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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, maio 30, 2008

# Estudo sobre a Pobreza em Portugal: "É preciso subir os salários e diversificar fontes de rendimento"

Entrevista ao coordenador do estudo "Um Olhar Sobre a Pobreza"
23.05.2008 - 00h45 António Marujo

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1329698&idCanal=62

O coordenador do estudo "Um Olhar Sobre a Pobreza", Alfredo Bruto da Costa, não tem dúvidas: os baixos salários são um problema grave, que contribui para a pobreza em Portugal. É preciso aumentar os ordenados e democratizar as empresas.

É mesmo verdade que metade da população portuguesa está numa situação vulnerável à pobreza?

É mesmo assim. Este é um aspecto da pobreza que, em Portugal, é analisado pela primeira vez: quantas pessoas, ao longo de seis anos, passaram pela pobreza e foram apanhadas como pobres em pelo menos um dos anos. A opinião pública, enquanto tal, nunca foi confrontada com esta realidade.

E a opinião pública pergunta: onde estão os pobres?

Esse é outro problema: o da definição de pobreza. Quando se pensa em pobreza, pensa-se em miséria ou nos sem-abrigo. O pobre, na definição adoptada no estudo, é alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa. Miséria é uma parte disso.

Apesar de tudo, mais vale ser pobre em Portugal do que em alguns países de África ou da Ásia?

Sim, em termos absolutos. Em termos relativos, não necessariamente. Porque a pobreza é um fenómeno social, não apenas individual: é não ter recursos para participar nos hábitos e costumes da sociedade. Se uma criança pobre não pode vestir-se como os seus colegas, para não ser ridicularizada, mesmo que tenha mais que uma criança em África, sofre de exclusão.

O que é preciso para não ser estigmatizado em Portugal é muito mais do que em outros países. Há uma definição do século XIX, que diz que uma pessoa é pobre quando não tem dinheiro para vestir uma camisa que seja aceitável na sociedade.

Os 47 por cento de famílias que viveram uma situação de pobreza não são o mesmo que a taxa de pobreza em Portugal que continua nos 20 por cento.

Há uma população, num determinado momento do tempo, que é analisada através de uma radiografia instantânea – são os 20 por cento. Outra coisa é uma sociedade cuja vida só é captada num estudo longitudinal, ao longo de um período.

Porque se fala da persistência da pobreza em Portugal?

A partir da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, houve um facto que alterou a atitude da sociedade portuguesa perante a pobreza: Portugal passou a ter programas de luta contra a pobreza, através de metodologias que deram um salto qualitativo no modo de encarar e tratar a pobreza. Poderíamos esperar que a pobreza tivesse uma redução apreciável.

E não teve?

Não teve. Em 2004, terá sido de 19 por cento, em 2005 terá sido 18 por cento. É uma tendência? Falta ver o que se passou nos anos seguintes. O que sabemos é que, durante esse período de 20 anos, andámos à volta dos 20 por cento. Mesmo que se admita que houve uma tendência ligeiramente decrescente, não explica que a ordem de grandeza se situe nos 20 por cento. A pobreza em Portugal ou se manteve estável ou teve uma redução sem proporção com o esforço feito desde que Portugal entrou na UE, na luta contra a pobreza.

E qual é razão principal?

São várias. Mas há uma questão chave: é tempo de a sociedade se interrogar sobre o porquê esta resistência da pobreza perante tanto esforço, boa vontade, recursos, nos últimos 20 anos.

Neste estudo, não entrámos no porquê. Estamos muito virados para a ideia de que a luta contra a pobreza é igual a políticas sociais. Quando há uma percentagem tão elevada de famílias pobres entre pessoas empregadas, vê-se claramente que a política social é um instrumento útil, mas não resolve tudo. Pode ser decisivo para o terço de pensionistas ou para o outro terço, de outros inactivos como domésticas, que nunca trabalharam nem tencionam trabalhar. Aí, ou a sociedade portuguesa resolve valorizar economicamente o trabalho doméstico e tem uma modalidade de remuneração – o que seria uma revolução cultural – ou isso nunca se resolve.

