para os seus filhos. Acho muito importante que sejamos
nós a tomar as decisões do que entra no nosso espaço porque não
podemos abdicar do nosso papel como primeiro educador. Ou seja, somos
nós a decidir que brinquedos devem ou não entrar em nossa casa. Para
ter a informação do que convém e do que não convém fazer, é preciso
saber o que dizem os estudos. É por isso que no livro utilizo muitas
referências a estudos académicos de neuropediatria, porque penso que
são dados relevantes que ajudam os pais a tomar decisões.

Os pais andam muito indecisos e inseguros?
Acho que existem muitos livros no mercado sobre conselhos — o que se
deve fazer e o que não se deve fazer para que uma criança seja
inteligente, para que coma, obedeça e durma. Acho que a indústria dos
conselhos empacotados fez muitos danos à educação porque cancelou o
instinto maternal e paternal. O que faz é romper com a sensibilidade
que o pai tem, de saber o que o seu filho precisa a cada momento. Quem
sabe o que fazer quando uma criança chora não é um autor que não
conhece os nossos filhos, somos nós. Temos de nos conectar outra vez
com essa sensibilidade e, para isso, temos de passar tempo com os
nossos filhos. É importante sabermos o que dizem os estudos — um
estudo não é a mesma coisa que conselhos.

Porque é que acha que os pais recorrem a esta indústria?
Acho que esta indústria começou por três motivos. O primeiro motivo é
porque os pais têm menos tempo para eles e para estar com os seus
filhos, e é junto dos filhos que vão encontrar as respostas certas, ao
observá-los e estando com eles. O segundo motivo é porque estamos num
mundo cada vez mais complicado, mais rápido e mais acelerado. Há
muitos agentes que interferem na educação, que não controlamos e que
deveríamos controlar. O terceiro motivo é porque nos deixámos enganar
— a palavra é um pouco forte — e acabámos por acreditar numa série de
coisas que não estão corretas, que são os "neuromitos". Os
"neuromitos" são interpretações mal feitas da literatura da
neurociência: essa do "mais e antes é melhor" não é verdade. Na etapa
infantil, mais e antes não é melhor porque as crianças precisam de uma
quantidade mínima de estímulos num ambiente normal. Um segundo
"neuromito" é achar que as crianças só utilizam 10 por cento do seu
cérebro ou que têm uma inteligência limitada, pelo que é preciso
estimulá-las muito. Mais um? Durante os três primeiros anos há que
rodear a criança de um ambiente enriquecido, caso contrário ela não se
vai desenvolver. Tudo isto não é verdade. São interpretações mal
feitas da neurociência aplicada no âmbito educativo.

A indústria do conselho empacotado geralmente começa com estes
"neuromitos". Se eu disser "o seu filho tem um potencial ilimitado,
tem três anos para aprender inglês, chinês e mandarim, violoncelo e
ballet", então vamos pensar que é preciso que ele faça tudo isto
rápido, que é preciso adiantar as etapas; ele vai ter de aprender a
ler e a escrever com três anos, pelo que, achamos nós, é preciso
inscrevê-lo em muitas atividades. Resultado? Os pais ficam stressados
e convertem-se em animadores de ludotecas, organizadores de
aniversários extravagantes. Isto introduz muito stress na paternidade
e na maternidade. Além disso, os pais já têm um horário complicado, um
trabalho exigente e um estilo de vida frenético. Isto tem repercussões
nas crianças. Temos de simplificar as crianças e a paternidade. Não
existem pais perfeitos, existem antes pessoas que gostam muito dos
seus filhos, que têm um instinto e uma sensibilidade para perceber o
que eles precisam.

Isto está relacionado como o facto de, como escreve no livro, os pais
serem entertainers?
Brincar, que é muito mais ativo, não é o mesmo que entreter-se, que é
passivo. Na brincadeira a motivação é interna, a criança atua a partir
de dentro. Na diversão a motivação é externa, não é ativa — aqui, uma
criança não tem curiosidade, fica antes fascinada e isso não é a mesma
coisa. No primeiro caso a criança presta atenção, no segundo está
desatenta.

Mas porque é que os pais são cada vez mais entertainers?
Porque as crianças aborrecem-se e estão habituadas a ritmos cada vez
mais rápidos. Os pais não conseguem competir com um tablet, uma
consola ou uma televisão, pelo que convertem-se em seres aborrecidos
que não fazem nada. Para competir começam a organizar atividades e
passam todos os fins de semana a ir a todos os sítios que existem.
Temos de reduzir o nível de stress e o nível de consumo. Educar é
alcançar a perfeição de que somos capazes.

A hiperatividade e o défice de atenção são problemas recentes, de
agora, ou sempre existiram?
Os neurologistas sabem que os estudos dizem que a hiperatividade
aumentou muito nos últimos anos. Além disso, os estudos confirmam-nos
que a hiperatividade não é só um problema genético mas também um
problema que tem que ver com o ambiente. Por esse motivo, e perante um
caso destes, é preciso tentar reduzir a quantidade de estímulos
externos a que as crianças estão sujeitas. Deve-se fazer isto como
medida preventiva e como uma solução que precisa de ser experimentada
antes da medicação.

Acha que as crianças são menos felizes agora do que no passado?
Não sei se podemos fazer esta pergunta. Uma criança é filha do seu
tempo, ela não sabe distinguir o antes do agora. O que temos de
perguntar é se, além de sermos filhos do nosso tempo, somos escravos
do nosso tempo? Se não somos, então temos de rejeitar tudo aquilo que
não respeita a natureza das crianças, as etapas da infância, a
necessidade de silêncio, o mistério e a beleza. Acho que também é
importante não cair na nostalgia de pensar que antes era melhor e que
agora é tudo um desastre. Ser-se curioso é possível em 2017, como
sempre foi e sempre será.

No livro há uma citação que diz que cada vez que uma criança nasce o
mundo é novamente posto à prova.
Bem, as crianças estreiam o mundo. É igualmente possível ser-se
curioso e espantar-se hoje como era há mil anos. Como pais queremos
favorecer essa curiosidade, pelo que nos compete favorecer esse
ambiente.

No livro fala dos educadores mecanicistas, aqueles que querem crianças
à la carte. Como assim?
Um educador mecanicista é uma pessoa que pensa que a criança pode ser
à la carte, que é como uma folha em branco sobre a qual escrevemos o
que queremos. Crianças assim são cubos vazios, programadas por nós
como se fossem uma aplicação informática. Sabemos que não é assim que
deve ser porque as crianças têm esse desejo de conhecer internamente e
movem-se sozinhas.

