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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

quarta-feira, janeiro 25, 2023

# Espirais de silêncio

https://observador.pt/opiniao/espirais-de-silencio/

Invertemos a lógica do comportamento, havendo uma tendência para a
opinião compulsiva, online, fomentada por algoritmos com grande
capacidade de criação imediata de uma falsa sensação de empatia.

Rodrigo Adão da Fonseca 24 jan. 2023, 00:15

Existe, no comportamento humano, uma tendência das pessoas, bem
estudada e documentada, para não falar sobre questões políticas ou
mais sensíveis em público, no seio da família, ou junto dos amigos e
colegas de trabalho, quando acreditam que o seu próprio ponto de vista
não é o mais adequado ou o mais amplamente compartilhado. Essa
tendência foi batizada de "espiral do silêncio", e ganha particular
interesse numa época em que o ambiente da opinião tem vindo a ser
exponencialmente ampliado para o universo digital e das redes sociais.

Nos primórdios da internet e das redes sociais, muitos acreditavam que
os espaços digitais poderiam facilitar a emergência de lugares de
discussão com elevados níveis de pluralidade, diferentes o suficiente
para que os que têm visões minoritárias se sentissem mais livres para
expressar as suas opiniões, ampliando assim o debate público e
adicionando novas perspetivas à discussão quotidiana das questões
políticas.

E se não há dúvida de que temos hoje, com as redes sociais, uma
significativa fragmentação da opinião, a arrumação que se faz das
discussões não se traduziu em maior diversidade, mas numa balcanização
dos fóruns de discussão onde o que se valoriza não é a diferença, mas
a busca de espaços de validação das visões minoritárias, inter pares,
que deu lugar muito mais a mimetismos do que a um reforço da criação
de novas ideias.

O que vários estudos sempre nos disseram é que, tanto nos ambientes
físicos como em rede, as pessoas estão mais predispostas a
compartilhar as suas opiniões se anteciparem que os seus
interlocutores vão concordar com elas, do que se houver risco de
confrontação. O que ocorre é que isso hoje é mais verdade do que
nunca, levando a que as pessoas migrem em muitos casos o seu processo
de validação dos ambientes físicos para as redes sociais. Tal poderá
ser surpreendente para muitos leitores, pois à superfície algumas
redes sociais (sobretudo o Twitter e o Facebook) estão recheadas de
aparente agressividade. Mas essa agressividade é apenas a face visível
de todo um movimento silencioso que apenas observa e busca validação.
E é porque a maioria silenciosa procura validação e não tanto
confrontação que as redes sociais evoluíram para que a recolha de
feedback seja empático (simbolicamente expresso na caça aos "likes"),
precisamente para fomentar a criação de um ambiente favorável que
alimente a participação e diminua a sensação de isolamento que é
imanente a tecnologias despersonalizadas. Daí que a generalidade das
redes sociais i) viva à custa de utilizadores que, na sua grande
maioria, são meros "followers", que se alimentam da adesão a figuras
de referência – "influencers", figuras públicas ou líderes de opinião
– que agregam à sua volta os consensos de tribos de seguidores; e ii)
fomente a idolatria, pois são as figuras de referência as que suportam
o grosso do tráfego. Ao contrário daquilo que se possa pensar, a
maioria dos utilizadores das redes sociais tem uma produção de
conteúdos próprios nula ou baixa (por comparação com a sua navegação
silenciosa), limitando-se a observar, aderir por "likes" a correntes
de empatia, ou a partilhar conteúdos que consideram que lhes vão
permitir fazer parte de correntes de opinião onde se sentem
confortáveis.

Ora, nos últimos anos constata-se existirem mudanças drásticas nos
padrões de comportamento no momento de emitir opiniões online ou nos
ambientes "face-a-face". Há uns anos os comportamentos mais
compulsivos eram sobretudo mantidos nos ambientes sociais físicos,
sendo a leitura muito mais reflexiva. Hoje, porém, invertemos a lógica
do comportamento, havendo uma tendência crescente para a opinião
compulsiva, online, fomentada por algoritmos com uma grande capacidade
de criação imediata de uma falsa sensação de empatia, expressa nos
"likes" e no feedback positivo, e que ignora todos os que em silêncio
optam por discordar, e uma diminuição significativa do debate nos
ambientes físicos, onde uma boa parte das pessoas, e crescentemente,
tende a não emitir opiniões que antecipem ser conflituantes.

A captura do debate para os ambientes digitais, onde o contexto, o
espaço e os interlocutores são condicionados quer por algoritmos quer
pelos interesses comerciais dos donos das plataformas, deveria, a meu
ver, ser fator de preocupação de todos os que são a favor das
democracias liberais, plurais e diversas, comandadas por cidadãos
autónomos e livres.

Desde longa data que as pessoas, quando decidem falar sobre um
determinado tema, contam com grupos de referência para validar a sua
opinião. Historicamente os eixos principais de validação nasciam das
amizades e dos laços comunitários, sendo a família, os amigos mais
próximos, e as mediações formais, os pilares que mereciam a principal
camada de confiança. Hoje, assistimos a uma tendência preocupante para
que a validação se afaste destes eixos tradicionais para as
plataformas digitais, em que o próximo está despersonalizado e
esvaziado daquilo que é uma construção humana integral (de tudo o que
resulta de uma presença corporal completa, como um sorriso, um olhar
de sobranceria, ou de todos os elementos inspiradores do espírito). A
validação faz-se em rede, ora em observação, ora em navegações
erráticas e passivas, ora em confrontação com personas digitais
despersonalizadas que o algoritmo vai arrumando até nos encaminhar
para bolhas de empatia onde somos protegidos do que nos é diferente.
Neste trajeto, os laços familiares, as fraternidades e amizades estão
cada vez mais enfraquecidas e esvaziadas, acomodando cada vez menos
saudáveis discussões e debates que, não há muito tempo, serviam como
pilar essencial das nossas comunidades.

Longe de serem espaços de inovação, as redes sociais servem apenas
para anestesiar a maioria no medo e no receio da validação,
intimidando os que queiram ser mais controversos. O resultado dessa
autocensura e silenciamento é que cada vez temos menos ideias novas a
serem testadas, e o pensamento ao longo do tempo está cada vez mais
enjaulado e contido. Este tipo de construção encoraja a conformação e
suprime a coragem de ser diferente. Ou como dizia Kierkegaard, citado
no artigo "The courage to be diferent" publicado na revista New
Philosopher (Dez22-Fev23) que serviu de ponto de partida à presente
crónica, "as pessoas exigem liberdade de expressão como uma
compensação pela liberdade de pensamento que raramente usam".

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