# Individualismo e solidão
acordo. Era tão simples. Bastava deixar que os problemas se
resolvessem por si. Desde o dia do casamento — já lá iam cinco anos —
um princípio fundamental tinha ficado assente: não discutiriam nunca.
Assim — pensavam eles — a paz no lar estaria garantida. E com a paz
viria a alegria e o êxito matrimonial. Além disso, a ausência de
qualquer tipo de controvérsias evitaria pela raiz a difícil tarefa de
perdoar e de pedir perdão.
Com esta filosofia de vida, pouco a pouco e sem darem por isso,
foram-se distanciando um do outro. Habituaram-se a uma desunião que
não reconheciam como tal. Consideravam que nunca "incomodar" o outro
era um sinal de verdadeiro amor. Pensavam que, pelo simples facto de
viverem debaixo do mesmo tecto, existiria sempre uma intensa união
entre eles.
No entanto, de um dia para o outro e sem se saber porquê, ela começou
a ter manifestações de tristeza. Eram desânimos impregnados de uma
sensação difusa de solidão. Não conseguia perceber a causa. "Não era a
sua vida um mar de rosas?" — perguntava-se. "Não estava ela isenta de
discussões? Então, porquê esta sensação tão estranha?". Não ficou
surpreendida com que o seu marido — sempre tão ocupado com as suas
coisas — ficasse imperturbado diante desta situação. Há muito tempo
que ela se acostumara a que ele não se metesse nos seus domínios
privados. Era esse um dos segredos da "felicidade" do casal.
Este relato ajuda-nos a pensar sobre a atitude individualista, tão
presente na nossa sociedade. Esta atitude é muitas vezes apresentada
como a grande panaceia para evitar todo o tipo de conflitos. "Vive e
deixa viver". "Não te rales com nada". "Sê tolerante com tudo, desde
que não te incomodem".
O problema é que o individualismo — verdadeiro cancro do
relacionamento humano — termina sempre por isolar as pessoas umas das
outras. É verdade que não é ideal que um casal esteja constantemente a
discutir. E menos ainda que o faça de um modo veemente e diante dos
filhos. No entanto, também é verdade que a ausência completa de
pequenos desentendimentos não manifesta saúde matrimonial. Muito pelo
contrário. Manifesta, isso sim, uma certa atitude de indiferença. E a
indiferença — "prima" do individualismo — acaba por gelar o amor
humano.
É ingénuo pensar que marido e mulher nunca terão de pedir desculpas um
ao outro. Isso é impossível. Cada um de nós, por muito que se esforce,
acaba sempre por ofender de algum modo aqueles que são mais próximos.
E não existem pessoas mais próximas uma da outra do que aquelas que
estão casadas. Por isso, a capacidade de perdoar e de pedir perdão —
unida, evidentemente, ao esforço real por não ofender o outro — é de
capital importância para a união de um casal. Perdoar é uma
demonstração de verdadeiro amor.
Como dizia Paul Johnson: «Os casamentos que duram constroem-se sobre
estratos arqueológicos de discussões esquecidas. Os segredos de um
casamento bem edificado são a paciência, a tolerância, o domínio de
si, a disposição para perdoar e — quando tudo isto falta — uma boa "má
memória". Também ajuda, obviamente, que o marido esteja disposto a
carregar com a culpa, como deve ser».
Pe. Rodrigo Lynce de Faria