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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sábado, março 31, 2012

# Criminalidade geral desceu 2% relativamente ao ano passado

30.03.2012 - 19:45 Por Mariana Oliveira
http://www.publico.pt/Sociedade/criminalidade-geral-desceu-dois-por-cento-relativamente-ao-ano-passado-1540125

Aumentou a criminalidade participada em algumas regiões do interio
(Rui Gaudêncio)
A criminalidade geral participada às forças de segurança (PSP, GNR e
PJ) diminuiu em 2011 2% relativamente ao ano anterior uma redução
menos visível nos crimes violentos e graves que decresceram apenas
1,2%. Os números foram anunciados há pouco pelo juíz-desembargador
Antero Luís, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI),
numa conferêcia de imprensa.

A apresentação do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) começou
às 19h30 no Palácio de São Bento, em Lisboa, após uma reunião breve do
do Conselho Superior de Segurança Interna onde os dados foram
apresentados ao primeiro-ministro, Passos Coelho, e aos ministros com
responsabilidades nesta área.

Ao contrário do que aconteceu nos últimos anos, o documento não foi
logo disponibilizado para consulta pública na Internet, o que deverá
acontecer apenas na próxima semana.

Os crimes contra as pessoas desceram mais de 5%, destacando-se uma
diminuição das ofensas à integridade física e da pornografia de
menores. Verificou-se, por seu lado, um aumento dos crimes contra o
património (2%), tendo havido uma subida acentuada dos roubos por
esticão (mais 21,2% que significam mais 1386 participações) e do roubo
em ourivesarias (14,2% que significam mais 17 participações).

O furto em residências também aumentou 6,2%, tendo sido registados
pelas polícias mais 1658 casos, um crescimento inferior ao roubo em
casas (7,3% com mais 130 casos), um tipo de crime que implica a
existência de violência. Nos decréscimos, destacam-se os casos de
homicídio consumados (menos 17,6%), a violência doméstica (com menos
2255 participações) e os roubos na via pública (menos 11,4% com menos
1079 participações) com excepção do esticão.


Em termos distritais, os dados divulgados hoje, apontam para um
aumento da criminalidade participada em algumas regiões do interior,
bastante menos que algumas zonas do litoral. Exemplo disso é o
distrito de Portalegre onde os crimes registados subiram 10,3%, um
número mesmo assim bastante inferior ao crescimento de 32,2% relativo
apenas à criminalidade violenta e grave.

Em Bragança contabilizou-se uma aumento da criminalidade participada
em 9,9%, um valor que sobre para os 24,2% quando se consideram apenas
os crimes mais graves. Lisboa (mais1,8%) e em Setúbal (mais 1,1%), que
em conjunto com o Porto continuam a ser os distritos com uma maior
criminalidade, registaram um aumento ligeiro da criminalidade
participada.

quinta-feira, março 29, 2012

# Poupança: depósitos dos portugueses batem novo máximo

Particulares depositaram 127.552 milhões nos bancos até final de Setembro

RL 2011-11-07 16:35
http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/depositos-crise-poupanca-portugal-banca-agencia-financeira/1296472-1730.html

Os portugueses depositaram nos bancos 127.552 milhões de euros, só até
Setembro. Este valor representa um aumento de 541 milhões de euros,
face ao final de Agosto e um novo máximo histórico, divulga esta
segunda-feira o Banco de Portugal.

Os dados provisórios mostram que o valor total em depósitos de
particulares já acumula subidas mensais consecutivas há um ano,
batendo sucessivos máximos históricos.

A última vez que os depósitos diminuíram foi entre Agosto e Setembro
de 2010 e desde aí não pararam mais de subir, de forma mensal.

Comparando com o valor registado no final de Setembro de 2010, estavam
depositados na conta de particulares no final de Setembro deste ano
mais 10.693 milhões de euros.

Já os bancos estão a fechar as torneiras às famílias: o crédito
concedido voltou a cair, em especial o crédito habitação que atingiu
mínimos de oito anos.

# O comboio que liga Portugal à Alemanha (ou a falta que faz o Luís)

Henrique Raposo (www.expresso.pt)
http://expresso.sapo.pt/o-comboio-que-liga-portugal-a-alemanha-ou-a-falta-que-faz-o-luis=f702998#ixzz1laWiKzvT
Segunda feira, 6 de fevereiro de 2012

Na sexta-feira, perante o desprezo olímpico dos média portugueses,
Portugal e a Alemanha passaram a estar ligados por um comboio de
mercadorias semanal, gerido pela empresa DB Schenker . Como dizia o
Negócios de 18 de Janeiro, este é um "serviço regular pioneiro na
passagem pelos Pirinéus". No tempo de Sócrates e do Luís, este seria
um dia histórico na economia portuguesa. No tempo da AD, ninguém deu
por isso. O Luís faz muita falta.

Repare-se que este não é apenas o pouca-terra-pouca-terra da
Auto-Europa. O serviço prestado ajuda outras empresas exportadoras. A
DB Schenker garante que a ida Portugal-Alemanha é um sucesso
garantido, pois os pedidos já ultrapassam a capacidade do comboio. Ou
seja, a ida das exportações está cheia a 100%. E a volta
Alemanha-Portugal? A taxa de ocupação é de apenas 60%. Porquê? "É que
Portugal já não importa como dantes", diz o responsável português pela
DB Schenker. Isto devia ser música para os nossos ouvidos. Este
comboiozinho é o símbolo de algo muito positivo que está a acontecer
neste momento (as we speak, como dizia meu avô): as nossas exportações
continuam a subir e as nossas importações estão a diminuir. É por isso
que 2012 pode marcar o primeiro excedente comercial em (muitos,
muitos, muitos) anos. Talvez em décadas: em outubro, Van Zeller dizia
que, desde que há registo histórico fidedigno, as exportações cobriram
as importações pela primeira vez em setembro . O Luís, na altura,
também não deu importância ao facto, mas não deixa de ser
extraordinário que a sociedade portuguesa consiga fazer este
ajustamento em tão curto espaço de tempo.

A recessão que estamos a viver advém do fim de um modo de vida
suicidário que mantivemos durante demasiado tempo. Pedíamos dinheiro
emprestado ao exterior (importação de guito) para comprarmos produtos
importados (importação de cenas). Se continuássemos neste caminho das
importações, entraríamos em bancarrota. Aliás, entramos em bancarrota
de jure. Só a troika impede a bancarrota de facto. Por outras
palavras, esta recessão era necessária. É como os prejuízos da banca:
dói, mas é necessária. Agora, com a ajuda de algum Luís, seria
porreiro que as TVs deste santo país mostrassem o comboio que é o
símbolo da coisa mais importante que está a acontecer ao país: o fim
do desequilíbrio na balança exportações/importações. Mas não dá para
fazer um directo circense e neorealista a partir de um comboio, não é
verdade?

Ler mais: http://expresso.sapo.pt/o-comboio-que-liga-portugal-a-alemanha-ou-a-falta-que-faz-o-luis=f702998#ixzz1qUtpAxOx

quarta-feira, março 21, 2012

# Portugal tem salários baixos para a produtividade que tem?

Dados do Eurostat:
 
Produtividade de Portugal 76% da média UE-27
 
Custos de trabalhador por hora, Portugal é 53% da UE-27 (Portugal - 12Euros, UE-27 - 22,5Euros)
Afinal parece que nos outros países ganha-se demasiado comparando com a nossa produtividade nacional.
Será que alguma TV pegará nisto?

terça-feira, março 20, 2012

# Arranjaram um Deus que mete medo - Entrevista com Anselmo Borges

Jn.pt 

Por Alexandra Tavares Teles Fotografia de Leonel de Castro/Global Imagens (não incluída)

 

Teólogo, filósofo, professor universitário, cronista e autor de vários livros. Crítico reconhecido de diversos aspetos da doutrina oficial católica, o padre Anselmo Borges fala por uma vez de si e do processo de conversão que o levou a pôr em causa a ortodoxia da Igreja Católica. Um percurso polémico e um processo exigente, iniciado aos 25 anos com a primeira crise e uma acusação de heresia e resolvido aos 50, depois de um ajuste de contas consigo próprio. Pelo meio, confirmou que o inferno, afinal, não existe. «Foi uma libertação.»

Disse, numa entrevista, que gostaria de escrever um livro com o título Diálogos Comigo. Com que frase abriria esse livro? 

