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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, junho 26, 2015

# Pequenos ditadores

PAULA TORRES DE CARVALHO 09/04/2012 - 00:00
http://www.publico.pt/portugal/jornal/pequenos-ditadores-24339123

Aos consultórios médicos chegam cada vez mais "pequenos ditadores" que
os adultos já não conseguem controlar. São filhos de pais que têm medo
de ser tiranos. Mas as crianças sem limites não são livres, defendem
especialistas

"Não vou". "Não quero". "Só faço se quiser". O problema não é uma
criança dizer isto. O problema é quando ela faz precisamente o que diz
e os adultos já não têm o poder de a contrariar. Não é uma questão
portuguesa mas da generalidade das sociedades ditas desenvolvidas. Os
consultórios dos pedopsiquiatras e dos psicólogos estão a encher-se de
meninos-rei, pequenos ditadores, crianças sem limites, algumas a
caminho da delinquência apresentadas por pais aflitos e referenciadas
por professores fartos.

Mais do que um problema, a omnipotência destas crianças é um sinal.
Tem a ver com a falta de limites que resulta de uma organização social
desregrada, sem tempo para o investimento emocional na criança.

A perspectiva da necessidade de construir "uma cultura da diferença de
tempos" defendida pelo filósofo e psicanalista francês Raymond
Bénévenque, para quem "é no mundo dos adultos que se deve lutar por um
outro futuro das crianças", encontra-se nos discursos do médico
pedopsiquiatra Pedro Strecht e das psicanalistas Carmo Sousa Lima e
Maria Teresa Sá. Por trás do problema das crianças sem limites,
identificam a falta de tempo, a velocidade que muitas vezes não deixa
pensar. E a incapacidade de pensar dá lugar à depressão que tem como
uma das manifestações a chamada omnipotência infantil.

Em educação tem de haver tempo. "Para haver qualidade, tem que haver
quantidade e disponibilidade", considera Pedro Strecht. "Os pais
passam muitas horas a trabalhar, muitas crianças chegam a estar 10, 11
horas em jardins de infância e na escola. O reencontro no final do dia
acontece numa situação de grande vulnerabilidade emocional com
crianças cansadas, com birras, com pouco tempo para cumprir as rotinas
e com pais extremamente cansados do trabalho, portanto num ponto de
desencontro, de choque e de conflito. Pela falta de tempo e pela
culpabilidade dos pais em relação a isso, a permissividade aumentou e
aumentou aquilo que vários autores chamam os objectos compensatórios,
no que respeita tanto a objectos como à própria relação". A
delimitação de regras fica para trás e o que se observa muito hoje -
diz Pedro Strecht - é que "temos cada vez mais miúdos que num registo
familiar não têm estas balizas e que depois transportam para outros
registos, a escola, a sociedade" toda a sua inquietação.

A dificuldade de impor e de aceitar limites paga-se "caro vida fora",
adverte Maria Teresa Sá. "Os pais têm medo do poder. Como que sofrem
de um excesso de democracia [entre aspas]. Há uma perversão, como na
democracia. Muitos pais têm dificuldades com os limites porque têm
medo de ser tirânicos. Têm medo de ser como os pais, como os avós ou
como o modelo que eles intuíram da sociedade antes deles", diz Carmo
Sousa Lima.

E os exemplos sucedem-se: na escola, António, dez anos. A professora
anuncia: "Hoje é teste". Ele cruza os braços: "Não faço". E não faz.

Em casa: Rita, nove anos, filha única. A mãe diz-lhe para desligar o
computador e ir para a mesa jantar. Ela continua imóvel à frente do
ecrã. A mãe repete a ordem. A miúda não se mexe. Já irritada, a mãe
aproxima-se e desliga o computador. Rita protesta, grita e volta a
ligar o computador. Empurra a mãe, não vai jantar.

No consultório médico, Pedro, oito anos, para o pedopsiquiatra: "Olha,
já parti portas, um dia se tu quiseres, também posso partir esta do
teu consultório... Se quiseres ver..."

O número de casos "é muito significativo e, sobretudo em relação a
anos atrás, é muito mais intenso", diz Pedro Strecht.

A importância da autoridade

O que faltou ou o que tiveram a mais estas crianças para se tornarem
assim? Strecht recua até aos primeiros tempos da vida da criança e da
relação precoce com os pais. Refere o médico psicanalista inglês
Donald Winicott e a sua ideia de "holding" para explicar a necessidade
do envolvimento da criança "num círculo de amor e de força" juntando o
afecto e o investimento emocional à fixação de limites. "Na própria
relação com o bebé, é isso que se faz", explica o pedopsiquiatra.
"Quando um bebé está inquieto, a pessoa pega-o ao colo, envolve-o
fisicamente. A modelação emocional é feita também à custa de um
"holding físico". O que acontece depois é que os miúdos vão integrando
progressivamente e de forma cada vez mais autónoma o holding emocional
sem ser preciso tanto o holdingfísico, de uma forma cada vez mais
auto-regulada". Quando isso não sucede pode querer dizer "que não
houve esse holding físico de delimitação, de força, no "sentido de
contenção emocional e verbal."

A explicação para as manifestações de tirania por parte destas
crianças passa então pela pergunta acerca do que tiveram elas a mais.
Como nota a psicanalista Carmo Sousa Lima, "o excesso desim perturbou
a capacidade das crianças tolerarem o não", mas "é onão que faz
valorizar o sim e não o contrário". Depois do período de "maravilha" e
de "encantamento" que rodeia o bebé nos primeiros tempos, os pais
devem educar os filhos para a realidade, defende. "Há aspectos da
realidade de que os pais não podem proteger a criança sob pena de esta
enlouquecer ou cair nessa omnipotência que agora é tão corrente
aparecer nos consultórios". Há pais, mães que "são de uma ansiedade
tal que a criança não pode sair de dentro delas e continua a viver
numa espécie de uma bolha protectora, mas que a vai destruindo em
termos de autonomia e de identidade", diz, sublinhando que "são os
limites que protegem a criança".