Ainda criamos crianças à la carte?
Penso que essa realidade sempre existiu, mas não podemos generalizar e
dizer que todos fazem isso. É preciso ver caso a caso. No livro
denuncio esta tendência. O estilo de educação mecanicista de educar
consiste em três pontos: memorização mecânica, repetição mecânica e
autoridade como a única fonte de conhecimento — "é assim porque eu
digo que sim". É um estilo educativo que não responde à verdade das
pessoas.

Escreve que por vezes a criança reage ao exagero de estímulos
isolando-se ou ignorando os pais. Em que situações é que os pais devem
estar atentos?
A natureza das crianças precisa de uma série de coisas para que estas
consigam funcionar normalmente — como o respeito pelos seus ritmos,
por exemplo. Quando damos às crianças ritmos demasiado rápidos,
estamos a saturá-las de informação. A consequência é a impulsividade.
Maria Montessori chamava a isso "gritos da natureza", qundo uma
criança reclama o que a sua natureza reclama. Às vezes, estes gritos
são entendidos pelos pais como má educação, capricho ou rebeldia. O
trabalho dos pais consiste precisamente em discernir o que é capricho
do que é grito da natureza.

Mas o que pode ser um grito da natureza?
É preciso conhecer a criança e as circunstâncias, bem como acreditar
no instinto maternal e paternal. Cada pai deve tentar perceber o que a
criança precisa e porque se está a queixar.

Nesse sentido, qual é a importância do vínculo de afeto entre a
criança e o seu principal cuidador?
É fundamental. Em psicologia, uma das teorias mais aceites e mais
documentadas — e sobre a qual se baseiam muitos programas educativos —
é a teoria do apego. A teoria diz que as crianças precisam de criar
uma vínculo de confiança com o seu principal cuidador para serem
seguras, para terem autoestima. Como se estabelece esse vínculo de
apego? As crianças têm necessidades e nós conseguimos perceber quais
são graças à nossa sensibilidade. Note-se que as crianças desenvolvem
dois esquemas mentais: ficam com a autoestima mais elevada [porque
sentem-se queridas pelos pais] e, em segundo lugar, percebem que o
mundo não é hostil [aprendem a confiar nas pessoas]. As crianças com
apego seguro descobrem mais, são mais curiosas, são mais esperançosas,
vão mais longe para descobrir; aquelas com apego inseguro são mais
retraídas, têm medo de ir mais longe e desconfiam muito — isso têm
impacto nas relações futuras. Estes são esquemas que nos acompanham
durante toda a vida. O vínculo de apego estabelece-se nos dois
primeiros anos.

A baixa ou alta autoestima pode ajudar a determinar o quanto a criança
é engolida pelos muitos estímulos à sua volta?
Creio que as duas crianças [com ou sem autoestima] podem ser carne
para canhão em termos de adição tecnológica. Falamos de crianças
pequenas: elas não têm força para conseguir controlar o consumo da
tecnologia que é muito potente. A melhor preparação para o mundo
digital é o mundo real. O argumento de que é preciso antecipar a
introdução das novas tecnologias para um uso mais responsável não é
válido porque a criança não está preparada para isso. O uso
responsável não se consegue dando tecnologia a uma criança pequena.

Acha que o facto de as crianças desta geração serem digital natives,
ou seja, terem nascido na era digital, faz com que se pense assim?
Estas tecnologias estão desenhadas para serem usadas por pessoas com
morte cerebral, é muito fácil utilizar uma tecnologia destas. Os
nossos avós podem usar isto. A linguagem tecnológica não é a mesma
coisa que um idioma, é muito mais fácil. Acho que estamos a
sobre-dimensionar o conceito de competência digital.

Como é que se educa uma criança sem interferir com a sua curiosidade?
Não se pode aprender no caos, pelo que é preciso existirem regras.
Defendo que a criança descubra o mundo ao seu ritmo quando ainda não
há educação formal, mas isso não é incompatível com regras. O
importante é que a criança deseje aprender e não que faça o que quer.
É muito importante ter um ambiente preparado porque o mundo real tem
limites.

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sexta-feira, fevereiro 17, 2017

# Dez anos do referendo do aborto

No dia 10 de fevereiro, assinalaram-se dez anos do referendo que abriu
as portas à legalização do aborto a pedido, em Portugal. Durante estes
dez anos, foram praticados cerca de 176 mil abortos a pedido da mãe.

Para um país como Portugal, com uma população de 10 milhões de
habitantes e uma natalidade muito abaixo do mínimo necessário para a
reposição das gerações, são números impressionantes.

Seriam bem mais do que a cidade de Coimbra ou Setúbal...

Faz pensar.

Base:
Elias Couto
http://apostoladodaoracao.blogs.sapo.pt/aborto-dez-anos-depois-do-referendo-29654

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quarta-feira, fevereiro 15, 2017

# Umberto Eco, Pascal e as redes sociais

"As redes sociais concedem o direito de palavra a legiões de imbecis que antes falavam só no bar depois de um copo de vinho, sem danos para a colectividade. Eram imediatamente remetidos ao silêncio enquanto agora têm o mesmo direito de palavra de um prémio Nobel. Assistimos à invasão dos imbecis."
Umberto Eco

 "... toda a desgraça dos homens provém de uma só coisa, que é não saber permanecer em repouso num quarto."
Pascal 

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terça-feira, fevereiro 14, 2017

# A Eutanásia da Avó

HENRIQUE RAPOSO 11.02.17 OBSERVADOR
http://o-povo.blogspot.pt/2017/02/a-eutanasia-da-avo.html

