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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, outubro 31, 2014

# Metade dos agregados familiares em Portugal tem rendimentos inferiores a 714 euros/mês!

Tenham pudor quando falam de impostos elevados
José Manuel Fernandes
30/10/2014, 16:50
http://observador.pt/opiniao/tenham-pudor-quando-falam-de-impostos-elevados/

Discutir política orçamental pedindo, ao mesmo tempo, mais despesa
pública e menos impostos é algo só possível no mundo irreal do
pensamento mágico. Mas é isso que faz o Bloco e o PCP, e também o PS

O realismo mágico é uma criação genial da literatura sul-americana. Já
pensamento mágico é o estado habitual, e muito pouco genial, da
política portuguesa.

Em qualquer país com um mínimo de literacia política sabe-se que, se
quisermos ter mais serviços públicos, temos de pagar mais impostos. É
algo que decorre da mais elementar aritmética e ninguém
verdadeiramente disputa. Não é assim em Portugal. Infelizmente.

Atentemos nestas declarações. Pedro Filipe Soares, do Bloco de
Esquerda, depois de uma reunião com a ministra das Finanças,
queixou-se do "saque fiscal por via do IRS" e lamentou que "segurança
Social, escola pública, SNS, vão continuar a sofrer o garrote". Já
Paulo Sá, do PCP, mostrou-se contrário à manutenção do "enorme aumento
de impostos" do IRS e considerou que a fiscalidade verde corresponde
apenas a "novos impostos sobre o consumo".

Ou seja, ambos os partidos querem mais despesa mas menos impostos.
Sobretudo menos IRS, que o PCP e o Bloco também se preocupam com a
classe média. Estaríamos perante um mundo ideal se dois mais dois não
fossem quatro.

O PS, que apesar de tudo sabe que corre o risco de ter governar daqui
por ano, e teme "hollandices", ao menos reconhece que para continuar a
gastar o que se gasta em serviços públicos não é provável que se possa
reverter o actual "enorme aumento de impostos", admitindo-se que "ou
se baixam impostos, ou se defende o Estado Social". O PS prefere, como
ele diz, defender o Estado Social, sendo que na verdade o mais
provável é que nem os impostos actuais cheguem e acabem a aumentar
tudo, pelo que é importante que apresentem as suas contas. Não se lhes
pede, no fundo, que façam mais do que os seus camaradas ingleses que,
depois de defenderem mais investimento no Serviço Nacional de Saúde,
tiveram de dizer que, para o fazerem, criariam um novo imposto sobre o
património imobiliário, uma proposta sincera e realista, uma
sinceridade a que não podiam escapar num país onde não se podem fazer
promessas no ar, uma sinceridade que foi também uma confissão com
custos eleitorais.

Na verdade é bom sabermos do que falamos quando falamos de carga
fiscal. É isso que nos permite separar a demagogia do realismo, o
populismo da sinceridade.

Quando olhamos para as receitas correntes do Estado, o que verificamos
é que elas, em 40 anos de democracia, foram crescendo de forma
sustentada, em percentagem da riqueza nacional, até sensivelmente à
viragem do milénio. Nessa altura atingiram um patamar próximo dos 40%
do PIB e por aí se mantiveram até à chegada da troika e, sobretudo, ao
famoso "enorme aumento de impostos" de Vítor Gaspar. Em concreto:
38,5% em 2000, 39,2% em 2005, 39,4% em 2010, e depois 44,2% em 2013.
Ou seja, enquanto não chegou aquilo a que a esquerda chama "saque
fiscal" nunca as receitas do Estado foram capazes de se aproximar do
montante das despesas, mesmo nos melhores anos de crescimento
económico (e nunca tivemos anos realmente bons desde a adesão ao
Euro).

Ao mesmo tempo que as receitas quase não cresciam, a despesa
disparava: 42,6% do PIB em 2000, 46,7% em 2005, 51,8% em 2010. Só com
a troika, Vítor Gaspar e austeridade essa subida da despesa foi
interrompida, tendo ficado em 50,1% em 2013.

A evolução destes números na última década e meia não devia constituir
surpresa. Por um lado, Portugal é um país relativamente pobre quando
comparado com os seus parceiros europeus. Por isso é difícil –
independentemente das opções políticas – chegar aos mesmos níveis de
carga fiscal de alguns dos países mais ricos da Europa. Tomemos o caso
do IRS. Como em Portugal a maioria dos rendimentos são muito baixos,
mais de metade dos contribuintes não pagam imposto ou estão no escalão
mínimo. São agregados cujo rendimento anual é inferior a 10 mil euros.
Sim: metade dos agregados tem rendimentos inferiores a 10 mil euros
por ano (dividindo por 14, equivale a um rendimento bruto, antes de
contribuições, por agregado, não por pessoa, inferior a 714 euros).
Isto faz com que, para obter receita, se sobrecarregue a classe média.
É essa sobrecarga que explica falar-se de "saque fiscal" em Portugal,
quando disso não se fala noutros países onde a carga fiscal é, afinal,
bem maior.

Por outro lado, é bom não esquecer que, sem reformas ou "cortes", a
tendência da despesa é para ir sempre subindo, subindo, subindo. Basta
pensar que as prestações sociais pesavam 12,9% do PIB em 2000, 16,2%
em 2005, 18,6% em 2010 e já estavam nos 20,3% em 2013.

São estes os nossos dados de base, as tendências que vêm de longe,
aquilo que não se muda de um dia para o outro. A tal aritmética que é
necessário ter em conta. A aritmética que nos obriga a tomar opções,
não a fingir que é possível viver num mundo sem as limitações da
realidade – o que seria mais ou menos o mesmo que fingir que podemos
planear as nossas viagens imaginando que não existe gravidade.

A forma mais habitual de fugir à realidade é dizer que o crescimento
resolve tudo. Resolveria, é verdade, mas só se tivesse uma dimensão
que não conhecemos desde os tempos loucos da Expo 98. Sem crescimento
dessa ordem de grandeza – crescimentos que, de resto, nunca
aconteceriam com políticas radicais como as do Bloco e do PCP, ou
mesmo com as políticas socialistas que foram as que tivemos durante a
nossa longa estagnação –, não há como não fazer escolhas.

E as nossas escolhas acabarão por ser escolhas clássicas, sem varinhas
mágicas. Por exemplo: achamos razoável que a carga fiscal continue a
crescer, pois será isso que acontecerá se não reformarmos o Estado
Social? Ou preferimos fazer reformas difíceis, que passam por cortar
as despesas, regalias, serviços, para não termos de aumentar os
impostos? Ou idealmente para os diminuirmos? Preferimos que o Estado
continue a crescer, em nome de um Estado Social sempre idealizado e
sempre incompleto, ou sentimos que esse crescimento, por benevolente
que seja, pode conduzir à asfixia de mesmo Estado Social, por asfixia
da economia? Acreditamos que o Estado gasta melhor o dinheiro do que
os privados, e por isso aceitamos uma subida da colecta de impostos e
taxas, colecta essa que já não está longe de representar 50% da
riqueza nacional? Ou estamos convictos que, para a economia privada
criar mais riqueza, ter mais inovação, criar mais portos de trabalho,
é necessário aliviar a carga fiscal, e que só assim a economia voltará
a crescer?

Como sabe qualquer agricultor, não é possível ter ao mesmo tempo sol
na eira e chuva no nabal. Não é possível pagar menos impostos e pedir
mais serviços públicos. Num país normal, declarações como as dos
responsáveis do Bloco e do PCP não passariam sem escrutínio. Tal como
o meio caminho, as meias medidas, do PS exigiriam muito mais veemência
nos pedidos de explicações.

O paradoxo do tempos que vivemos é ter sido uma maioria da qual se
esperava que optasse pela redução da carga fiscal, ou no mínimo pela
sua contenção, a fazer precisamente o contrário, procedendo a um
"brutal aumento de impostos". Mas isso não autoriza aqueles que
acreditam genuinamente na bondade de impostos elevados e de um Estado
omnipotente a tratarem agora de vestir a pele de inocentes cordeiros.
Até porque com eles, no limite, seríamos todos funcionários do Estado.
Nessa altura seríamos também muito mais pobres do que já somos.

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quarta-feira, outubro 29, 2014

# Itália e os seus desafios

http://www.spectator.co.uk/features/9349002/italys-in-terminal-decline-and-no-one-has-the-guts-to-stop-it/

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terça-feira, outubro 28, 2014

# Atravessar o mar à procura de um futuro melhor...

Pensa-se que cerca de 2.500 imigrantes terão morrido afogados este ano
ao tentar entrar na Europa pelo mar Mediterrâneo.

Nos primeiros nove meses de 2014 atravessaram 160 mil, sendo que
90.000 foram resgatados no meio do mar. Entre 2006 e 2014 cerca de
34.000 imigrantes entraram na Europa através de Marrocos, um país que
tem dois atrativos especiais: as cidades espanholas autónomas de
Melilha e Ceuta. Basta saltar a cerca para pisar território europeu.