Ao contrário do que muitos adultos ainda pensam, "uma criança sem
limites não é uma criança livre", diz Teresa Sá, psicanalista e
professora na Escola Superior de Educação de Santarém. Que se desfaça
a confusão: "Uma criança sem limites é escrava das suas pulsões e não
é feliz, vive angustiada". Entregue a si própria "não tem outro guia
senão a satisfação imediata". Se quer uma coisa, agarra-a, se não está
contente, bate. E se, a curto prazo, isto até pode ser agradável,
"paga-se caro, vida fora". Teresa Sá explica como. "Constitui-se como
um verdadeiro sofrimento psíquico, visto que o sujeito se encontra na
impossibilidade de se frustrar minimamente, de dizer não a si próprio,
e não somente de dizer não ao educador". O que correntemente se
designa por omnipotência, "não é unicamente a vontade de dominar os
outros e de não levar em conta senão o seu próprio desejo, mas, de
igual modo, a impotência e a impossibilidade de se dominar a si mesmo,
de se limitar", esclarece. "Parecendo dono do mundo, o sujeito está na
verdade desmunido, pois não se sente dono do seu próprio mundo
interno".

Daí, a importância da autoridade na educação. Carmo Sousa Lima fala
antes do exercício de um "bom poder". A capacidade de lidar com os
limites "é um poder muito bom, indispensável", diz. "Todos temos uma
margem de poder que está em tudo. Podemos falar, comer, amar, mas há
pessoas que não podem. Há patologias que não deixam. Por isso, a
palavra o poder em si própria é uma palavra muito boa, com um sentido
muito profundo". O bom poder "é o poder de dizer "não" na justa medida
das coisas que são razoáveis dizer que não. E de dizer que sim naquilo
que ajuda a criar uma melhor pessoa".

É a autoridade "exercida pelos educadores (pais, professores,
instituição) que permite à criança e ao jovem integrar os interditos
fundamentais ligados à socialização", salienta Maria Teresa Sá. "Um
adulto que permite tudo não é, para a criança, um adulto que lhe dê
segurança".As crianças reclamam, aliás, esses limites quando levam os
adultos ao limite (a "passarem-se da cabeça e agirem"). É "como se a
criança estivesse a levá-los a colocarem limites". E quando isso não
se verifica, "pode acontecer que seja a própria criança ou jovem a
colocar o limite, em escalada, geralmente com o corpo, caindo,
magoando-se, pondo-se em perigo". Sem autoridade "a criança
sentir-se-á insegura, deixada só nas perigosas marés da sua
impulsividade e destrutividade, abandonada, negligenciada", nota Maria
Teresa Sá.

Pedro Strecht alerta, contudo, para o facto paradoxal de, a par da
permissividade, existir um regresso ao autoritarismo" e para a
necessidade de isso não acontecer. Face às ideias de que, para
enfrentar os problemas da educação é preciso uma "educação espartana"
e que "antigamente é que era bom", Strecht diz que "não há nada mais
falso". "Sabemos que no campo da saúde mental e da infância, isso é
absolutamente mentira". E lembra: "Se hoje as escolas estão cheias de
problemas, em 1974 a escolaridade obrigatória limitava-se à quarta
classe. E se formos ver, há cem anos não havia meninas nas escolas e a
maioria da população escolar andava descalça e isso é que era um
problema".

Tem de haver autoridade, sim, mas uma autoridade "protectora", defende
o pedopsiquiatra. Que proteja as crianças "dos seus próprios
movimentos mais primitivos, mais agressivos", nota Carmo Sousa Lima.
Uma autoridade com afecto como defende o psiquiatra Daniel Sampaio.
Para promover o desenvolvimento e a autonomia. E "passar de uma
navegação à costa para uma navegação à distância", sem a perder de
vista, exemplifica Pedro Strecht, deixando claro que se não for feito
na infância, este trabalho se tornará muito mais difícil na
adolescência.

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quinta-feira, junho 25, 2015

# Hospitais portugueses com mais qualidade: 82% são de topo

http://observador.pt/2015/06/25/hospitais-com-mais-qualidade-82-sao-de-topo/

A grande maioria dos hospitais avaliados pela Entidade Reguladora da
Saúde cumpre os critérios de qualidade exigidos. Aumentaram 23% as
unidades que atingiram o primeiro nível de avaliação.

CARLOS BARROSO/LUSA

A grande maioria dos hospitais avaliados pela Entidade Reguladora da
Saúde (ERS) cumpre os critérios de qualidade exigidos, tendo havido um
aumento de 23% das unidades que atingiram o primeiro nível de
avaliação entre 2012 e 2015.

Segundo resultados hoje divulgados pela ERS, o Sistema Nacional de
Avaliação em Saúde (SINAS) abrange atualmente 163 estabelecimentos
hospitalares públicos, privados e do setor social, mas só 130 são
avaliados na dimensão da excelência clínica.

Dos 130 estabelecimentos avaliados, 82% demonstraram cumprir os
critérios de qualidade exigidos, tendo obtido a 'estrela' do primeiro
nível de avaliação.

Seis unidades não obtiveram a 'estrela' deste primeiro nível de
avaliação por não ter sido possível aferir todos os requisitos de
qualidade exigidos pelo regulador.

Outros 15 prestadores optaram por não se submeter a avaliação, não
tendo enviado quaisquer dados relativos ao período em análise.

Segundo a ERS, os prestadores que atingiram o primeiro nível de
avaliação mostraram um aumento de 23% de 2012 para 2015, subida que se
verificou tanto no setor público, como no privado e social.

Contudo, o setor público foi o que registou uma subida mais acentuada
dos hospitais que atingiram avaliação em excelência clínica, passando
de 29% em 2012 para 40% em 2015.

A ERS faz ainda uma avaliação num segundo nível às unidades
hospitalares, estabelecendo um 'ranking' por três níveis de qualidade
relativamente a várias áreas e, como cirurgia de ambulatório,
ortopedia, ginecologia, enfarte agudo do miocárdio ou obstetrícia.