A rua principal do meu bairro está cheia de bancos e cafés apinhados
de idosas. Aquelas que se sentam nos bancos costumam estar sozinhas
com cães. Aquelas que se sentam nos cafés costumam estar em grupo;
muitas vezes, estes grupos são tão silenciosos como tumbas; as
senhoras limitam-se a estar, juntam-se como pinguins ao frio.
Quando passo com as minhas filhas, elas olham para nós com ar
espantado; sinto-me como o pai dos filmes distópicos que retratam um
mundo estéril e onde só existe uma criança viva. É como se as minhas
filhas fossem uma raridade absoluta. E sabem qual é o problema? As
minhas pequenas são mesmo uma extravagância. Um pai rodeado por duas
filhas tornou-se numa espécie em vias de extinção. Em Portugal, temos
uma taxa de natalidade de 1.2 bebés por mulher. Ou não há filhos, ou
há apenas um por casal. Por outras palavras, a família implodiu. A
família não é um gigante com pés de barro, é um gigante já de joelhos
e à espera do tal "golpe de misericórdia" invocado pelos defensores da
eutanásia.
Quando me sento nas mesas do café, sinto que este colapso familiar é
total. Enquanto dou torradas às miúdas, vou ouvindo as conversas das
senhoras, que até fazem questão de serem escutadas por estranhos. O
padrão do discurso é quase sempre o mesmo: vão falando aos poucos de
ninharias como Mário Centeno ou a chuva, até que uma delas dá um murro
na mesa, "o meu filho zangou-se comigo" ou "a minha nora é
impossível". Assim que se ouve este primeiro tiro, as outras começam
de imediato a fazer as suas queixas, umas por cima das outras, numa
algaraviada de ressentimento.
Não querem conversar, querem metralhar desabafos: "não me vêm ver",
"não vejo o meu neto há semanas", "passaram o ano fora", "só aparece
para ver a SportTv", "porque é que não têm outro filho, podiam
perfeitamente", etc., etc. Quando a tempestade amaina, olham para mim
e para as minhas filhas; algumas não resistem e pedem licença para
lhes tocar. Querem sentir o toque de outra pessoa. Ora, onde estão os
filhos e netos destas pessoas? É assim tão difícil ter um dia da
semana destinado à avó? Os putos estão assim tão ocupados com o
business plan idealizado pelos pais? Sim, business plan: às segundas,
têm explicações de matemática; às terças, inglês; às quartas, natação;
às quintas, talvez mandarim, que é uma língua com saída; às sextas,
karaté ou ballet; ao fim-de-semana, têm milhentas actividades e
festinhas de anos onde nunca estão velhos. Isto não é um pormenor.
Andamos a matar a figura da "avó", que não tem espaço nesta sociedade
de Facebook, de festinhas de anos temáticas e caríssimas onde só cabem
crianças, das viagens turísticas constantes cujos pacotes nunca
incluem a velhinha.henr
A actual imposição da eutanásia é apenas uma consequência lógica desta
eutanásia metafórica da figura da "avó" e do "avô". Se vivem nesta
solidão, se nunca passam férias com os netos, se percebem que são um
fardo no dia-a-dia, é óbvio que estas senhoras são e serão ainda mais
tentadas pela eutanásia. Até porque conhecem um facto que escapa à
maioria: a maior parte das mortes ocorre no hospital. Portugal tem uma
das taxas mais altas de óbitos em ambiente hospital. Um idoso que
morre na sua própria cama é quase tão raro como um pai rodeado por
dois filhos. Portanto, as pessoas que estão contra a eutanásia devem
preparar o espírito para nova derrota, porque estamos a jogar no campo
do adversário.
Durante décadas, à esquerda e à direita, diversas ideologias atacaram
a família como célula base da sociedade. O resultado está aí: milhares
e milhares de velhos vivem mais devido ao avanço da medicina, mas
estes anos extra são um calvário de solidão. Sim, devemos lutar a
jusante contra esta tentativa de legalização da eutanásia directa, mas
devemos sobretudo centrar atenções no problema que está a montante: a
efectiva destruição da família.
Aquelas senhoras não podem continuar a olhar para as minhas filhas com
aquele semblante de temor, não podem continuar a ser pinguins cercadas
por um gelo criado pelos próprios filhos e netos. Se não tivermos um
discurso e uma política para esta eutanásia familiar, a lógica gélida
da eutanásia triunfará sem oposição.

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segunda-feira, fevereiro 13, 2017

# O legalista deficiente fala sobre o aborto: "Pessoas como eu enfrentam a extinção"

http://o-povo.blogspot.pt/2017/02/o-legalista-deficiente-fala-sobre-o.html
THEFEDERALIST.COM 30.01.17

During a parliamentary debate last week, Lord Kevin Shinkwin spoke out
against a legal loophole that allows selective abortions based on
disability in the United Kingdom.
"I can see from the trends in abortion on grounds of disability that
the writing is on the wall for people like me," said Shinkwin, who is
disabled. "People with congenital disabilities are facing extinction.
If we were animals, perhaps we might qualify for protection as an
endangered species. But we are only human beings with disabilities, so
we do not."

Current U.K. law allows women in Wales and England to abort their
disabled babies up to the moment before birth, whereas healthy babies
can only be aborted legally within the first 24 weeks of their lives
in utero. If passed, Shinkwin's bill would get rid of this legal
loophole, which allows disability-based discrimination.
Babies with Down's syndrome are facing extinction in the United
Kingdom. In 2014, 693 babies were aborted specifically because they
were diagnosed with the genetic condition, a 34 percent jump since
2011. In 2015, an estimated 3,213 U.K. babies were aborted because
they were diagnosed with a disability in utero — a 68 percent increase
in 10 years.

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sexta-feira, fevereiro 10, 2017

# Desculpa ter gritado contigo

O Rodrigo Dias tem este blog que eu gosto, e que é uma fonte de texto
que nos fazem "pensar por dentro" no nosso dia-a-dia. Aqui fica o mais
recente. Espero que façam pensar!

http://apulsar.pt/desculpa-ter-gritado-contigo/?tl_inbound=1&tl_target_all=1&tl_period_type=3

Rodrigo Dias

As pessoas sem filhos não têm noção de como coisas tão simples como
sair de casa se podem tornar quase impossíveis quando se tem filhos.
Este é o mote para um momento brilhante de stand up comedy de Michael
McIntyre. A sua descrição do processo de sair de casa com os seus dois
filhos de manhã é hilariantemente familiar. Sim, porque quando se tem
filhos, sair de casa para os levar à escola é todo um processo. E às
vezes corre mal.

Vamos sair!

Tudo começou com o alarme a tocar à hora prevista – aquela que eu
tinha calculado, num momento de lucidez, como ideal para que houvesse
tempo suficiente para todos os imprevistos que podem suceder durante a
manhã. Estava sozinho, a Carla tinha saído muito cedo. Três vezes
depois de ter feito snooze ao alarme, sempre com a desculpa pouco
lúcida de "São só mais cinco minutos…", levantei-me estremunhado e fui
acordar as crianças. Quem é que quer deixar o calor da cama e
enfrentar o frio? Só adultos loucos. As crianças depois de muito
resistirem lá aceitaram vestir-se, com a condição de o fazerem dentro
da cama. Cheio de inveja por não poder fazer o mesmo fui tomar banho.
Como é que tu tens força de vontade para fechar a água quente do
banho? Tomar essa decisão é uma guerra que eu travo todos os dias de
manhã. A mão avança para a torneira e em vez de fechá-la, dá-lhe
aquele toque que aumenta ligeiramente a temperatura da água. "São só
mais uns segundos…" e depois decido que tem mesmo de ser e a mão volta
a ludibriar-me e a aumentar mais meio grau Celsius. Desligo a água,
tal como me levanto da cama – sem saber como. É uma decisão
inconsciente cheia de urgência.

