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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, setembro 27, 2019

# Save the planet: eat a dog?

http://www.stuff.co.nz/dominion-post/news/national/2987821/Save-the-planet-eat-a-dog

By TANYA KATTERNS 15:53, Dec 04 2009

The eco-pawprint of a pet dog is twice that of a 4.6-litre Land
Cruiser driven 10,000 kilometres a year, researchers have found.

Victoria University professors Brenda and Robert Vale, architects who
specialise in sustainable living, say pet owners should swap cats and
dogs for creatures they can eat, such as chickens or rabbits, in their
provocative new book Time to Eat the Dog: The real guide to
sustainable living.

The couple have assessed the carbon emissions created by popular pets,
taking into account the ingredients of pet food and the land needed to
create them.

"If you have a German shepherd or similar-sized dog, for example, its
impact every year is exactly the same as driving a large car around,"
Brenda Vale said.

"A lot of people worry about having SUVs but they don't worry about
having Alsatians and what we are saying is, well, maybe you should be
because the environmental impact ... is comparable."

In a study published in New Scientist, they calculated a medium dog
eats 164 kilograms of meat and 95kg of cereals every year. It takes
43.3 square metres of land to produce 1kg of chicken a year. This
means it takes 0.84 hectares to feed Fido.

They compared this with the footprint of a Toyota Land Cruiser, driven
10,000km a year, which uses 55.1 gigajoules (the energy used to build
and fuel it). One hectare of land can produce 135 gigajoules a year,
which means the vehicle's eco-footprint is 0.41ha – less than half of
the dog's.

They found cats have an eco-footprint of 0.15ha – slightly less than a
Volkswagen Golf. Hamsters have a footprint of 0.014ha – keeping two of
them is equivalent to owning a plasma TV.

Professor Vale says the title of the book is meant to shock, but the
couple, who do not have a cat or dog, believe the reintroduction of
non-carnivorous pets into urban areas would help slow down global
warming.

"The title of the book is a little bit of a shock tactic, I think, but
though we are not advocating eating anyone's pet cat or dog there is
certainly some truth in the fact that if we have edible pets like
chickens for their eggs and meat, and rabbits and pigs, we will be
compensating for the impact of other things on our environment."

Professor Vale took her message to Wellington City Council last year,
but councillors said banning traditional pets or letting people keep
food animals in their homes were not acceptable options.

Kelly Jeffery, a Paraparaumu german shepherd breeder who once owned a
large SUV, said eliminating traditional pets was "over the top".

"I think we need animals because they are a positive in our society.
We can all make little changes to reduce carbon footprints but without
pointing the finger at pets, which are part of family networks."

Owning rabbits is legal anywhere. Local bodies allow chickens, with
some restrictions.

YOUR PET'S MARK

The eco-footprints of the family pet each year as calculated by the Vales:

German shepherds: 1.1 hectares, compared with 0.41ha for a large SUV.

Cats: 0.15ha (slightly less than a Volkswagen Golf). Hamsters: 0.014ha
(two of them equate to a medium-sized plasma TV).

Goldfish: 0.00034ha (an eco-finprint equal to two cellphones).

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segunda-feira, setembro 16, 2019

# A rampa cada vez mais deslizante

https://observador.pt/opiniao/a-rampa-cada-vez-mais-deslizante/

Pedro Vaz Patto 16/9/2019, 0:09

Deve uma sociedade que se pretende solidária confirmar, a pretexto de
respeito pela vontade do doente, a ideia de que a pessoa demente é um
peso difícil de suportar e deve, por isso, ser eliminada?

Vão-se sucedendo os casos de prática da eutanásia que demonstram a sua
progressiva e imparável extensão (a chamada rampa deslizante) e como é
ilusório pensar que é possível a sua legalização apenas em situações
contidas e excecionais.

O último desses casos foi recentemente objeto de julgamento (dos
poucos até agora ocorridos neste âmbito) num tribunal holandês. Uma
mulher de 74 anos, que padecia de doença de Alzheimer, havia
declarado, quatro anos antes, quando a doença já tinha sido
diagnosticada mas ainda não lhe tinha retirado as normais capacidades
intelectuais e volitivas, que queria ser eutanasiada quando perdesse
essas capacidades e devesse, por isso, ser acolhida num lar. Chegado
esse momento, o médico acusado nesse julgamento (cuja identidade não
foi revelada) praticou a eutanásia com recurso à força, porque a
doente resistiu fisicamente, num gesto de luta pela sobrevivência.
Esse médico desprezou a vontade atual da doente e deu relevo apenas à
vontade que ela havia manifestado quatro anos antes, na fase inicial
da doença. Veio a ser absolvido, por se considerar que não
desrespeitou as normas holandesas sobre a prática legal da eutanásia.

São vários os motivos de reflexão suscitados por este caso.

Desde logo, será aqui (ainda mais do que noutros casos de eutanásia)
difícil falar em morte digna, quando ela é provocada com recurso à
força e contra a vontade actual do doente.

Também é difícil dizer que em situações de demência, mais ou menos
avançada, seja o sofrimento do doente, intolerável ou não, a motivar a
opção pela eutanásia. Mais do que esse sofrimento, será o sacrifício
que o cuidado desses doentes representa para familiares e outras
pessoas a motivar tal opção. Uma opção que pode ser o próprio doente a
tomar precisamente porque não quer ser um peso para os outros, não
quer ser causa desse sacrifício. Neste caso, a doente manifestou o
desejo de ser eutanasiada quando chegasse um momento não de mais
intenso sofrimento, mas de mais acentuada incapacidade, em que, por
isso, maior seria o peso que representava para quem dela tivesse de
cuidar.

A questão que a este respeito se coloca é: deve uma sociedade que se
pretende solidária confirmar, sob o pretexto de respeito pela vontade
do doente, essa ideia de que a pessoa demente é um peso difícil de
suportar e deve, por isso, ser eliminada? Que sinal está a ser dado,
desse modo, a quem se sacrifica, às vezes heroicamente, por esses
doentes?

O respeito pela vontade do doente é quase sempre apresentado como
fundamento último da licitude da eutanásia. Neste caso, foi dado
relevo a uma vontade manifestada quatro anos antes, num momento de
suposta lucidez, contra a vontade atual, num momento em que essa
lucidez supostamente se teria perdido. Mas como é possível ter a
certeza de que a pessoa em causa não teria mudado de opinião (como
muitas vezes sucede) perante a aproximação da morte? Manifestar a
vontade de morrer num momento ainda tão distante do momento da morte é
muito diferente de o fazer nessa altura, num contexto completamente
diferente, quiçá muito diferente do que se imaginava anteriormente. A
menor dúvida a este respeito deveria levar a tomar, em nome do
respeito pela vida e também do respeito pela vontade (real ou
hipotética) do doente, a opção contrária à que foi tomada pelo médico
holandês em causa.

Este caso também revela, até de uma forma mais nítida, que, em última
análise, não é a vontade genuína do doente a justificar a prática da
eutanásia. Em última análise, é a decisão do médico e das entidades
que o possam supervisionar (neste caso, até o próprio tribunal) a
ajuizar da licitude da eutanásia, a interpretar a vontade do doente e
a determinar a qual de várias manifestações de vontade deve ser dado
relevo. E, como também esta caso revela, pode haver muita
arbitrariedade na interpretação dessa vontade e na determinação de
qual dessas manifestações de vontade será relevante.

Esta arbitrariedade é mais uma das derivas suscitadas pela rampa
deslizante que qualquer legalização da eutanásia origina.
Arbitrariedade e derivas que só podem ser evitadas quando se respeita
aquele princípio básico e secular da civilização e da ética médica que
é a proibição de matar. Quando se derruba essa barreira, é inútil
tentar conter possíveis abusos.

Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz

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segunda-feira, setembro 09, 2019

# Fui ler o programa do PAN e apanhei um susto

https://observador.pt/opiniao/fui-ler-o-programa-do-pan-e-apanhei-um-susto/

José Manuel Fernandes 8/9/2019, 11:33

O PAN cresce com a nossa ignorância. Não sabemos bem o que é,
ignoramos quase tudo o que propõe. Quando escavamos um bocadinho
percebemos que o ambientalismo esconde uma agenda perigosa e
autoritária.

Os partidos têm programas. Quando chegam os períodos eleitorais é
obrigação dos jornalistas lê-los. Mas nada nos prepara para o que o
PAN apresenta como sendo o seu "programa eleitoral para as
legislativas de 2019". Nada mesmo.