Comparando com a última avaliação, feita em dezembro do ano passado,
houve um aumento do número de hospitais com nível de qualidade IIII
(superior) nas áreas do enfarte agudo do miocárdio, da cirurgia do
cólon e de obstetrícia.

O regulador sublinha que têm melhorado nas unidades de saúde os
indicadores relativos à infeção hospitalar.

Os atuais resultados do SINAS Hospitais, que é publicado
semestralmente, reportam-se a episódios com alta entre 1 de Julho de
2013 e 30 de Junho de 2014.

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quarta-feira, junho 17, 2015

# Educação moderna segundo Chesterton

A tragédia da educação moderna é que nos deixou perigosamente
ignorantes de quem somos, onde estamos, de onde viemos e para onde
vamos. Estamos perdidos e alegremente ignorantes de que caminhamos
para o abismo. Este é o preço que estamos condenados a pagar pela
nossa fé cega em nada em particular.

G. K. Chesterton

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# A banalidade do mal

José Pedro Anacoreta Correia e José Bento da Silva

http://observador.pt/opiniao/a-banalidade-do-mal/

O mal torna-se banal quando o membro de uma organização, seja ela
política ou empresarial, separa os seus valores éticos individuais do
comportamento duvidoso da organização, com a qual é cúmplice.

A banalidade do mal, que Hannah Arendt tornou famosa, tende a ser
confundida com a sua origem: o Nazismo. Embora muitos conheçam esta
expressão, só alguns se lembram da problemática filosófica que estava
por detrás do trabalho de Arendt, e que remetia para o trabalho do
Weber sobre as burocracias. A questão que foi alvo de muito debate era
simples: qual a responsabilidade individual daqueles que eram
'somente' funcionários da burocracia estatal Nazi? Esta questão não
tem resposta fácil e tem grandes implicações. Uma delas é a seguinte:
o CEO de um banco é responsável por tudo o que de 'mal' esse banco
fez? Na opinião pública a resposta é fácil, mas é preciso ter cuidado.
Porque tal como na questão do Nazismo, a questão que se coloca ao
nível das empresas é: como distinguimos a responsabilidade individual
da responsabilidade coletiva?

O mal torna-se banal quando o membro de uma organização, seja ela
política, empresarial ou mesmo não lucrativa, separa os seus valores
éticos individuais do comportamento duvidoso assumido sistematicamente
pela organização com a qual é cúmplice. O mal torna-se igualmente
banal quando julgamos o indivíduo de forma diferente consoante esteja
em causa o seu comportamento a título individual ou enquanto membro da
organização.

Podemos dar alguns exemplos sobre esta questão. Um indivíduo que
mostre sinais exteriores de riqueza, cuja origem é estranha ou
desconhecida, é facilmente olhado com censura. No entanto, se esse
mesmo indivíduo for julgado enquanto membro de uma organização, pode
beneficiar de uma especial tolerância ou mesmo apoio dos restantes
membros. O mesmo pode suceder quanto à origem de recursos financeiros
de um clube de futebol para a realização de novos investimentos, ou um
investidor num processo de privatização. A origem duvidosa do dinheiro
não parece ser uma questão ética muito relevante, exceto quanto esteja
implícito um julgamento sobre a organização a que pertencemos.

Sabemos há muito que os indivíduos se comportam de maneira diferente
em duas situações distintas: em grupo ou quando ascendem ao poder.
Qualquer uma destas situações está estudada há muito tempo. Lord Acton
ficou famoso por afirmar que "o poder corrompe e o poder absoluto
tende a corromper de forma absoluta". Temos por isso a intuição de que
o poder gera algo nas pessoas que as leva a alterarem o seu
comportamento, nomeadamente a desviarem-se daquilo que são valores e
dimensões da ética considerados básicos. Tal facto foi corroborado
pelo que ficou conhecido como a 'Stanford Prison Experiment' de 1971.
Isto é, o que se verifica é que a esmagadora maioria daqueles que
ocupam lugares de poder tendem a ser demasiado coniventes e tolerantes
para com fenómenos, práticas e situações que são no mínimo dúbias. Mas
esta tolerância ao que é e está mal tornou-se num fenómeno de grupo.

Um estudo recente, liderado por Andre Spicer da Cass Business School
mostrou como o que se passou na banca se explica por via de uma
cultura organizacional que promovia o risco excessivo e silenciava a
percepção de que algo não estava bem, nomeadamente através da ausência
de mecanismos eficazes de promoção do 'whistleblowing'. Isto é, a
responsabilidade pelo que se passou com a banca não se esgota nos
CEOs. A grande maioria dos que operam na banca sabia o que se estava a
passar. Pergunta o leitor: e porque é que ninguém falou? Porque vários
estudos mostram que os 'whistleblowers' não são bem vistos e tendem a
optar pelo silêncio. Mais, vários estudos mostram que os
whistleblowers são a exceção: ou são considerados como tendo problemas
psiquiátricos (curiosamente o historiador Jesuíta Michel de Certeau
refere na sua obra como os místicos foram sistematicamente
considerados como sendo loucos pela hierarquia da Igreja), ou como
traidores ao grupo. Isto pese embora, individualmente, os restantes
membros do grupo saibam que o que eles dizem está correto. Num estudo
de 2015, ainda não publicado, sobre whistleblowing em empresas
estatais, o autor mostra como os comportamentos éticos dúbios e a
própria corrupção são normalizadas. Isto é: por um lado é considerado
normal, por outro é tornado norma. Este último ocorre quando todos, em
grupo, dizem coisas como 'é assim que as coisas se fazem…' As pessoas
acabam por tolerar comportamentos que sabem ser menos éticos,
justificando-os com critérios organizacionais.

A normalização do mal atingiu proporções tais que é legítimo afirmar
que mesmo individualmente há um problema sério ao nível ético. Era a
isto que o Papa Emérito Bento XVI se referia quando mencionava a
'ditadura do relativismo'. É na tolerância, na banalização, na
relativização e na normalização daquilo que é assumidamente antiético
que acreditamos residir o real problema da sociedade hodierna, ao
nível político e empresarial.