Saí do banho e as crianças estavam a acabar o pequeno-almoço. Olhei
para o telemóvel e percebi (como se diz cá em casa) que estávamos na
risquinha para chegar a tempo. Fiquei irritado e ao mesmo tempo que
fui preparar uma torrada, comecei a gritar: "Vão lavar os dentes!
Vão-se calçar! Ponham os casacos!" Comi mal e a correr. Esfreguei os
dentes, que foi o possível. Calcei-me. Vesti o casaco. Cheguei à porta
pronto para sair e vi as horas no telemóvel. Ainda íamos a tempo! Se
saíssemos naquele momento chegaríamos à escola segundos antes de
tocar. Como vamos a pé, o tempo é sempre o mesmo, não há trânsito.
Então gritei: "Vamos sair!"

O pai monstrengo

Era o momento-chave da narrativa matinal. Infelizmente, naquele dia,
estávamos em modo trágico e havia direito a conflito. O meu filho de
oito anos tinha decidido arreliar a irmã de sete e andavam à luta na
sala. Ou seja, ignoraram-me totalmente. O pai monstrengo tomou conta
de mim e dei dois berros para que parassem imediatamente com aquilo. O
pai monstrengo para além de ter a capacidade de gritar, tem o dom da
moralidade: "Não pode ser, Leonardo! Estamos atrasados. Porque é que
tens de estar sempre a chatear a tua irmã? Principalmente quando
queremos sair de casa. Queres chegar atrasado à escola?" O meu filho
mais velho olhou-me e disse-me zangado : "Não grites comigo!"

Parte de mim percebia que ele se estava a sentir injustiçado, a outra
parte não admitia aquele tipo de desafios à autoridade. "Sabem que
castigo é que vocês merecem?" O olhar do Leonardo duro, preparado para
o embate. O olhar da Sofia surpreendido, em pânico pelo que aí vinha.
Então tão rápido como surgiu, o pai monstrengo espraiou-se como a
espuma das ondas. "Um castigo que eu já me arrependi de ter pensado
nele e que não vou dizer…" Enquanto o elevador descia oito andares, eu
ganhei consciência do que tinha realmente acontecido. Tinha me
intrometido numa dinâmica entre os dois, algo que deveria ser
resolvido entre eles. Na verdade, eu não fazia a mínima ideia se era o
Leonardo que estava a arreliar a Sofia. Eu tinha estado demasiado
atarefado a tentar recuperar o tempo perdido em pequenos prazeres da
manhã. Tinha descarregado nele uma irritação pela qual ele não era
responsável. Era normal que se sentisse injustiçado. Quando o elevador
chegou ao rés-do-chão, eu já tinha percebido que tinha um pedido de
desculpas a fazer.

Despesculpulpapa

Há qualquer coisa estranha que acontece comigo sempre que sinto o
impulso de pedir desculpa a alguém. É uma resistência interna, como
quando era criança e ia fazer uma atividade desconhecida. Parece que
tenho medo que o coração me caia do peito. Demorei um minuto a
organizar-me internamente e a acalmar a necessidade de manter a
autoridade como pai. Quando saímos do prédio, dei-lhe um abraço, que
ele não retribuíu, e disse-lhe ao ouvido: "Desculpa ter gritado
contigo", depois dei-lhe um beijinho na cara. Ao afastar-me percebi
que ele tentava esconder um ligeiro derreter do seu olhar duro. Dei as
mãos aos dois e lá partimos em silêncio em direção à escola. Minutos
mais tarde, mesmo antes de atravessarmos a Avenida da República, o
Leonardo parou e puxou-me pela mão, então disse-me: "Desculpa ter
gritado, Papá." O meu coração encheu-se de alegria e pôs-se para ali a
saltitar pelo corpo, entusiasmado. Dei-lhe um grande abraço, que ele
retribuíu. Então a Sofia quebrou o silêncio e lá fomos divertidos a
treinar a língua dos Pês. Eupeu gospostopo muipuitopo depe tipi. Um
minuto depois de ter tocado estavam a entrar na escola, mais do que a
tempo. Enquanto voltava para trás, sozinho a pé, ia a sorrir
desmesuradamente. Sem o ter planeado, durante aquela manhã tínhamos
todos experimentado como é reparar uma relação. E essa, como a maior
parte das lições, não se explicam, vivem-se.

Isto nem sempre acontece

Quantas vezes descarreguei a minha irritação nos meus filhos,
irritação pela qual eles não tinham nenhuma responsabilidade? Muitas.
E raramente lhes pedi desculpa. Quando reflito sobre essas situações
percebo porque é que isso acontece. Internamente, estou tão frustrado
e zangado, que nego a minha responsabilidade e protejo-me da sensação
difícil que é admitir que estava errado. Ainda por cima, como eles são
crianças e dependentes de mim, é fácil ignorar as emoções deles e
simplesmente esperar que lhes passe a "birra". Infelizmente, esse meu
comportamento não tem nada de bom, exceto dar-lhes a oportunidade de
lidarem com a frustração de serem acusados injustamente de algo. Acho
que há melhores formas de lhes proporcionar essa experiência.

"Eles também não se vão lembrar quando crescerem", poderás dizer. Não
é essa a minha experiência. Conheço adultos que se lembram daquele
momento em que se sentiram injustiçados pelos pais. É um momento que
nunca foi reparado e que ficou ali embrenhado na relação, criando
distorções ao longo de toda a vida.

Passamos a vida a ensinar as crianças a pedirem desculpa quando
cometem algum lapso social. Talvez seja mais importante elas
experimentarem o poder reparador de um pedido de desculpas vindo de
alguém que tem autoridade sobre elas e que ainda assim as ama. Da
minha parte, continuarei a procurar ter a lucidez que me permite
acalmar as minhas emoções, sair da minha própria experiência egóica e
considerar a perspetiva dos meus filhos.