Quando o PDF me caiu na secretária do computador quase desesperei: 414
páginas. Apetece logo desistir, e se calhar é essa a intenção dos
autores. Depois, passado o susto inicial, percebe-se que as 414
páginas são possíveis porque a letra usada é garrafal. Mesmo assim,
quando se chega à última página, a contabilidade não engana: o PAN
alinhou nada menos de 1196 propostas. Isso mesmo: 1196.

Na verdade nem as muitas páginas nem as 1196 propostas fazem do
documento um verdadeiro programa eleitoral – é mais uma lista quase
infindável de coisas de que os misteriosos membros do
"Pessoas-Animais-Natureza" se foram lembrando e que achavam que
ficavam num programa eleitoral. Há ali um pouco de tudo, desde
vacuidades gerais e abstratas – do tipo "dotar de meios financeiros,
técnicos e humanos necessários" os serviços públicos de saúde (medida
842) ou "reforçar o número de profissionais de saúde que prestam
Cuidados de Saúde Hospitalares" (medida 849) – até micro-propostas
como a de "restringir a largada massiva de balões e lanternas de
papel em eventos" (medida 90).

Pode haver vantagens nesta forma de fazer política. Eu já ouvi alguém
desabafar que, no meio da confusão que por aí vai, ainda vota PAN
porque eles propõem "a obrigação de limpeza da propaganda política
fixa até 30 dias após o acto eleitoral" (medida 98). É possível que
pescando à linha muitos eleitores encontrem ideias simpáticas neste
monte infindável de 1196 propostas, mas tendo tido a paciência (de
santo) para olhar para todas elas devo dizer que o resultado de
conjunto é aterrador.

André Silva tem vindo a dizer que o seu partido é pós-ideológico e que
ainda não está preparado para governar. Só tem razão na segunda parte
do argumento – de facto não há neste programa nada que se aproxima de
uma proposta coerente para qualquer das grandes áreas da governação,
nunca se fala da economia e das empresas, nada se diz sobre como deve
ser a relação do Estado com os cidadãos, não há uma visão integrada
para as políticas sociais, apenas ideias soltas, desconexas e às vezes
contraditórias, há mesmo mais páginas dedicadas ao bem estar e saúde
animal (48 páginas) do que à saúde humana (34 páginas, sendo que
destas apenas 5 se ocupam do SNS).

Agora o PAN atira areia para os olhos quando pretende ser
"pós-ideológico" pretendendo que a ideologia se resume a definir o que
é esquerda ou direita. Não: o PAN tem uma ideologia, que é animalista
antes de ser ambientalista – e há aqui uma enorme, uma colossal
diferença – e tem da política uma visão autoritária, pois pretende
impor as suas obsessões e dogmas a toda a sociedade em nome do que diz
ser "um bem superior". Um bom exemplo desta pulsão autoritária é o
desejo do PAN de fazer com que todos passemos a ser vegetarianos,
porventura vegans. Na sua medida 3, por exemplo, propõe-se "determinar
como regra que todas as refeições nos eventos promovidos pela
administração directa e indirecta do Estado são vegetarianas", nem
mais, nem menos. Mas adiante, na medida 993, quer que os municípios
passem a assegurar "um dia de refeição vegetariana por mês em todas
as escolas". Ao mesmo tempo, na medida 154, quer "cessar os apoios
públicos à produção de carne e leite" e na 412 exige uma "oferta
pública de cozinha/pastelaria vegetariana, nomeadamente nos cursos de
educação e formação, nos cursos profissionais e na educação e
formação de adultos".

Depois o PAN consegue ser ainda mais politicamente correcto do que o
Bloco de Esquerda, isto é, consegue levar as novas causas identitárias
ainda mais longe, atrevendo neste programa a propor o que mais ninguém
propõe, como abrir a "possibilidade da abolição da menção de
género/sexo em documentos oficiais" (medida 567), a ter como primeira
medida no seu programa para a Cultura a criação do "Museu Nacional da
Memória das Migrações" (medida 441), sendo naturalmente
completamente omisso sobre qualquer Museu dos Descobrimentos, e indo
ao ponto de se propor "devolver o património cultural das
ex-colónias existente em território português (…) assegurando-se
assim a reposição de justiça histórica" (medida 442).

A fixação do PAN com algumas das causas dos dias que correm – e não
coloco em causa a pertinência dos problemas, apenas a forma como o PAN
os explora – é visível no desequilíbrio das suas propostas para
combater a violência doméstica. Basta notar que se propõe "alterar o
código penal para impedir a suspensão da execução da pena de
prisão nos casos mais graves de violência doméstica" (medida 486)
quando, no capítulo da Justiça, todas as suas propostas vão em sentido
contrário, desde "alargar o Programa em Regime Aberto ao Exterior a
uma maior fatia da população prisional" (medida 1078) até à redução
do "tempo médio de cumprimento de penas efectivas" através da
atribuição de mais recursos para "estratégias de socialização"
(medida 1084), passando pela ideia peregrina de "Instituir a
obrigatoriedade de reclusos condenados por crimes violentos contra
outras pessoas fazerem uma sessão semanal de reconciliação com os
familiares das vítimas, mediante aceitação destas e, caso não se
trate de um homicídio, também com as próprias vítimas" (medida
1081).

Ao mesmo tempo é um partido populista, sendo porventura a mais
emblemática das suas medidas populistas a de limitar a pensão máxima a
12 IAS (indexante de apoio social, 435 euros). Esta medida 786, como
ficou claro no debate com Catarina Martins, não corresponderia a
qualquer plafonamento das pensões – o que o PAN se propõe fazer é
expropriar os descontos de quem descontou para ter direito a uma
pensão superior a 12 IAS, pois não daria a esses contribuintes sequer
a alternativa de saírem do sistema público nos valores remanescentes.

Mas há mais medidas deste tipo, caça-votos sem olhas a meios, todas
elas apresentadas sem qualquer preocupação de enquadramento económico.
O PAN quer, por exemplo, tornar obrigatório o feriado da terça-feira
de Carnaval (medida 1001), subir o salário mínimo para 800 euros
(medida 996) e impor ao sector privado o horário de 35 horas (medida
1001).

Naturalmente que alguns dos excessos mais absurdos estão nos pontos em
que mais se nota a raiz animalista do PAN, sendo que a minha medida
preferida é a 710, onde pretende "abolir a utilização de animais em
espectáculos tauromáquicos". Naturalmente fico à espera que André
Silva explique como é que se realiza um espectáculo tauromáquico sem
animais, deixando até lá à imaginação dos leitores as hipóteses mais
benévolas. Mas o PAN também quer fechar os jardins zoológicos e os
delfinários (medida 726), "proibir o uso de animais como meio de
tracção de charretes de carácter lúdico ou turístico" (medida
731), "garantir a obrigatoriedade da existência de sombra e a
protecção contra as intempéries nos pastos extensivos" (medida
770), "impedir a proibição de alimentar e abeberar colónias de
gatos na via pública" (medida 699) ou "abolir o uso de coleiras com
choque eléctrico ou picos" (medida 680), isto só para dar alguns
exemplos que mostram como o fanatismo impede de compreender o mundo
rural, de perceber o papel que os jardins zoológicos podem ter na
conservação das espécies e na educação ambiental ou de como é
importante a higiene urbana.

Mas um bom exemplo de inversão de prioridades é o da introdução de um
"quase SNS" para animais através da medida 676: "implementar uma rede
médico-veterinária de apoio às famílias carenciadas e aos
movimentos associativos que tenham a seu cargo animais errantes ou
abandonados". E se nesta legislatura vimos os restaurantes serem
obrigados a admitir cães e gatos, na próxima isso pode acontecer com
os transportes públicos (medida 679), bastando para tal que os donos
os levem com trela ou açaime. Acham que chega? Não chega: o PAN também
quer que todas as escolas procedam à "adopção de pelo menos dois
animais por contexto educativo" (medida 356), ficando por saber quem
fica a tratar do gatinho ou do cãozinho aos fins-de-semana, quando a
escola estiver fechada…

De resto a irresponsabilidade do PAN só tem paralelo na sua ignorância
e na leveza com que faz propostas de uma enorme gravidade sem que
sequer tente fundamentá-las. A ignorância é bem patente no facto de
mais de três dezenas das medidas avançadas no programa serem propostas
para a realização de estudos, ou de levantamentos, ou de inventários.
Como se já não nos sobrassem estudos e relatórios, o PAN ainda
arranjou forma de propor mais três Observatórios (para a
Discriminação e Xenofobia, para Promoção dos Direitos e
Protecção das Crianças e Jovens e, claro, para acompanhar o
Bem-estar e Protecção Animal.