_Sou muitos, a realidade é infinitamente complexa e, para entender, eu quero fazer um ajuste de contas comigo mesmo, com os outros e com Deus. 

Que contas são essas que tem a ajustar com Deus? 

_Por que é que há tanto sofrimento e mal no mundo? Como se pensa o mundo sem Deus? Como se pensa o mundo com Deus? 

Vê Deus antes de mais na pergunta. Quando começou essa necessidade da pergunta pelo fundamental? 

_Decidi-me a ser padre com 19 anos, porque fui sempre, não sei bem explicar porquê, muito afetado pelas grandes perguntas da vida, concretamente pelo sentido último da existência. Tendo encontrado Cristo, pensei que valia a pena dedicar a minha vida ao anúncio da sua mensagem, que dá sentido à vida e à morte. 

Quando percebeu que seria um padre «problemático»? 

_A primeira imagem que tenho de mim é a de alguém que reivindicou autonomia. Tinha 3 anos e o meu pai mandou-me apanhar uma faca que caíra ao chão. De facto, não tinha sido eu a deitá-la ao chão. Ele fez tudo para que eu a apanhasse, abriu, inclusivamente, a minha mão, mas eu não a levantei. Recordo-me de em miúdo pensar que uma vida de pura obediência aos pais e a Deus seria uma vida oprimida e sem interesse. Por isso, quando procuro o fio condutor da minha vida de padre, julgo encontrá-lo no facto de lutar pela liberdade, contra a dogmática fixista, que pensava deter a verdade toda e definitiva. Eu precisava de conviver com a humanidade toda e pensamentos outros. 

Como lidou então com o imperativo de obediência a Deus e a vida do seminário? 

_Fui para o seminário em 1954 e devo dizer que tenho uma boa recordação. Os formadores interessavam-se e queriam o nosso bem. Havia muita disciplina, sentido do trabalho, mas, ao mesmo tempo, muitos recreios. Aquilo fazia sentido, tinha bastante equilíbrio. O aspeto mais negativo está ligado com a afetividade, que ficava muito bloqueada. Em grande parte resolvi essa questão porque tive sorte, convivi com famílias sãs e muitos jovens, rapazes e raparigas, que ajudaram a quebrar o bloqueio. Mas ainda haverá marcas. 

Nasceu em 1944, em Resende. O sacerdócio foi uma vocação de infância?

_A minha mãe era muito religiosa e o meu pai era crente a sério, embora muito crítico em relação à religião oficial. Portanto, tiveram uma profunda alegria em ter dois filhos padres. Nunca pretenderam tirar benefícios materiais desse facto. Por isso é que nós estivemos, e estamos, num instituto missionário. O meu irmão mais velho sempre quis ser padre. E eu acabei por ir também, até porque ele estava lá. Mas fui padre convictamente.

Chegou a pensar que para conviver com a humanidade toda teria de renunciar a Deus e à Igreja?

_Renunciar, não. Mas rever, desconstruir e reconstruir. A primeira crise foi aos 25 anos, ensinava no Instituto Superior de Estudos Teológicos do Porto, acabado de chegar de Roma. Mas ensinava sem grande convicção. Era pequeno e pouco o que me tinham ensinado, no sentido de que aquilo eram sobretudo doutrinas e fórmulas e não vinha de dentro. Que diabo, pensava eu, não é bem isto. E, certo dia, reuni com os meus colegas padres do seminário, para dizer-lhes: «Eu não acredito que a Igreja Católica tenha a verdade toda. Portanto, se vocês acham que estou a ser desonesto para com a Igreja, eu saio.» Não sei se perceberam bem o que eu lhes disse, mas a verdade é que me disseram para continuar.

Depois do seminário, seguiu para Roma, para a Universidade Gregoriana. Que relato faz desse tempo?

_Aquilo que mais me impressionou não foi o esplendor do Vaticano, mas sim o esplendor cosmopolita. Íamos de Portugal, um país sem democracia, que estava em guerra colonial, não havia pluralismo. Quando cheguei a Roma, a televisão tinha debates, havia vida e foi isso que me seduziu. A liberdade de debate. Estávamos em 1967, o Concílio Vaticano II tinha acabado em 1965, e ainda havia os ecos em ebulição. Foram tempos de liberdade e de cosmopolitismo. Essa foi a grande experiência. Comprei um bilhete de estudante e viajei por toda a Europa. Andei a ver e a ganhar mundos, que era o que eu queria.

Nessa altura viveu também na Alemanha. Como lidou com outros credos e outras maneiras de ser cristão?

_Saíamos daqui dogmáticos. Fora da Igreja, que sabia tudo, não havia salvação. Enquanto miúdos fomos permanentemente formados nisso. Diziam-nos que os protestantes eram gente com quem não podíamos contactar, que estavam condenados ao inferno. Muito jovem, na Alemanha, uma família protestante convidou-me para jantar. E o mesmo aconteceu com uma família muçulmana. E perante eles, pessoas admiráveis - pessoas, tão simples quanto isso -, pensei o que hoje pode parecer e é normal, mas que na altura era um enorme atrevimento: em primeiro lugar, somos todos homens, não podemos andar aqui a levantar barreiras. E daí ter surgido a minha primeira crise: era preciso repensar a Igreja e a própria figura de Jesus.

Regressa a Portugal em 1970. Leciona no Instituto Superior de Estudos Teológicos do Porto [ISET], promove conferências em que participam intelectuais como Óscar Lopes, e é considerado herético. Como é que recebeu a acusação?

_Fui considerado herético pelo bispo de Portalegre e Castelo Branco de então, que foi acusar-me ao diretor do ISET. Mas o diretor esteve muito bem e desafiou-o a apresentar por escrito as minhas heresias.

E ele apresentou?

_Tanto quanto sei, não.

Teve alguns escritos proibidos pela PIDE e realizou em 1972 um colóquio sobre o tema «Fé e contestação».

_Foi uma clara provocação ao regime. Sim, alguns escritos estiveram proibidos e disseram-me, e é verdade, que o meu nome constava na PIDE. O colóquio, que realizei em 1972, foi de facto um arrojo, um atrevimento, que só foi possível graças a D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, um homem notável, que sempre me apoiou.

Em 1974, com 30 anos, trabalhava ativamente com jovens. Nesse ano, compôs um Credo, em que se cria mais em Deus do que na Igreja. Recorda-se do texto?

_Até está publicado. Em síntese, diz que «cremos em Deus Pai, que por amor criou todas as coisas. E em Jesus Cristo, que foi totalmente livre, que amou a todos, amigos e inimigos, que triunfou da morte e que está vivo, mostrando assim que o sentido da existência é a vida e não a morte».

Em 1977 é vice-presidente do Instituto António Sérgio.

_Para satisfazer o pedido insistente do presidente, um grande amigo, Fernando Ferreira da Costa. Mas foi uma passagem curta, pois o meu superior - veja a linguagem eclesiástica: superior - comunicou-me que aquele cargo era incompatível com a minha condição de membro da Sociedade Missionária.

É nessa altura que começa a frequentar o Botequim da Natália Correia.

_Sim. Conheci então vários políticos, nacionais e no estrangeiro, e figuras da cultura, e perdi alguma inocência política. Não quero nem posso generalizar, mas há nos políticos algum distanciamento do povo, alguma incompetência. É dessa altura o meu encontro com a Natália Correia, que simpatizava comigo. Era uma mulher da cultura e profundamente preocupada espiritualmente. Quando morreu, pediram-me para ir dizer umas palavras no funeral.

Fez teatro no seminário. Que livros, que música, que pintura, aprecia e o comovem?

_Sempre pensei que a primeira revolução é a da cultura. A Natália também tinha essa ideia. Fiz teatro, no seminário. Fiz um curso de visualização de cinema, em Roma. Livros, li tudo o que pude (antes do 25 de Abril, amigos meus traziam-me livros proibidos do estrangeiro): literatura, filosofia, teologia. Aprecio sobretudo a grande música clássica, que pode comover-me até às lágrimas - a música é o divino no mundo. Tive a oportunidade de viajar e não perdi os grandes museus - falo aos estudantes de grandes quadros, por exemplo, As Botas, de Van Gogh, em Amesterdão.