Por ler muito mais em:
http://observador.pt/especiais/melilha/

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quinta-feira, outubro 23, 2014

# Dados dos comportamento dos portugueses na estrada

Estudo revela dados preocupantes sobre excesso de velocidade nas
auto-estradas e cidades

RICARDO GARCIA

22/10/2014 - 22:50

Reduções pouco significativas ou aumentos dentro das localidades é o
que mais inquieta o Governo e a Prevenção Rodoviária Portuguesa.

Perto de 6000 acidentes com bicicletas e 134 mortos entre 2010 e 2013

A maior parte dos portugueses conduz acima dos limites de velocidade
nas auto-estradas e nalgumas vias urbanas, segundo um estudo da
Prevenção Rodoviária Portuguesa. Mais preocupado com os acidentes nas
zonas urbanas, o Governo diz que são as câmaras quem deve resolver o
problema.

Na auto-estrada A1, entre Lisboa e Porto, a média dos carros ligeiros
é de 126 quilómetros por hora (km/h) e na A2, para o Algarve, chega a
128 km/h. Quase dois terços dos condutores ultrapassa os limites.

Nas estradas nacionais, a média caiu substancialmente e os semáforos
limitadores de velocidade nos trajectos que atravessam povoações estão
a dar resultado. Mas dentro das cidades, ou a redução foi pequena, ou
não houve ou a situação piorou.

Estas são apenas algumas conclusões de um levantamento da Prevenção
Rodoviária Portuguesa sobre as atitudes de risco dos automobilistas no
país, que avalia de tudo um pouco. Milhares de observações feitas a
condutores permitiram concluir que 1,8% conduziam com álcool a mais no
sangue, 2,5% falavam ao telemóvel e 3,6% não usavam cinto de
segurança.

O presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso,
alerta que, embora pequenas, estas percentagens não devem ser
negligenciadas. "Temos de ter a noção de que num milhão de condutores
são 25 mil a falar no telemóvel, só naquele momento", exemplificou, na
apresentação do estudo, nesta quarta-feira em Lisboa.

Outros dados: quase metade dos automobilistas observados (46%) não
utilizou o pisca ao mudar de direcção e 17% desobedeceram o sinal
"stop", mesmo havendo carros na via em que iriam entrar. Com a rua
desimpedida, a taxa sobe para 85%.

E mais: quatro em cada dez automobilistas (39%) não pararam no
semáforo nos três segundos depois de passar a vermelho.

"Vimos aqui indicadores muito preocupantes", disse o secretário de
Estado da Administração Interna, João Pinho de Almeida, no final da
apresentação. Mas foi sobre a sinistralidade rodoviária dentro das
cidades que o governante concentrou a sua atenção.

O estudo mediu a velocidade dos automóveis nalgumas vias urbanas e os
resultados indicam que a média caiu apenas onde foi introduzido algum
tipo de controlo. Em Lisboa, na Segunda Circular, o valor era de 78
km/h em 2004 e caiu para 73 km/h em 2013, para os veículos ligeiros. A
proporção de carros acima do limite baixou de 54% para 32%. Mas na
Avenida da República, a velocidade aumentou de 44 para 55 km/h e agora
seis em cada dez automóveis circula acima do máximo legal. O mesmo se
passa na Avenida de Roma.

No Porto, a avenida Fernando Magalhães continua com 71% de veículos em
excesso de velocidade – o mesmo valor de há uma década. Na avenida da
Boavista houve uma ligeira redução de 56 para 53 km/m, mas ainda assim
o limite é ultrapassado por 57% dos automóveis.

"Não conseguiremos entrar no pelotão dos dez países da Europa com
menor sinistralidade rodoviária se não resolvermos o problema dentro
das localidades", disse o secretário de Estado, apontando o dedo às
autarquias e dizendo que há apenas 15 planos de prevenção rodoviária
nos 308 municípios do país. "Não nos adiantava instalarmos radares
pelo país inteiro e depois não haver capacidade das autarquias para
gerir este sistema", acrescentou Pinho de Almeida.

José Miguel Trigoso partilha da preocupação com a sinistralidade nas
cidades e explica por quê. Um carro que circule a 50 km/h e trave a 30
metros de um peão pára a um metro do mesmo. Mas se velocidade aumentar
para 60 km/h, mesmo travando-se a fundo o peão é atropelado a 40km/h.

"Cerca de 55% dos mortos têm a ver com acidentes dentro das
localidades", afirma o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

Onde a velocidade média está a cair é fora das localidades, não tanto
nas auto-estradas, mas sim nas estradas nacionais. E o efeito é mais
sentido quando há semáforos, nos casos em que as estradas atravessam
povoações. No estudo, as observações foram feitas após os semáforos,
para ver se haveria um efeito de contágio e a conclusão foi que sim.

Em Calvão, a sul de Aveiro, localidade que é atravessada pela EN 109,
a instalação dos semáforos reduziu a velocidade média de 67 para 50
km/h e a percentagem de carros que ultrapassa o limite caiu de 92%
para 39%.

O principal problema reside nas povoações muito pequenas, que o
condutor mal nota que está a passar e onde não haja limitadores de
velocidade. Em dois casos observados a proporção de excesso de
velocidade chegou a 99%. "As pessoas passam à velocidade que vinham",
afirma José Miguel Trigoso. "Isto tem de ser pensado, porque das duas
uma: ou não faz sentido que a velocidade seja de 50 km/h, ou tem de se
fazer alguma coisa em relação a isto", completa.

Onde se notou uma grande evolução positiva foi na redução generalizada
da velocidade dos pesados. O presidente da Prevenção Rodoviária
Portuguesa atribui este resultado a medidas de controlo – como o
tacógrafo digital, que regista as velocidades – mas também a medidas
de economia, com as próprias empresas a pensarem na redução do consumo
de combustível.

Os dados do estudo estão disponíveis num site próprio criado pela
Prevenção Rodoviária Portuguesa (http://observatorio.prp.pt).

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terça-feira, outubro 21, 2014

# Entrevista a Frei Bento Domingues. "A Igreja não pode ser um conjunto de tabus"

Rosa Ramos, Jornal 1, 18 de outubro de 2014

O frade dominicano continua a ser uma voz incómoda na Igreja e não tem
pudor em dizer que o sexo não serve só para procriar

Trouxe a Teologia para os jornais, há mais de 20 anos e numa época em
que a Igreja ainda andava às voltas com o debate sobre a evangelização
nos meios de comunicação. Frei Bento Domingues fez 80 anos em Agosto e
continua a ser uma voz incómoda no clero português. Defende a
ordenação de mulheres, a comunhão de divorciados e não tem pudor em
afirmar que o ser humano é sexual. "Somos sexo em tudo", diz.
Recentemente foi homenageado na Gulbenkian, lançou mais um livro com
as crónicas que assina no "Público" desde 1992 e, apesar de ser frade
dominicano a viver num convento no Alto dos Moinhos, não se esconde
atrás da clausura. A conversa com o i começou pelo sínodo que está a
acontecer no Vaticano: bispos de todo o mundo debatem até dia 19 as
novas formas de família e a sexualidade. O monge cronista não tem medo
de afirmar que "o sexo não é só procriação" e, pelo meio, critica os
interesses instalados na política e no mundo empresarial: "Isto não é
mundo que se apresente".

A Igreja está a debater a realidade das novas famílias. O que poderá
sair, em concreto, deste sínodo?

Há um efeito muito concreto que já teve: dar a palavra.

Ouvir os católicos?

Sim. É evidente que o modelo é coxo, porque a reflexão está centrada
só nos bispos e foram convidadas poucas famílias. Mas só o facto de
existir receptividade para abrir a discussão já é positivo. Há muitas
coisas, sobre a ética sexual e reprodutiva, que estão entorpecidas e
encalhadas desde Paulo VI. E que fazem com que os cristãos e a própria
Igreja deixem de ter algo a dizer sobre um domínio essencial da vida
humana que é a sexualidade. É preciso que a Igreja faça uma
redescoberta no campo da sexualidade.

Concorda com a comunhão de divorciados?

Claro que sim. Então podem ir à missa, mas não podem comungar? É como
se eu convidasse uma pessoa para jantar - porque o modelo de
eucaristia que Jesus escolheu foi uma ceia, é essa a simbólica da
eucaristia - e não a deixasse comer. Isso não faz qualquer sentido.

Mas há a quebra de um compromisso que, segundo a Igreja, seria para toda a vida.

Muitos defendem que se rompeu uma aliança. Mas há situações
irreversíveis, pessoas que já não voltam ao companheiro anterior
porque não é possível e que entretanto refizeram as suas vidas. Essas
pessoas, agora, não precisam de ser alimentadas? A fé e a caminhada
delas não necessita de ser acompanhada?

No Evangelho de São Mateus lê-se que o que Deus uniu não pode ser
separado pelo homem.