Já no que diz respeito à irresponsabilidade, o PAN parece querer
partidarizar a nomeação do Procurador-Geral da República e do
Presidente do Tribunal de Contas, ao defender que esta passe a ser
feita pela Assembleia da República (medida 1136), o que significaria
que poderiam passar a depender da maioria política do momento. E na
frente internacional, quer "aproximar política e diplomaticamente a
UE da Federação Russa" (medida 1173) e "reconhecer a
autodeterminação do povo Sarauí no Saara Ocidental" (medida 1196).
Esta última medida, que é também a última do programa, é mesmo fechar
com chave de ouro, pois ignora a complexidade da situação e despreza
as nossas relações com Marrocos cuja capital, Rabat, fica em linha
recta a menos quilómetros de Lisboa do que Madrid.

É isto o PAN: uma mistura de ideia populares-populistas com causas na
moda e obsessões autoritárias. Tal como o seu programa é um saco de
propostas a eito, o grupo é mais uma coisa do que um partido, mais uma
seita do que o representante de interesses legítimos ou ideias
políticas estruturadas.

Que esteja a ter sucesso é um sinal assustador dos tempos que vivemos.

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quinta-feira, setembro 05, 2019

# Entrevista a José Pacheco. “Turmas? Isso é a pré-história da educação”

https://observador.pt/especiais/entrevista-a-jose-pacheco-turmas-isso-e-a-pre-historia-da-educacao/

26 Agosto 2019 Ana Kotowicz

José Pacheco defende uma escola sem turmas, sem ciclos, sem testes,
sem chumbos. E conseguiu fazê-lo nos anos 1970, numa escola pública —
a Escola da Ponte, que hoje se tornou "turismo educacional".

"Só um burro não muda de ideias." Uma conversa com o professor José
Pacheco é como ir dos 0 aos 100 quilómetros em 2,28 segundos.
Velocidade supersónica, ao volante de um Ferrari, versão radical. E
não é sequer numa autoestrada limpa de carros. É numa pista, com cones
de sinalização laranja, que nos obrigam a andar aos esses e, por
vezes, a voltar ao ponto de partida. Para depois arrancar outra vez.
Suavemente ou aos solavancos.

"Acho engraçadíssimo quando vejo na Assembleia da República horas de
reunião para ver qual é o número de alunos por turma. Aqui ainda há
turmas? Isto é a pré-história da educação." O professor ri-se com
vontade. Há 40 anos, José Pacheco começou do zero: numa escola
pública, nos anos 1970, e com Portugal acabado de sair da ditadura,
idealizou uma escola que foi pioneira no mundo e que hoje outras
tentam imitar. Centrou a educação no aluno, o chamado paradigma da
aprendizagem, ensinou sem turmas e sem dar aulas. Não chumbou ninguém
e conseguiu que todos aprendessem. Funcionaram quase na
clandestinidade, a tentar seduzir os inspetores da Educação que por lá
passavam, até que, em 2004, assinaram o primeiro contrato de
autonomia. Hoje, a Escola da Ponte, em Santo Tirso, perto da cidade do
Porto onde o professor nasceu em 1951, não passa de "turismo
educacional", mas continua a ser referência em Portugal e no mundo.

"A Ponte não progrediu. Deixou de estar, cristalizou." E é em 2,28
segundos que passa de um tom arrogante, fanfarrão, para um estado que
parece ser de genuíno arrependimento, em que diz admirar profundamente
os professores que lá continuam. E comove-se. "Tenho muito medo de
estar a ser presunçoso e arrogante, todo os dias luto contra a
arrogância e perco." E pede, várias vezes, desculpas por estar a ser
vaidoso.

Falar do poder político, de sindicatos e corporações ou do "obsceno
silêncio" dos seus colegas das Ciências da Educação sobre o que se
passa no ensino, deixa-o a falar alto, a gesticular, claramente
incomodado. "Valha-me Deus", diz com um v que se torna b, a denunciar
a sua origem nortenha. E repete a frase de cada vez que a realidade o
deixa nervoso. Em 2007, autoexilou-se no Brasil, zangado com Portugal:
"Fiz tudo o que podia, mas cheguei a um ponto em que pensei que nada
ia mudar. Achei que ia ficar tudo igual, mas estava errado." De lá,
traz também pronúncia brasileira. Talvez por isso é que diz "dar
aula", sempre no singular, palavra que repete 72 vezes ao longo de uma
entrevista que demorou o dobro do esperado.

O objetivo era falar do paradigma da aprendizagem, numa altura em que
a maioria das escolas ainda não chegou lá, com o homem que diz que
"dar aula é um escândalo epistemológico no século XXI", ou que Rudolf
Steiner, fundador da pedagogia Waldorf, e Maria Montessori, educadores
do século XX, são "fósseis da educação".

Chegámos tarde. José Pacheco já seguiu para outra, já rejeita que o
centro seja o aluno, diz antes que centro é a relação entre professor
e estudante, aquilo a que chama paradigma da comunicação. Veste o
papel de entrevistador e não se inibe de responder a perguntas com
outras perguntas, algumas que nem ele próprio sabe responder.

Hoje quer uma escola aberta 365 dias por ano — "Se um hospital e uma
igreja não fecham… Será que a inteligência pára de funcionar em junho
e volta a funcionar em setembro?" — e com horários diferenciados para
alunos. "Porque é que todos têm de entrar à mesma hora? Porque gostam
de engarrafamentos, é?" Acaba a dizer que está pronto para aulas, o
tal escândalo epistemológico do século XXI, com o objetivo claro de
acabar com elas.

Numa conversa futura, já estará noutra fase. O seu atual projeto é
sobre paradigma de comunicação e comunidades de aprendizagem. A
seguir? "Faço outro projeto para acabar com as comunidade de
aprendizagem, deve haver uma coisa melhor." E ri-se. Muito. "Todo o
mundo é composto de mudança. Sou um ser incompleto, tenho sede de
aprender."

"Só os burros não mudam de ideias", diz. José Pacheco mudou e isso
valeu-lhe um estigma, os seus amigos Waldorfianos e Montessorianos
zangaram-se com ele

Como é que conseguiam ter a Escola da Ponte a funcionar como
funcionava, sem o poder político ir lá chatear?
Foi lá chatear e muito. Mas aceito isso, o poder político tinha toda a
razão em ir chatear: lei é lei. A Escola da Ponte tem 43 anos de
existência e teve três grandes períodos. Antes da Lei de Bases do
Sistema Educativo, em 1986, fazíamos tudo de uma forma bem discreta
para que ninguém percebesse. A partir daí, agarrámos-nos ao artigo
45.º — que agora é o 48.º — que diz que, nas decisões de políticas
educativas, devem prevalecer critérios de natureza pedagógica. Depois
veio a lei de autonomia das escolas, em 1996, e agíamos até um pouco
arrogantemente — eu era um vaidoso, tínhamos conseguido, contra tudo e
contra todos, fazer algo pela primeira vez no mundo. Passar do
paradigma da instrução, da aula, do centro no professor, no currículo
por escrito, para o centro na aprendizagem, o centro no aluno, o aluno
que é autónomo, o chamado protagonismo juvenil. Foi a primeira vez e
numa escola pública. Só me apercebi disto depois, quando comecei a
percorrer o mundo. Depois, em 2004, foi assinado o contrato de
autonomia e é terceiro período.

Na altura não tinha noção do que estava a fazer? De que estava a ser pioneiro?
Nada. O que fazíamos era partir daquilo que todo o professor tem, amor
pelos alunos. Percebíamos que dando aula estávamos a negar o direito a
educação a muita gente. Tomámos uma decisão ética. Não foi técnica,
nem metodológica. Se do modo que trabalhávamos, com aula, turma,
trimestre, não ensinávamos todos, precisávamos de procurar outra forma
e agimos por amor e intuição. Naquele tempo ninguém falava dos Piagets
e dos Vygotsky deste mundo… Mais tarde, compreendi que fomos os
primeiros. Quando visitava escolas Waldorf, na Alemanha, eles diziam
que praticavam o centro no aluno. Mas não. Davam aula. Tinham várias
atividades em que, de facto, o centro era o aluno, mas davam aula. Era
uma espécie de esquizofrenia: diziam que o centro é o aluno, mas
centravam no professor. Não tenho nada contra Waldorf e acho admirável
a proposta de Steiner. Quando mudámos para o paradigma da
aprendizagem, precisámos de uma lei que nos permitisse modificar as
coisas e ela surgiu na forma da lei da autonomia das escolas. Mas mais
adiante houve dois ministros que prejudicaram muito.