Depois da licenciatura em Teologia, fez sociologia em Paris, e Filosofia, em 1985, em Coimbra. Estava a preparar-se para a luta consigo próprio que se aproximava?

_Certamente. Estudei sobretudo por causa de mim, para entender-me e entender o mundo. Isto é, precisava de estar no mundo de uma forma ordenada e honesta. Estudei Teologia. Depois, fui ver como funcionavam as instituições, sobretudo as religiosas, daí ter seguido Ciências Sociais. E, mais tarde, fui para a Filosofia, para meter mais a razão ao barulho.

Lembra-se de alguma experiência marcante nesta luta?

_Várias. Mas sobretudo a que me levou a acabar com o medo do inferno. Em 1989, tinha eu 45 anos, comprei em Friburgo, Alemanha, a última obra do teólogo Edward Schillebeeckx, Homens. A História de Deus. Na viagem de comboio para Genebra, li-a e lá estava a confirmação da minha intuição: «não há inferno». Isto foi uma libertação: se houvesse possibilidade de alguém dizer definitivamente não a Deus, então, na morte, ficava no nada. Ora, o nada é melhor do que o sofrimento eterno. Somos limitados, a nossa liberdade é pequena e muito condicionada - então, como é que uma liberdade condicionada pode determinar uma vida eterna falida? Não há condenados. Foi uma experiência absolutamente marcante.

Mas há céu?

_Espero convictamente que, na morte, não cairemos no nada, mas na plenitude da vida de Deus. Assim, a nossa vida neste mundo é a sério e tem consequências no além, pois Deus não pode levar à plenitude possibilidades que não realizámos aqui. Como é? Ninguém sabe.

Quando se deu finalmente a rutura com a ortodoxia?

_Mas eu sou ortodoxo, no sentido de seguir a reta doutrina; procuro é interpretá-la para o tempo atual. De qualquer forma, em 1994, já melhor apetrechado, com mais mundo, já depois de aprofundar mais a história do pensamento e contactar de perto com grandes teólogos e filósofos, disse para mim mesmo: «Vou pôr entre parêntesis tudo aquilo que me ensinaram. Vou repensar tudo isto. Veremos o que vai resistir e o que não vai resistir.» Não foi por arrogância, eu é que precisava de fazer um ajuste de contas comigo. Tinha de formar um puzzle - eu, Deus, os outros, as ciências. E o puzzle começou a compor-se. E consegui articular a minha fé com os diferentes saberes e os diferentes posicionamentos dos homens e das mulheres, ao longo dos tempos. Agora estou de bem.

Foi um processo doloroso?

_Muito, muito. Foi complicado. Tive de desconstruir aquilo que me tinham dado e que me tinham ensinado, foi profundamente doloroso para mim.

Ao longo desse tempo, nunca duvidou da fé?

_A minha fé convive com a dúvida. É fé, embora com razões. Mas compreendo bem os agnósticos e os ateus. A fé não tem que ver, em primeiro lugar, com dogmas. Nós não acreditamos em dogmas. Isso são coisas, é o divino «coisificado». Nós acreditamos em Deus e em Cristo.

Há quem o considere um teólogo, sim, mas não da doutrina católica.

_Eu considero-me católico, até etimologicamente falando, pois católico quer dizer universal. E, na Igreja Católica, deve haver liberdade de pensamento e haverá inevitavelmente conflitos de interpretações. Portanto, exerço esse meu direito e, diria também, esse meu dever. Talvez me tenha desligado da «ortodoxia» no sentido vulgar da palavra, mas, como procuro ser leal, julgo que estou de acordo com o essencial.

O que é o essencial?

_O essencial é pouco e é tudo: acreditar em Deus enquanto mistério último da realidade, que é amor e nos é favorável, e acreditar em Jesus, o Cristo. E acreditar também nos homens e nas mulheres.

Há uns anos, no final de uma conferência, uma senhora comentava: «Estava tudo a correr tão bem até chegar o padre ateu.» Esta incomodidade que suscita em alguns crentes é um elogio?

_Poderia ser um elogio, no sentido em que o crente verdadeiro tem de começar por ser ateu, tem de derrubar todos os ídolos. Só depois é que pode, verdadeiramente, acreditar no Deus verdadeiro.

Acredita em Fátima?

_Pode ser-se católico e não acreditar em Fátima. Mas não excluo que os pastorinhos tenham tido uma experiência religiosa própria de crianças.

Que relação mantém com a hierarquia que tanto critica?

_Uma relação leal de diálogo, uma relação agradável com muitos bispos, inclusivamente, fui colega de alguns na universidade. Do cardeal-patriarca, por exemplo, na Universidade Gregoriana, um excelente colega, bem-disposto.

Recebe reparos? Por exemplo, quando argumentou que em certos casos o uso do preservativo pode ser moralmente obrigatório?

_É possível que, uma ou outra vez, alguns bispos sintam alguma incomodidade com o que eu digo e escrevo, mas eu também a sinto em relação àquilo que alguns deles dizem e fazem.

Tem um amigo, um interlocutor especial na Igreja portuguesa?

_Não. Mas houve pessoas, três grandes amigos, professores com os quais fui dialogando. E a minha irmã, que sempre me vai dizendo: «Alguns podem não gostar, mas não tenhas medo, tu tens razão.» Por paradoxal que pareça, tenho uma imensa dívida de gratidão para com um filósofo ateu, que conheci pessoalmente, Ernst Bloch.

E como é que o seu irmão, também padre, olha para o seu percurso?

_Como irmão.

Denuncia falta de liberdade de expressão na Igreja. Algum dia sentiu esse medo de falar ou escrever?

_A estrutura do medo pode ser interiorizada. E também há os medos espirituais, que são os piores. Os fiéis têm medo do padre, o padre tem medo do bispo, os bispos têm medo do papa e o papa tem medo de Deus. Isto não faz sentido. O medo tolhe e leva à agressão. Arranjaram um Deus que mete medo. Ora, se Deus mete medo, é melhor ser ateu. Uma vez fiz um exercício: «Este Deus não existe; se existisse, matava-me.» Não me matou; portanto, fiquei livre. Deus não pode ser terrífico. O filho de Abraão, Isaac, tornou-se ateu, seguramente, pois Deus «mandou» que o pai o sacrificasse. Nós pregamos barbaridades. Há aqueles que se espantam por haver tão pouca gente na missa, eu espanto-me por ainda haver muitos que vão à missa. Houve milhões de pessoas para as quais teria sido preferível nunca terem ouvido a palavra «Deus». Ficaram com a vida estragada. Por isso é que admiro aqueles ateus que ousaram levantar perguntas, quando pensar diferente levava à fogueira do inferno e da Inquisição. São santos da humanidade.

Pregar «Deus é Amor» pode levar os crentes a concluir: «Então faço o que quero», dizem os conservadores da Igreja.

_Nada disso. Dizer isso é uma estupidez, pois significa desconhecer o que é o amor. O amor é tremendamente exigente, entre homens e mulheres, entre amigos, com Deus. O amor implica dignidade e capacidade de entrega e sacrifício pelo outro.

De 1983 a 1986 viveu em Moçambique como professor no Seminário Maior. O que ganhou dessa experiência?

_Era considerado o pior país do mundo para viver. Era uma guerra civil terrível. Ali, aprendi muita coisa. Aquilo era um horror - um regime comunista tirânico. Havia a fome e ao mesmo tempo gente generosa. E alegre, apesar de melancólica. Foi uma lição.

Agora que tem o mundo ordenado, qual é a grande questão que coloca a Deus?

_A grande pergunta com que sou confrontado também pelos crentes: o sofrimento das crianças inocentes - é uma tragédia pessoal, o meu coração fica partido. E também «porque é que há tanta estupidez no mundo?» Sabe, eu tenho alguma confiança na razão, na inteligência. Acho que Deus poderia ter feito isto um bocadinho melhor. Que Ele me perdoe.

Que resposta recebe?

_Deus não podia criar um mundo infinito, portanto, sem limitações, porque isso é contraditório. Assim, num mundo finito, o mal é inevitável. Depois, no meio do sofrimento, temos de encarar a vida e cada um dá a sua resposta. A resposta do crente é que isto é um processo, esperamos confiada e ativamente que, para lá do espaço e do tempo, se realize o cumprimento da esperança.

Como é que explicaria o perdão católico às mães dos jovens que foram assassinados na Dinamarca por Anders Breivik?