Olhe lá uma coisa... a eucaristia, desde o começo, não é um pedido de
perdão? A própria consagração não é pela remissão dos pecados?
Chega-se ao pai nosso e não se pede perdão e as pessoas não se
reconciliam? Qual é a palavra que, na Bíblia, é mais importante para
Deus? É a misericórdia. Deus manifesta o seu poder pelo perdão e pela
misericórdia. Jesus foi criticado, no seu tempo, por atender as
pessoas que tinham estragado as suas vidas e por andar com aqueles que
estavam classificados como pecadores. É com eles que Jesus come.

Relativamente aos homossexuais, a Igreja defende que devem ser
acolhidos, desde que sejam celibatários e não pratiquem a
homossexualidade. Esta concepção poderá mudar?

Tem-se dado alguns passos. Ainda me lembro, e não foi assim há tantos
anos, de os homossexuais serem clandestinos. E não era só na Igreja,
era na própria sociedade. Cheguei a atender pessoas, na confissão,
angustiadíssimas. Julgo que também neste campo a Igreja precisa de
dizer o que é autenticamente humano e acolher bem as pessoas. Mas que
não se faça da homossexualidade um cartão-de-visita. Disso eu não
gosto. Essas coisas do orgulho gay e afins. O orgulho que deve existir
é o de sermos humanos uns com os outros. Uma outra coisa que me parece
importante é a questão das uniões de facto. Todos os padres que
trabalham nas equipas de preparação do matrimónio sabem que a maioria
dos casais já vive em união de facto antes do casamento.

Essas pessoas estão em pecado?

O casamento é uma realidade que vai sendo - o gerúndio é propositado -
e há um momento em que o casal decide fazer a grande festa do grande
compromisso. Estas questões são fenómenos das sociedades. E às vezes
até há muitos divórcios porque não houve uma descoberta verdadeira
antes do matrimónio e a seguir ao casamento as pessoas percebem que
não funciona. Viver juntos não é garantia de que o relacionamento
depois bata certo. Mas a Igreja e os cristãos - porque a Igreja são os
cristãos, servidos e ajudados pela hierarquia - tem de debater estas
novas realidades. Sem tabus. A Igreja não pode ser um conjunto de
tabus. Muitas pessoas fazem determinadas coisas porque dizem que são
um mandamento de Deus. Mas Tomás de Aquino disse: se eu faço uma coisa
só porque ela foi mandada por Deus, talvez eu corra o risco de estar
enganado. Talvez não seja Deus a mandar, talvez tenha sido eu a
inventar. Eu só sou livre e verdadeiramente pessoa humana se tiver
consciência de que faço uma coisa porque compreendo que ela é boa e
evito outra porque percebo que é má. Jesus resumiu, aliás, todos os
mandamentos em dois: amar a Deus e ao próximo.

O Papa Francisco escreveu também sobre a hierarquia das verdades.

Sim. É preciso compreender, mesmo nos nossos credos e catecismos, o
que é principal e o que é secundário. Ora o que tem acontecido é que o
secundário tem ocupado o espaço todo.

Quando falava, há pouco, da necessidade de a Igreja fazer uma
redescoberta da sexualidade, queria dizer exactamente o quê?

Todos os homens e mulheres são sexuais e o episcopado também nasceu de
famílias. O problema é descobrir a importância da sexualidade na vida
humana. O sexo não se trata só de procriação. A relação entre um homem
e uma mulher não é só para ter filhos.

Então não há nada de errado com o prazer?

O prazer é essencial à vida humana. As pessoas cozinham bem porquê?
Para terem prazer naquilo que comem. A questão do prazer é essencial à
vida humana. Outra coisa completamente diferente é a anarquia dos
sentidos.

Uma sexualidade desordenada.

Anárquica. Isto agora apetece-me, dá-me prazer e eu faço, mesmo que
fazê-lo implique uma desgraça para a outra pessoa. Isso é egoísmo, não
é prazer. E esse egoísmo pode existir na sexualidade: quero que o
outro me dê prazer, mas não quero dar prazer ao outro. É dominação. O
prazer é a comunhão de toda a sensibilidade, mas a sensibilidade
humana é também intelectual. Não é um afecto desligado. O ser humano é
todo ele sexual. Somos sexo em tudo. As mulheres de uma maneira, os
homens de outra e os dois para serem a alegria um do outro. Essa
descoberta, redescoberta do valor da sexualidade, tem de ser feita.
Não podemos andar a olhar para a relação sexual como um pecado. Nós
não somos anjos. E o problema da sexualidade é um problema de
antropologia. É o descobrir do ser humano nas suas múltiplas facetas.
Não podemos pensar no prazer só em termos de pecado.

O que diz aos jovens católicos que lhe confessam que são sexualmente
activos apesar de não serem casados?

O que é que lhes hei-de dizer? Não vou dar lições. O problema não é
esse. O problema é perceber se o jovem ou a jovem têm uma vida sexual
desorganizada, se andam a magoar outras pessoas, a fazer promessas que
depois não cumprem. Aí, sim, está o pecado. O pecado na sexualidade,
em jovens ou em adultos, é muitas vezes as pessoas servirem-se da
sedução para enganar o outro e ter apenas umas horas de prazer.

A ideia de virgindade no casamento está, portanto, ultrapassada?

Não é só ultrapassada. O problema é que se fez da virgindade, que é
uma questão biológica, um problema ético. A moral não é um tratado de
fisiologia ou biologia. Uma das coisas que eu acho que a Igreja tem de
rever é ajudar os casais, os jovens e os grupos a compreender uma
coisa simples: tenho de ser responsável pela minha vida sexual. Faço
sexo para dominar o outro ou para encontrar uma pessoa para fazer
caminho com ela? Porque, às vezes, as pessoas tentam e não calha
ficarem com essa pessoa. Mas ninguém deve sair magoado disso. O que eu
julgo que é falta de ética são as conquistas apressadas e egoístas:
acho gira aquela miúda ou aquele rapaz e vou passar uns tempos com ele
ou com ela só para me divertir. Isto é que é necessário evangelizar.

Mas a questão da virgindade é importante para a Igreja. Jesus, diz-se
na oração, foi concebido sem pecado.

Sim, mas repare que no Evangelho isso não é dito. O que os evangelhos
da infância pretenderam transmitir é a ideia de que se este homem foi
tão excepcional na sua vida adulta, essa excepcionalidade era de
nascença. E construíram-se narrativas. Mesmo as genealogias são
teológicas, são interpretações. Para no final se concluir que Jesus é
fora de série.

E que Maria é, também, fora de série.

Maria é descoberta depois. E tiveram de se encontrar narrativas. O
pior que aconteceu aos evangelhos da infância foi transformá-los numa
questão biológica. Quando o que queriam dizer é que Jesus não era mais
um na série humana. Era tão de Deus que foi logo um fruto do Espírito
Santo. Mas as pessoas fizeram leituras hermenêuticas desses textos de
tipo biológico. A linguagem toda dos evangelhos é uma linguagem
simbólica, não é uma linguagem factual. Há factos, histórias e
interpretações simbólicas.

Então Maria e José tiveram sexo?

Podem ter tido ou não. Para mim, se tiveram não há problema nenhum.
Maria aparece como uma mulher totalmente dedicada a Jesus e que não o
entende. Teve de fazer muitas transformações na sua vida, de entrar na
loucura do seu filho e aparece, também ela, no meio dos discípulos à
espera do Pentecostes. Maria tem de se tornar cristã, discípula do seu
filho. Nos evangelhos da infância não é assim... Maria vai-se
habituando à loucura do seu filho. Esta é uma imagem que acontece
também nos textos do novo testamento com as mulheres. As mulheres nos
evangelhos nunca pedem nada e acompanharam os discípulos quando
começaram a andar junto da cruz, foram ao sepulcro fazer as
celebrações que se faziam aos mortos e é a elas que Jesus aparece.

Mas na Igreja o papel das mulheres é varrer e pôr flores.

É o grande problema. Porque é que as mulheres não podem ser padres e
bispos? Como houve estas sociedades patriarcais ao longo dos
séculos... A luta das mulheres conseguiu muitas transformações na
sociedade, mas na Igreja isso não aconteceu porque se disse que era
contrário ao mandamento de Deus. E não é nada! A mudança de
mentalidades é difícil. A vida humana é uma vida longa. A nossa vida,
individualmente, é que é muito curta. O que eu acho é que cada geração
deve abrir novas possibilidades às seguintes e não fechá-las. Há
pessoas que querem sempre fechar o caminho: isto é irreformável, isto
é dogmático, isto não se pode mexer. Ao fim e ao cabo isto é cortar a
liberdade a Deus e dizer-lhe: ou passas por aqui ou não passas.

Nunca levou um puxão de orelhas da Igreja por pensar assim?

Nunca tive qualquer problema com o episcopado português. Só tive
problemas com o cardeal Cerejeira, que não me deixava pregar. Mas
depois do 25 de Abril nunca mais voltei a ter problemas.

Mas é um teólogo reconhecido e já escreveu muito. Não seria natural
que, nesta altura da sua vida, tivesse um cargo de grande
responsabilidade no episcopado português?