A outra parte – os pobres que estão empregados, por conta própria ou por conta de outrem – não se resolve com política social, é um problema económico.

É um problema de salário?

É fundamentalmente um problema de salário.

O texto diz que os salários são uma questão complexa e o que há a fazer está sobejamente identificado. É subir os salários?

Sim. Mas pode-se subir os salários sem aumentar a produtividade? Todos dizem que a economia portuguesa não pode continuar com salários baixos. O que se diz a seguir é que os salários não podem aumentar sem aumentar a produtividade. Uma das causas de baixa produtividade é a baixa qualificação dos trabalhadores, mas isso só explica uma parte muito pequena.

Uma das razões essenciais é a evasão fiscal.

Há muitas outras: a organização da empresa, os métodos de gestão. Há uns anos, se se dissesse que também os empresários tinham baixas qualificações, seria quase um escândalo. Hoje, é uma realidade que entra pelos olhos dentro. A sociedade portuguesa estava atrasada em termos de qualificações, a todos os níveis. Temos que fazer uma opção: ou se resolve o problema dos rendimentos das famílias de outra forma ou se declara que nos próximos 20 ou 50 anos os salários continuarão baixos.

Essa não é a sua opção?

Claramente que não. Há muito que defendo que deve haver uma diversificação das fontes de rendimento: uma parte do trabalho, outra do capital, o que implica uma democratização no acesso ao capital, que não é só poder comprar uma acção: o número de acções que um cidadão comum tem não lhe permite ter a mais pequena influência na gestão da empresa. O que importa que o capital esteja disseminado quando quem continua a mandar são os grandes? A democratização do capital deve ser também a democratização da empresa.

Pode haver ainda medidas como um rendimento básico – já utilizado numa região da Bélgica e num estado norte-americano – que todos os cidadãos recebem, sobre o qual constrói o seu rendimento familiar. Esse rendimento básico pode não ser suficiente para viver, mas é uma almofada que protege nos ciclos em que inesperadamente se perde o rendimento.

Num mercado economicamente liberal, temos que saber se é possível alguma vez termos pleno emprego. Eu tenho dúvidas.

A prioridade que se dá à redução do emprego não é então viável?

Tenho dúvidas de que seja. Pode ser reflexo de falta de coragem para aceitar a realidade. Se tivéssemos a lucidez de o admitir, haveria outro tipo de medidas a tomar para acorrer a essas situações.

O estudo fala no ciclo vicioso da pobreza: o pobre tem baixas qualificações e não melhora as qualificações porque é pobre. Como se rompe isto?

Uma das respostas é que o sistema educativo tem que ter condições de acesso e sucesso das crianças provenientes dos meios pobres. O sistema educativo está desenhado à imagem da família média e média alta: métodos pedagógicos, conteúdos escolares, o tipo de apoio que a criança pode ou não ter em casa, dadas as condições de habitação ou o grau de instrução dos pais… Há certos pressupostos de que os pais têm conhecimento para ajudar, de que têm acesso à internet ou a livros de consulta… Às vezes, as crianças não têm sequer um canto para fazer os trabalhos de casa.

Os programas de luta contra a pobreza não têm funcionado porquê?

Todos os projectos são desenhados de modo a não mexer no resto da sociedade. Essa é uma limitação decisiva. Se não há mudança social, não pode haver erradicação da pobreza. Se os programas não tocam no resto da sociedade, tentam resolver a pobreza dentro do universo da pobreza, mas não estão a resolver as causas.

Como vê as medidas tomadas pelo actual Governo?

Há uma medida que pode reduzir a pobreza em cerca de um terço: levar o Complemento Solidário para Idosos até ao limiar de pobreza, por adulto equivalente.