Este fenómeno é gravíssimo por duas razões: em primeiro, porque é no
espaço aberto pela dúvida ética que movimentos políticos e religiosos
radicais encontram refúgio; em segundo, porque a ética não é apenas
uma apenas questão de consciência individual, mas também uma questão
de sustentabilidade das organizações. O fenómeno só pode ser combatido
através da exigência.

O sistema está eticamente corrompido porque na generalidade todos nós
somos demasiado tolerantes em relação à ética praticada no seio da
organização. Consequentemente, o sistema não tem capacidade para
rejeitar pessoas pouco credíveis. A sensação generalizada de que
políticos e gestores têm sistematicamente comprometido a ética em
favor do politicamente correto, da necessidade de lucrar a curto prazo
e a todo o custo, da ânsia de ganhar ao adversário 'independentemente
da verdade desportiva', abre o espaço para movimentos radicais como o
Syriza.

As pessoas não se revêm nos partidos e no sistema atual.
Intuitivamente, a esmagadora maioria do eleitorado tem a noção clara
de que algo não está bem. Qualquer proposta antissistema é apelativa
independentemente da sua consistência e coerência. Estas propostas
consistem muitas vezes em substituir um sistema por outro que nem
sequer se apresenta como necessariamente 'mais ético'.

A atração pelo radicalismo político tem por isso uma razão de ser, a
normalização do mal, e, acreditamos, uma solução. Tendo origem na
tolerância ética, o radicalismo só poderá ser combatido pela
intolerância relativamente a comportamentos éticos desviantes no seio
da organização.

É curioso o que se passa relativamente a alguns escândalos políticos
verificados recentemente em Portugal. Não colocando em causa o
princípio da presunção da inocência, será que relativamente a algumas
pessoas não havia já indícios mais do que suficientes de uma gestão da
vida pessoal e profissional pouco clara e verdadeira? O que é mais
estranho nestes casos, é a extraordinária tolerância que por vezes
existe no seio dos partidos relativamente a esses casos,
privilegiando-se o processo em detrimento da verdade.

No que se refere à gestão empresarial, a realidade não é muito
distinta. Num recente estudo promovido pelo Institute of Business
Ethics, cerca de 77% dos inquiridos dizia que a empresa em que
trabalha se pauta por padrões de honestidade. Aparentemente seria uma
boa notícia. Mas será que se esse estudo tivesse sido levado a cabo no
BES ou na PT há um ano atrás os resultados seriam diferentes? É pouco
provável, porque não havia sinais claros de contestação interna. Os
77% representam provavelmente mais depressa um sentimento de pertença
à organização do que uma convicção profunda de que a organização se
pauta por comportamentos éticos. Na verdade, as pessoas tendem a ser
tolerantes sempre que se encontram emocionalmente ligadas às
organizações.

A ética já não é apenas uma questão de consciência individual, mas um
imperativo de sustentabilidade das organizações e de desenvolvimento
das sociedades. A única forma de preservar a democracia e a liberdade
é diminuir a tolerância face a estes comportamentos. É não termos
dúvidas perante o que é duvidoso. É deixarmos de ser complacentes e
tentar acomodar o inaceitável, justificar o injustificável e exigir de
quem nos lidera, na política e nas empresas, um padrão de
comportamento para lá do duvidoso.

Para assegurar a ética nas organizações não é suficiente ter códigos
de ética. Os códigos de ética, além de muito semelhantes entre si,
podem ser vazios de significado se não forem vividos de forma
verdadeira. Para que sejam vividos é necessário criar condições para
que os comportamentos de normalização do antiético sejam questionados.
Isso só é possível através da exigência do whistleblowing. O
whistleblowing deve ser visto como algo não apenas suavemente
tolerado, mas como algo exigido a todo aquele que tem qualquer tipo de
responsabilidade relevante numa organização.

Enquanto clientes das organizações empresariais é semelhante. Quando
no Bangladesh cerca de 1500 trabalhadores morreram após o colapso de
uma empresa subcontratada para produção de têxteis para marcas
importantes como a H&M e a Primark, será que os clientes dessas marcas
podiam ser considerados coniventes com a falta de condições de
segurança praticas nas fábricas de origem? Depende naturalmente do
critério de exigência que nos impomos. A verdade é que foi colocada a
hipótese de uma campanha sem precedentes de boicote à H&M e à Primark.
E sendo os clientes dos mercados mais importantes muito sensíveis a
estas questões, aquelas empresas assinaram um acordo histórico em que
se comprometeram a fiscalizar diretamente o que se passava nas
empresas subcontratadas. Este é um exemplo de como a exigência pode
mudar a política de responsabilidade ética a nível global.

O mesmo se passa no desporto. Somos demasiado tolerantes, enquanto
adeptos, em relação à origem do investimento para reforço do plantel
ou para a contratação de um novo treinador. Podemos até discordar do
processo de escolha de uma determinada localização para realização de
um campeonato do mundo, das condições miseráveis das pessoas que
trabalham na construção das infraestruturas no Qatar, mas
provavelmente não de forma suficientemente firme que leve a boicotar o
acompanhamento desse evento e a forçar uma inversão do resumo dos
acontecimentos.

Em vez de dar espaço a movimentos radicais que sustam posições
perigosas antissistema, os eleitores devem exigir dos partidos uma
intolerância em relação a membros que assumem comportamentos
antiéticos, independentemente de estes consubstanciarem ou não crimes.
Se os partidos perceberem que o critério de escolha dos eleitos passa
por esta exigência, terão que mudar, tal como muitas outras
organizações mudaram, em virtude da pressão imposta pelos seus
clientes.

Podemos assistir ao mundial do Quatar e apoiar a seleção Portuguesa,
podemos comprar qualquer produto independentemente da sua origem,
votar no partido político com o qual temos maior afinidade ou até
abster-nos de votar e colaborar com todas as políticas empresariais.
Tudo isto tem justificação e a argumentação não difere muito da
argumentação do dirigente Nazi Eichmann!