Quem foram esses ministros e porquê?
Não vou dizer quem foram os ministros, peço desculpa. O nosso contrato
de autonomia previa que de três em três anos se fizesse uma avaliação
externa — veja quantas houve — e que, se não fosse satisfatória, o
Governo poderia terminar o contrato ou alterá-lo. Tenho todos os
relatórios e todos são excelentes.

Sempre avaliação externa?
Sempre. Comissões nomeadas pelo Ministério da Educação. Agora uma
inconfidência, mas tenho de dizer isto. Recordo-me da primeira equipa
de avaliação: foi encomendada para acabar com o projeto.

Encomendada por qual ministro?
Não vou dizer, não devo. Mas vou dizer quem admiro: as três pessoas da
Universidade de Coimbra que fizeram a avaliação — o mais velho já deve
ter morrido, era bastante idoso, as outras professoras devem ser
vivas. Quando ele acabou, descobriu, num estudo comparativo, que, ao
longo dos 20 anos que a Ponte mandou alunos para a EB2/3, os nossos
alunos tiveram sempre melhores notas em todas as disciplinas. Mas o
que constava por aí era o contrário. Sabe o que ele me disse no fim?
'Professor, nós fomos industriados para acabar com isto. Mas se
precisar de nós em qualquer lugar, para prestar depoimento, conte
connosco. Vamos a qualquer lugar dizer que este é um projeto de
excelência académica.' Foi lindo, quase chorei naquela altura, fiquei
muito emocionado pela franqueza daquele homem.

Quando fala de ministérios a prejudicar a escola refere-se a quê?
O período, que vem até hoje, foi marcado por muito prejuízo. Em 1996,
Ana Benavente, quando estava na secretaria de Estado, entendeu que
entre os muitos professores que poderíamos contratar, dois ou três
poderiam ser diretamente escolhidos pela escola por concurso
universal. Assim fizemos. Mais tarde, houve ministérios que, mesmo
perante avaliações externas extraordinárias, me proibiram de contratar
professores para o projeto. Punham lá professores que não sabiam o que
iam fazer, só queriam dar aula. Acho muito bem que deem aula, mas
noutro lugar. Aula é um escândalo epistemológico no século XXI. É
inadmissível que se continue a trabalhar daquele modo. A Ponte acabou
por se remeter para uma posição, como costumo dizer a brincar, de
turismo educacional. Não progrediu. Um projeto deve estar sempre em
fase instituinte, é um dos critérios de inovação. Deixou de estar,
cristalizou. Tenho muito respeito por aquela gente, saí da escola há
15 anos, mas ainda penso muito neles. A história da Ponte é uma
história de sofrimento e resiliência. Um dia vou escrever sobre isso.

Esse sofrimento tem muito a ver com os primeiros anos? Funcionavam
quase na clandestinidade?
Sempre. Só que fomos descobertos.

Quem é que vos descobriu?
Um inspetor. Depois ficou meu amigo.

Inspetor da Direção Geral de Educação?
Sim, era o Nelson. Depois veio outro, também maravilhoso, mas já não
me lembro do nome. E um outro, o inspetor Aiveca, que homem
extraordinário. O que aprendi com ele… Quando os inspetores se
despojavam do seu autoritarismo e passavam a ser pessoas, entendia-me
com eles. Sou muito teimoso.

Mas como foi esse episódio com o inspetor? Como é que foram descobertos?
Acho que vou cometer uma imprudência… Conto-lhe aquilo que posso
contar, há coisas que só poderei contar a título póstumo. São coisas
em que ninguém acredita… Bom, mas quando vinham os mapas para
preencher, quantas turmas, quantos alunos reprovaram, nós não tínhamos
nada disso. Então, inventávamos. 'Põe aí 190 no 1.º ano, 200 e tal no
2.º ano. Põe metade rapazes, metade raparigas', dizia eu. Um dia fomos
apanhados com a boca na botija, só que tivemos sorte porque era um
inspetor extraordinário. Ele só dizia: 'Isto admite-se? Tenho aqui os
vossos mapas e não vejo nada disto.' Foi muito interessante. Primeiro,
o inspetor foi muito ostensivo. Entrou na nossa sala, nem pediu
licença. Pediu-me para parar o trabalho e eu disse-lhe para esperar.
Ficou bravo. E perguntou-me pela planificação da aula. E eu disse que
ali não havia aula. 'Como não? Então que ano é este?', disse ele.
'Nenhum. São todos misturados', respondi. Ele viu que estava tudo
fora. Depois disse-me que a planificação era obrigatória. E eu
mandei-o ir de aluno a aluno para ver a planificação que estavam a
fazer. Ao fim de três alunos, vem ter comigo e diz que cada aluno tem
um plano diferente. Eu respondi: 'Pois é, então acha que posso fazer
um plano igual para 160 estudantes?". Ele sorriu e disse: "Vamos tomar
um cafézinho?" (Risos) Foi muito bom. Isto foi em 1982.

Ou seja, acabava por conseguir seduzir quem lá ia com os resultados obtidos?
Nem sempre, foram lá três inspetores que fizeram o contrário, mas
acabou bem. É uma questão de sorte ou azar. Não digo que a Ponte seja
um trabalho perfeito, longe disso. Hoje já nem tenho a Ponte como
referência. Hoje trabalho dentro de escolas, que não são prédios, são
pessoas, onde trabalho com referência ao paradigma da comunicação no
Brasil, na Argentina, no Chile. Estive há pouco tempo na Índia, onde
estava Singapura ????, o primeiro lugar no PISA, Austrália, o mundo
inteiro… E aquilo que eu mostrei foi o melhor. Peço desculpa pela
arrogância, mas foi. O resto era gente muito boa, muito inteligente,
mas ainda estão na Escola Nova e em Montessori.

Ainda hoje estão na Escola Nova, em 2019, o sítio onde a Escola da
Ponte estava nos anos 1970?
Exato. Tenho muito medo de estar a ser presunçoso e arrogante, todo os
dias luto contra a arrogância e perco. Quando digo estas coisas é com
toda a consideração por quem dá aula e por quem está no paradigma da
aprendizagem. Quando falo do paradigma da comunicação, de Paulo
Freire, Lauro de Oliveira Lima, digo sempre que aproveito tudo do
paradigma da aprendizagem e até do paradigma de instrução. Não sou
maniqueísta. Aproveito tudo o que for útil e proporcione melhores
aprendizagens. E sobretudo que crie uma nova construção social, que
deixemos de ter um sistema de ensino, para ter um sistema de
aprendizagem. Quando os professores me perguntam como é ensinam os
alunos a fazer roteiros de estudo do currículo da subjetividade,
respondo: 'Dando aula.' 'Dando aula?', perguntam-me. 'Não é o que
sabeis fazer? Então tenho de valorizar o que sabeis fazer', digo eu. E
perguntam-me se eu dou aulas. E respondo que há 40 e tal anos que não
dou aula. 'Então vai dar aula connosco?', perguntam. E vou. Tenho dado
muita aula. Adoro dar aula.

A sua posição está a baralhar-me. Então em que é que ficamos? Acha que
se deve dar aula ou não dar aula?
Pode dar-se aula para acabar com a aula. Uma criança não nasce
ensinada. Quando falo em dar aula, não falo do professor sozinho na
sala de aula, falo em equipa. Um professor não transmite aquilo que
diz, transmite aquilo que é. A aprendizagem é antropofágica: não
aprendo o que o outro diz, aprendo o outro, pelo exemplo e pela
imitação. Quando vou trabalhar numa sala de aula, trabalho com alguém,
e trabalho perguntando. O que queres fazer? O que queres saber? O que
queres ser? Não é o queres ser quando fores grande, isso é um insulto
para as crianças. Depois parto das perguntas que cada um leva, da
necessidade da própria comunidade para projetos. Deixa de ser uma aula
tradicional, para ser uma aula onde se aprende a escutar, a pedir a
palavra, onde se aprende a trabalhar em equipa. Como é que vou ensinar
as pessoas a fazer roteiros de estudo ou portfólios digitais? Dando
aula. Só que ao fim de meia dúzia de semanas já não há aula, porque os
professores são todos inteligentes e amam os seus alunos. Acredito nos
professores, quando deixar de acreditar neles, deixo de andar por aí.
O que tenho visto é que são os professores mais renitentes, os que
sabem dar melhor aula, aqueles que mais rapidamente aderem quando
percebem que, do modo em que trabalham, não garantem a todos o direito
à educação.