O estudo abrange o melhor período do então Rendimento Mínimo Garantido [RMG], que pelos vistos não ajudou muito.

O RMG nunca foi para resolver o problema da pobreza; a grande maioria dos pobres nem sequer tinha acesso ao RMG: eram cinco por cento, os pobres eram 20 por cento. São tão poucos os pobres que beneficiam do [actual] Rendimento Social de Inserção que nunca se resolveria o problema da pobreza. O RMG tinha dois objectivos: atenuar a pobreza dos pobres ou o seu grau de carência; e ir ao encontro dos problemas subjacentes à família: formação profissional, integração das crianças na escola. Mas o impacto global sobre a pobreza não podia ser expressivo.

Isso confirma que o problema não se resolve só com políticas sociais.

Por definição: se tenho um problema de repartição primária (o dos salários), ele resolve-se por via da política económica.

Há uma afirmação dura: "A sociedade portuguesa não está preparada para apoiar as medidas necessárias" no combate à pobreza...

Isso porque num inquérito europeu de 2002 dois terços dos portugueses atribui a pobreza a factores que não são solúveis: fatalismo, má sorte, preguiça dos pobres. Se eu disser que vou tomar uma medida que terá alguma desvantagem para os que têm mais rendimentos, a sociedade portuguesa não vai perceber isto. Um dos programas de luta contra a pobreza tem que ser o de esclarecer a opinião pública sobre as verdadeiras causas da pobreza.

Está também disseminada a ideia de que há muitos pobres que abusam...

É uma atitude culpabilizante. Na transição do Rendimento Mínimo Garantido para o Rendimento Social de Inserção, no debate público que houve parecia que as pessoas estavam mais interessadas em combater a fraude dos pobres do que em resolver o problema da pobreza. Isto é expressivo de uma mentalidade.

# Responsável da ASAE defende pratos típicos

DN 080528 PAULO JULIÃO, Viana do Castelo

A responsável máxima da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) para a região norte apelou ontem aos empresários de restauração do Minho para "se organizarem" em defesa de uma gastronomia "única", como é o caso da cozinha do Alto Minho. "Eu também sou minhota e mato um frango, da capoeira da minha mãe, quase todas as semanas", confessou a inspectora Fátima Araújo, perante cerca de duas centenas de empresários de Viana do Castelo.

Confrontada com as repetidas queixas dos empresários locais de restauração, a responsável da ASAE foi peremptória: "Sob o ponto de vista legislativo, o País terá muito daquilo que os próprios empresários quiserem. Se não forem capazes de querer e lutar pelos vossos interesses, também ninguém os vai ajudar. Lisboa não vai tratar da vossa vida, desenganem-se", afirmou Fátima Araújo. Perante um invulgar aplauso dos empresários, a responsável regional do Norte da ASAE acrescentou: "Têm aqui uma acérrima defensora da gastronomia nacional. Mas são os senhores a tratarem dos assuntos do vosso interesse. Nós só temos de ser suficientes sábios para compatibilizar a cultura tradicional com as técnicas e práticas de higiene."

Sobre as restrições impostas à confecção de alguns produtos regionais do Alto Minho, como é o caso do arroz de sarrabulho ou de cabidela, a inspectora recordou que "não foi a ASAE que fez a lei", mas apontou uma solução: "Pergunto o que estão a fazer os senhores veterinários locais do Ministério da Agricultura. Porque é que não se põe estas pessoas à procura das condições ideias, criando espaços colectivos para se realizarem as inspecções sanitárias obrigatórias nas devidas condições?", insurgiu-se.