Ah! E se não tens filhos e queres perceber como é sair de casa com
eles, aqui tens Michael McIntyre no seu melhor:
https://www.youtube.com/watch?v=uFQfylQ2Jgg

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quarta-feira, fevereiro 08, 2017

# Há mais empresas a querer contratar do que profissionais a querer mudar de emprego

http://observador.pt/2017/02/07/ha-mais-empresas-a-querer-contratar-do-que-profissionais-a-querer-mudar-de-emprego/

7/2/2017, 6:00

Um estudo acerca do mercado de trabalho em Portugal, feito pela Hays,
revela que pela primeira vez há mais empresas a querer contratar do
que profissionais a querer mudar de emprego.

Um estudo da Hays, empresa de emprego e recrutamento, que será
divulgado nesta terça-feira, revela que pela primeira vez existem mais
empregadores a querer contratar (73%) do que profissionais a querer
mudar de emprego (71%). As empresas enfrentam dificuldades em recrutar
profissionais qualificados e "perdem" com isso.

Nunca o interesse dos candidatos em mudar de emprego se apresentou em
níveis tão baixos como o deste ano. É a primeira vez que a percentagem
de empregadores a querer recrutar ultrapassa a de profissionais
interessados em conhecer novos projetos" frisa Paula Baptista,
Managing Director da Hays Portugal, em comunicado.

Paula Baptista alerta as empresas para um "possível cenário de
escassez de profissionais qualificados" com 79% dos empregadores a
revelar dificuldades em recrutar pessoas adequadas às suas
necessidades. Mais de metade das empresas inquiridas viu-se obrigada a
contratar pessoas pouco qualificadas — com 59% dos empregadores a
considerar que as instituições de ensino não preparam bem os
profissionais para o mercado de trabalho –, o que em 22% dos casos
resultou até numa quebra dos resultados da empresa.

Quanto aos profissionais, 73% revelam-se insatisfeitos com a
progressão da sua carreira e cerca de 60% com o seu salário. O "Guia
do Mercado Laboral 2017" da Hays dá conta das tendências do mercado de
trabalho português e foi feito a partir de inquéritos a 840
empregadores e 2.600 profissionais.

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# Três em cada dez trabalhadores em Portugal ganham até 600 euros

http://observador.pt/2017/02/07/tres-em-cada-dez-trabalhadores-em-portugal-ganham-ate-600-euros/

PAULO NOVAIS/LUSA 7/2/2017, 10:44

Atualmente, 30% dos trabalhadores portugueses ganham até 600 euros,
conclui o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) sobre a economia portuguesa publicado na
segunda-feira.

Um aumento para os 600 euros pago 14 vezes por ano, por exemplo, a ser
decidido pelos parceiros sociais e como previsto no programa do
Governo, seria mais do que o que 30% dos trabalhadores atualmente
ganham", lê-se no documento.

Fonte da OCDE explicou esta terça-feira à Lusa que, na prática, isto
quer dizer que atualmente 30% dos empregados ganham salários mensais
de menos de 600 euros. De acordo com o relatório trimestral de
setembro de 2016 sobre a evolução do salário mínimo mensal, a
proporção de trabalhadores que ganham o salário mínimo nacional passou
dos cerca de 12% em janeiro de 2010 para os 19,6% em abril de 2016,
"coincidindo os aumentos mais intensos com as atualizações do valor da
remuneração mínima mensal garantida, especialmente na alteração dos
485 euros para os 505 euros e na alteração dos 505 euros para os 530
euros".

Neste relatório elaborado pelo Governo, é ainda referido que, "em
virtude dos dois últimos aumentos da remuneração mínima mensal
garantida (outubro de 2014 e janeiro de 2016)", a proporção de
trabalhadores que ganham o salário mínimo aumentou de "cerca de 16%
para aproximadamente 19%". Reconhecendo que estes aumentos salariais
podem ter efeitos positivos na igualdade salarial, a OCDE refere que
há um risco de "exacerbarem as desigualdades de rendimento na medida
em que reduzem as perspetivas de os trabalhadores pouco qualificados
conseguirem encontrar trabalho".

A organização de Angel Gurría indica que o aumento do salário mínimo
nacional de janeiro de 2016, para os 530 euros, "fez com que o salário
mínimo atingisse os níveis salariais de 30% dos trabalhadores
empregados e que o valor do salário mínimo atingisse quase 60% da
média dos salários". A OCDE alerta que as perspetivas de continuar a
subir o salário mínimo nacional "arriscam-se a desfazer as melhorias
alcançadas na competitividade, que são vitais para os exportadores". O
executivo de António Costa aumentou o salário mínimo para os 530 euros
em 2016 e para os 557 em 2017 e pretende continuar a subir o seu valor
gradualmente até atingir os 600 euros em 2019, tal como ficou assumido
no programa do Governo.

Outro aspeto apontado pela OCDE é que estas pressões salariais "podem
fazer ressurgir as extensões administrativas de acordos de negociação
coletiva [as chamadas portarias de extensão], incluindo para empresas
que não estavam envolvidas no processo de negociação". Para a OCDE,
promover a negociação salarial "ao nível da empresa através de
requisitos de representatividade mais rigorosos (…) e com
possibilidade de as empresas saírem iria resultar num melhor
alinhamento da evolução dos salários e a saúde e produtividade das
empresas".

Desta forma, seria possível reforçar a competitividade das empresas
portuguesas e, assim aumentar os incentivos ao investimento, defende a
OCDE, acrescentando que a negociação feita ao nível da empresa (em vez
de a nível setorial) "pode ser acompanhada de medidas que reforcem a
representação dos trabalhadores".

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terça-feira, fevereiro 07, 2017

# Suécia. Ascensão e queda de uma reforma educativa

[Ver gráficos na versão online]
http://observador.pt/especiais/suecia-ascensao-e-queda-de-uma-reforma-educativa/

06 Fevereiro 2017 Alexandre Homem Cristo

A reforma que a Suécia fez na educação foi elogiada à esquerda e à
direita. Mas falhou. O mais difícil é explicar porquê. Alexandre Homem
Cristo tenta afastar preconceitos e fazer isso mesmo.