_Até o filósofo Derrida, nos últimos tempos de vida, colocou essa questão. «É a partir do perdão que pode surgir a questão da religião», dizia ele. O carrasco não tem o direito ao perdão. E a vítima não é obrigada a perdoar. Portanto, o perdão transcende a justiça.

É nesse sentido que diz que o perdão é um milagre?

_Exatamente, porque não é da ordem do cálculo. Sou muito sensível à dívida para com as vítimas inocentes da história. Quem paga essa dívida? Este é um ponto fundamental para colocar a questão de Deus.

Como é que lida com a morte?

_Não me reconcilio com a morte, mas tento. Veja: a morte confronta-nos com o nada. Por isso é que não temos medo dela, mas sim angústia. O medo refere-se a algo concreto; a angústia, ao nada. Então, tudo desaba. Tento reconciliar-me com a finitude e procuro viver aqui e agora, de forma intensa. Só uma vida amada e amante é que pode esperar a vida eterna.

Deus é indefinível, diz. Mas qual é a palavra mais aproximada?

_Acho que há três palavras: Criação, Amor, Beleza.

Comemoram-se este ano cinco décadas do Concílio Vaticano II. Que é feito da abertura que ele trouxe?

_João Paulo II fez um imenso apelo à compreensão dos homens, entrou numa sinagoga, numa mesquita. Hoje são gestos evidentes, mas na altura não eram e foram muito dignificantes. Também numa encíclica, defende os trabalhadores e diz que o trabalho tem precedência sobre o capital. Isso é notável. Julgo, também, que foi o primeiro papa a falar de ecologia. Mas ao mesmo tempo que pediu perdão pelos crimes da Igreja, foi um papa que condenou muitos teólogos. Um tempo em que os lugares importantes foram sendo ocupados por bispos conservadores, para que travassem o Concílio Vaticano II. Com o papa João Paulo II e com o atual papa houve muito recuo. A Igreja Católica vive uma crise imensa e o problema maior é a Cúria Romana.

Há quem atire a culpa da crise da Igreja precisamente para o Concílio. Como estaria a instituição se ele não tivesse existido?

_Sem o Vaticano II a Igreja seria uma seita.

Em 2000 defendia a realização de um concílio. E hoje?

_Hoje temeria isso, porque, entretanto, Roma foi tapando perspetivas que vinham do Concílio Vaticano II. Temeria que, hoje, em vez de abrir, um concílio fechasse ainda mais.

A Igreja portuguesa acompanhou essa regressão?

_A Igreja portuguesa vive de modo bastante morno.

Está pessimista quanto à sucessão, portanto.

_O último conclave nomeou, sobretudo, cardeais europeus e italianos. Isto é contra a universalidade do cristianismo. Há ali uma série de estratégias para condicionar a eleição do próximo papa.

A perestroika na Igreja não significaria o colapso?

_O ser humano é o resultado de uma herança genética e de uma cultura. Portanto, nós vamo-nos fazendo. Quanto mais me abro ao outro, mais venho a mim. A identidade é atravessada pela alteridade. É nesta dinâmica, até antropológica, que deve entender-se o diálogo ecuménico e inter-religioso. As outras religiões também têm verdade. Eu, como cristão, não pretendo tornar o budista cristão. Nós estamos reunidos por este mistério último a que chamamos Deus. E a Igreja existe para o serviço da humanidade e não para si mesma.

Como pode ser a Igreja democrática, se assenta numa verdade divina?

_Nós apontamos para uma realidade que é o mistério último enquanto amor, ao qual chamamos Deus, mas ninguém possui Deus. Temos uma perspetiva sobre a verdade, mas ninguém a possui. Gostaria de um concílio para que a Igreja tomasse consciência da pluralidade de vivência e interpretação do mesmo Evangelho. Mais: na presente situação do mundo, deveria fomentar-se uma grande assembleia de todas as grandes religiões do mundo para debaterem as grandes questões de humanidade num mundo globalizado: o papel das religiões, a globalização, questões fundamentais de bioética, de ecologia, de justiça mundial.

Que reforma da Cúria Romana propõe?

_Menos gente, menos burocracia, mais internacional, mais competência, mais transparência, mais mulheres. Não há fundamento teológico algum para não ordenar mulheres. É uma questão sociológica. As mulheres podem estar de mal com a Igreja porque são discriminadas, mas Jesus não as discriminou.

Acabava com a infalibilidade papal?

_Perguntem a Joseph Ratzinger se ele acredita que Bento XVI é infalível. Só Deus é infalível. Em 1983, tive oportunidade de falar com João Paulo II nos aposentos privados. Apertei-lhe respeitosamente a mão e disse no meu íntimo: é apenas um homem.

A propósito, até nesse dia recusou usar cabeção. Porquê essa inflexibilidade?

_Nunca gostei do cabeção nem de fardas. No dia seguinte à minha ordenação, recebi uma advertência do cardeal Cerejeira porque andava em Fátima em mangas de camisa. Mas, se estava calor, como havia eu de andar? Isto hoje parece ridículo, mas, na altura, em 1967, era uma ousadia, uma falha tremenda.

Que papel deve ter o papa?

_Alguns protestantes e ortodoxos estariam dispostos a aceitar um papa, mas não um papa com poder absoluto. Tinha de ser tão-só um sinal pastoral de unidade da Igreja. A vida de mais de mil milhões de seres humanos católicos entregues a um homem só não faz sentido.

Que poder tem, atualmente, a Igreja?

_É uma boa pergunta. Algum deve ter, caso contrário, não faria sentido tanta contestação a certas posições da Igreja, como por exemplo a da moral sexual. Um poder que é hoje menor, porque as pessoas reivindicam muito mais a autonomia. Mesmo em Portugal.

Há quem defenda que a tendência vai no sentido de uma Igreja de minoria.

_Na Europa, é um facto sociológico. Tive uma grande professor de Teologia, Karl Rahner, que já na altura falava da diáspora, pequenos grupos espalhados pela sociedade que se reconhecem como cristãos. Estamos a entrar numa Igreja de voluntários.

Como deve a Igreja lidar com os temas chamados «fraturantes»?

_Cada vez mais, temos de debater estas questões enquanto seres humanos e não enquanto crentes. As questões de e da humanidade devem ser debatidas por todos. E a Igreja também tem direito de apresentar o seu ponto de vista. O que tem é de fazê-lo argumentativamente.

Há uma ética natural?

_A ética é, antes de mais, uma questão humana e não uma questão religiosa. Vimos ao mundo por fazer e devemos fazer-nos e fazer-nos bem. Em questões complexas, devemos debater todos.

Confrontado com uma situação terminal, aceitava pôr fim à vida de quem lho pedisse?

_Pessoalmente, não o faria. Mas compreenderia quem o fizesse, a pedido de alguém que estivesse nessa situação-limite.

Colocava então de lado a possibilidade de um milagre?

_Só acredito nos milagres do amor.

Os avanços da ciência afastam-no ou aproximam-no de Deus?

_Nem afastam nem aproximam. A ciência é ciência e Deus é Deus e a fé é fé. E uns acreditam e outros não, com razões.

O que é hoje o pecado?

_O que sempre foi: estragar a vida própria ou a dos outros.

Propõe a revisão do dogma da Imaculada Conceição de Maria. Não é uma heresia?

_O que é preciso rever é a doutrina do pecado original, que não faz sentido. Como é que, aceitando a evolução, era possível o pecado dos primeiros pais, Adão e Eva, ter desgraçado a vida da humanidade inteira e da própria natureza? Santo Agostinho interpretou o pecado de Adão e de Eva como o primeiro pecado e um pecado herdado. Isto é, em Adão, todos pecaram. Ora, isto não cabe na cabeça de ninguém. Santo Agostinho não hesitou em deixar cair no inferno as crianças que morriam sem batismo. E ficámos com um Deus que precisou da morte do filho, Jesus, para se reconciliar com a humanidade. Isto envenenou completamente o cristianismo. O pecado original não está no Evangelho e o dogma da Imaculada Conceição é contra as mulheres, porque conceberiam e andariam com o pecado dentro delas durante nove meses. Eu limito-me a pregar Cristo que é libertador.

Mais uma vez: se a Igreja for ao encontro dessa liberdade, não perde o poder que ainda tem?