Rejeitando a aplicação de "regimes de excepção", até porque "senão até a sandes de coiratos de Lisboa podia ser património nacional", Fátima Araújo avisou os empresários: "Não contem com a ASAE para tratar dos vossos negócios." E acrescentou: "Não deixem que a gastronomia do Alto Minho se perca. Quando isso acontecer eu saio da ASAE, porque não cumpri o meu papel", sustentou Fátima Araújo, há 34 anos a exercer funções em órgãos de polícia criminal. Sustentou ainda que já houve reuniões com autarcas, com vista à adopção de medidas que permitiram salvaguardar, "compatibilizando" a tradição com as regras de higiene, os pratos típicos da região. A inspectora da ASAE falava num encontro de esclarecimento com empresários de Viana, promovido pelo comando da PSP e a associação comercial local.|

quinta-feira, maio 29, 2008

# Junkies on oil

"This week, a battalion of angry addicts brought London to a standstill. They snarled up the traffic, then marched on 10 Downing Street to demand their fix at prices they can afford. Across the world, in countries as different as the US and Iran, fellow junkies are rising up in rage. Their addiction is to a gloopy black drug called petrol – and we are all about to go cold turkey.
In the past seven years, the price of oil has soared from $30 (£15) a barrel to $140. By the end of next year it could be at $200. No matter how much we plead or howl at our governments, it will never go back: the final act of the Age of Oil has begun.
The era that is ending began at 10.30am on 10 January 1901, on a high hill called Spindletop in south-eastern Texas. A pair of pioneer brothers managed to drill down into the biggest oilfield ever found. Until then, the dribbles of oil that had been discovered were used only for kerosene lamps – but within a decade, this vast gushing supply was driving the entire global economy. It made the 20th century – its glories, and its gutters – possible. Humans were suddenly able to use in one frenetic burst an energy supply that had taken 150 million years to build up. A species that died before the age of 40 after a life of boring, back-breaking labour spurted forward so far and so fast that today billions live into their eighties after a life of leisure and plenty.
Oil now drives everything we do. It shuttles us across the globe, we fight wars for it, and we even eat it: to farm a single cow and deliver it to slaughter burns up six barrels of oil – enough to drive from New York to LA. That's why food becomes expensive when oil becomes expensive.
It is totally understandable that most of us want to live forever in that sweet niche in history when we had seemingly infinite reservoirs of oil, and no awareness that burning it would, in time, burn us too. But, alas, we need to wake up and smell the fumes. There are three reasons why the placebos demanded by the petrol protesters and the politicians cowering from them across the world – lower taxes! find more oil! dig! burn! – are a delusion.
Reality Check One: Petrol is finite. There is a limited amount of oil in the world, and we have already burned more than 900 billion barrels of it. There is a complex scientific debate about when we will reach the point of "peak oil", when we will have used up more than half of all the supplies on earth. Some geologists think this moment has already passed. Others – mostly oil industry flunkies – think we have as long as 30 years to go. But all agree the remaining oil is harder to reach, and much of it can never be accessed.
The facts are stark. All the biggest oilfields on earth were discovered before my parents were born. The discovery of new oilfields peaked in 1965, and has been falling ever since. The last year in which humans found more oil than we burned was the year I was born: 1979.
So we have a diminishing supply – at the very moment when billions more people want access to it. Car ownership in India has trebled in the past decade, and it will treble again by 2020. In China, three-quarters of urban Chinese say they plan to buy a car in the next five years. These factors mean we are unquestionably moving from having a world with growing pools of cheap oil to dwindling supplies of expensive oil.
Reality Check Two: Even if we had infinite supplies of free petrol, we couldn't afford to use it without dramatically destabilising the climate. To use just a few examples: Spain and Australia are currently suffering their worst droughts since records began, and several cities are on the brink of running out of drinking water. The oceans are rapidly turning more acidic, to levels scientists didn't expect to see until 2050. The Arctic is now almost free of sea ice in the summer.
This is all with just one degree of global warming. The world's climatologists agree that if we burn up most of the remaining dribbles of oil on earth, we could be on course for six degrees this century. The last time the world warmed so quickly was 251 million years ago – and 95 per cent of everything on earth died.
Reality Check Three: Our addiction to oil means we can never undermine the Islamic fundamentalists who want to kill us – and often actually help them.
Most of the world's remaining oil is in the Middle East. In order to access it, we have a twin-track policy. To start with, we support the most repressive dictatorship in the region – the torturing, sharia-law enforcing House of Saud – because they keep the supply running nicely. The Saudi state then uses the money we pay at the pump to fund a vast network of extreme madrasahs and mosques across the world – including within the US and Europe – preaching that democracy is "evil", women should be subordinated, Jews are "pigs and apes", and gays should be killed. We do not query this because, as the writer Thomas Friedman put it, "junkies don't tell the truth to their dealers".
Where we cannot find a friendly local tyrant, we invade the country in order to control the oil ourselves. Even John McCain admitted this month that Iraq was about oil, arguing that energy independence would "prevent us from having ever to send our young men and women into conflict again in the Middle East." (He later claimed with a red face he was talking exclusively about the first Iraq war.)
On their own, each of these inconvenient truths would be enough to require us to begin an urgent transition away from petrol. Together, they are unanswerable.
Of course it's tempting to draw the oily covers over our head and cry for tiny little steps like cutting a few pence off petrol taxes, or squeezing out a few more barrels as Gordon Brown begged yesterday. But these measures would be at best a local anaesthetic, putting off the moment when the rapid transition to a global economy run on carbon-free energy sources must start.
The longer we delay, the harder it will be. As Paul Roberts puts in his book The End of Oil: "The real question is not whether change is going to come, but whether the shift will be peaceful and orderly or chaotic and violent because we waited too long to begin planning for it."
Every penny now should be spent not on perpetuating petrol, but on developing and disseminating alternative fuels. The addiction that began a century ago on a hill in Texas is ending – and we have no choice but to check en masse into petro-rehab."