A vantagem da democracia e da economia de mercado é a de que o poder
está nas mãos do eleitor e do cliente. É uma questão de exigência.

José Bento da Silva, Assistant Professor na Warwick Business School
José Pedro Anacoreta Correia, jurista e gestor de RH

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segunda-feira, junho 01, 2015

# Dez mitos sobre a Segurança Social e Pensões em Portugal

http://observador.pt/especiais/dez-mitos-sobre-a-seguranca-social/
31 Maio 2015 Helena Matos

Com a sustentabilidade da Segurança Social de volta ao debate
político, decidimos revisitar os principais dados sobre o nosso
sistema de pensões, alertando para os mitos do discurso público.

I) A conta imaginária

A imagem é poderosa, mas é falsa: a conta não existe. Na cabeça de
muitos contribuintes (e, não raras vezes, de muitos jornalistas!)
existe uma espécie de conta imaginária onde se alinham numa soma
interminável os descontos que ao longo da sua vida fazem para a
Segurança Social. E quando pensam na sua reforma, os portugueses
vêem‑na como uma subtracção que, por muito que vivam, nunca conseguirá
esgotar tudo aquilo que pagaram e está na tal conta.

Mas infelizmente a conta não existe. E, mesmo que existisse, não daria
para os encargos, pois o nosso modelo não é de capitalização, mas sim
de repartição. Logo, a maior parte das contribuições pagas pelos
trabalhadores no activo é imediatamente gasta. Em quê? No pagamento
das despesas com os pensionistas actuais. Por consequência, as pensões
a usufruir pelos trabalhadores que hoje estão a financiar o sistema
dependem, não da capitalização das suas contribuições acumuladas na
tal conta imaginária, mas sim da possibilidade de a Segurança Social
conseguir que as próximas gerações de trabalhadores paguem as
contribuições suficientes para continuar a assegurar o pagamento das
pensões e a sustentabilidade do sistema.

Mas o problema não reside apenas no facto de não existir a conta onde
os descontos de cada um se iriam acumulando. A verdade é que se ela
existisse não chegaria para pagar pensões pelos valores actuais.

II) Os meus descontos chegam e sobram para pagar a minha reforma

Temos pena mas não é verdade. Basta pensar no seguinte: ao longo da
vida activa os descontos para a Segurança Social correspondem a
sensivelmente um terço do ordenado que se recebe (considerando o
desconto do trabalhador e o desconto da entidade patronal); desses
descontos são pagos os períodos de desemprego e os períodos em que se
está de baixa. Se a vida activa tiver durado 40 anos (muitas vezes
dura menos), e se o trabalhador tiver descontado sempre, isso
significaria que teria poupado o suficiente para que lhe fosse paga
durante 13 a 14 anos uma pensão correspondente à média dos seus
ordenados nesses 40 anos. Se esse trabalhador for funcionário público,
ter‑se‑á reformado com 60 anos (é essa a idade média de reforma dos
últimos anos), e se trabalhar no sector privado tê‑lo‑á feito com 62,5
anos.

O problema não reside apenas no facto de não existir a conta onde os
descontos de cada um se iriam acumulando – se ela existisse não
chegaria para pagar pensões pelos valores actuais.

Portanto o nosso trabalhador amealhou o suficiente para receber a sua
pensão até, na melhor das hipóteses, aos 75 anos. Ora a esperança de
vida no momento da reforma indica que viverá até aos 82 anos se for
homem, e até aos 85 anos se for mulher. Ou seja, durante 7 a 10 anos
da sua vida de pensionista a sua reforma terá de ser paga ou pelos
descontos dos trabalhadores activos ou através do Orçamento do Estado.
Em conclusão: o sistema está a pagar pensões durante mais de 20 anos
(a idade média de aposentação tem estado nos 60/62 anos, e a esperança
de vida aos 65 anos está quase nos 84 anos) quando na verdade os
descontos acumulados nem dariam para 13 a 14 anos de pensões que
calculámos.

O sistema está a pagar pensões durante mais de 20 anos (a idade média
de aposentação tem estado nos 60/62 anos, e a esperança de vida aos 65
anos está quase nos 84 anos), quando na verdade os descontos
acumulados nem dariam para 13 a 14 anos de pensões que calculámos.

III) As reformas actuais são muito baixas

Só se for por ilusão de óptica: os pensionistas actuais recebem bem
mais do que aquilo que descontaram. E não nos referimos apenas àqueles
casos óbvios em que não existe correspondência entre o que se recebe e
o que se descontou, como sucede com as pensões sociais para as quais
por vezes nem houve descontos, ou, nos escalões mais elevados, com
regimes especiais, como era o caso do dos ex‑administradores do Banco
de Portugal, (a quem até há algum tempo bastava exercer essas funções
durante cinco anos para, independentemente da idade, terem
automaticamente direito à pensão por inteiro), dos juízes do Tribunal
Constitucional, que têm direito à sua pensão após apenas dez anos no
cargo, ou do antigo regime dos titulares de cargos políticos.

Na verdade todos os pensionistas cujas pensões foram calculadas sobre
o último ordenado (o que sucedia até há pouco tempo com os
pensionistas da Caixa Geral de Aposentações), ou sobre os melhores dos
últimos ordenados, estão a receber mais do que receberiam se esse
cálculo incidisse sobre toda a carreira contributiva, a maior parte da
qual foi passada a fazer descontos mais baixos sobre ordenados também
mais baixos.

Todos os pensionistas cujas pensões foram calculadas sobre o último
ordenado, ou sobre os melhores dos últimos ordenados, estão a receber
mais do que receberiam se esse cálculo incidisse sobre toda a carreira
contributiva.