Uma tripla reforma
A queda nas avaliações internacionais (2000-2012)
O que se diz (erradamente) que provocou a queda de resultados?
Sendo assim, qual é o diagnóstico correcto?
So what? As três lições políticas a retirar da reforma educativa na Suécia

Foi, durante anos, a reforma de que toda a gente falava na Educação. À
direita, defendida por quem pretendia maior autonomia,
descentralização e liberdade de escolha da escola. À esquerda, usada
como referência para os perigos da abertura da rede pública aos
privados. Na década de 1990, o governo sueco decidiu reformar a sua
administração pública e, na educação, isso significou transitar de um
sistema tradicionalmente centralizado para uma descentralização na
qual os municípios ganharam novas responsabilidades e a rede pública
permitiu a entrada de escolas privadas (financiadas pelo Estado e sem
custo para os alunos). Não faltou, à época, quem aplaudisse a reforma
e ali adivinhasse o futuro. Mas o certo é que, quando o futuro chegou,
os resultados não impressionaram: uma queda contínua e acentuada dos
alunos suecos nas avaliações internacionais do PISA (OCDE). O facto é
incontornável: a reforma foi mal desenhada e, por isso, não foi bem
sucedida no tempo que se esperava. A questão mais difícil é
identificar-se os porquês. Afinal, onde está a origem do problema?

É aqui que o assunto se complica e que os diagnósticos surgem ao ritmo
dos preconceitos. À direita, apontou-se ao crescimento do fluxo de
imigração, que fez chegar à Suécia crianças que, tendo um perfil
socioeconómico abaixo da média nacional, puxaram os resultados para
baixo. À esquerda, responsabilizou-se a entrada das escolas privadas
na rede pública pela deterioração da qualidade geral do ensino. Quem
tem razão? Ninguém: as explicações para a queda dos desempenhos nas
avaliações internacionais são bastante mais complexas.

É verdade que poucas reformas educativas terão sido tão debatidas nos
palcos políticos europeus como foi a sueca. Até porque não foram raras
as vezes em que governantes escolheram essa reforma como modelo a
seguir (aconteceu, por exemplo, no Reino Unido com o governo Cameron,
com Michael Gove a liderar a educação). Mas, apesar das inúmeras
discussões, permanece no debate público uma incompreensão transversal
acerca do que correu mal, do que explica a queda de resultados dos
alunos no PISA e de como inverter a tendência. É a essas questões que
aqui se responderá.

Uma tripla reforma

O plano da reforma política começou a ser desenhada antes, mas o seu
arranque no terreno começou em 1991. E, num instante, mudou tudo. Tudo
é mesmo tudo: tutela política, organização do sistema, monitorização,
avaliação, orientação para resultados, metas curriculares, autonomia
reforçada, liberdade de escolha da escola. Como foi possível encaixar
tantas mudanças? Através de um plano dividido em três partes. A
primeira: a descentralização da decisão, que transpôs a tomada de
decisão do Estado central para os municípios. A segunda: a
liberalização das regras de abertura de escolas privadas, do seu
funcionamento e do seu financiamento público. A terceira: a introdução
de um sistema de escolha da escola para os pais e para os alunos,
acabando com a relação estreita entre as escolas e a sua área
residencial – já não haveria entraves legais para que qualquer aluno
se pudesse matricular em qualquer escola. Não é preciso recordar as
polémicas, que as houve. Sem surpresa, na Suécia e por todo o mundo,
foram as segunda e terceira partes da reforma que entusiasmaram as
discussões. Mas, como veremos mais à frente, foi a primeira parte que
realmente se revelou problemática.

Como qualquer reforma, também esta foi um processo longo e repleto de
ajustes (ver gráfico 1). Mas os seus primeiros passos foram abruptos.
Propositadamente abruptos, de modo a que os municípios assumissem as
suas novas funções sem enviesamentos ou orientações excessivas. Assim,
de um momento para o outro, a responsabilidade sobre o sistema
educativo sueco repartiu-se. De um lado, um Ministério da Educação
emagrecido, com poderes de monitorização, avaliação e fiscalização
face às metas curriculares estabelecidas. Do outro lado, os
municípios, que passaram a ter em mãos a organização escolar, o
funcionamento das escolas e a alocação de recursos financeiros, para
além de serem a entidade patronal de professores e directores
escolares – já o eram antes, mas depois até as condições de trabalho
passaram a ser negociadas pelos municípios.

Na prática, quase tudo foi para os municípios: currículo (desde que em
cumprimento das metas), professores, directores, edifícios escolares e
projectos educativos. E ainda a gestão de um novo modelo de
financiamento, no qual as verbas transferidas pelo Estado aos
municípios passavam a ser geridas por inteiro a nível local, para
satisfazer as necessidades educativas da comunidade. Acha muito? É que
ainda não acabou. Simultaneamente a esta transferência de
competências, o próprio modelo de sistema educativo foi alterado. À
rede de escolas públicas do Estado juntaram-se privados financiados
pelo Estado para garantir liberdade de escolha. Ou seja, acabaram as
restrições geográficas nas matrículas, introduziu-se competição entre
escolas para cativar alunos e revolucionou-se o modelo de
financiamento escolar – baseado no número de alunos matriculados, sem
distinguir entre escolas municipais e escolas privadas (todas eram
públicas e em nenhuma os alunos teriam custos de frequência).

As opções da reforma sueca são discutíveis? Evidentemente. Como são
quase todas as das reformas sectoriais. A implementação desta grande
reforma foi abrupta, mas não foi consensual. Ainda hoje, não o é.
Nomeadamente entre os professores, que passaram a ter de se articular
por completo com os municípios. E, claro, entre representantes
sindicais dos professores, que preferiam a negociação com o Estado
central e viram na negociação com os municípios uma perda da sua
influência política. Mas, contestada ou elogiada, no fim o que conta
são os resultados. E os resultados da reforma sueca não foram bons.

A queda nas avaliações internacionais (2000-2012)

Os primeiros resultados pós-reforma até foram recebidos com
entusiasmo. Em 2000, na primeira avaliação do PISA da OCDE, a Suécia
apareceu entre os países cujos alunos evidenciaram melhores
desempenhos. Havia que esperar pelos anos seguintes, para verificar se
o perfil de desempenhos elevados se consolidava. Não se consolidou.
Pelo contrário, foi sempre a descer até 2012, quando soou o alarme e
todos se convenceram de que algo havia que ser alterado no sistema
educativo sueco (ver gráfico 2). No PISA 2012, a Suécia consolida-se
no terço inferior da classificação de países – em 34 países da OCDE,
foi o 28.º em Matemática e 27.º em Leitura e em Ciências. Ou seja,
muito abaixo dos seus países vizinhos do norte da Europa. Pior: entre
2000 e 2012, nenhum país piorou tanto como a Suécia.