Johann Hari - The Independent

terça-feira, maio 13, 2008

# Spoon River Anthology

To be able to see every side of every question;
To be on every side, to be everything, to be nothing long;
To pervert truth, to ride it for a purpose,
To use great feelings and passions of the human family
For base designs, for cunning ends,
To wear a mask like the Greek actors--
Your eight-page paper-- behind which you huddle,
Bawling through the megaphone of big type:
"This is I, the giant."
Thereby also living the life of a sneak-thief,
Poisoned with the anonymous words
Of your clandestine soul.
To scratch dirt over scandal for money,
And exhume it to the winds for revenge,
Or to sell papers,
Crushing reputations, or bodies, if need be,
To win at any cost, save your own life.
To glory in demoniac power, ditching civilization,
As a paranoiac boy puts a log on the track
And derails the express train.
To be an editor, as I was.
Then to lie here close by the river over the place
Where the sewage flows from the village,
And the empty cans and garbage are dumped,
And abortions are hidden.

Edgar Lee Master
 
Sent by: Gustavo Leal

segunda-feira, maio 12, 2008

# Ecrãs e pessoas...

Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela

aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas

estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agora

vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que acho

verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.


Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não

contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos

transportes públicos, só quem nunca viu os "Morangos com açúcar", só

quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter

ficado surpreendido.


Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado

todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos

- bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso

arrumava-se.


Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a

sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar…- é que tem

coragem de afirmar que não existe violência nas escolas…)

Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo,

e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a

violência existe!

O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma

professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.

Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais

assustador.

Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.

Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos

que as nossas crianças são educadas por ecrãs.

E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos

olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.

E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por

dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.

Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.

Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa

avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente

nada, dava trabalho.

E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.

A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as

auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não

deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta

da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no

autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os

carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e

muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os

dias.

A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.

A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de

comportamento.

E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.

E nós deixamos. 
 