Recorde-se que até 2007, no caso do regime geral da Segurança Social,
a pensão era calculada tendo por base a remuneração dos melhores 10
dos últimos 15 anos. Para os funcionários públicos, o salário de
referência para o cálculo da pensão era o último salário mensal, o que
já por si significava que, por regra, se partiria de um valor mais
alto do que aquele que se obteria através da média de vários anos.
Para além disso, era comum uma espécie de "promoções‑bónus para a
reforma", que durante anos inflacionou o número de promoções dos
funcionários públicos que estavam em final de carreira, assim
permitindo que estes vissem as suas pensões calculadas de forma
vantajosa. Estas condições eram tão vantajosas que um estudo da OCDE
concluiu que em Portugal um pensionista com um salário médio e com uma
carreira contributiva completa que se tivesse reformado antes de 2007
ficaria a receber, em média, uma pensão líquida que corresponderia a
110% do seu último salário líquido.

Governo de Passos conseguiu travar o problema, mas não não equilibrar
as contas da SS

IV) Os cortes permitiram equilibrar as contas da Segurança Social

Infelizmente é falso. Os cortes nas pensões não significam que
Portugal gaste menos em pensões. Tem‑se conseguido apenas que a
despesa aumente menos, mas ela continua a aumentar, porque esse
aumento é determinado por algo que o poder executivo não tem como
alterar: o número de pensionistas continua a aumentar e o perfil
desses mesmos pensionistas continua a mover‑se para níveis mais altos
de pensão. Basta ver o seguinte exemplo: no ano de 2011 foram
congeladas as pensões, complementos e os indexantes dos apoios
sociais, mas apesar disso a despesa com as pensões aumentou. No ano de
2012 – um ano de fortes restrições orçamentais – a despesa com pensões
cresceu 3,4% em relação ao ano anterior. Em 2011 aumentara 3,1%. Em
2010, 4,1%. Em 2009, 5,%. Ou seja, a tendência de crescimento da
despesa manteve‑se.

No ano de 2012 – um ano de fortes restrições orçamentais – a despesa
com pensões cresceu 3,4% em relação ao ano anterior. Em 2011 aumentara
3,1%. Em 2010, 4,1%. Em 2009, 5,%. Ou seja, a tendência de crescimento
da despesa manteve‑se.

V) A Segurança Social gasta muito dinheiro em intervenção social

É verdade, mas essa verdade não explica quase nadaquando se fala de
sustentabilidade da Segurança Social. De facto a Segurança Social paga
pensões a cidadãos em situação de carência económica ou social que não
estão cobertos por outros regimes. São estas as despesas do que
inicialmente foi conhecido como regime não contributivo e que
posteriormente se passou a designar através de expressões mais
voluntaristas do ponto de vista ideológico, mas mais opacas do ponto
de vista do financiamento, como regime de solidariedade ou sistema de
protecção social de cidadania.

O Rendimento Social de Inserção e as pensões sociais de invalidez e
velhice são algumas das prestações deste regime em que os montantes
recebidos pelos beneficiários não têm qualquer correspondência com
descontos que tenham ou não efectuado.

O dinheiro para estas contribuições vem do Orçamento de Estado.
Portanto é pago pelos contribuintes através dos seus impostos. Logo as
verbas gastas em intervenção social não afectam directamente a
sustentabilidade da Segurança Social.

O dinheiro para estas contribuições vem do Orçamento de Estado.
Portanto é pago pelos contribuintes através dos seus impostos.

Note‑se ainda que, ao contrário do que sucede com as pensões, o Estado
consegue condicionar muito rapidamente o montante destas despesas,
seja no sentido do crescimento ou da contenção, através da alteração
dos critérios de acesso. Por exemplo, em 2009, ano de eleições, o peso
do Rendimento Social de Inserção nas despesas cresceu 19,3%. Em 2010 a
taxa de crescimento baixou para 2,4%. E em 2011 a despesa com o RSI
deixou a coluna do crescimento e passou para a da redução: ‑20,2%. Em
2012 continuou a decrescer: ‑6,4%. Simplesmente porque se alteraram
algumas regras e se actuou no domínio da fiscalização.

VI) A Segurança Social deve deixar de pagar o desemprego/reconversão
profissional

Uma falsa boa ideia. Os proponentes deste tipo de soluções esquecem,
ou fazem‑se esquecidos, que as presentes contribuições para a
Segurança Social integram os anteriores descontos para o Fundo de
Desemprego. Logo, ou se diferenciam novamente as contribuições, o que
diminuiria as receitas da Segurança Social provavelmente mais do que
aquilo que diminuiriam as suas despesas ou teria de se criar uma nova
taxa para sustentar esse novo Fundo de Desemprego. Ora, não se vê como
poderia essa nova taxa ser suportada pelos trabalhadores e pelas
empresas, dada a gigantesca carga tributária que sobre eles impera.

Por outro lado e à semelhança do que acontece com o RSI, as prestações
que substituem os rendimentos do trabalho, como o subsídio de
desemprego, são rápidas a reagir às mudanças económicas e
legislativas. Em 2012 as verbas destinadas ao desemprego e ao apoio ao
emprego sofreram um aumento na ordem dos 23,3%, face a 2011. Por
contraste, em 2011 a despesa com subsídio de desemprego e medidas de
apoio ao emprego reduzira‑se em relação a 2010 ( ‑5,3%). Contudo, em
ambos os anos o desemprego aumentou – 1,9 pontos percentuais em 2011 e
2,9 em 2012 –, mas o comportamento face às despesas foi muito
diferente. E foi diferente não tanto por causa do número de pessoas
que receberam estas prestações, mas porque se alteraram as regras de
atribuição dessas prestações, nomeadamente a que respeitava à
majoração do subsídio de desemprego dos casais desempregados e com
filhos a cargo e à redução de 15 para 12 meses do prazo contributivo
para acesso ao subsídio de desemprego.

Pelo contrário a despesa com as pensões é rígida e crescente.

À semelhança do que acontece com o RSI, as prestações que substituem
os rendimentos do trabalho, como o subsídio de desemprego, são rápidas
a reagir às mudanças económicas e legislativas.

VII) A Segurança Social é um contrato entre gerações

É verdade. Mas é um mau (para não dizer péssimo) contrato para uma das
partes: a dos futuros pensionistas e actuais contribuintes.