Não. E é uma coisa que nunca me passou sequer pela cabeça. Nunca
gostei, quando tive responsabilidades académicas e a outros níveis.
Aborrecia-me. Não tenho nada contra a responsabilidade, mas
incomodava-me aquela ideia que as pessoas formam: aquele é superior,
manda em nós. E há uma coisa que detesto: o carreirismo. Por vezes
vejo clero mais jovem a fazer coisas para ver se trepa. Eu acho isso
ridículo. Jesus já dizia que os que governam as nações oprimem-nas e
ainda querem passar por benfeitores. Devemo-nos pôr ao serviço uns dos
outros. Não tenho nada contra os bispos ou os cardeais, só quero que
os seus cargos sejam para servir. E não sinto apetite, gosto ou
competência por esses lugares.

Acha que nunca foi convidado por ter determinadas opiniões?

Eu sinto que por pensar assim há quem entenda que não posso pregar
nesta paróquia ou não posso ir a este sítio. Mas isso não me causa
problema nenhum. Se não querem, não querem. Deveras! Não passa mesmo
por mim. Há tempos fizeram-me uma homenagem e eu fico sem saber lidar
com essas coisas. Acho que a pessoa que gosta de ser lisonjeada está
estragada.

Apesar de escrever na imprensa há mais de 20 anos, diz que não gosta
de escrever. Porquê?

É verdade, não gosto de escrever. Gosto é de ler e gosto de debater.
Mas as crónicas foram uma grande aventura. Muitas pessoas
interpretavam-nas como uma espécie de homilia de domingo.

Os pregadores dos tempos modernos precisam desta ligação aos media?

Quando comecei não havia muita coisa. O padre Rego tinha feito uma
coisa pequena no "DN". E o padre Rui Osório, no Porto, que era
jornalista, escrevia às vezes no "JN". Havia já muitas iniciativas em
França, na Alemanha... uma certa descoberta dos meios de comunicação
enquanto veículos de fé. Mas o problema é que ligada à pregação vem
aquela ideia de que... aí vem o sermão. Uma espécie de arte da
moraleja, estar sempre a insistir no que é proibido e no "deves fazer
isto" e "não deves fazer aquilo". A pregação não é isso.

O que é então a pregação?

Não é isso nem é propaganda. É dar voz aos anseios das pessoas e
àquilo que, na tradição cristã, interpretamos como o projecto de
Jesus. Dar sentido à vida através dele. O problema da pregação é
assumir, em cada época, segundo os povos e as culturas, esse projecto
de Jesus que, no fundo, é fazer do mundo uma fraternidade.

Se Jesus vivesse no nosso tempo escreveria nos jornais?

Claro. Pregaria em todo o lado. Embora... repare... nós não temos nada
escrito por Jesus. Temos escritos de representantes de comunidades. É
uma escrita plural. São Paulo tinha mais essa vocação de jornalista,
de comunicação, estava sempre em ligação com as comunidades.
Escrevendo, escrevendo... Jesus foi o projecto de dizer: é preciso
mudar. Este mundo não é mundo que se apresente. Começou a pregar,
anunciando que até então reinava a opressão das pessoas e que era
preciso o reinado da libertação das pessoas. É este o projecto.

A nossa sociedade precisa de um novo profeta?

Nós temos imensos profetas! A profecia de que precisamos, hoje, é a da
dignidade humana.

Em que sentido?

Vivemos num país em que faltam crianças, em que os mais velhos, que
sustentavam as famílias, viram os seus rendimentos cortados... O
primado que existe no mundo contemporâneo, e não é só em Portugal, é o
primado da finança e não o do bem-estar das pessoas.

Sem finança não há bem-estar.

Não. Todos os dias ouvimos falar de como as coisas funcionam ao nível
da banca e no mundo dos negócios, os milhões que se ganham e com que
se mexe. Não se ouve falar dos milhões de pessoas que estão na
miséria. Dignidade humana é perceber que o ser humano tem o direito e
o dever de poder viver, sob o ponto de vista do ensino, da saúde, da
solidariedade, da constituição da família. E quem tem os meios tem
também o dever de ajudar os outros e de construir um país em que o bem
de todos venha antes do bem só de alguns magnatas.

O que quer dizer é que existem recursos e que a crise que é de valores ?

Crise de valores e de juízo. As pessoas andam sempre a falar da
austeridade e da falta de recursos, mas o problema, creio eu, ainda
não é esse e nunca será. O problema é que os interesses financeiros
vivem numa lógica que é: que lucro é que eu posso ter com isto? Em vez
de se pensar no lucro que a comunidade pode alcançar. Em qualquer
decisão económica, financeira ou política deve pensar-se primeiro na
dignidade humana e no bem comum. E a política é o mais importante,
porque é o que olha por todos. Ou deveria olhar.

A política de hoje só olha ao poder?

O que é o poder? O verdadeiro poder é as pessoas terem saúde, poderem
estudar, investigar, terem recursos para levar uma vida digna. A
democracia é para dar poder a todos. Mas é algo sempre imperfeito e
que é preciso ir sendo corrigida segundo os resultados. A árvore
aprecia-se pelos frutos e muitas decisões políticas que se tomam devem
ser corrigidas consoante o fruto que deram às populações. Agora em
Portugal... esta discussão sobre o SNS, o Estado Social... O que se
deve discutir é soluções. Onde estão os recursos? Onde vamos investir?
Na educação? Na investigação? Ou naquelas coisas fantasiosas que dão
lucro só a determinadas empresas e o resto não conta? É necessário
discernimento político. Saber discernir prioridades e perceber onde
podemos encontrar meios.

Há decisões que não competem só aos agentes políticos nacionais.

Então é preciso trabalhar no diálogo político. Há pouco falava da
questão dos profetas dos nossos tempos. Profeta é, no sentido bíblico,
o Homem clarividente. Estamos perante uma situação em que em vez de as
pessoas se calarem e fecharem os olhos é preciso parar e dizer: quais
são as causas da actual situação? E como poderemos inverter este
caminho? Diz-se que não existem alternativas. Como é que se sabe que
não há? Já se experimentou? O profeta é alguém que interpreta os
sinais dos tempos. Há um problema de falta de clarividência, com os
interesses de grupos, de empresas a serem mais importantes no lucro
que alguns vão ter. Mas a prazo não vão ter lucros, vai ser um
desastre.

Quem faz esse papel profético em Portugal?

Actualmente há uma carência profética, em parte porque as igrejas se
retraem muito para que não se diga que se estão a meter no que é da
política. Quando a Igreja, hoje, para ser profética, não pode
desvalorizar a política, a economia, a finança. Tem de servir de
mediação, dar direcção, ajudar a perceber que há caminhos que levam ao
desastre e outros que ajudam a tornar a vida mais feliz. Mas, ainda
assim, vai havendo essas vozes proféticas. Há um profetismo enorme nos
bairros... as pessoas que se ocupam daqueles que não têm nada para
viver, os que se organizam civilmente, os voluntários que servem
refeições a quem não tem o que comer. Há vozes, pessoas que
compreendem que se pode fazer de outra maneira e que se substituem ao
Estado, que tinha essa obrigação. Isto é um profetismo de bases, por
assim dizer. Mas há vozes. O Papa Francisco apareceu como uma voz
mundial.

Como é que um frade olha para os casos de corrupção que vão sendo descobertos?

Há bocado falou do problema dos valores. Esse problema não é
abstracto. Cada pessoa é educada para saber dizer o que mais conta na
vida? Kant dizia que o ser humano não tem preço. Só tem valor. Não
pode ser um meio para ser algo melhor do que ele. As coisas é que têm
de estar ao seu serviço. As pessoas corrompem-se porque têm apetites
desgarrados. Pensam que fazendo este ou aquele golpe vão ser ricos e
ser rico, hoje, significa tudo. É esta ideia louca de que sendo rico
tenho todas as hipóteses. E nunca penso no importante, que é: como
devo fazer para desenvolver as minhas capacidades intelectuais,
afectivas, relacionais? Se desde a escola, desde a família, se
incutisse nas crianças a honestidade, o sentido do dever, da
solidariedade, a importância do desenvolvimento das capacidades
individuais para criar um ambiente bom para todos... Mas o pensamento,
hoje, é outro: como é que eu posso ser melhor do que o outro? Como
posso ir à frente de toda a gente? Estamos a criar uma cultura
tecnológica em que as crianças são desde logo habituadas a lidar com
ipads, mas que não sabem olhar para a natureza, para o mundo e para os
outros. E esta é a maior corrupção: a corrupção das relações humanas.
Os pais com os filhos, o marido com a mulher, violência em casa. É-se
corrupto porque se tem a inteligência e os desejos e gostos
distorcidos.

Mas é mau ter desejos?

Não é mau ter desejos, desde que se deseje aquilo que vale a pena ser
desejado. E a primeira coisa que vale a pena desejar é o nosso
desenvolvimento com o desenvolvimento dos outros. Muita gente diz- -me
que isso é conversa fiada. Mas... E assim como está o mundo... Está
bem? Isto não é mundo que se apresente, e como dizia São Paulo, não
nos devemos conformar como o mundo está.

