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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

domingo, fevereiro 16, 2020

# Os Selfistas - Tolentino Mendonça

A PROPOSIÇÃO QUE MOVE A SELFIE É AGORA ESTE VIDEOR ERGO SUM (SOU VISTO
LOGO EXISTO), PROPAGADO POR TODA A PARTE

A selfie tornou-se um sintoma do tempo em que vivemos. Se pensarmos na
fotografia tradicional era claro o seu papel em relação à
temporalidade da vida: a fotografia, fixando o tempo, como que o
prolongava, assumindo-se, no confronto com a nossa existência, como
uma arte da memória. Não é por acaso que imprimíamos as fotografias e
as recolhíamos num álbum, e deixámos de o fazer com o material
fotográfico que simplesmente acumulamos nos telemóveis. Quer dizer que
a função da imagem mudou. A fotografia tradicional pretendia ser ainda
um registo ao serviço da interpretação da vida. O seu processamento
chamava-se justamente "revelação", pois era disso que se tratava, e
não só a um nível imediato, mas numa profusão de detalhes
significativos que a simples visão normalmente não deteta. Na sua
"Pequena História da Fotografia", Walter Benjamin afirma, por exemplo,
que na fotografia fazemos a experiência do "inconsciente ótico", do
mesmo modo que as psicoterapias nos permitem aceder ao "inconsciente
pulsional". A fotografia testemunhava assim, de um modo amplo e
singular, o domínio visível do sujeito, mas também nos avizinhava do
seu campo invisível.

A selfie, pelo contrário, transaciona sobre o imediato, como se o
sujeito histórico se tivesse tornado evanescente e a sua duração
(histórica, psicológica...) se dissolvesse para permitir que a
aparição instantânea se torne um fim. A proposição que move a selfie é
agora este videor ergo sum (sou visto logo existo), propagado por toda
a parte. Mas fazer depender a existência deste tipo de visibilidade dá
razão àquilo que o psiquiatra italiano Giovanni Stanghellini escreve
num ensaio recente ("Selfie. Sentirsi nello sguardo dell'altro",
Feltrinelli, 2020): "a instantaneidade da selfie é semelhante à
temporalidade esfomeada e sem fôlego de um ataque bulímico". De facto,
para compreendermos a contemporânea bulimia que nos torna a todos
produtores ininterruptos de imagens temos de procurar a razão de fundo
que permanece escondida, e que é uma dramática anorexia em relação ao
ser.

A fotografia testemunhava assim, de um modo amplo e singular, o
domínio visível do sujeito, mas também nos avizinhava do seu campo
invisível

É verdade que enquanto a fotografia tradicional nos permitia dizer "eu
sou esta pessoa", a selfie nos parece fazer dizer "eu estou aqui". Mas
este "aqui" é um espaço atópico, errante, que nunca chega a ser
habitado. Por isso se caracteriza justamente o selfista como um
turista e não já como um viajante. Enganamo-nos, portanto, se pensamos
que a selfie serve para assinalar a nossa passagem por um determinado
lugar: ela é sim o resultado de uma radical desterritorialização da
vida, capturada pela ânsia da comunicação virtual, mais do que pelo
desejo de documentar o real.

O que procuramos então nas selfies? Stanghellini explica que buscamos
uma "prótese" existencial, uma "técnica de si" ativada para dar uma
resposta ficcional à necessidade de fundar a própria identidade.
Perante a exigência de nos definirmos a nós próprios, em tempos de
"aporia identitária", a selfie é "o dispositivo que responde (que
tenta responder) à pergunta 'quem sou?'". Mas este psiquiatra que
dirige uma escola de psicoterapia em Florença é dirimente: "O mito da
instantaneidade como satisfação alucinatória da necessidade de
vizinhança ou de ultrapassagem da distância transforma a experiência
do sujeito apenas numa sequência sincopada de acontecimentos isolados
e encerrados neles mesmos. E quando pedimos aos outros para assistir —
se bem que ao longe — a estes acontecimentos, é porque só nos sentimos
presentes quando fazemos de nós próprios um espetáculo." Não admira
que a era da selfie seja também a do crepúsculo do rosto.

in Semanário Expresso, 16.02.2020

http://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2468/html/revista-e/que-coisa-sao-as-nuvens/os-selfistas

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quarta-feira, fevereiro 12, 2020

# Holanda debate comprimido letal gratuito para maiores de 70 anos "cansados de viver"

https://observador.pt/2020/02/07/holanda-vai-aprovar-comprimido-letal-para-maiores-de-70-cansados-de-viver/

A Holanda debate a utilização do comprimido letal a maiores de 70 anos
"cansados de viver". Prevê-se que a medida entre na legislação ainda
este ano e que não seja preciso prescrição médica.