_A Igreja não existe por causa do poder, mas por causa da libertação dos seres humanos em todos os domínios: libertação do pecado, do ódio, da injustiça, da morte.

Está contra o celibato enquanto lei. Gostaria de ter sido marido e pai?

_A Igreja não pode impor por lei aquilo que Jesus entregou à liberdade. Sempre gostei de mulheres. Se não casei, não foi por falta de oportunidades. Mas, na presente situação da Igreja, se quisesse ser padre, tinha de aceitar o celibato, e foi o que fiz. Na sequência daquilo que quis fazer na vida, não teria possibilidade de fazer uma mulher feliz. Precisava de grande liberdade para me dedicar a estas tarefas, em várias partes. Procuro empenhar-me profundamente com as pessoas, com os estudantes. Mas nós, padres, não tendo mulher nem filhos, alguém que dependa profundamente de nós, corremos o risco de imenso egoísmo.

Afirma que a Igreja tem recuperado a religião oficial do sacrifício. Se Cristo voltasse, homem, seria de novo condenado?

_Creio que sim. Não quero condenar ninguém, porque também estou na fila, mas isso leva-me a interrogar-me: o que é que em mim é cristão? Jesus veio como libertador. Jesus colocou o ser humano no centro. O ser humano é mais importante do que os próprios preceitos de Deus.

«Amar o próximo como a si mesmo» está acima de «Adorar a Deus sobre todas as coisas»?

_Diria que sim. São Mateus não pergunta se fomos à missa, mas sim se demos de comer ao outro. É o que lá está. O cristianismo, através de Jesus, trouxe ao mundo a «pessoa humana» e a sua dignidade. O que depois os cristãos fizeram disso é outra coisa.

A caridade permite que cada pessoa possa realizar dignamente a sua humanidade?

_Não. O que se chama caridade tem de ser caridade política. A Igreja hierárquica tem de ser muito viva e contundente na declaração dos direitos, nomeadamente os direitos sociais. Portugal diz-se um país de maioria católica, mas que não é cristão. A caridade nasce da urgência, mas nunca devemos esquecer que não se pode dar por caridade aquilo que é devido por justiça. Há pessoas que pensam que nunca mais existirão revoluções. Tirem daí a ideia. Eu temo o pior. Não excluo o perigo de um conflito armado global.

Chamaram-lhe semeador de horizontes. Com que defeitos, prazeres e tentações?

_Tenho imensa alegria em semear horizontes e pôr as pessoas em marcha para o infinito do pensar. Prazer em ir para a praia apanhar sol, só ou acompanhado, em ouvir música, em viajar para conhecer mundo, num bom jantar com excelente vinho e um amigo ou amiga. Defeitos? Talvez alguma depreciação de colegas eclesiásticos, e há quem diga que sou vaidoso. Tentações, as normais.

Como é o seu dia a dia?

_A quase totalidade do tempo é passada na preparação das aulas, publicações, conferências. Depois, tenho a sorte de viver ao pé do mar. São 15 quilómetros sobre a areia. Lá, estou comigo, com serenidade e com a força do mar. Ali medito e rezo, andando. Também ouço música.

Vive num seminário, não tem uma casa, partilha o que ganha com a sua comunidade.

_Vivo em comunidade no instituto, o que também tem vantagens. Esta coisa de não ter uma casa própria dá um enorme desprendimento.

PERGUNTAS DE ALGIBEIRA

O livro da sua vida.

_A Bíblia, claro. E Os Pensamentos, de Pascal.

Uma cena de um filme.

_Aquelas cenas do filme de Bergman O Sétimo Selo: o cavaleiro e a morte jogando xadrez, e é ela que nos dá xeque-mate, e a confissão ao padre, que na realidade era a morte disfarçada.

Uma música.

_Fidélio, de Beethoven, e Um Requiem Alemão..., de Brahms.

A última vez que chorou

_Fui ensinado a controlar as emoções. A última vez que chorei desalmadamente foi na morte do meu pai e da minha mãe. Presidi ao funeral da minha mãe, mas não consegui ir até ao fim.

O que é que vê na televisão?

_Não tenho tempo. A única coisa, quando posso, é o telejornal das dez, na RTP2. Acho aquilo sóbrio e gosto de um ou outro comentador.

Um lema.

_Vive agora.

E contra a crise?

_Crise unida a oportunidades.

Quantos minutos gasta diariamente a ler o jornal?

_Bastantes. Tenho de estar informado. Sendo professor, tenho de estar atento às notícias e tenho de me informar sobre as grandes questões políticas, económicas e financeiras do mundo.

E o e-mail?

_Infelizmente, tenho de usá-lo bastante, profissionalmente.

Um lugar para passar a reforma?

_Onde estou, em Valadares. Gosto do sol, do mar. E ali à volta está grande parte dos meus amigos.

in http://www.jn.pt/revistas/nm/interior.aspx?content_id=2365995

 

sexta-feira, março 16, 2012

# Boa comunicação com pais é sinónimo de jovens mais saudáveis

16.03.2012 - 09:23 Por Catarina Gomes
http://www.publico.pt/Sociedade/boa-comunicacao-com-pais-e-sinonimo-de-jovens-mais-saudaveis_1538140

A comunicação com a mãe é sempre melhor do que com o pai, revela
estudo (PÚBLICO/Arquivo)
Os adolescentes que têm uma boa comunicação com a mãe, como é
tradicional, mas também com o pai tendem a ter comportamentos mais
saudáveis, assinala a coordenadora do estudo sobre comportamentos em
saúde de jovens em idade escolar, Margarida Gaspar de Matos

"A comunicação com a mãe é sempre melhor do que com o pai", refere o
estudo. Os dados dão conta de 55% de adolescentes a responderem que
têm facilidade em comunicar com o pai, em contraste com os 78% que
dizem que é fácil comunicar com a mãe. Mas é quando os jovens têm uma
boa comunicação com ambos os progenitores que os efeitos na diminuição
dos comportamentos de risco se fazem sentir, sublinha. "Quando não há
boa comunicação com o pai, há maior risco. A situação ideal é quando a
comunicação com pai e mãe é boa", assim como com os amigos, ressalva.
A partir de determinada idade, "os amigos são um suporte social para
enfrentar o dia-a-dia e as aventuras de crescimento". "A boa
comunicação com os pais potencia a que se desenvolve com os amigos."

O que estes dados também revelam é que, à medida que vão crescendo, a
comunicação tende a piorar. Um exemplo: enquanto no 6.º ano há 26,4%
que dizem ser difícil comunicar com o pai e 10,6% que dizem o mesmo em
relação à mãe, no 10.º ano esse número sobe para 43,1% no caso do pai
e para 22,6% no caso da mãe.

"À medida que vão crescendo, os pais têm que dar espaço para dialogar
e evitar retirar-lhes espaço. Às vezes, há a tendência de falarem em
vez de os ouvirem, de darem conselhos, "não faças isso", quando por
vezes só têm de ouvir", refere. "Há uma altura em que a comunicação
com os pais pode tornar-se intrusiva ao crescimento. Às vezes é
preciso ajudá-los a pensar, não passar logo para a solução",
aconselha.

quinta-feira, março 15, 2012

# Sem-abrigo como pontos de acesso à Internet: programa solidário ou experiência degradante?

15.03.2012 - 12:56 Por Alexandre Martins
http://www.publico.pt/Tecnologia/semabrigo-como-pontos-de-acesso-a-internet-e-um-programa-solidario-ou-uma-experiencia-degradante-1537977?all=1

"Chamo-me Clarence. Sou um ponto de acesso à Internet 4G". A frase,
estampada na t-shirt usada por Clarence e outros 12 sem-abrigo de
Austin durante o festival de cinema, música e tecnologia South By
Southwest, era um sinal para que todos os utilizadores de telemóveis,
tablets e computadores portáteis que passeavam pelas ruas da cidade
texana pudessem aceder à Web. A ideia começou por ter um objectivo
solidário, mas explodiu na cara dos seus criadores. Afinal, usar
pessoas sem-abrigo como pontos de acesso à Internet é um incentivo à
integração, ou é pura e simples exploração?

O projecto da empresa de marketing BBH Labs terminou na passada
segunda-feira e desde então tem ocupado um espaço considerável nos
principais jornais norte-americanos, nas redes sociais, nos blogues e
nas caixas de comentários um pouco por toda a Web.