As reformas da Segurança Social que têm sido levadas a cabo têm
procurado garantir a manutenção dos direitos adquiridos dos actuais
pensionistas e fazem incidir os ajustamentos sobre os direitos dos
futuros pensionistas. Por exemplo: as alterações introduzidas na
reforma de 2006/2007 levaram a que o valor das pensões a ser atribuído
aos novos pensionistas fosse automaticamente mais baixo, porque se
introduziu o chamado factor de sustentabilidade, o qual indexa o
cálculo das pensões ao aumento da esperança média de vida, e se
alteraram as fórmulas de contagem do tempo de serviço, passando as
novas pensões a ser calculadas com base nas remunerações de toda a
carreira contributiva (40 anos).

Ou seja, temos hoje reformas a pagamento que representam 100 por cento
do último salário; outras, as pós-2007, que estão entre os 70% e 75%
do último salário. Já quem se reformar daqui por uns anos não levará
senão 60% a 65%. Se entretanto não ocorrerem reformas ainda mais
penalizadoras para os futuros pensionistas, cenário que é o mais
provável face ao estado das contas públicas. Segundo as projecções
inscritas no Orçamento do Estado para 2013, o governo que estiver em
funções no ano de 2020 já terá de recorrer ao Fundo de Estabilização
Financeira da Segurança Social (FEFSS) para conseguir assegurar o
pagamento das pensões.

Segundo as projecções inscritas no Orçamento do Estado para 2013, o
governo que estiver em funções no ano de 2020 já terá de recorrer ao
Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social para conseguir
assegurar o pagamento das pensões.

Este era um cenário que apenas se equacionava para 2040, mas a subida
do desemprego, que fez baixar significativamente as contribuições para
a Segurança Social e elevar as despesas, sobretudo com o subsídio de
desemprego, antecipou para 2020 o momento em que o FEFSS começará a
garantir, mesmo que provisória e parcialmente, o pagamento das
pensões. Logo, a breve prazo, ou se reforma a Segurança Social, ou as
pensões do chamado regime contributivo passam a depender de forma
significativa do financiamento através de impostos, ou as pensões
terão de ser reduzidas para níveis que farão parecer uma brincadeira
os actuais cortes.

Ferro Rodrigues/Paulo Pedroso previam um crescimento acumulado em oito
anos de 24,3%. Foi de 3%.

VIII) É o crescimento económico que tem de garantir a sustentabilidade
da Segurança Social

É óbvio que sim, mas o óbvio só é óbvio quando dá jeito. Politicamente
falando sobre Segurança Social, a macro-economia com as respectivas
previsões de crescimento económico são como o Natal: acontecem quando
e como um homem quiser. Atendendo apenas aos relatórios que
sustentaram as últimas chamadas reformas – a de 2002 com o decreto de
Paulo Pedroso, a alterar a forma de cálculo das pensões e a Lei de
Bases da Segurança Social, a da responsabilidade de Bagão Félix no
Governo de Durão Barroso, e a de 2006, no Governo Sócrates com o
ministro Vieira da Silva –, constatamos como a expressão "construções
na areia" serve de legenda a muitos dos cenários macroeconómicos que
têm sustentado as promessas sobre a sustentabilidade da Segurança
Social.

Um dos casos em que a divergência entre o antecipado e a realidade
mais se faz sentir é no Relatório final sobre a Sustentabilidade do
Sistema de Solidariedade e Segurança Social (2002), elaborado por uma
equipa nomeada no final de 2000 pelo Governo de António Guterres. Este
relatório, que, para azar dos portugueses, serviu de base à reforma de
2002, baseava‑se em cenários de onde a palavra "crise" estava
excluída. Para o crescimento do PIB previa-se ir em crescendo de 1,8
(2002) até 3,0 (2004 e 2005). Infelizmente acabámos em valores de 0,4;
‑1,1; 1 e 0,3. A diferença entre o antecipado e o verificado no que
respeita ao emprego e desemprego é também óbvia: a taxa de desemprego
em 2005 acabou em 7,6. Ou seja, quase no dobro dos 4,0 incluídos nos
cenários antecipados nos estudos.

Com cenários tão cor‑de‑rosa era, de facto, fácil prometer a
"sustentabilidade do sistema" por largas décadas.

Mas se tomarmos o conjunto da projecção para 2002‑2009 o contraste com
a realidade ainda é mais gritante. De acordo com as projecções feitas
pela equipa dos ministros Ferro Rodrigues/Paulo Pedroso, o crescimento
acumulado nesses oito anos deveria ter sido de 24,3%; na realidade,
nesse período da nossa "década perdida" o crescimento acumulado foi de
apenas 3,0%. Uma diferença superior a 20 pontos percentuais! Com
cenários tão cor‑de‑rosa era, de facto, fácil prometer a
"sustentabilidade do sistema" por largas décadas.

Infelizmente, o Relatório sobre a Sustentabilidade da Segurança Social
anexo ao Orçamento do Estado para 2006 não rompeu com a tendência
quase constante nos documentos oficiais sobre a Segurança Social para,
após os gráficos em que se apresentam os erros de cálculo do passado,
se passar à projecção de cenários futuros caindo exactamente nos
mesmos erros.

A título de exemplo, basta olhar para a taxa de desemprego prevista
neste Relatório final sobre a Sustentabilidade da Segurança Social,
que deveria baixar dos 7,7% em 2006 para atingir os 5,5% em 2015. A
taxa de desemprego prevista torna‑se mesmo, a partir de 2009, uma
espécie de miragem inversa quando confrontada com os dados reais: 9,4
(2009); 10,8 (2010); 12,7 (2011); 15,6 (2012); e em 2013 com
oscilações que chegaram aos 17,8. Quanto ao crescimento do PIB,
bastará lembrar que os 3,0% previstos para 2009 de facto aconteceram,
mas foram de crescimento negativo do PIB, que nesse ano se fixou em
‑2,91%. Também 2011 e 2012 voltaram a registar valores negativos:
‑1,55% e ‑3,17%, respectivamente.