Observador 07 fev 2020, 15:57 105

A Holanda está a debater a distribuição gratuita de um comprimido
letal a pessoas com idade superior a 70 anos que estejam "cansadas de
viver", adiantou o ABC.

Neste sentido, o governo holandês publicou recentemente um estudo
sobre o alcance populacional a que este método de suicídio se dirige e
que pode ser uma realidade este ano.

O estudo divulga que há um grupo da população holandesa com mais de 55
anos que "têm um desejo de morrer consistente e ativo", apesar de
estarem em perfeitas condições de saúde. Esse grupo representa 0,18%
de um total de 10.000 pessoas, não sendo por isso um número
significativo.

A eutanásia já é legal na Holanda desde 2002, mas só está disponível
apenas em situações de doença terminal e de grande sofrimento, sendo a
decisão assinada por dois médicos independentes. O governo pretende
agora alargar a prescrição a idosos que sintam que completaram a sua
vida, sem que seja necessária uma prescrição médica.

A Holanda é o país onde há mais banalização social da morte assistida
de doentes. Quando a primeira lei da eutanásia foi aprovada, em 2002,
pelo menos 1880 pessoas fizeram uso do comprido mortal, diz o ABC.
Atualmente, com as condições de uso ampliadas, são quase 7.000 as
pessoas que todos anos recorrem ao seu uso, acrescenta a mesma fonte.

A grande influência

Há quarenta anos, Huib Drion, tornava-se o académico mais controverso
da Holanda ao afirmar que o Estado deveria disponibilizar um
comprimido que provocasse a morte a cidadãos com mais de 70 anos, de
forma a estes poderem decidir em que momento querem por termo à vida.
O holandês publicou o livro "A escolha do final da vida para os mais
velhos", que influenciou o debate parlamentar que resultou na
aprovação da lei da eutanásia. O livro foi escrito depois de um
familiar de Drion lhe contar a experiência horrível em viver os
últimos anos de vida num lar, revela o The Irish Times.

"Muitas pessoas encontrariam uma grande tranquilidade se pudessem ter
um meio para por fim às suas vidas de uma maneira aceitável num
momento em que para eles seja o mais adequado", pode ler-se no livro
de Huib Drion.

Drion considerava que o comprimido mortal devia estar disponível
gratuitamente, sob prescrição médica, para todas as pessoas com mais
de 70 anos e com doenças incuráveis, diz o The Irish Times. O
medicamento foi nomeado de 'comprimido Drion', homenageando o autor da
ideia.

Drion foi um juiz do Supremo Tribunal da Holanda, professor de Direito
e autor de vários ensaios académicos. O juiz holandês morreu de causas
naturais, em 2004, aos 86 anos.

Quem está a favor

O partido D66 da ala liberal, parte da coligação que sustenta a
maioria do governo em Haia, tem influenciado também as opiniões
sociais sobre a morte assistida, tendo inserido no seu programa
eleitoral a questão do comprimido letal para idosos. O partido liberal
considera que o governo tem sido lento a levar a cabo a ideia e por
isso vai avançar com a sua própria legislação, adianta o La Vanguarda.
"O ministro [De Jonga] obviamente sente menos urgência do que eu",
disse Pia Dijkstra, parlamentar do D66, que argumenta que "os idosos
que já viveram o suficiente devem poder morrer quando decidirem".

Durante um debate, em junho de 2019, o governo holandês lançou uma
campanha virtual para incentivar pessoas a pensar sobre o fim das suas
vidas, onde são apresentadas instruções sobre os cuidados paliativos
que não questionam as vontades que os afetados pelos sintomas de
demência expressam de morrer, diz o ABC.

Quem está contra

Para que as cidadãos holandeses possam 'desligar' da vida quando
considerarem que chegou a sua hora é necessário, não apenas uma
mudança na lei, mas uma profunda consideração e debate sobre o tema,
considera o The Irish Times.

O maior obstáculo do primeiro-ministro Mark Rute tem sido a falta de
aprovação da União Cristã, um partido minoritário de bases religiosas,
que discorda da proposta em casos em que não haja um sofrimento
profundo. "A missão do governo é proteger as pessoas, especialmente
as mais vulneráveis e as mais velhas, e não ajudar ao suicídio", diz a
deputada Carla Dik-Faber citada pelo ABC.

"Os idosos podem se sentir desnecessários numa sociedade que não
valoriza a velhice. É verdade que existem pessoas que se sentem
sozinhas, outras podem ter uma vida de sofrimento e isso é algo que
não é fácil de resolver, mas o governo e toda a sociedade devem
assumir a responsabilidade. Não queremos 'consultores de fim de vida',
queremos 'guias de vida'. Para nós, todas as vidas são valiosas.",
acrescenta Dik-Faber ao mesmo jornal.

O tema é tão relevante do ponto de vista político que pode causar o
fim da colisão e derrubar o governo.

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