Por Alice Vieira, Escritora

sexta-feira, maio 09, 2008

# Ouvidos moucos

Vou já dizendo para arrepiar caminho, que não tenho medo nenhum de morrer. Vamos cá ver: ter até tenho, porque morrer significa um apagar de luz que não estou preparado - nem nunca estarei, aqui vos digo -, mas o que eu tenho mesmo, é medo de fazer sofrer enquanto morro. Quando morremos há muitas pessoas que morrem connosco e é a pensar nelas que não quero. Não quero que pessoas que tanto gosto morram comigo por saberem que morri. Daí que quando me dizem "olha que a continuares assim, vais morrer sozinho!", eu invariavelmente suspiro como se fosse um sonho bom. E porquê? Porque não quero que na altura de morrer, ninguém esteja comigo.

Pelo contrário, faço questão que quando o pressentir tenha fôlego suficiente para dizer a quem está próximo "Olha, parece que estão ali a chamar-vos lá fora, se não se importam deixem-me agora um pouco sozinho que eu quero aqui fazer uma coisa que não podem ver!" e posto isto, aproveitando a ausência que sei ir ser curta, morro ali num instantinho. Assim, de repente. Sem sofrer nada e sem fazer sofrer. Como se saíssemos de manhã para comprar cigarros e não voltássemos. Ficávamos a meio do caminho entregues a um momento que deve ser nosso, apenas e só, nosso. Mas não é. E cada vez mais percebo que todos querem estar presentes na hora da nossa morte quando muitos deles o deveriam ter feito em vida. Dispenso pois os aplausos que saberei não ouvir - aplaudam-me agora - dispenso pois flores - dêem-me agora - poupem-me os elogios "Que era bom rapazinho! Que deixará saudades! - falem-me agora enquanto vos ouço pois quando estiver reduzido a cinzas não ouvirei patavina do que me dizem. Mas não. Pelo contrário, quando estamos a morrer - e eu espero estar muito longe disso - é usual dizerem "Ele está a morrer, não posso o deixar sozinho" -, quando afinal - para mim por exemplo - é tudo o que quero.

Por mais que nos custe, nos funerais as pessoas falam umas para as outras e não para quem morre, tal qual muitas mulheres se vestem umas para as outras e não para os homens. A morrer - e esse dia virá por mais que me custe - gostaria apenas de pedir um último desejo. O de estar vivo, apenas e só, para assistir à minha morte. Que mórbido, dirão! Pois que o seja, ora essa, mas quando vamos morrer somos pequeninos de novo e tal qual o aniversário de uma criança muito pequena tudo nos deverá ser permitido. E assim - pensando bem - é legitimo o que peço. Viver apenas o tempo suficiente para assistir à minha morte. O tempo suficiente para perceber quem me chora com igual intensidade à que eu chorei quando o Veloso falhou o penalty frente ao PSV Eindhoven. Só peço isto - respeitem-me pois- perceber quem ali foi e que eu já não via tanto tempo só para comentar em tom baixo "ainda ontem liguei àquele sacana para irmos para os copos para o Bairro e disse-me que estava cheio de trabalho e agora é isto, olha para ele ali como se não tivesse nada para fazer!" Quando morre alguém, de repente, as pessoas ficam sem nada para fazer. Daí que não vá a funerais ou que os evite a todo o custo porque quero chorar e rir com quem é vivo, fazer-lhe uma última homenagem todos os dias como se fosse o primeiro e não o último. Bater-lhe palmas em vida, dizer "És o maior! Gosto de conversar contigo pá!" na certeza de que a pessoa ouvirá o que lhe digo. De lhe telefonar a dizer "era só para saber se estavas bem, pois não tenho novidade alguma" de lhe escrever ou enviar uma mensagem revelando que a festa está boa "Mas que não é a mesma sem ti". Depois de morrer - e esse dia virá pois então - só ouvirei palavras e sentirei os gestos que me tenham sido dirigidos ainda em vida. A tudo o resto - só por perrice - faço questão de fazer ouvidos moucos.

http://esperobemquenao.blogspot.com/