Numa mensagem publicada a 6 de Março no site oficial, a empresa BBH
Labs apresentava o projecto e não deixava margem para dúvidas sobre as
suas intenções: "O festival SXSW é uma oportunidade de crescimento
consistente para a nossa equipa. Mas este ano vamos também lançar uma
inovação na área das acções de caridade".

A descrição do projecto surgia logo abaixo: "Este ano, em Austin,
enquanto andam de um lado para o outro a queixarem-se aos seus colegas
sobre a fraca qualidade das vossas ligações e do facto de não
conseguirem fazer downloads, transmissões em tempo real, usar o
Instagram ou fazer 'check-ins', vão dar de caras com pessoas
posicionadas estrategicamente e vestidas com uma t-shirt com a frase
'Homeless Hotspots'. São pessoas sem-abrigo, que fazem parte do
programa Case Management, da instituição Front Steps. Transportam
aparelhos MiFi [routers que permitem acesso à Internet sem fios].
Apresentem-se a eles e liguem-se a uma rede 4G através dos vossos
telefones ou tablets para conseguirem usar uma ligação rápida e de
alta qualidade".

As pessoas eram convidadas a pagar o que quisessem, "de preferência
através do PayPal, para ser possível acompanhar as transacções", sendo
que todos os donativos iam directamente para os bolsos de Clarence e
dos seus outros colegas ligados ao abrigo Front Steps. "Acreditamos
que a prestação deste serviço digital vai dar mais dinheiro a ganhar a
estas pessoas do que a venda de jornais e revistas em papel", lê-se na
mesma mensagem, numa referência a projectos semelhantes ao da revista
CAIS em Portugal.

De ideia solidária a "demonstração grotesca de provocação inconsciente"

Apesar de o projecto ter sido apresentado no dia 6, a polémica só
estalou no dia 11, num post no blogue de tecnologia ReadWriteWeb: "O
South By Southwest de 2012 pode ser resumido desta forma: uma empresa
de marketing com um nome impossível, chamada Bartle Boogle Hegarty,
está a levar a cabo uma pequena experiência de ciências humanas
denominada 'Homeless Hotspots'. Dão aparelhos de acesso à Internet a
pessoas sem-abrigo, juntamente com uma t-shirt. Na t-shirt não está
escrito 'Eu tenho um ponto de acesso 4G'. Está escrito 'Eu sou um
ponto de acesso 4G'".

A partir daqui, o jornalista Jon Mitchell, do ReadWrite Web, dá início
à discussão que já chegou às páginas de jornais como o The New York
Times: "Podem adivinhar o que acontece depois. Pagam o que quiserem a
estes sem-abrigo, pontos de acesso humanos à Internet, e depois podem
sentar-se ao lado deles a ver o email ou outras coisas do género. A
exclusão digital nunca nos tinha atingido tão em cheio com uma
demonstração tão grotesca de provocação inconsciente".

Depois das críticas, a empresa de marketing BBH Labs veio lembrar que
foi também por sua iniciativa que alguns sem-abrigo de Nova Iorque
tiveram acesso a um telemóvel com ligação à Internet, no projecto
Underheard in New York que, entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2010,
permitiu, entre outras histórias, que um pai reencontrasse a filha que
já não via há 11 anos, com a ajuda dos utilizadores do Twitter.

"Não há benefícios comerciais de qualquer espécie"Clarence, um dos
sem-abrigo escolhidos para fazerem parte deste "programa solidário" ou
"experiência de ciências humanas", conforme os pontos de vista,
congratula-se com a ideia – que considera ser uma ajuda para as
pessoas que se encontram nas suas condições – e a empresa BBH Labs
defende-se com alguns pontos que considera terem sido
mal-interpretados pelos críticos: "Não estamos a vender nada. Não há
marcas envolvidas. Não há benefícios comerciais de qualquer espécie" e
"Cada gestor de ponto de acesso à Internet fica com todo o dinheiro
que conseguir ganhar. Quanto mais acessos vender, mais dinheiro ganha
(o dinheiro não vai para um fundo conjunto para ser dividido)".

Na mais recente mensagem publicada no site da empresa lê-se ainda que
os criadores do programa concordam com uma das críticas – a de que, ao
contrário, de projectos semelhantes ao da revista CAIS, os sem-abrigo
apenas vendem acesso à Internet e não podem criar e disponibilizar os
seus próprios conteúdos. Apesar disso, os responsáveis pelo "Homeless
Hotspots" dizem que essa era uma das intenções iniciais, mas explicam
que isso não foi possível porque os aparelhos de acesso à Internet
utilizados pertencem a uma empresa externa, que não participou no
projecto. "Contudo, gostaríamos de ver evoluções deste programa em que
os pontos de acesso sejam propriedade das organizações de sem-abrigo e
possam ser usados como plataformas para que eles criem os seus
próprios conteúdos", frisa a BBH Labs.

Ficam a faltar as contas: segundo os criadores do projecto, cada
sem-abrigo ganhou, no mínimo, 50 dólares por dia (38 euros), por seis
horas de trabalho, para além dos 20 dólares diários (15 euros) pagos
pela empresa pelo facto de terem participado no programa e de
donativos que ainda não estão contabilizados. Ainda de acordo com a
BBH Labs, este programa foi acompanhado pelos responsáveis do abrigo
Front Steps, que irá gerir o dinheiro no âmbito de um projecto que tem
como objectivo ajudar os sem-abrigo a pouparem 2/3 do que ganham para
tentarem entrar no mercado de trabalho e pagar uma renda para
habitação.

quarta-feira, março 07, 2012

# Poesia de Rui Costa

A nuvem prateada das pessoas graves
Nem sempre se deve desconfiar das pessoas graves,
aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo,
os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés
confirmarão depois.

Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes
fica por baixo dos pés e por isso do outro lado do mundo.

O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio
longe dos pés e mais longe ainda das mãos
que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos
se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.

Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são
alheias quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que
escolhemos, essas pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo
larga uma imagem daquilo que foram ou das pessoas que amaram.

Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando
caem no chão.

A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, dessas pessoas,
é, por isso, uma subtil forma de cuidado.

Rui Costa, in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves (Edições Quasi)

terça-feira, março 06, 2012

# 89% da população mundial já tem acesso a água potável

06.03.2012 Helena Geraldes http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1536582

Nos últimos 20 anos, mais de dois mil milhões de pessoas passaram a
ter acesso a água potável, um número que permite cumprir o Objectivo
de Desenvolvimento do Milénio, anunciou nesta terça-feira a ONU.

A meta, que deveria ser cumprida até 2015, era reduzir para metade o
número de pessoas no mundo que não têm acesso a água potável. Hoje,
graças a investimentos na melhoria de condutas e na protecção de
poços, essa meta foi alcançada, revelou a Organização Mundial de Saúde
(OMS).

Um relatório da Unicef (Fundo da ONU para as Crianças) e da OMS
concluiu que, no final de 2010, 89% da população mundial – ou seja,
6100 milhões de pessoas – tinha acesso a água potável, acima da meta
de 88% até 2015. O documento estima que, em 2015, a percentagem será
de 92%.

Os maiores progressos foram conseguidos na Índia e na China, países
que representam, juntos, 46% da população dos países em
desenvolvimento. Segundo o relatório, de 1990 a 2010, 522 milhões de
pessoas passaram a beber água potável na Índia e 457 milhões de
pessoas na China.

Este é um "grande feito para os povos do mundo", disse o
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, acrescentando que este é um dos
primeiros Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (MDG, sigla em
inglês) a serem atingidos. "Os esforços para aumentar o acesso a água
potável demonstram que os objectivos [que a comunidade internacional
definiu em 2000 para reduzir a pobreza até 2015] não são um sonho, mas
uma ferramenta vital para melhorar a vida de milhões de pessoas",
disse Ban Ki-moon num comunicado.

"Para as crianças estas notícias são especialmente boas", comentou o
director-executivo da Unicef, Anthony Lake. "Todos os dias, mais de
3000 crianças morrem de desidratação causada por diarreia. Alcançar
esta meta significa salvar vidas de muitas crianças", acrescentou.