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# Queríamos tudo "direitinho". A culpa é de Cristo?

FREI BENTO DOMINGUES O.P.
Público, 19/10/2014

Será que ainda existem católicos que acham que Deus se enganou ao
dizer que o ser humano é homem e mulher?

1. Encontrei, na escadaria da Igreja de Santo Ildefonso (Porto), um
senhor que, de costas para o templo, aproveitou para descarregar sobre
mim não só o habitual anticlericalismo nortenho, mas também o seu
desprezo agressivo pelas religiões, frutos do medo, da ignorância e da
sacralização da maldade humana.

O Islão é um ninho de criminosos, o Judaísmo, uma rede dos bancos
norte americanos, o Cristianismo, um mundo caótico de divisões em
cascata, piorando sempre a configuração anterior. O papa Francisco
chegou demasiado tarde para salvar a face de um catolicismo que a
própria Europa já rejeitou. Etc.! Se as instituições e os serviços
sociais da Igreja ajudam muita gente a aguentar a pobreza e a miséria,
não revelam nem combatem as suas causas reais. Pelo contrário,
ajudam-nas a sobreviver.

Estranhei que não terminasse a sua diatribe com a fórmula habitual, em
circunstâncias análogas: Cristo, sim; Igreja, não! No caso referido,
foi Cristo que pagou todas as despesas à base de especulações
teológicas e cristológicas.

Este senhor mostrou detestar as narrativas do Novo Testamento (NT).
Aquelas propostas, parábolas, controvérsias, milagres e discursos são
delírios absolutamente inaplicáveis. Se Jesus Cristo fosse, de facto,
um enviado de Deus vinha com ideias claras e distintas acerca do
passado, do presente e do futuro, da natureza e da história.
Substituiria a Bíblia por um tratado divino e infalível de ciência, de
sabedoria e de ética, com manual de correcta utilização para todas as
circunstâncias.

2. Aquilo que Jesus introduziu de mais perturbador no mundo religioso,
económico, social e político do seu tempo, foi a insegurança: não
oferecer respostas pré-fixadas para todas as situações e interrogações
da vida. Pelo contrário, semeou dúvidas, inquietações e possíveis
alternativas a um universo bem organizado e com respostas para sempre,
"em nome de Deus". As tentativas de reduzir os Evangelhos a dogmas e a
tratados teológicos bem articulados, sem falhas, nunca poderão
funcionar bem enquanto houver possibilidade de confrontar essas
certezas com as narrativas da liberdade de Deus e da liberdade humana.
A tentação que não nos abandona é a de procurar rapidamente a lição,
moral ou dogmática, que encerram. O resto parece acidental. O
inconveniente desse método é de perder precisamente o essencial.
Dispor de uma resposta para uma pergunta que não se conhece, e sem
olhar para o contexto de onde nasceu, é o caminho mais rápido para o
dogmatismo insensato. É assim porque é assim e sempre assim foi, pelos
séculos dos séculos, de outro modo, como iriamos saber que é a vontade
de Deus?

O estilo de Jesus, pelo que podemos conhecer nos Evangelhos, não é o
de um professor que ganhou uma cátedra, num concurso universitário,
apresentado, para as suas intervenções, como Senhor Professor Doutor
Jesus de Nazaré.

O Nazareno é constantemente surpreendido por interrogações e
problemáticas de escribas e fariseus, com o propósito de o deixarem
embaraçado perante os ouvintes e de recolherem argumentos para o
liquidar. Acontece que Jesus não se atrapalha e, vendo as suas
intenções perversas, manda-os bugiar.

Neste Domingo, temos os fariseus e herodianos a cogitar a forma de o
tramarem numa questão melindrosa: é lícito ou não pagar o tributo a
César?Conhecendo Jesus a malícia da pergunta, respondeu: porque me
tentais, hipócritas? Devolveu-lhes a questão: de quem é esta imagem e
inscrição? De César, responderam: então dai a César o que é de César e
a Deus o que é de Deus.

Os judeus não podiam cunhar imagens. A única imagem de Deus é o ser humano.

3. Segundo os meios de comunicação, o porta-voz da Conferência
Episcopal afirmou que os bispos portugueses estão em sintonia com a
linha "inclusiva e de acolhimento" dos homossexuais e recasados, mas
admite que o tema não é consensual.

Consensos absolutos não são de esperar em assunto nenhum e ainda bem.
A clonagem dos cristãos não é aconselhável. O importante é que a
assembleia cristã seja uma família de muitas famílias que respeite a
diversidade, não como um favor, mas como um direito de todos e um
dever de diálogo permanente. Não é a mesma coisa contentar-se com
dizer: cada um que se arranje. Seria a negação da Igreja.

Finalmente, começam a cair alguns tabus. Muita água ainda vai passar
debaixo das pontes até que o horizonte da Igreja esteja mais
desanuviado. Cada grupo continuará a defender os seus pontos de vista.
No entanto, a interrogação que todos se devem fazer, talvez se possa
formular assim: para quê continuar com o sofrimento inútil dos casais
cristãos? O que será preciso alterar nas mentalidades católicas para
que a educação sexual se torne uma exigência inerente ao
desenvolvimento da vida humana nas múltiplas dimensões do amor? Será
que ainda existem católicos que acham que Deus se enganou ao dizer que
o ser humano é homem e mulher? Homem e mulher será o pecado de Deus?

No NT não há nenhuma preocupação em mostrar se Jesus constituiu ou não
uma família. Os textos insistem em algo mais abrangente: o seu
projecto era congregar na unidade todos os filhos de Deus dispersos
(Jo 11, 52).

Seria excessivo pedir-lhe um manual de moral sexual.

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segunda-feira, outubro 20, 2014

# Procrastinar, a arte de adiar o inadiável

http://observador.pt/especiais/procrastinar/

19 Outubro 2014
Rita Cipriano

O fim de semana será a altura ideal para procrastinar. Por isso
preparámos um guia essencial sobre tudo o que precisa de saber sobre a
nobre arte da procrastinação.

Oscar Wilde, o célebre escritor irlandês, era um homem de muitos
talentos. Conhecido pelo gosto requintado e génio literário, Wilde era
também um verdadeiro especialista na arte de bem procrastinar. "Nunca
deixo para amanhã o que posso fazer depois de amanhã", dizia.

À semelhança do escritor irlandês, são muitas as pessoas que ainda
hoje se dedicam à arte da procrastinação. Mas afinal o que é isso?

Adiar o inadiável

Quase um sinónimo perfeito de "adiar", "procrastinar"significa evitar
as tarefas importantes, substituindo-as por outras. Um procrastinador
tende a deixar para o fim aquelas coisas que tem mesmo de fazer,
distraindo-se facilmente por tarefas menos importantes mas que, para
ele, são mais interessantes ou apelativas.

Piers Steel, professor na Escola de Economia de Haskayne da
Universidade de Calgary, desolveu uma equação que explica exatamente
isso. A equação, U=EV/ID, explica que os procrastinadores tendem a
adiar coisas que têm de fazer em troca de atividades que oferecem
recompensas imediatas. O "U" significa "utilidade", o "E" expectativa
e o "V" valor da conclusão. Tudo isto é dividido pela imediatidade,
"I", e pela sensibilidade pessoal em relação ao atraso da conclusão da
tarefa, "D".

Apesar de a procrastinação ser bastante comum (estima-se que cerca de
95% das pessoas o façam), é mais frequente nos jovens e principalmente
nos estudantes universitários. Comorefere Rowan Pelling, um
autoproclamado membro do grupo dos procrastinadores, "a procrastinação
é a maldição do estudante". "Para que servem as bibliotecas das
universidades se não para olhar para o infinito, para ver colegas
sexy, ligar o iTunes ou planear a próxima saída?".

Mas a procrastinação pode não ser apenas provocada por preguiça ou
falta de concentração. Alguns autores defendem que as causas vão desde
o perfecionismo e o medo de falhar, à fadiga, frustração, rebelião ou
mesmo dificuldades em lidar com tarefas complexas. De acordo com o
jornal The Guardian,existem dois tipos de procrastinadores — os
caóticos e os perfecionistas. Os caóticos são, por normal, pessoas
pouco ambiciosas e pouco persistentes, impulsivas e desorganizadas.
Por outro lado, os perfecionistas são aqueles que não se atrevem a
agir. Costumam ser rebeldes, desagradáveis e até mesmo hostis e não
gostam que nenhum horário lhes seja imposto.

Apesar de a maioria das pessoas procrastinarem casualmente, existem
aqueles que o fazem regularmente — os chamadosprocrastinadores
crónicos. Joseph Ferrari da Universidade de DePaul de Chicago, autor
de Still Procrastinating? The No Regrets Guide to Getting It
Done(2012), defende que 20% da população mundial sofre de
procrastinação crónica, uma condição que não só complica as suas
vidas, como as torna mais curtas.