Portanto, já abandonou o paradigma da aprendizagem, de que a Escola da
Ponte foi pioneira e que, pensava eu, era sobre aquilo que íamos
conversar hoje, já que é aí que maioria das escolas está a chegar.
Mas, afinal, já está noutro nível? No paradigma da comunicação?
E não hei-de ficar por aí. Aqui há dias perguntaram-me se não estava
aposentado. Disse que sim. 'Então porque é que anda por aí?',
perguntaram-me. Porque gosto de aprender e tento ser útil, disse eu.
'O que é que está a fazer agora?' 'Um projeto.' 'Que projeto?' 'Estou
a tentar criar no Brasil uma rede de comunidades de aprendizagem e
agora também em Portugal.' E a pessoa continuou a fazer perguntas:
'Quando acabar esse, pára de fazer projetos?' 'Certamente que farei
outro', respondi. 'Para quê?' 'Para acabar com as comunidade de
aprendizagem, deve haver uma coisa melhor', disse-lhe eu. (Risos) Todo
o mundo é composto de mudança. Sou um ser incompleto, tenho sede de
aprender. Na Educação, está tudo por fazer, ainda estamos na
proto-história da aprendizagem. Estamos na fase do ensino, da primeira
Revolução Industrial. Tenho trabalhado muito no paradigma da
comunicação: aprendemos na intersubjetividade.

Explique lá o que é o paradigma da comunicação.
Para a aprendizagem acontecer, ela tem de ser significativa,
integradora, diversificada, ativa e socializadora. Não vou falar das
teorias… Mas a aprendizagem só acontece quando há criação de vínculo.
Numa aula, a criação de vínculo é com um todo, um frontal anónimo.
Precisamos de instituir uma forma de organização, aquilo que chamo uma
nova forma de construção social de aprendizagem, criando vínculos
afetivos, emocionais, éticos, estéticos, espirituais, até. Se quando
estudava teve um professor de quem não gostou, não aprendeu nada. É na
qualidade da relação pedagógica que se aprende ou não se aprende. Na
qualidade da relação, na intersubjetividade.

No paradigma da comunicação o professor e o aluno são amigos?
Não, não, não, não. Os estatutos são diferentes, cuidado com isso. O
professor companheiro é uma coisa dos libertários ingénuos. Criança
não faz o que quer, criança quer aquilo que faz. É muito diferente,
isto dá significado às coisas. Sentido. Mas já fui um não diretivo
ingénuo e, durante 30 anos, acreditei que o centro fosse o aluno. Só
os burros é que não mudam de ideias.

Já não acha que o centro seja o aluno?
Também é. Mas o professor também é, mas noutra qualidade.

Era um indefectível da Escola Moderna e de que o centro da
aprendizagem é o aluno. Agora José Pacheco acredita no paradigma da
comunicação, que nasce da relação aluno/professor

Na escola tradicional, que critica, o centro era o professor. Na
escola que ajudou a criar, o centro era o aluno. Qual é o centro agora
no paradigma da comunicação? É uma simbiose?
Religam-se. O que tem de haver é uma reelaboração de cultura
profissional. Sobre isso, a formação de professores está muito mal,
porque reproduz o modelo tradicional. O professor deixa de preparar
projetos para os alunos, para construir projetos com os alunos. Com.
Na relação, a partir de necessidades, de desejos. Todos têm vocações e
talentos para o seu projeto de vida. Posso dar-lhe um exemplo: ele
chama-se André e tem síndrome de Down. Quando foi para a minha escola,
já vinha de duas escolas com um relatório de psicologia que dizia que
o aluno não ia aprender a ler nem a escrever. Já muitas tentativas
tinham sido feitas. Não lhe perguntei o que queria aprender,
perguntei-lhe o que queria ser. Respondeu que queria ser guarda-redes.
Fiz um projeto de vida com ele, onde aprendeu a ler, a escrever, a
contar, tudo. Fez um curso profissional e, se for à internet e
escrever no Google 'final do campeonato europeu de futebol de salão
Portugal-Itália', o guarda-redes é o André. É um ser realizado
socialmente. E não conto mais porque me emociono muito. Temos de
ajudar a construir vidas, a desenvolver talentos. Quantos génios são
desviados daquilo que poderiam ser? Esse é o currículo da
subjetividade. A educação é um direito público e subjetivo. Tenho de
garantir que cada um é aquilo que quer ser.

E, como professor, consegue fazer isso numa sala cheia de alunos?
Sozinho, nunca. Por isso é que nós mudámos, o professor deixa de
planificar aula e vai ensinar o outro a planificar, vai ensinar os
alunos a serem autónomos, a saberem gerir o tempo e o espaço… Vai
autonomizar o outro, não vai planificar a vida do outro. Aí está a
manipular, está a impedir que o outro aprenda a gerir a sua própria
vida. O professor não dá aula, aula é inútil, prejudicial. O que o
professor tem é fazer é ajudar o aluno a construir roteiros de estudo,
de currículo de subjetividade, de comunidade e de sustentabilidade ou
consciência universal ou planetária. Quando professor constrói com
ele, o aluno acompanha os processos de descoberta, encontra informação
nos livros, nas bibliotecas, nas pessoas, na natureza, na internet.
Onde é que se aprende? Pode ser numa escola, mas a escola não é um
prédio, são pessoas. Quando? Quando se sente necessidade e se dirige
para a informação. O professor tem de ensinar o aluno a desenvolver
processos complexos de pensamento, pensar sobre pensar, metacognição.
Vai ter de ajudar o aluno a saber selecionar informação na internet,
se não perde-se. Tem de saber criticar a informação, saber se é aquela
que precisa. Saber comparar informação, saber analisar, avaliá-las,
saber sintetizar em palavras suas, saber comunicá-las. Mas… Posso
fazer-lhe umas perguntinhas?

Claro.
Sabe fazer a raiz quadrada?

Com calculadora, sei.
Sem calculadora, não. Segunda pergunta: quantas vezes precisou de usar
a raiz quadrada na tua vida?

Provavelmente, nenhuma.
Quando pergunto isto a mil professores num auditório, ninguém sabe.
Por que é que a raiz quadrada faz parte das aprendizagens essenciais
se ela não é utilizada por milhares? Quando precisar dela, vai à
internet e aprende em cinco minutos. Procura porque precisa desse
instrumento, desse algoritmo. Aprendeu a raiz quadrada? Sim. Fez
testes sobre isso? Sim. Aprendeu? Não. Um teste nada avalia, ou
melhor, avalia a capacidade de retenção na memória de curto prazo de
determinada informação para debitar num papel e esquecer. A memória é
esperta. Pergunto porque é que o currículo é prescrito? Porque é que
tem de haver metas? Porque é que tem de haver aquilo tudo? Coisa
curiosa: quando trabalhamos de outra maneira, no paradigma da
aprendizagem, da comunicação, os alunos aprendem toda a matriz
curricular. É curioso, não é?

Aprendem tudo mesmo sem existir um currículo obrigatório?
Exatamente. O currículo obrigatório diz que determinado objetivo tem
de ser aprendido em determinado momento, de determinado ano, de
determinado ciclo. Porquê? Se alguém me souber explicar, aceito. Vi
crianças de 6 anos que trabalhavam a tabela periódica, vi crianças de
5 anos que trabalhavam a raiz quadrada, mas porque precisavam dela.

Na sua opinião, não é necessário haver um Ministério da Educação que
define um currículo básico para todas as escolas?
(Risos) Usou a palavra 'opinião'. Estou proibido de dar opinião,
quando me perguntam o que acho, respondo que não acho. Sou formado em
Ciências da Educação, e peço desculpa desta arrogância: não, não é
preciso um currículo. Tem de haver uma série de aprendizagens
essenciais.

Eles têm de aprender alguma coisa?
Sim, não digo o mínimo, digo o essencial. A partir daí, os currículos
têm de ser tridimensionais. Um exemplo de currículo tridimensional
dentro da área da consciência planetária: uma jovem de 9 anos pergunta
à tutora se é verdade que corremos risco de extinção enquanto ser
humano. Sabemos que sim, que a catástrofe está iminente. É olhar para
as alterações climáticas, o buraco do ozono, o desmatamento, a
elevação do nível da água do mar… Essa jovem tinha lido numa revista
que a NASA estava à procura de planetas onde pudesse haver vida
humana. Essa menina, aos 14 anos, foi convidada pela NASA e está em
Washington. Desenvolveu um projeto, aos 10 anos, de vida humana noutro
planeta. Trabalhou os objetivos todos: da Física, da Ciência, da
Matemática, da Geografia, coisas do secundário, do ensino superior.
Porque não?