Mas o relatório alerta que ainda muito está por fazer e reconhece que
existem "enormes disparidades" no acesso à água de boa qualidade. Na
América Latina, Caraíbas, Norte de África e em muitas regiões da Ásia
a melhoria da qualidade da água é hoje de 90%, mas a situação não é
tão boa na África sub-saariana, com os seus 61%. Na verdade, apenas 19
dos 50 países desta região têm probabilidades de cumprir as metas para
2015. E ainda que o acesso a água potável nos países em
desenvolvimento chegue hoje aos 86%, nos ditos "países menos
desenvolvidos" essa percentagem é de 63%.

O responsável da Unicef salientou ainda que 11% da população mundial –
ou 783 milhões de pessoas – ainda não tem acesso a água potável.

Quanto ao saneamento básico, os progressos são bem mais lentos. De
acordo com o relatório, 2500 milhões de pessoas ainda não têm
saneamento básico. Na verdade, o relatório reconhece que será difícil
atingir a meta para melhor saneamento até 2015, ou seja, 75%.
Actualmente, a percentagem é de 63% e deverá subir apenas até aos 67%.

segunda-feira, março 05, 2012

# Do nascimento à morte o que mais conta é a classe social

04.03.2012 - 18:02 Por Catarina Gomes
http://www.publico.pt/Mundo/do-nascimento-a-morte-o-que-mais-conta-e-a-classe-social-1536315

Em Washington D.C. entre o mais rico dos habitantes e o mais pobre há
18 anos de diferença na esperança média de vida (Scott Olson/AFP)
Michael Marmot veio ao Portugal em crise relembrar que por cada 1% na
subida da taxa de desemprego, os suicídios crescem 0,8%. A boa notícia
é que descem as mortes por acidentes de viação, ironiza. Viagem ao
mundo das desigualdades na saúde com muito humor negro

Já não soa a surpreendente dizer que a esperança média de vida de uma
mulher no Zimbabwe é de 42 anos e a de uma japonesa é de 80 anos, uma
diferença de 42 anos, portanto. Ou que um queniano morre em média aos
47 anos e um sueco pode chegar contar aos 82, enuncia Michael Marmot,
professor catedrático em Epidemiologia e Saúde Pública e director do
Instituto Internacional para a Sociedade e Saúde na University College
de Londres.

Mas e se o universo de que falamos for antes uma das zonas mais ricas
de Londres, Westminster? Isso mesmo, o sítio onde fica o Parlamento
britânico "e onde vivem muitos políticos e pessoas ricas". Pois nesta
área geográfica, a diferença entre o mais rico e o mais pobre dos
habitantes é de 17 anos. Não é preciso, por isso, apanhar um avião
para África. "Eu faço este percurso de bicicleta em cerca de 25
minutos", disse o inglês Michael Marmot, na semana passada, perante
uma plateia de profissionais de saúde no Instituto Nacional de Saúde
Ricardo Jorge, em Lisboa.

"É um mito pensar que a Europa é uma região rica e não tem estes
problemas. Há grandes desigualdades entre as pessoas, dentro dos
países". E esta não é uma particularidade de Inglaterra, é possível
encontrar o mesmo fenómeno, por exemplo, numa simples viagem de metro
na capital norte americana, continua. Em Washington D.C. entre o mais
rico dos seus habitantes e o mais pobre distam 18 anos de diferença em
esperança média de vida, explicita o académico. Este tipo de
desigualdades sociais que se reflectem na mortalidade e no estado de
saúde das pessoas são tão transversais e tão permanentes que "até na
igualitária Suécia há um estudo que mostra que há diferenças entre um
detentor de um doutoramento e o de um mestrado, o doutorado tem maior
esperança de vida".

A ideia de que o grupo social a que se pertence é determinante em
termos de saúde é uma verdade que Michael Marmot foi encontrar no mais
insuspeito dos grupos: os funcionários públicos britânicos, numa
investigação que ficou famosa em Inglaterra, publicada na revista
científica Lancet em 1991. Falando ao PÚBLICO após a conferência,
disse que "não estamos aqui a falar de pobreza, todos eles têm
emprego, casa, uma vida com alguma dignidade". Mas ainda assim
encontrou maiores taxas de mortalidade entre os funcionários públicos
do final da escala comparados com os do topo.

O que este estudo veio desmentir foi a ideia de senso comum de que as
funções de maior responsabilidade trazem consigo mais stress e por
isso mais doença cardiovascular, por exemplo, explicou. Pelo
contrário, o que se constata é que é determinante o grau de autonomia
que se tem no trabalho.

Nas investigações deste tipo chega-se à conclusão de que "o exemplo
típico do trabalho com os níveis mais altos de stress é aquele em que
a pessoa tem que fazer sempre as mesmas coisas da mesma forma e não
tem qualquer controlo sobre o que faz, só tem que o fazer", ou seja,
há mais stress, por exemplo num operário de uma fábrica, "que tem que
pedir para ir à casa de banho, só tem que se fazer o que lhe é dito,
não tem qualquer controlo sobre o seu trabalho", do que num
administrador público de topo. Este "sabe que o que está a fazer é
importante, há realização profissional. É um trabalho exigente mas tem
mais controlo sobre o seu trabalho".

Marmot, que também esteve na Universidade do Algarve, tem dedicado o
seu trabalho de pesquisa dos últimos 35 anos ao tema das desigualdades
em saúde. E o que fez perante este auditório cheio de pessoas ligadas
à saúde foi transportá-los ao longo de uma espécie de viagem ao mundo
das desigualdades na saúde, que começa desde o nascimento e só termina
até na morte. Com muito humor negro à mistura.

O pobre burro fica burro

Comece-se então nos primeiros anos de vida. Um estudo britânico de
2003 avaliou o desenvolvimento cognitivo de crianças dos 22 meses aos
10 anos, acompanhando o percurso de quatro tipos de crianças.
Imaginemos que estamos a falar apenas de quatro crianças, para que se
perceba: há duas que aos 22 meses pontuaram baixo na escala de
desenvolvimento cognitivo, uma destas era originária de uma família de
baixo estatuto socioeconómico e outra de um alto; e outras duas
crianças que, no início de vida, estão nos valores mais altos do
desenvolvimento cognitivo, mas uma é de um baixo estrato social e
outra de alto. O que acontece a estas quatro crianças quando crescem?
A criança com baixo desenvolvimento cognitivo de uma família rica
recupera esse atraso, já aquela que tinha tido o mesmo baixo ponto de
partida mantém-se ao mesmo nível. Nos dois meninos a quem foi
identificado alto nível cognitivo, o da família pobre desce de
desempenho intelectual à medida que avança na idade, o que cresceu num
lar rico mantém o seu desempenho alto. O professor resume da seguinte
forma este estudo: "Se se for pobre e burro fica-se burro, se se for
burro e rico recupera-se. É a prova de que os genes não definem o
destino e que a envolvência social é determinante e que o social
potencia o biológico".Tomando depois como referência apenas dois
elementos que afectam o desenvolvimento infantil sai reforçada a ideia
da desigualdade social, continuou o académico. Logo à nascença, as
crianças que nascem em famílias mais desfavorecidas têm maior
probabilidade de terem mães com depressão pós-parto (cerca de 20%),
número que não chega aos 10% no caso de famílias de estrato social
mais elevado, revelam dados britânicos oficiais do Departamento da
Criança, Escolas e Famílias de 2003-04 que citou. Um pouco mais
velhinhos, aos três anos, cerca de 75% dos pais de famílias com
estatuto socioeconómico mais alto lêem aos seus filhos todos os dias,
uma prática que as estimula em termos cognitivos, número que desce
para os cerca de 40% nos lares mais desfavorecidos.

E se estivermos a falar já da vida activa? E aqui Marmot mostrou um
gráfico com uma escala que relaciona o grau de saúde mental com o tipo
de vínculo laboral que se tem - dos que trabalhavam sem contrato, aos
que têm trabalho temporário, aos que têm contrato e termo e os que
estão integrados nos quadros. O estado de saúde mental é muito pior
entre os que têm formas de trabalho mais precárias e alcança os
melhores níveis entre os trabalhadores com estabilidade laboral. A
leitura óbvia será a de que a precariedade laboral é causa de piores
níveis de saúde mental, verdade?. "Sabem como é que um grupo de
economistas a quem mostrei este gráfico o leram? Disseram que era
prova que as pessoas com pior saúde mental estavam a entrar para
trabalhos mais precários". E neste momento, como em tantos outros,
arrancou gargalhadas à plateia.