A queda nos resultados foi transversal. Nas três áreas de avaliação
(Leitura, Matemática e Ciências), a percentagem de alunos com muito
maus desempenhos aumentou. Por exemplo, em Matemática essa percentagem
passou de 17% do total em 2003 para 27% do total em 2012 – um aumento
muito acentuado e o maior entre a OCDE. No mesmo sentido, a
percentagem de alunos com muito bons desempenhos diminuiu em todas as
áreas, sendo que em Matemática, entre 2003 e 2012, essa percentagem
reduziu-se para metade (de 16% para 8%). Ou seja, os alunos pioraram a
todos os níveis e em todas as áreas.

A deterioração dos resultados não se manifestou somente no PISA. A
mesma tendência surgiu noutras avaliações internacionais, como o TIMSS
(que mede competências em matemática) e no PIRLS (que mede
competências em leitura). No TIMSS, entre 1995 e 2011, os alunos
suecos pioraram em 55 pontos – a maior queda entre os países
participantes. E, no PIRLS, entre 2001 e 2011, os alunos suecos de
10/11 anos exibiram uma acentuada queda nos seus desempenhos (ver
gráfico 3).

Se os resultados negativos são inequívocos, o que justificou a demora
na reacção das autoridades suecas? A pergunta é óbvia, mas enganadora.
Ao longo dos anos, as autoridades suecas até foram afinando as
características do seu sistema educativo (como está visível no gráfico
1). O ponto é que essas alterações não foram suficientemente profundas
e ágeis para produzirem resultados imediatos. E parte da prudência com
que essas alterações foram preparadas está relacionada com um fenómeno
curioso: enquanto as avaliações internacionais apontavam para um
descalabro, as avaliações nacionais indicavam uma melhoria consistente
dos resultados escolares (ver gráfico 4). É claro que as avaliações
não são todas iguais nem medem todas as mesmas competências, pelo que
não é forçoso encontrar aqui uma contradição. Contudo, transformar uma
tendência tão negativa numa tendência positiva levantou suspeitas. E,
consequentemente, críticas da própria OCDE quanto à fiabilidade das
avaliações nacionais na Suécia. O maior dos problemas? A disparidade
entre os critérios de avaliação utilizados por parte dos professores,
que inviabilizaria as comparações entre escolas.

É habitual falar-se sobretudo de desempenhos escolares. Mas, da mesma
forma que a educação não é apenas as notas, os problemas do sistema
educativo sueco manifestaram-se noutras áreas. Nomeadamente numa: a
equidade entre escolas. Em 1998, a diferença de resultados entre
escolas rondava os 8%. Em 2011, ultrapassava os 18%. Este dado foi um
dos mais discutidos ao longo dos anos. Seria uma consequência da
reforma? Seria uma consequência da imigração? Não há respostas
definitivas para nenhuma das perguntas em termos de relação
causa-efeito. Mas, dito isto, seria uma ingenuidade ignorar que, com
maior ou menor intensidade, tanto a reforma como a imigração
contribuíram para este acentuar de desigualdades.

O que se diz (erradamente) que provocou a queda de resultados?

Identificar os sintomas é fácil. Fazer o diagnóstico correcto é
difícil. Quem segue o debate público na educação já de certo ouviu
várias explicações para o que sucedeu na Suécia. Duas explicações em
particular. Primeira: por causa do aumento de imigrantes na Suécia, a
entrada de alunos estrangeiros no sistema educativo puxou os
resultados para baixo. Segunda: a entrada de escolas privadas na rede
pública e o exercício de escolha da escola por parte de país
desequilibrou o sistema e deteriorou a qualidade das escolas
municipais. No debate político, a primeira é mais comum à direita e a
segunda mais comum à esquerda. Quem tem razão? Ninguém: ambas as
explicações estão erradas.

Comecemos pela imigração. A primeira década dos anos 2000 observou um
aumento da imigração na Suécia. E, efectivamente, em 2012 nenhum país
escandinavo tinha uma taxa tão elevada de alunos imigrantes como a
sueca: 15%. Estes são os factos que, à partida, poderiam sugerir um
impacto directo da imigração nos desempenhos médios dos alunos suecos.
Só que, analisando os dados das avaliações internacionais, essa
relação não surge como tantos alegam. Mesmo que superior à taxa em
2003 (12%), em 2012 a diferença é pequena e pequena é igualmente a
influência desses alunos na descida transversal dos desempenhos
escolares. É que todos os alunos pioraram, fossem imigrantes ou não,
frequentassem ou não escolas com maior presença de alunos imigrantes,
estivessem ou não em municípios com imigração.

Isto não significa que a chegada de alunos imigrantes, com bases
escolares abaixo das exigências suecas e muitas vezes sem sequer falar
a língua, não causasse dificuldades ao sistema educativo sueco. Ainda
hoje esse é um grande desafio. Mas um desafio à parte. Simplesmente, a
imigração não justifica a queda dos desempenhos dos alunos suecos nas
avaliações internacionais.

O que dizer, então, da liberalização do sistema educativo, que
introduziu escolas privadas na rede pública? Que, em termos de
desempenhos escolares, não está relacionada com a queda de resultados.
Apesar de este ser um dos aspectos que mais controvérsia gera no
debate, os dados do PISA não confirmam a existência dessa relação
causal. E, de facto, é simples perceber os fundamentos dessa rejeição.
Primeiro, porque apenas uma minoria dos alunos frequenta escolas
privadas na rede pública (ver gráfico 5) – e todos os alunos suecos
baixaram os seus resultados. Segundo, porque não há escolas privadas
na rede pública em todos os municípios – mas a baixa de resultados foi
transversal no país. Terceiro, porque não há indicadores de as escolas
privadas prejudicarem resultados para os seus alunos ou para os das
escolas à sua volta. E se os resultados pioraram ao longo de uma
década, é factual que, entre 2006 e 2015, a percentagem de alunos de
15 anos em escolas privadas duplicou (de 8% para 16%), num período em
que os resultados no PISA até melhoraram – ou seja, não há aqui
nenhuma relação causa-efeito, seja num sentido seja noutro.

Resumindo: a raiz do problema não estava nos sítios para onde toda a
gente tem estado a olhar e para onde o debate político focou as suas
atenções.

Sendo assim, qual é o diagnóstico correcto?

A pergunta não motivou apenas o debate público, levou peritos
internacionais à Suécia para tentar responder ao mistério. E a
principal conclusão é que a raiz do problema estava na forma
precipitada como se implementou a descentralização de competências
para os municípios, entregando a autonomia de decisão a quem não
estava preparado para a assumir. Vejamos o diagnóstico, a partir de
duas sínteses da OCDE – Improving Schools in Sweden (2015) e Shifting
Responsabilities: 20 Years of Educational Devolution in Sweden (2014)
– destacando três principais problemas.