Deixar ir a criança até onde ela pode ir, é isso que defende, sem metas?
Evidente. Essa história de falar de sobredotado é profundamente
errado. O que ele tem é uma vocação bem explícita e um talento que tem
de ser desenvolvido. O professor coitado, sozinho… Eu dei aula. Sei
bem a minha angústia quando perguntei a tantos jovens analfabetos por
que é que não tinham aprendido a ler. Tinham 15 anos, estavam na
escola há 7 e continuavam na primeira classe, no tempo do Veiga Simão
[Ministro da Educação Nacional (1970-1974) no Governo de Marcello
Caetano]. Explicaram-me que a professora ensinava sempre da mesma
maneira. Quando me disseram aquilo, tive uma sensação muito estranha,
porque eu ensinava assim. Percebi que, se continuasse a fazer o mesmo,
eles iam continuar a não saber ler. Estava proibido de fazer isso.
Tive de ir aprender de outra maneira e eles aprenderam a ler nesse
ano. Um dos grandes problemas é uma criança com 6 anos entrar numa
sala onde a professora ensina todos ao mesmo tempo, da mesma forma,
ignorando que têm diferentes ritmos. Ao fim de quatro meses, dizem que
aquele aluno não acompanha os outros e que vai precisar de apoio. Até
nas escolas particulares. Escolas que têm professores para dar
explicação aos alunos, alunos esses que acabam nos centros de
explicação. Isto é absurdo, é a cegueira branca do Saramago. Por falar
nele, ele dizia que só se começa a ser velho quando se deixa de
interrogar. A criança, quando vai para a escola, faz perguntas. Quando
sai, já não faz. Essa perda, o deixar de se interrogar, quem sou eu,
de elementar filosofia, é uma tragédia. Esse jovem chega ao fim do
secundário a ouvir tantas respostas a perguntas que nunca fez, que
desiste de perguntar.

Então vamos esquecer o currículo?
Vamos esquecer o currículo.

Vamos deixar que cada criança aprenda aquilo para que tem mais
apetência? Não corremos o risco de ter crianças que são especialistas
numa área e sabem muito pouco sobre outras?
Sim, mas um músico não tem de saber a lei de Boyle-Mariotte [relaciona
a pressão e o volume de um gás], não precisa disso para nada. E, se um
dia precisar, tem a internet. O que ele precisa é de aprofundar o
conhecimento que tem na área da música para se realizar. Mas nós
concluímos todo o currículo, como disse há pouco, coisa que não
acontece nas escolas tradicionais.

As escolas não conseguem dar o currículo?
Tomei consciência disso quando fizemos a primeira prova de aferição,
no ano 2000, ainda estava na Ponte. Fui indigitado para ser aplicador
das provas. No manual dizia uma coisa que não entendi: colocar os
alunos a uma distância prudente uns dos outros. O que é isso? No dia a
seguir, como os meus alunos não sabiam o que era um teste, pedi-lhes
que fizessem um. Na Ponte fazíamos o que diz a lei: avaliação
formativa, contínua e sistemática. Arranjei um teste e mostrei-lhes.
Foi muito engraçado, não sei se isto serve para uma entrevista… Tinha
de ser feito em 50 minutos e, quando os alunos me perguntaram porquê,
respondi que não sabia. Depois, queriam saber se acabassem antes dos
50 minutos se se podiam ir embora, e expliquei que não. Estava a ser
tudo muito complicado. Chamaram-me: 'Este texto é da Sophia de Mello
Breyner, o Cavaleiro da Dinamarca, não é?' Eles não tinham manuais,
liam obras de autor completas. 'Esta pergunta, o que é que o cavaleiro
viu ao longe… Não vou copiar tudo o que está escrito no parágrafo, vou
antes fazer uma setinha e o professor lê o que está escrito no texto.'
O aluno estava correto. Então, expliquei-lhe o que era uma
transcrição, uma pergunta aberta, fechada… Começaram a fazer o teste e
eu fiquei na sala, eles mandaram-me embora, diziam que estava ali a
perder tempo. E há um aluno que diz: 'Na minha escola antiga, quando
havia teste, o professor ficava na sala para evitar que se copiasse.'
E um dos outros perguntou: "O que é copiar?" Aí caí em mim. Estava
calado, mas o não verbal falava mais alto. Estava a agir no
pressuposto de que os alunos são desonestos e os meus alunos não
sabiam o que era copiar. Estava a transmitir valores errados, da
mentira, da desconfiança, da corrupção. Temos que perceber que os
valores que temos são passados no mínimo pormenor e que a reprodução
social acontece — a escola é um instrumento de reprodução social,
quando devia ser um instrumento de produção de conhecimento. Não tenho
soluções, nem quero convencer ninguém. Quero que as pessoas pensem. E
que não tenham medo de falhar. Sei que há muitos obstáculos, e o maior
sou eu e a minha cultura profissional. Fui preparado para dar aula.

Mas é compreensível que um professor que só aprendeu a dar aula, dê
aula. Se lhe perguntar como vai passar conhecimento, responde que é
dando uma aula. Consegue responder outra coisa?
Não, e respeito essa resposta. O que não posso respeitar é o obsceno
silêncio das Ciências da Educação. Fui o primeiro licenciado em
Ciências da Educação e segundo mestre, mas isso não quer dizer nada.
Quando fui para o primeiro curso de Ciências da Educação, levava 20
anos de Escola da Ponte. E compreendi que a formação inicial estava
mal. Os colegas que tinha, hoje são todos professores universitários,
escrevem livros sobre paradigma da comunicação, mas dão aula centrada
no professor. O que fica? É a aula. A formação é isomórfica, o modo
como o professor aprende é o modo como o professor ensina. Na formação
inicial, a maioria dos professores diz que o centro deve ser o aluno,
mas eles dão aula centrada no professor. Não é esquizofrénico? A
flexibilidade curricular quando a vejo ser entendida como acrescentar
uma disciplina, ou juntar um professor do 1.º com o 2.º ciclo, ou por
uma hora a mais ou menos de Matemática… Não é isso. Gestão flexível é
uma nova construção social da educação, não é o que estão para aí a
fazer. Fico muito espantado com o obsceno silêncio. É paliativo o que
se está a fazer.

Então o que era preciso fazer? Repensar os cursos de formação de
professores? Deixar de dar aulas aos professores? O que é que se faz?
Também fiz formação inicial de professores e, quando cheguei,
perguntei aos meus alunos que estavam no final de curso de professor o
que é que queriam saber. Responderam-me que não era assim, que o
professor entrava, projetava uns acetatos e ia lendo o que lá estava
escrito sobre Piaget e tal. Perguntei-lhes por que não liam em casa.
Não sabiam. Não havia um propósito, não havia nada. O trabalho final
era escrever o que dizia Piaget e Vygotsky. Isso não é produção de
conhecimento, é cópia, não serve para nada. Quando chegarem a uma sala
de aula, Piaget e Vygotsky não estão lá, eles estão entregues ao que
vivenciaram. Fizeram 12 anos de estágio antes do curso, estiveram 12
anos a ouvir aula, levam mais quatro anos de curso a ouvir aula de
alguém que diz que o centro deve ser o aluno.

Como é que alguém que foi assim formado pode chegar à sala de aula e
fazer diferente? É isso que precisamos de fazer? Mudar tudo?
Não tenho soluções, tenho uma prática, uma praxis, e mais de 40 livros
publicados (não tenho direitos de autor) em dez línguas. Escrevi um
livro sobre inovação — agora tudo é inovação, apropriam-se do termo e
fazem projetinhos para enfeitar a escola como uma árvore de natal. A
formação não pode ser considerar que o outro é objeto a quem vou dar
conhecimento. Professor não é objeto, é sujeito de autoformação. Na
formação inicial de professores dá-se montes de teoria ou didática.
Didática é inútil. Aula não ensina nada. O que o professor tem de
fazer é consciencializar-se das suas dificuldades: não há dificuldades
de aprendizagem, há dificuldades de ensinagem [Ensino é o ato de
ensinar, ensinagem é o processo pelo qual ocorre a aprendizagem]. Não
há alunos com necessidades educativas especiais, há professores com
necessidades educativas especiais. Não há alunos deficientes, há
práticas deficientes.

O professor também tem de fazer o seu próprio caminho como o aluno, individual?
Com outros. Ninguém aprende sozinho. Essa é a grande panaceia que está
na moda: os computadores, as plataformas onde o aluno vai para
consumir currículo. Currículo não é para consumir, é para produzir.
Isso vai substituir o professor. Estamos no tempo da inteligência
artificial, da globalização esquisita, da robótica, o wi-fi universal
está aí a chegar, a internet das coisas….