"A grande fraqueza dos investigadores: chamar à procrastinação investigação."
Stephen King

De acordo com alguns estudos, os procrastinadores crónicos têm menos
dinheiro, são menos saudáveis e menos felizes. Tendem também a ser
pessoas ansiosas e a sofrer de uma baixa autoestima ou de falta de
confiança. E ao contrário do que se diz, o melhor trabalho nunca é
feito sobre pressão e em cima do prazo. "O trabalho feito no último
minuto tem mais erros do que aquele que é feito a tempo", refere
Pelling.

Apesar de geralmente associada a aspetos negativos, há também quem
olhe para a procrastinação de maneira positiva. A psicóloga Anna
Abramowski da Universidade de Londres é uma dessas pessoas. Para ela,
"os indivíduos que procrastinam ativamente mostram um certo nível de
autossuficiência, autonomia e autoconfiança porque têm consciência dos
riscos" que correm ao completarem as tarefas nos últimos minutos e sob
pressão.

Nas últimas décadas, houve um aumento de entre 300% a 400% de
procrastinação, refere a BBC. Para Piers Steel, isto significa que
"estamos realmente a entrar na era dourada da procrastinação". Apesar
de ser algo inerente ao ser humano, como refere Steel, "o ambiente
certo" pode tornar maior a tendência para a procrastinação. "E temos
vindo a criar esse ambiente nos últimos 50 anos", acrescenta. A
evolução tecnológica e a invasão do ambiente de trabalho por
computadores, tablets e todo o tipo de gadgets, veio criar as
condições necessárias para um aumento. "Aumentámos a nossa proximidade
com a tentação", disse Steel.

Fugir à tentação

Apesar de Steel defender que a procrastinação é algo inerente ao ser
humano, o autor sugere algumas formas de a evitar. Uma consiste em
dividir as tarefas em pequenos trabalhos, realizando-os de forma
metódica. Uma outra implica dar 50 euros a um amigo de confiança que,
no caso de a tarefa não ser cumprida, os doará a alguma causa.

Mas para aqueles que estão determinados em vencer a procrastinação,
existe toda uma nova indústria especializada ao seu dispor — livros,
palestras e, mais recentemente, aplicações para tablets e smartphones.

Getty Images

Durante dois anos, o autor David Nicholls escreveu com a ajuda de uma
aplicação chamada "Write or Die", que apaga automaticamente todo o
texto quando se demora muito tempo a escrever a próxima palavra.
Nicholls descreveu a experiência como "escrever com uma arma apontada
à cabeça". Curiosamente, ao fim de dois anos de trabalho e 32 mil
palavras, o escritor decidiu deitar o trabalho fora e começar de novo.
Mas existem outras aplicações menos intimidantes como o "Yelling Mum",
que tenta captar a atenção do utilizado através de sons, como refere a
BBC. Existem ainda outras que restringem o acesso à internet como o
"Freedom", ou que permitem restringir sites específicos.

Uma coisa de outros tempos

A procrastinação não é uma coisa dos tempos modernos. Na verdade, é
tão antiga quanto a própria humanidade. "Existem hieróglifos egípcios
sobre procrastinação", refere Steel. Mas se em alguns casos a
procrastinação deu frutos, em outros nem por isso.

O general romano Quinto Fábio Máximo era conhecido por "Cunctator",
literalmente "aquele que adia", e era um alvo constante de insultos
por falta de ação. Ao evitar defrontar-se em batalha com Aníbal, o
cartaginês, Fábio Máximo acabou por mudar radicalmente o rumo da
Segunda Guerra Púnica. O general ficou assim para a história como um
procrastinador de sucesso. O dramaturgo Quinto Énio até escreveu sobre
ele — "ao adiar, um homem restaurou o Estado". E assim foi.

Leonardo da Vinci era também um mestre da procrastinação. Apesar da
obra extensa, rica em esboços, não são muitos os quadros que terminou.
A "Mona Lisa", por exemplo, demorou 16 anos a ser completada e a
"Última Ceia" apenas foi acabada porque o seu mecenas, Ludovizo
Sforza, duque de Milão, ameaçou cortar-lhe os fundos. Conta-se que da
Vinci terá ficado indignado quando um dos monges do mosteiro (o fresco
de "A Última Seia" foi pintado na parede do refeitório do mosteiro de
Santa Maria em Milão) lhe disse que estava a demorar demasiado tempo.
Em resposta, da Vinci explicou que estava a ter dificuldades em
encontrar a cara certa para Judas e que, caso não descobrisse as
feições certas, que usaria as do monge.

"Adoro prazos. Adoro o som sibilante que fazem enquanto passam."
Douglas Adam, autor de À Boleia pela Galáxia

Franz Kafka, apesar de se queixar da falta de tempo para escrever,
parece ter tido um grave problema de gestão horária. O crítico
literário alemão Walter Benjamin escreveu ao seu amigo e filósofo
Gershom Scholem que a procrastinação lhe era instintiva "nas situações
mais importantes" da vida.

Um dos mais conhecidos procrastinadores de todos os tempos não era
escritor, pintor ou mesmo real. No século XVI, William Shakespeare
criou uma das personagens mais icónicas de todos os tempos, mas também
a mais procrastinadora.Hamlet, o príncipe órfão da Dinamarca, passa
diversas cenas e inúmeros atos a tentar decidir se mata ou não o tio,
se vinga ou não o pai. O dilema de Hamlet é o dilema do homem moderno
e, neste caso, o dilema de qualquer procrastinador — deixar para
amanhã o que era para fazer hoje.

Alguns famosos também se tornaram mestres em encontrar formas de
afastar a "preguiça". O escritor francês Victor Hugo, autor de Os
Miseráveis, costumava despir todas as roupas e pedir ao seu mordomo
que as escondesse para que não pudesse sair de casa. O orador
ateniense Demóstenestinha por hábito rapar apenas um lado da cabeça,
obrigando-se assim a ficar em casa.

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quarta-feira, outubro 15, 2014

# 76 mil portugueses têm um património superior a 1 milhão de dólares

Portugal continua a ser, ainda a assim, o único país da Europa
ocidental a não conseguir entrar no grupo dos mais ricos do mundo, ao
qual até a Irlanda e a Grécia pertencem

Metade da população mundial detém menos de 1% da riqueza total
D.R.
15/10/2014 | 00:00 | Dinheiro Vivo
http://www.dinheirovivo.pt/economia/interior.aspx?content_id=4179487&page=-1

75.903. Era este o número de milionários que Portugal tinha até ao
final do primeiro semestre deste ano. Ou seja, era o número de
portugueses com um património superior a um milhão de dólares, o
equivalente a quase 790 mil euros. Ao todo, há este ano mais 10.777
milionários do que em 2013, ano em que o número de milionários em
Portugal já havia subido em 10.395 face ao ano anterior.

Os dados são do Global Wealth Report 2014, publicado ontem pelo Credit
Suisse Research, que estima que cada português adulto tenha, em média,
um rendimento de 77,6 mil euros, mais 8,1% do que no ano passado. Por
contraste com o património elevado, as estatísticas da Autoridade
Tributária mostram que, em 2012, o último ano sobre o qual há dados,
foram menos de três mil os agregados familiares que declararam
rendimentos superiores a 250 mil euros.

Em Portugal, como em Espanha, em Singapura ou na Austrália, a
desigualdade é considerada apenas "média": os 10% mais ricos detêm
58,3% da riqueza total do país. É uma proporção que se mantém há
vários anos, já que, em 2000, era de 57,8%, tendo caído ligeiramente
em 2007, para 56%. Mas Portugal continua a ser, ainda assim, o único
país da Europa ocidental a não conseguir entrar no grupo dos mais
ricos do mundo - até a Irlanda e a Grécia, que, como Portugal,
passaram por programas de ajustamento da troika, fazem parte deste
clube.

Para Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas, a explicação é óbvia: a
destruição da classe da média. "A crise que afetou a Europa, e de
forma muito especial Portugal, teve maior incidência sobre aqueles que
tinham capacidade de compra e que deixaram de o ter. A juntar a isso,
muitos ficaram numa situação de endividamento, o que é um fator de
pobreza muito significativo. Isto só prova que Portugal empobreceu nos
últimos cinco anos", considera.

E se os números do Credit Suisse dão conta de uma riqueza média de
quase 100 mil dólares por habitante, a Cáritas tem uma perspetiva
diferente. Embora não seja fácil contabilizar a pobreza, já que os
mais recentes números oficiais do Instituto Nacional de Estatística
reportam a 2010, Eugénio Fonseca nota que a melhoria dos indicadores
macroeconómicos ainda não se refletiu no quotidiano das pessoas.
Apesar de ter havido "uma diminuição de novos casos que procuram a
nossa ajuda, os que já estavam a ser ajudados vêm mais vezes pedir
ajuda".

Riqueza aumenta 40% em 5 anos

A tendência global é para que haja cada vez mais milionários e cada
vez mais desigualdade. 263 biliões de dólares, ou 207,4 biliões de
euros, é o valor da riqueza mundial registado até ao final do primeiro
semestre, um novo recorde, que representa um aumento de 8,3% face ao
período homólogo e o equivalente a 3,4 vezes o PIB mundial.