Mas se isto se passa na área da economia, onde as projecções são
naturalmente mais difíceis de fazer, a verdade é que também nas
projecções demográficas a evolução da população entrou em divergência
com o que tinha sido antecipado e, naturalmente, desejado, pois eram
necessários números bonitos para conseguir a desejada
"sustentabilidade do sistema".

Claro que todas as projecções falham. Mas não é o erro que está em causa.

Claro que todas as projecções falham. Mas não é o erro que está em
causa. É, sim, a tendência constante durante anos e anos nas
projecções a mais do que cinco/dez anos sobre a Segurança Social para
se errar criando invariavelmente cenários de um optimismo esfuziante.

Logo, de cada vez que nos dizem que não se deve mexer nos princípios
do actual sistema garantindo que o crescimento económico resolverá os
desajustamentos, convém lembrar que de cada vez que isso falhou o
prejuízo foi endossado aos actuais contribuintes.

Claro que todas as projecções falham. Mas não é o erro que está em
causa. É, sim, a tendência constante durante anos e anos nas
projecções a mais do que cinco/dez anos sobre a Segurança Social para
se errar criando invariavelmente cenários de um optimismo esfuziante.

IX) A Segurança Social deve alargar a sua base de financiamento

Essa opção pode ser tomada, mas vai prejudicar os jovens. É preciso
ter em conta que o dinheiro da Segurança Social não nasce numa estufa
regada com boas intenções. Por mais estranho que possa parecer face às
declarações de muitos protagonistas que parecem acreditar que algures
nascem euros a favor dos pensionistas, só existem duas fontes
significativas de receita da Segurança Social: o dinheiro dos
contribuintes via as contribuições dos beneficiários e empregadores, e
o dinheiro dos contribuintes via impostos.

Logo quando as contribuições não crescem, como sucedeu em 2012, ou não
crescem o suficiente para acompanhar as despesas, caso dos anos de
2007 a 2011, aumenta a parcela das transferências correntes (vulgo
transferência via OE – Orçamento do Estado). O que não vem
directamente dos descontos feitos para a Segurança Social vem através
dos descontos feitos para os impostos. Não admira portanto que
arranjar novos contribuintes e novas fontes de financiamento para a
Segurança Social seja uma obsessão quase desde o seu início.

O que não vem directamente dos descontos feitos para a Segurança
Social vem através dos descontos feitos para os impostos.

Nos últimos anos a hipótese de financiamento da Segurança Social
através da tributação das mais‑valias tem ganho adeptos. Por outras
palavras, as empresas com poucos trabalhadores e um grande volume de
negócios pagariam mais para a Segurança Social do que aquelas que,
para um volume de negócios idêntico ou inferior, empregam mais
trabalhadores.

Esta possibilidade é tão sedutora quanto potencialmente desastrosa:
tributar mais as empresas de capital intensivo implica penalizar as
empresas que mais investem em tecnologia, que frequentemente pagam
melhores salários e que pela sua própria natureza mais tecnológica
menos fogem aos impostos através dos esquemas da economia paralela. E
sobretudo cabe perguntar se é do interesse dos portugueses e do seu
sistema de Segurança Social discriminar positivamente as empresas que
menos apostam na inovação. A resposta pode variar consoante a idade de
quem responde: do ponto de vista dos actuais pensionistas esta forma
de financiamento da Segurança Social pode ser interessante, já que no
imediato gera mais receita. Mas a médio e longo prazo, ou seja, do
ponto de vista dos jovens ou actuais activos, ela é negativa, pois
distorce a economia, penalizando o investimento em investigação e
desenvolvimento.

X) Devemos apostar numa reforma que resolva definitivamente o problema

Esqueça o definitivamente. Não é por acaso em vinte anos – 1987, 1993,
2002, 2007 – tivemos quatro alterações das regras de cálculo das
pensões e quatro Leis de Bases da Segurança Social: 1984, 2000, 2002,
2007.

A mitologia popular em torno da conta imaginária da Segurança Social
tem, entre as elites, o seu reverso num discurso sobre a necessidade
de reforma, mas reduzindo‑ a sempre a pouco mais do que uma alteração
das fórmulas de cálculo das pensões. Este imaginário das reformas,
cada uma delas sempre a final – até à próxima, naturalmente –, é
continuamente erodido pelo confronto com a realidade. Uma realidade
que em tudo se afasta dos cenários para ela antecipados nas projecções
macroeconómicas em que se ancoraram as ditas reformas.

Na verdade, ao optar ‑se por não enfrentar os problemas estruturais da
Segurança Social, como o rácio entre activos e pensionistas e a sua
natureza redistributiva, os factores de insustentabilidade não só
continuam lá como se manifestam cada vez mais e com intervalos entre
si cada vez mais curtos.

A insustentabilidade da Segurança Social vai cair-nos em cima. Mas até
lá os mitos vão-nos entretendo.

Mas a realidade conta e, para lá daquilo que gostaríamos que ela fosse
e que os políticos fazem de conta que é, existem dados que não se
podem escamotear: em 1970, quando Marcello Caetano lançou as bases do
Estado Social, os pensionistas eram 260.807, em 2012 chegaram aos
3.584.902. Em 1970 por cada idoso (indivíduo com 65 e mais anos)
existiam 6,4 indivíduos em idade activa, ou seja, com idades entre os
15 e os 64 anos. Em 2012 essa percentagem caiu para 3,4. Em 1970
nasceram em Portugal 180.690 crianças. Em 2012 esse número foi menos
de metade: 89.841.

Desde 2008 que o crescimento das despesas com pensões vem sendo
superior ao das receitas das contribuições.

Qualquer semelhança entre esta situação e a onda de um tsunami que se
vai formando no horizonte não é coincidência: a insustentabilidade da
Segurança Social vai cair-nos em cima. Mas até lá os mitos vão-nos
entretendo.

* Texto adaptado do livro "Este País Não é Para Jovens", de Helena
Matos e José Manuel Fernandes, publicado pela Esfera dos Livros.

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