Os alunos podem aprender com o computador e esquecer o professor?
Não só. Nas escolas que acompanho, todos trabalham com computadores.
Mas também com livros, com pessoas, com natureza, fazem pesquisa em
todo o lado.

Usam a internet como enciclopédia gigantesca?
Usam como fonte de informação, sabem pesquisar. E como comunicação com
outros que estão a fazer os mesmos projetos.

E o professor?
O professor é uma pessoa que ajuda o aluno a autonomizar-se, pode ser
um mentor… Ainda não sei como chamar a isto, ando à procura do termo…
Não é coaching, não é orientador educativo, não é tutor… diria que é
um designer educacional. O professor ajuda o outro, dos 0 aos 99 anos,
365 dias por ano, a construir projetos de vida. Vou contar como
despertei. Um dia uma criança levantou o braço e disse que tinha uma
dúvida. Estava a estudar como se faz a seda e tinha de estudar o bicho
da seda. E qual era a dúvida? Num livro, leu que o ser vivo é o que
nasce, cresce, reproduz-se e morre. Fiquei feliz, ele tinha aprendido
e eu não tinha ensinado. E insisti: 'Mas qual é a dúvida?' 'É que eu
não concordo.' Valha-me Deus, pensei, um fedelho destes… E ele
disse-me: 'Pense um pouco professor, se um ser vivo é o que nasce,
cresce, reproduz-se e morre, então eu não sou um ser vivo, ainda não
me reproduzi nem morri.' Valha-me Deus, como é que não pensei isto?,
questionei-me. Então, com um professor de Ciências, construímos um
projeto e eu, adulto, com 29 anos, aprendi o que era um ser vivo e que
não é nada daquilo que está nos livros. Todos os dias aprendia com
aqueles miúdos. Aprendíamos na relação, na intersubjetividade. Foi aí
que comecei a duvidar que o centro fosse o aluno, o não iluminado
aluno.

Foi aí que chegou ao paradigma da comunicação?
Um pouco, foi quando comecei a ler autores brasileiros. Percebi que
quem falou pela primeira vez sobre comunidades de aprendizagem foi
Lauro de Oliveira Lima, de que ninguém fala, que escreveu, em 1966, um
livro chamado "Escola da Comunidade", onde falava de ócio criativo.
Quem fala dele? Henry Giroux, da sociologia da Educação, que por sua
vez foi companheiro de Paulo Freire, que escreve que nós aprendemos
uns com os outros. Comecei a ligar tudo. Depois li Seymour Papert…
Comecei a entrar no domínio das novas tecnologias e a perceber que
aquilo que as escolas estavam a fazer era criar lixo digital e a fazer
do computador um altar onde o aluno está preso, um monstrinho do ecrã,
solitário.

A ama eletrónica?
Hoje já não é preciso chupeta, quando a criança chora dá-se uma
consola de jogos. O que temos de fazer é dar ao jovem autonomia moral,
intelectual. Fazê-lo perceber que a liberdade dele não acaba onde
começa a liberdade do outro. A liberdade dele começa onde começa a
liberdade do outro. Se o outro não é feliz, ele não tem direito de ser
feliz. Ele existe porque o outro existe. Hoje trabalho onde trabalhou
o mestre Agostinho da Silva, na Universidade de Brasília, e não posso
falar muito porque me comovo. Agostinho era um ser extraordinário e
fora do seu tempo. Dizia tudo o que estou a dizer. Eu não invento
nada, tudo está inventado. Agostinho era um iluminado e, quando leio o
que ele escreveu, vejo que sou um pretensioso. Há 50 anos, ele já
dizia o que eu digo. E fazia. Agostinho dizia que a vida deve ser
gratuita, o governo de criança e o homem não foi feito para trabalhar,
mas para criar. Hoje diria cocriar. Agostinho falava do novo papel da
universidade. Admiro-me, com alguma mágoa, que os meus colegas da
Ciência da Comunicação permitam a farsa que está a ser a flexibilidade
curricular.

A flexibilidade curricular foi uma das mudanças legislativas pelo
atual Governo. Mas, apesar da publicação do decreto lei da
Flexibilidade e da Autonomia Curricular, nem sempre as escolas usaram
esses instrumentos. É essa a farsa?
Estou muito grato ao João Costa [secretário de Estado da Educação].
Pela primeira vez, tenho admiração por um governante. Se publicar isto
que estou a dizer, não quer dizer que seja um adulador ou puxa-saco, é
o que sinto em relação a esse homem. Criou, pela primeira vez,
legislação que permite que uma nova construção social aconteça, desde
que não seja deturpada, nem regulamentada de forma a ficar tudo na
mesma. Esta portaria número 181/2019 é uma preciosidade normativa
[define os termos e condições da autonomia e flexibilidade
curricular]. Dá para fazer tudo. Peço desculpa pela minha emoção, por
estar a falar mais alto e a gesticular, não consigo conter-me. Nós
temos a última oportunidade. Espero que, se a geringonça ganhar, João
Costa venha a ser ministro. Ele sabe. Imagino as dificuldades que ele
tem tido. Estive no Conselho Nacional de Educação quando foi feita a
reorganização curricular, sei bem o que aconteceu, o jogo político de
bastidores que estragou tudo. Quando diziam que tinha de haver duas
aulas semanais para a Cidadania, eu perguntava: 'Só duas horas? No
resto do tempo, o aluno não é cidadão?' Depois diziam que temos de
fazer aula projeto. E eu perguntava se o projeto não é todos os dias.
Quando se meteram as organizações corporativas, as associações
disciplinares, os sindicatos, os editores livreiros… Estragaram tudo.
É difícil lidar com a política, imagino as dificuldades que João Costa
tem tido. Tenho uma grande admiração por esse homem.

Acha que esta legislação da Flexibilidade Curricular é um passo em frente?
É a legislação possível. Ela diz que os critérios de natureza
científica ou pedagógica se devem sobrepor aos critérios de natureza
administrativa. Isto é evidente, está no artigo 48.º da Lei de Bases,
mas nunca foi feito. Cortar uma hora aqui ou ali é cosmética. Não tem
nada a ver com a portaria 181. Tenho muito medo da interpretação da
lei.

Há escolas que estão a funcionar já de forma completamente diferente.
A EB da Várzea de Sintra, por exemplo, onde não há turmas nem anos de
escolaridade. Essa é uma verdadeira autonomia?
É o meu amigo António Quaresma. É um professor de 1.º ciclo que, com
toda a diplomacia, conseguiu levar água ao seu moinho. Não quis
convencer ninguém. É muito avisado e bom professor. Mas Portugal tem
centenas de professores como o António, que têm de sair do armário,
como costumo dizer a brincar. E é agora ou nunca. Foi a portaria 181
que me fez voltar a Portugal. Volto em outubro, para ir para o chão
das escolas, trabalhar com professores como o António — e são tantos —
criando núcleos de projeto. Uma escola não muda toda ao mesmo tempo e
não podemos impor nada a ninguém, temos de respeitar aqueles que não
querem mudar. Uma crença não se discute, mas aqueles que querem têm
agora o 181. Aproveitem! Não enfeitem as escolas com projetinhos de
novas tecnologias, de meditações, de hortazinhas… Não é assim. Não é
por aí, também são importantes, mas não é por aí. É uma nova
construção social que tem de acontecer.

Acha que essa nova construção social pode acontecer em Portugal?
Perfeitamente, é viável. Para mim, é o último esforço. Estou quase com
70 anos, quero é ir plantar árvores. Estou cansado, muito cansado. O
João Costa devolveu-me alguma esperança. E professores como o António,
e outros como ele, deram-me um novo ânimo. É o meu último fôlego. E
mato-me nestas viagens porque o corpo ressente-se. Enquanto houver
professores que querem ser éticos, que saibam dar aula, mas que
percebam que têm de dar aula para serem éticos, eu vou dar aula com
eles. Respeito-os muito. Tenho um filho que dá aula, um extraordinário
professor, e a sua escola é a que vai ter mais núcleos de projeto.
Estou orgulhoso dele, mas não posso falar muito, comovo-me.

Foi-se embora de Portugal zangado e disse-me, antes da entrevista
começar, que agora tinha motivos para voltar. É por causa destas
mudanças legislativas? As escolas estão diferentes?
Fiz tudo o que podia, mas cheguei a um ponto em que pensei que nada ia
mudar. Achei que ia ficar tudo igual, mas estava errado. Agora estou
encantado, voltei este ano e volto em outubro. Se não aproveitarem
isto que está agora aí como lei, tão cedo não vamos ter outra
oportunidade. Se não aproveitarem, aí vou-me embora definitivamente.