É uma riqueza que continua, porém, a não estar bem distribuída. A
metade menos rica da população mundial detém menos de 1% da riqueza
total. Ao mesmo tempo, 10% da população mais rica detém 87% da riqueza
mundial e apenas 1% detém 48,2% dos ativos globais, refere o
relatório.

Significa isto que, para fazer parte da metade mais rica do mundo, é
preciso ter em sua posse, descontadas as dívidas, 3650 dólares (2879
euros). Já para chegar aos 10% mais ricos, é preciso ter 77 mil
dólares (60,7 mil euros). E, para fazer parte da nata mundial - o 1%
da população mais rica do mundo - uma pessoa tem de deter 798 mil
dólares (629,5 mil euros).

Ao todo, o Credit Suisse estima que haja 34,8 milhões de milionários
em todo o mundo, mais 12,3% do que em 2013. Nesses, contam-se ainda os
indíviduos com património extremamente elevado (acima de 50 milhões de
dólares), que em 2014 deverão ser mais de 128 mil.

Nos próximos cinco anos, prevê o Credit Suisse, a riqueza mundial
deverá aumentar 40%, atingindo os 369 biliões de dólares (291 biliões
de euros) em 2019. Já o número de milionários deverá chegar aos 53
milhões em 2019, mais 53% do que o número atual, com os maiores
aumentos a verificarem-se nos países emergentes. Só a China, por
exemplo, poderá ver o seu número de milionários quase duplicar para 2
milhões. Na Europa, o número de milionários deverá aumentar 62% em
cinco anos, para 19 milhões.

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# Portugueses trabalham mais 300 horas do que os alemães

http://www.dinheirovivo.pt/economia/interior.aspx?content_id=4180585&page=-1

15/10/2014 | 10:00 | Dinheiro Vivo

A jornada de trabalho em Portugal é uma das maiores da Europa
desenvolvida, mas nem por isso a retribuição é maior. Comparados com
os alemães, os portugueses trabalham mais 324 horas todos os anos, mas
levam para casa menos 7484 euros. De acordo com os números da OCDE, a
jornada diária dos alemães é cerca de uma hora mais leve todos os dias
comparada com a dos portugueses, mas como os salários e as regalias
são superiores, os trabalhadores alemães saem largamente a ganhar.

A OCDE, que compara as horas trabalhadas em 2013 nos vários países que
compõem a organização, mostra que os trabalhadores portugueses passam
cerca de 1712 horas por ano no trabalho, o que dá cerca de 33 horas
por semana. Este período é superior ao registado em 17 países que
compõem a OCDE, como a Holanda, país com uma jornada menor (1380),
Alemanha (1388), Noruega (1408), França (1489), Espanha (1665) ou a
Islândia (1704).

O problema é que, além de trabalharem mais, os portugueses ganham
menos. De acordo com os dados do Eurostat relativos a 2013, o custo
laboral dos portugueses - aquilo que as empresas investem em salários,
benefícios e descontos - era de 11,6 euros por hora de trabalho. O
cruzamento dos dados mostra, assim, que, pelas 1712 horas, os
portugueses custaram uma média de 19 859 euros.

É aqui que a diferença face à Alemanha ganha peso. Pelas 1388 horas
trabalhadas, os alemães custaram 27 343,6 euros às suas empresas, mais
7484 para menos 324 horas.

Em todo o caso, os trabalhadores portugueses ainda ganham a países
como o México onde se trabalha anualmente 2237 horas, a Coreia (2163
horas) ou a Grécia (2037 horas). Mas, até na Grécia, diz Bruxelas, o
custo laboral excede o português, com 13,6 euros por hora.

Acontece que, a este peso desigual, acresce o peso dos impostos sobre
o trabalho, que são, em Portugal, desde o "enorme aumento de impostos"
de Vítor Gaspar, um dos maiores da Zona Euro. Por exemplo, o dia da
libertação de impostos, ou seja, o dia em que os portugueses deixam de
trabalhar para pagar ao Estado, está a chegar cada vez mais tarde e,
este ano, só aconteceu a 6 de junho. Em 2011, este dia chegou a 29 de
maio, o que ilustra a subida do peso da tributação desde o início da
crise.

Ainda assim, o peso salarial em Portugal, especialmente no setor
privado, foi uma das bandeiras da troika, durante o programa de
assistência financeira. Os credores internacionais, em especial o FMI,
sublinharam por diversas vezes que o custo do trabalho nas empresas
ainda é elevado e que só a sua descida poderá aumentar a
competitividade. Mas esta não é uma tendência que se observe na
Europa.

O relatório do Eurostat relativo aos custos do trabalho mostra que,
entre os países-membros, deu-se um aumento de 10,2% e, na Zona Euro, o
crescimento dos custos do trabalho entre 2008 e 2013 foi de 10,4%. Em
contraciclo, e fruto da pressão do ajustamento financeiro, o custo
laboral em Portugal diminuiu 5,1% nestes cinco anos da análise, sendo
que cada hora de trabalho valia, em média, os já referidos 11,6 euros.

Ou seja, a aproximação à Europa do Leste é cada vez maior. Boas
notícias só mesmo quando se compara Portugal com países como a
Bulgária, Roménia ou Lituânia, onde a retribuição ronda os cinco euros
por cada hora trabalhada.

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# Apple e Facebook pagam para que as funcionárias congelem os óvulos

Parece irracional, mas é verdade. Faz pensar e muito!

http://observador.pt/2014/10/14/apple-e-facebook-pagam-para-que-funcionarias-congelem-os-embrioes/
14/10/2014
, 23:25

Um luxo, um ato de misoginia ou ambos? Duas das maiores empresas
tecnológicas decidiram pagar para que as mulheres adiem a decisão de
engravidar de modo a que progridam nas carreiras.

A Apple e o Facebook anunciaram uma política de apoio ao adiamento da
maternidade, oferecendo às mulheres o custo de congelarem os seus
óvulos. Este tratamento pode custar até quinze mil euros e o objetivo
declarado é o de permitir às mulheres progredir na sua carreira antes
de se dedicarem a ser mães. O processo chama-se criopreservação de
ovócitos e visa permitir às mulheres usar os óvulos noutra ocasião,
mesmo que os seus corpos já não estejam no pico da idade fértil.

Há duas formas de olhar para esta questão. Uma é aceitar que as
empresas precisam de mulheres nos cargos superiores e que esta ação
pode ajudar a que as funcionárias adiem a maternidade, subindo mais na
carreira antes de darem esse passo; outra é entender esta ação como um
ato de misoginia que condiciona as mulheres que querem ser mães e que
esse dinheiro poderia ser melhor empregue na criação de condições para
que possam acumular a maternidade com a carreira.

Neste sentido a oferta de apoio para congelar óvulos tem um imenso
potencial para gerar polémica, porque o tópico é sensível. A Fortune
recorda que a nova sede do Facebook, um projeto de Frank Gheri que vai
custar 95 milhões de euros, inclui um canil mas não uma creche. Seja
como for os factos estão aí: há mulheres a menos na liderança das
grandes empresas americanas e as dot-com (empresas tecnológicas) não
são exceção. Com este ato podem estar a dar mais um passo para mostrar
que estão pouco interessadas em ter mulheres e mães nas suas fileiras.

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segunda-feira, outubro 13, 2014

# A produtividade de Portugal é baixa? É, mas não é por trabalharmos pouco

http://expresso.sapo.pt/a-produtividade-de-portugal-e-baixa-e-mas-nao-e-por-trabalharmos-pouco=f870108

A baixa produtividade do país tem a ver com o baixo valor das marcas e
com o reduzido investimento em marcas que Portugal faz há décadas,
disse Tomás Jervell, presidente do grupo Nors na Conferência
"Portugal em Exame 2014"

Ver video da notícia em: http://videos.sapo.pt/1d3FC9UVg8UbRLKKa4zW

13:30 Quarta feira, 14 de maio de 2014
---------------------------------------------------------
Dados PORDATA sobre produtividade:
http://www.pordata.pt/Portugal/Produtividade+aparente+do+trabalho+total+e+por+ramo+de+actividade-2303

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Má organização é principal causa da baixa produtividade

por Lusa 30 dezembro 2009
http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1458489&page=-1

Os economistas consideram que os baixos índices de produtividade em
Portugal ficam a dever-se a factores como a organização do trabalho, a
falta de formação e a tecnologia.

"Portugal até não é dos países onde se trabalha menos, a questão é o
valor que se cria", comentou o director de Economia da Associação
Industrial Portuguesa (AIP), Rui Madaleno, à Lusa.

Para o responsável da AIP, a melhoria da produtividade implica uma
série de mudanças a nível "do produto que é oferecido, o que implica
investimento, organização do trabalho, burocracia, atitudes e
qualificação profissional".

Em Portugal, "o que é preciso não é trabalhar mais, é trabalhar bem",
resumiu o economista.