Ao Portugal em crise, Marmot veio relembrar que "está provado que o
aumento em 1% da taxa de desemprego faz subir em 0,8% a taxa de
suicídios e 0,8% a de homicídios. O desemprego leva ao suicídio e a
matar outras pessoas". Mas, também é verdade, continuou, que as mortes
por acidentes de viação descem 1,4%," circula-se menos porque há menos
dinheiro para a gasolina", ironizou. "Se fizermos as contas e
quisermos ser cínicos podemos chegar à conclusão que a coisa fica
quase ela por ela", concluiu Marmot.

Fumar mata

O professor não se limita a trazer números. O seu tom vai além do
académico, assume na sua conferência o papel de porta-voz da uma
mensagem que quer fazer passar: "Ouve-se os ministros das finanças
dizerem que este é o preço para manter a inflação baixa". "E se a
frase fosse antes "o preço de manter a inflação baixa é matar
pessoas"- "isto devia ser o mais importante do debate, não é só olhar
para alguns números". Para Michael Marmot "devíamos avaliar todas as
políticas pelo impacto que estas terão na saúde" porque, ao fim ao
cabo,"o que é que pode ser mais importante do que a vida que se pode
ter?".E na saúde tudo tem a ver com expectativas, disse ao PÚBLICO.
Tomemos como exemplo os fumadores. As maiores taxas de fumadores
encontram-se entre os mais pobres e esta é uma causa objectiva que
está na origem de maior doença, o cancro do pulmão, por exemplo.
"Temos que lidar não apenas com as causas da doença, mas com as causas
das causas". Por que é que quanto menos educação mais se tende a
fumar"? As razões dá-as em forma de um estudo que pensa ser exemplar.
"Houve um estudo britânico que foi estudar mães solteiras, viviam em
situações de pobreza e quase todas fumavam". A conclusão subjacente ao
estudo era a de que "fumar era a única coisa que faziam para si
mesmas. Os miúdos gritavam, faziam barulho, o que é que elas faziam?
Acendiam um cigarro, era uma estratégia de lidar com a situação".

Pobres e ricos em Glasgow

Marmot fala de outro estudo que diz que na saúde tudo tem a ver com a
forma como se olha para o futuro. "Quem valoriza está disposto a fazer
sacrifícios para ganhos futuros. Se não se acha que se tem futuro há
menos incentivo a fazer sacrifícios hoje para um futuro que não se
sabe se tem". Querem outro exemplo? Michael Marmot providencia. Na
parte mais pobre da cidade escocesa de Glasgow há uma diferença de
esperança de vida de 28 anos entre os homens, comparando os habitantes
das partes mais ricas em relação às mais pobres, "a esperança média de
vida entre os homens mais pobres é de 54 anos, é menos oito anos do
que a média indiana para homens, que é 62".

"Num encontro onde apresentei estes dados veio uma pessoa ter comigo e
disse que vivia na parte mais rica de Glasgow mas que tinha um amigo
que vivia na parte pobre que lhe tinha dito que não fez absolutamente
nada para vir a ter reforma". Porquê? "Porque achava que não ia chegar
lá. Porque as pessoas perceberam que vão ter vidas duras por que é que
hão-de se chatear com a ideia de deixar de fumar? As expectativas que
temos na vida têm impacto na saúde".

Agora que já sabemos tudo isto, que pesam na balança da saúde e da
morte as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem,
trabalham e envelhecem, que temos provas científicas que dão conta
destas diferenças por que falta "vontade política"? Em 2008, no
relatório encomendado pelo Governo Trabalhista que ficou conhecido
como Marmot Review, deixou as áreas principais que podem e devem ser
objecto de acção política tendentes a esbater estas diferenças: o
desenvolvimento infantil; a educação e formação ao longo da vida; as
condições de emprego; o rendimento; a existência de locais saudáveis e
sustentáveis na comunidade; e factores como o tabagismo, o consumo de
álcool, a obesidade ou o exercício físico. Em Lisboa, Marmot foi
ouvido por um auditório cheio de pessoas ligadas à saúde que o
aplaudiram de pé. E a sua mensagem foi: "O que é que pode ser mais
importante do que a saúde das pessoas?"

sexta-feira, março 02, 2012

# Artigo científico defende como moralmente aceitável a morte de um recém-nascido

02.03.2012 - 09:32 Por PÚBLICO
http://www.publico.pt/Sociedade/artigo-cientifico-defende-como-moralmente-aceitavel-a-morte-de-um-recemnascido-1536079#

Um artigo publicado na última semana de Fevereiro pelo Journal of
Medical Ethics defende que deveria ser permitido matar um
recém-nascido nos casos em que a legislação também permite o aborto. A
polémica segue em crescendo. A autora do texto já recebeu ameaças de
morte.

O artigo em causa (clique aqui para a versão html , ou aqui para
descarregar uma versão pdf, ambas em inglês), aceite por aquela
publicação científica ligada ao British Medical Journal intitula-se
"After-birth abortion: why should the baby live?", que se poderia
traduzir como "Aborto pós-parto: por que deve o bebé viver?". É
assinado por Francesca Minerva, formada em Filosofia pela Universidade
de Pisa (Itália) com uma dissertação sobre Bioética, que se doutorou
há dois anos em Bolonha e é uma investigadora associada da
Universidade de Oxford, em Inglaterra. A sua polémica tese é a de que
o "aborto pós-nascimento" (matar um recém-nascido") deve ser permitido
em todos aqueles casos em que o aborto também é, incluindo nas
situações em que o recém-nascido não é portador de deficiência".

Esta ideia – entendida pelos leitores mais críticos do artigo como um
apelo à legalização do infanticídio – é a conclusão de um debate moral
que a autora, em conjunto com outro investigador que co-assina o
artigo – Alberto Giubilini –, tentam fazer partindo de três
princípios: 1) "o feto e um recém-nascido não têm o mesmo estatuto
moral das pessoas"; 2) "é moralmente irrelevante o facto de feto e
recém-nascido serem pessoas em potência"; 3) "a adopção nem sempre é
no melhor interesse das pessoas".

Os autores sustentam, assim, que matar um bebé nos primeiros dias não
é muito diferente de fazer um aborto, concluindo (ao contrário dos
movimentos pró-vida) que desse modo seria moralmente legítimo ou
deveria ser aceite que se matasse um recém-nascido, mesmo que este
seja saudável, desde que a mãe declare que não pode tomar conta dele.

Face à polémica que se gerou em torno desta leitura, o editor do
jornal veio a público defender a publicação do texto, com o argumento
de que a função do jornal é a de apresentar argumentos bem sustentados
e não a de promover uma ou outra corrente de opinião. Porém, outros
cientistas e pares de Francesca Minerva qualificam a tese do artigo
como a "defesa desumana da destruição de crianças".

"Como editor, quero defender a publicação deste artigo", afirma Julian
Savulescu, num texto que pode ser consultado online. "Os argumentos
apresentados não são, na maioria, novos e têm sido repetidamente
apresentados pela literatura científica por alguns dos mais eminentes
filósofos e peritos em bioética do mundo, incluindo Peter Singer,
Michael Tooley e John Harris, em defesa do infanticídio, que estes
autores denominam como aborto pós-nascimento", escreve Savulesco.

As reacções viscerais ao artigo incluem ameaças de morte endereçadas à
autora, que admitiu que os dias seguintes à publicação e divulgação do
artigo foram "os piores" da sua vida. Entre as mensagens que lhe foram
enviadas, há quem lhe deseja que "arda no inferno".

"O que é mais perturbador não são os argumentos deste artigo, nem a
sua publicação num jornal sobre ética. O que perturba é a resposta
hostil, abusiva e ameaçadora que desencadeou. Mais do que nunca a
discussão académica e a liberdade de debate estão sob ameaça de
fanáticos que se opõem aos valores de uma sociedade livre", sublinha o
editor.

O artigo afirma que, tal como uma criança por nascer, um recém-nascido
ainda não desenvolveu esperanças, objectivos e sonhos e, por essa
razão, apesar de constituir um ser humano, não é ainda uma pessoa – ou
alguém com o direito moral à vida. Pelo contrário, os pais, os irmãos
e a sociedade têm metas e planos que podem ser condicionados pela
chegada de uma criança e os seus interesses devem vir primeiro.