Hoje discutimos se é possível ter uma escola portuguesa a funcionar
com o método Montessori e o que a Várzea de Sintra faz é visto como
uma grande inovação, mas a Ponte já o fazia em 1976.
Acho engraçadíssimo quando vejo na Assembleia da República horas de
reunião para ver qual é o número de alunos por turma. Ainda há turmas?
Isto é a pré-história da educação. Agora discutem se vão passar de
trimestre para semestre. Valha-me Deus. O que é que é isto? Porquê
semestre? Ou trimestre? Ou bimestre? Aprendemos 365 dias, 24 horas por
dia.

Porque temos de nos organizar de alguma forma, não é?
Administrativamente, mas os critérios têm de ser de natureza
científica. O que digo é que corremos o risco de continuar com
panaceias e paliativos. Porque é que há ciclos? Na Ponte percebemos
que não tem nada de haver ciclos. Nem tem nada de haver ensino
secundário, nem ensino superior. Nem ensino inferior. Valha-me Deus.

Como é que íamos fazer isso?
Dando aula.

Sem semestres, nem trimestres, como fazíamos?
Porque é que há trimestre?

Não sei.
Ninguém sabe.

Mas como é que fazia? O ano letivo tem de ter um dia de início e um
dia de fim, não é?
Quem disse? Porque é que todos têm de entrar à mesma hora? Porque
gostam de engarrafamentos, é? Porque é que todos saem à mesma hora?
Porque é que há intervalo? Porque é que a casa de banho do aluno é
separada da do professor? Porquê?

Porque as escolas têm de se organizar de alguma forma, e esta é, para
já, a única que conhecemos? Talvez por isso?
Em casa, há casa de banho do pai e do filho? Esquece. Eu faço
perguntas a que ninguém responde. E quando as pessoas que não
respondem continuam a insistir no absurdo, condenando muita gente ao
abandono intelectual, ao analfabetismo, isso é um crime.

Mas conseguíamos…
Conseguíamos. Eu mostro-lhe, quer vir ao Brasil? E daqui a três anos
eles vão mostrar como é possível que a escola funcione 365 dias. As
escolas são pessoas.

Não há dúvidas que aprendemos em todo o lado, mas o que está a dizer
não ter hora de entrada, hora de saída…
Não tem nada de ter.

Deixe-me acabar. Temos de saber se temos, ou pelo menos os governos
têm sempre de pensar nisso, se há dinheiro e orçamento para pagar
essas coisas.
Têm, com certeza.

Como se pagam equipas nas escolas que garantem portas abertas 365 dias?
Pagam menos até. E férias quando quiserem e quanto tempo quiserem. A
pergunta é: a igreja faz férias?

Diria que não.
Então, a entidade a quem compete a saúde espiritual não faz férias. Um
hospital faz férias? Não. Se chegar a um hospital com uma apendicite,
estiver fechado, e voltar em setembro, o que é que acontece? Morre.
Estou a falar a sério. Se aquela instituição que trata da saúde física
e a que trata da saúde espiritual não fazem férias… Será que a
inteligência pára de funcionar em junho e volta a funcionar em
setembro? Nada se aprende em dois meses? Valha-me Deus.

Se essa sua ideia fosse para a frente, não poderia mesmo ter uma
escola que ensinasse todos como se fossem só um.
Claro que não. Isso é impossível. Isso foi o que Comenius disse no
século XVII. Comenius foi um monge, não sabia nada de educação. Ele
disse que era possível ensinar a todos como um só e a revolução
industrial do século XIX utilizou isso na Prússia, na Alemanha, na
Inglaterra. Mas estamos no século XXI, não sei se já entenderam… Como
costumo dizer, temos alunos do século XXI, professores do século XX a
trabalhar como no século XIX. É um escândalo.

Neste seu livro mais recente, lembra que a arquitetura das escolas
imita a das cadeias, com os seus pátios interiores e muros altos.
É. Soltam os prisioneiros no intervalo e eles soltam as energias. Têm
as celas de aulas, como nos conventos de França, depois têm a
disciplina, a hierarquia… Será que as pessoas são cegas? Será que
aqueles indivíduos que fizeram Sociologia da Educação não estudaram
Pierre Bourdieu? Valha-me Deus. Estudaram na aula, responderam no
teste, mas esqueceram, porque não aprenderam. E continuam, como
professores universitários, a ensinar o que não aprenderam, para que
os seus alunos, que também não vão aprender, o ponham num teste,
passem e tenham um diploma e sejam professores.

Um ciclo vicioso?
Pois é. E é isso que eu não perdoo, que continuem a pactuar com esta
farsa. É preciso aproveitar a legislação, o decreto lei 54, o decreto
lei 55, a portaria 181, para fazer o que é preciso: criar uma nova
construção social de educação. Porque é que a educação familiar não
está ligada à educação escolar? E social? E aos 2 anos a criança vai
para o jardim de infância e a avó fica a vegetar em frente à
televisão? Porque se quebra esta ligação geracional? O que é isto?
Pensa um pouco professor, disse-me uma criança. Temos uma cabeça para
pensar e um coração para sentir, e é preciso que o sentimento seja
coerente com a palavra. E que a palavra seja coerente com a ação. E
não é. Não sou moralista. Não sou ético. Tento ser, todos os dias
tento. Cada dia ponho em causa as minhas crenças e duvido das minhas
verdades. Um educador é um ser incompleto, que tem de aprender com os
outros, na relação, em qualquer lugar.

Existe para si uma escola perfeita, ideal?
Há 47 anos estudei dois livros fundamentais para mim: 'O
Personalismo', de Emmanuel Mounier, e o 'Ensino Individualizado', de
Robert Dottrens. Depois estudei Maria Montessori, estudei Ovide
Declory, estudei John Dewey, William Heard Kilpatrick, tudo o que é
metodologia de projeto. Estudei Steiner. Estudei e foi membro do
Movimento Escola Moderna, com muito orgulho. Só que o Movimento Escola
Moderna está na Escola Nova, ou seja, o centro é o aluno — e não é
porque se continua dentro da sala de aula — com todo o respeito que
tenho por toda essa gente e esse genial Sérgio Niza, maravilhosa
criatura com quem aprendi tanto. Mas também aprendi com António
Sérgio, com Bento Jesus Caraça, com Agostinho da Silva, que dizem
outra coisa. Depois foi para a taxonomia de Bloom, para tudo o que era
novas tecnologias. E toda a gente dizia que o centro deve ser o aluno.
Eu era um indefectível da Escola Moderna. O centro é o aluno. Não é! E
isto vale-me um estigma: agora os meus amigos Waldorfianos, os meus
amigos Montessorianos, que são as tribos, estão zangados comigo.
Compreendo.

Estão zangados porquê?
Porque são Montessorianos e não são outra coisa. São Waldorfianos e
não são outra coisa. E, que eu saiba, Waldorf não é inovação, foi há
100 anos. É um fóssil. Montessori foi em 1907, é um fóssil. Tudo o que
Steiner escreveu é atual. Certo… Espero que, nos próximos 50 anos, a
escola consiga recuperar o atraso que tem, para que seja um locus de
aprendizagem, de produção de conhecimento, porque não é. Isso vai
acontecer, certamente, já não no meu tempo. Faço a minha parte e faço
um convite àqueles que sabem dar aula: deixem-me ir dar aula com eles.
Não quero convencer nada, nem ninguém. Quero apelar ao sentido de
responsabilidade perante os seres humanos que temos à nossa frente.

Costuma contar que, quando era mais novo, os críticos diziam-lhe que,
quando fosse mais velho, ia ter juízo. O que lhes diz agora?
É desconfortável. Há 40 e tal anos, já sabia que dar aula não valia a
pena, e dizia: 'Colegas, eu sei que dando aula não ensino'. A resposta
era a mesma: 'Ah, você é jovem, é utópico, quando for velho vai ter
juízo.' Hoje, em congressos, pergunto: 'Colegas continuam a dar aula?
Numa aula não se aprende nada'. Ninguém diz que sou jovem, que sou
utópico, por uma razão muito simples: provei que dando aula não se
aprende e que deixando de dar aula, dando aula para deixar de dar
aula, toda a gente aprende tudo. E respeito o direito à educação. Ou
seja, estou velho, estou utópico, permanecerei utópico, porque eu não
sei nada — sei algumas coisinhas —, mas o que sei daqui por alguns
anos já não é conhecimento. Ninguém contesta. Quando contestam, eu
faço duas ou três perguntas e tudo se desfaz. Não estou velho, estou
idoso. Velho é aquele que deixa de perguntar. José Saramago.

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