Primeiro: a falta de uma visão sistémica e de capacidade instalada. A
reforma definiu-se pela sua brusquidão. De um momento para o outro,
entregaram as responsabilidades da governação da educação aos
municípios – sem apoio ou orientação das autoridades centrais.
Resultado: uma montanha de equívocos. Uma vez que os municípios não
foram preparados para a transição, ou sequer consultados durante o
processo de concepção da reforma, ficaram desorientados sem perceber,
efectivamente, quais eram as suas novas responsabilidades.
Consequentemente, cada município fez o possível em função das
circunstâncias com que se foi deparando, sem qualquer estratégia ou
visão sistémica. E, também, com grandes falhas de capacidade
instalada, uma vez que os municípios não tinham recursos humanos
qualificados para assumir as novas funções.

Segundo: um desequilíbrio de poderes. Por um lado, as autoridades
centrais definiram para si mesmas competências de monitorização e
fiscalização do desempenho do sistema educativo. O problema foi que
falharam em construir os instrumentos necessários para impor o
respeito pelas regras e pelos objectivos definidos a nível nacional.
Na prática, os seus poderes ficaram muito limitados, dificultando a
relação com os municípios incumpridores – não havia forma de forçar o
cumprimento de estratégias que assegurassem o respeito pelas metas
nacionais. Por outro lado, nos municípios, o poder de distribuição das
verbas orçamentais pareceu demasiado pesado para as suas estruturas.
Sem capacidade para gerir a informação e os dados para aferir as
necessidades das escolas, as verbas foram essencialmente distribuídas
em função de escolhas políticas, desvirtuando as regras do sistema de
financiamento. O reconhecimento destes problemas levou a que, ao longo
de uma década, a Suécia procurasse reforçar as suas instituições de
monitorização, revendo a sua natureza e os seus poderes – por exemplo,
em 2003 voltou a haver inspecções nas escolas por uma autoridade
central e, em 2008, criou-se mesmo uma agência exclusivamente para a
inspecção das escolas.

Terceiro: a impreparação dos professores para lidar com novos
desafios. A transição de competências para municípios e o aumento de
autonomia nas escolas, que foram um choque para muitos professores. A
ausência de orientações de uma autoridade central deixou, para muitos,
um vazio inesperado: que opções curriculares tomar, que abordagens
pedagógicas preferir, que projecto educativo implementar? Os
professores suecos não estavam preparados para terem de tomar estas
decisões. Além de que, no processo de desenho da reforma, poucas vezes
foram consultados. A adaptação fez-se no terreno, com a implementação
da reforma em andamento – o que, obviamente, significa que sob pressão
nem sempre se tomaram as opções mais correctas.

Dito de forma simples: a reforma do sistema educativo sueco bloqueou
nas questões organizacionais. Ao nível das autoridades locais, que
sentiram dificuldades em assumir as novas responsabilidades. Ao nível
das autoridades centrais, que não souberam desde início tomar uma
posição de monitorização e fiscalização suficientemente forte,
deixando o sistema entregue a si próprio. E ao nível das escolas, onde
professores e directores tiveram a necessidade de tomar decisões para
as quais não se tinham preparado atempadamente.

Ora, feito o diagnóstico, aplicou-se o tratamento. Nos últimos cinco
anos, reforçaram-se os mecanismos de prestação de contas, com regras
mais apertadas para as inspecções escolares. Harmonizaram-se as regras
de fiscalização às escolas, sendo comuns para municipais e privadas.
Reviu-se o currículo e as metas, tornando-as mais claras e fáceis de
apreender. Introduziu-se um novo sistema de avaliação para tornar mais
fiável a monitorização dos desempenhos dos alunos. Apostou-se na
formação inicial dos professores e impôs-se a obrigatoriedade de
realização de estágio pedagógico. E flexibilizaram-se as regras de
financiamento, de modo a poder apoiar alunos à medida do grau das suas
necessidades – alunos com mais dificuldades justificam maior
financiamento às escolas.

Os resultados apareceram. No PISA 2015, a Suécia inverteu a tendência
negativa, com resultados equiparados ou superiores à média da OCDE nas
três áreas avaliadas (ver gráfico 6). A melhoria de desempenhos foi,
de resto, transversal: diminuiu a percentagem de alunos que se
posiciona no fundo e aumentou a percentagem dos que alcançam
desempenhos de topo. Nada disso impede o reconhecimento de que muitos
dos desafios ainda estão por resolver, nomeadamente quanto à imigração
e às desigualdades sociais. Mas, após uma década em queda, o recente
PISA 2015 permite um optimismo moderado quanto ao futuro do sistema
sueco.

So what? As três lições políticas a retirar da reforma educativa na Suécia

Primeiro: as reformas baseadas na ideologia, em vez de num plano
sustentado em evidências, reúnem todos os ingredientes para correr
mal. Olhando para trás, é impressionante como o governo sueco alterou
os pilares de todo um sistema educativo sem ter um plano sustentável
para o efeito, como se viu na posterior implementação e desorientação
de todos os envolvidos.

Segundo: se é certo que a reforma, tal como desenhada no início, não
correu bem, os motivos por detrás disso estão muito longe daqueles que
ainda motivam o debate político. Tanto a direita como a esquerda,
inclusive em Portugal, recorreram aos seus preconceitos para avaliar a
reforma – seja culpando a imigração (direita) ou as escolas privadas
(esquerda). Em boa verdade, o que falhou na reforma do sistema
educativo foi o aspecto organizacional – a descentralização, a nova
divisão de responsabilidades, a capacidade instalada para tomar
decisões sem pressões do ministério, a preparação para tirar proveito
da autonomia, os mecanismos de avaliação e de fiscalização. Se,
durante anos, o debate se alongou, hoje o diagnóstico está feito.
Insistir no erro, de um lado ou de outro, já não tem desculpa.

Terceiro: se os suecos falharam no planeamento da implementação da
reforma, acertaram na correcção dos seus erros. Em momento algum
esteve em causa uma reversão política do caminho trilhado e a
destruição dos pilares que definiram a reforma do sistema educativo.
Os ajustes e as melhorias introduzidas foram respostas necessárias a
problemas concretos. Andar aos ziguezagues, entre reformas e
contra-reformas, nunca é a solução.

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