Por seu lado, Eugénio Rosa, economista e responsável do gabinete de
estudos da CGTP, considera que a forma de calcular a produtividade não
é a mais correcta."Normalmente, divide-se o Valor Acrescentado Bruto
(VAB) pelo número de trabalhadores, mas esquecem-se outras coisas como
as condições de trabalho, os equipamentos ou o investimento nas
empresas, que é muito reduzido. A produtividade devia ser calculada em
termos multifactoriais, contabilizando horas de trabalho, capital e
condições".

Outro dos factores determinantes "é a organização do processo
produtivo e isso depende muito da capacidade dos gestores", acrescenta
Eugénio Rosa. "Muitas empresas são dirigidas por pessoas de
qualificação muito reduzida. Os trabalhadores também têm uma baixa
escolaridade, cerca de 70 por cento dos trabalhadores empregados só
vão até ao ensino básico, enquanto a média europeia é de 50 por
cento".

A precariedade e a elevada rotação de trabalhadores também são decisivas.

"Uma grande rotação impede que se acumule experiência e conhecimentos.
Foi feito um estudo numa empresa que contratava e despedia
frequentemente pessoal porque tinha grandes variações nas vendas e
concluiu-se que esta elevada rotação era muito negativa. No fabrico
dos componentes, a quantidade de defeitos e avarias detectada no
início era muito superior", observou o mesmo especialista.

Já José Eduardo Carvalho, investigador responsável pelo Observatório
da Produtividade das Grandes Empresas do Instituto Lusíada de
Investigação e Desenvolvimento, defende que "há uma generalização"
quando se fala deste tema.

"Há sectores com baixa produtividade e outros que crescem ao nível dos
melhores da União Europeia", afirmou.

Numa análise sobre o desempenho das 125 maiores empresas portuguesas,
no triénio 2003-2005, o investigador concluiu que apenas três
registaram sistematicamente níveis positivos de competitividade
económica, bem como taxas positivas na produtividade económica e
tecnológica.

José Eduardo Carvalho verificou, com base nos dados do Banco de
Portugal, que a produtividade cresceu sempre nos últimos anos, "embora
a taxas variáveis", e sempre abaixo da evolução do custo médio do
trabalho, enquanto a produtividade do capital e a intensidade
tecnológica da economia têm vindo a decrescer.

Por isso, a solução passa pela melhoria do conhecimento e disseminação
da tecnologia: "são necessários instrumentos que permitam que cada
pessoa, no seu posto de trabalho, obtenha maior produtividade".

O Relatório da Competitividade 2009, apresentado pela AIP em Novembro,
indicava que a produtividade por pessoa empregada em Portugal,
correspondia em 2008, a 70,8 por cento do valor médio da UE, sendo
apenas superior ao nível da Polónia.

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sábado, outubro 11, 2014

# «Vende um dos teus pães/ e compra um lírio»: A cultura não é um luxo

http://www.snpcultura.org/a_cultura_nao_e_um_luxo.html

A Organização das Nações Unidas, traçando os objectivos para o
desenvolvimento neste novo milénio, apostou na criação de um novo
conceito: o de sustentabilidade cultural. Conhecíamos os conceitos de
sustentabilidade económica ou ambiental, e emerge agora esta nova
categoria para recordar que tanto a herança cultural de cada
comunidade humana como as suas indústrias culturais e criativas, as
suas infraestruturas e práticas culturais são patamares estratégicos
para o presente e para as gerações vindouras.

Há, por vezes, o risco de pensar que a cultura é um luxo, útil nos
tempos em que nos podemos permitir larguezas, mas ao qual é possível
renunciar nos períodos de dificuldade. Ora, a cultura não é um luxo: é
uma necessidade primária. Ela tem o carácter daqueles elementos sem os
quais a vida diminui. E é precisamente nos momentos de escassez e
crise, seja ela financeira ou de identidade e sentido como é a que
hoje, em grande medida, o Ocidente vive, que a cultura deve ser vista
como bússola e motor de desenvolvimento. A atividade cultural, na
pluralidade das suas linguagens, tem por isso de ser apreciada no seu
fundamental papel humano, social e civilizacional.

Porquê falar da importância da cultura? A resposta não pode ser senão
uma: apostar na cultura é apostar na vida, na vida de cada um e de
todos. É investir no que ela tem de mais profundo e visível, de mais
silencioso e partilhável, de mais histórico e utópico, de mais pessoal
e comum. Todos vivemos na e da cultura. Na multiplicidade das suas
linguagens ela é o nosso habitat permanente. É o nosso observatório e
ateliê; é o nosso dicionário e, ao mesmo tempo, o caderno de anotações
daquilo que diariamente emerge e que ainda não está dito em língua
alguma; é a nossa identidade irredutível e a nossa forma de abertura
aos outros.

Sophia de Mello Breyner Andresen recordava o seguinte: «Mesmo que fale
somente de pedras ou de brisas a obra do artista (e, nesse sentido, a
produção cultural) vem sempre dizer-nos isto: que não somos apenas
animais acossados na luta pela sobrevivência, mas que somos, por
direito natural, herdeiros da liberdade e da dignidade do ser». O
homem não vive só de pão: precisaremos sempre de alimentos de outra
natureza. Ao lado do que parece estritamente necessário à
sobrevivência temos de colocar aquilo que dialoga com a fome e a sede
do coração e, sem o qual, até poderíamos viver, mas não seríamos nós
próprios. Ao lado do imediatamente útil, temos de guardar lugar para o
que parece inútil, como aconselha o poeta chinês Li Bai: «Vende um dos
teus pães/ e compra um lírio».

A cultura não é um meio de aceder a um código, a uma gramática e, por
eles, a um património de informações ou entretenimentos. A cultura
permite-nos entrar em nós próprios. É uma janela e igualmente um
espelho. Um dos perigos contemporâneos é a transformação da cultura em
indústria de entretenimento, recheada de produtos de consumo rápido e
sonâmbulo, capturada pelo simplismo dos modelos. Porém, a cultura
digna desse nome é aquela que dialoga com as grandes necessidades da
vida e nos abre incessantemente à profundidade e à complexidade do
real.

Uma das mais belas parábolas que conheço sobre a cultura li-a num
livro de George Steiner. Na URSS de Brejnev havia uma professora de
língua inglesa que foi metida na cadeia - sem luz, sem papel nem lápis
- por causa de uma denúncia absurda. Ela conhecia de memória os mais
de trinta mil versos do "Don Juan" de Lord Byron. Quando saiu da
prisão tinha já perdido a vista, mas ditou a tradução em que se
ocupara ali mentalmente. Hoje é considerada a melhor tradução russa de
Byron.



José Tolentino Mendonça
In Expresso, 4.10.2014
Publicado em 10.10.2014

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domingo, outubro 05, 2014

# O goleador de Deus (Frei Bento Domingues)

POR LÍDIA JORGE e DANIEL ROCHA

PÚBLICO 28.09.2014

Fazer esta entrevista foi uma experiência única. Nunca fiz uma na
minha vida, e provavelmente não voltarei a fazer outra. Porque aceitei
o convite do PÚBLICO? Porque a proposta envolvia o Frei Bento
Domingues, pessoa de quem fui próxima quando era estudante da
Faculdade de Letras de Lisboa e ele frequentava a residência Domus
Nostra, onde eu vivia.

Depois, a ligação que fui mantendo com ele foi de papel. Através de
livros e artigos. Ultimamente, através das crónicas agora reunidas nos
dois volumes que motivaram a homenagem que lhe foi prestada na
Gulbenkian. Estive lá entre os seus amigos. Pensei, então, que
reencontrar-me com este homem, para uma fala demorada, seria uma forma
de celebrar o correr do tempo. E assim foi.

Quando, no domingo passado, surgiu ao alto das escadas do Convento dos
Dominicanos, em Lisboa, de braços abertos pelo atraso, foi como se não
houvesse tempo. É o mesmo rapaz que na altura tinha andado por
Salamanca e Roma, tinha sido perseguido e preso pela PIDE, era uma das
cabeças mais arejadas da Igreja portuguesa, então submersa em
beatério, e queria mudar o mundo. O mesmo rapaz que veio das montanhas
com o mistério do eco na cabeça, lia Sartre e São Tomás de Aquino.

Sentámo-nos nos bancos da sua igreja, que elogiou como uma obra de
talento. Mostrou os buraquinhos daquelas paredes altas que servem para
abrir o som à música. Disse que a Arte ajuda a deslocarmo-nos no meio
do enigma, a encontramos carreiros no escuro, como as formigas. Ele
também falou das desgraças que assolam o mundo contemporâneo. Mas,
como a sua fala daria para fazer cinco entrevistas, eu escolhi do que
disse o que se aproxima dos fundamentos do ser. Como na discussão que
tivemos quando nos anos 60 nos encontrámos pela primeira vez e o tema
era o Bem e o Mal.

No passado dia 19 de Setembro, o Auditório 2 da Fundação Calouste
Gulbenkian encheu-se de gente até aos átrios para discutir as suas
crónicas e prestar-lhe uma homenagem. A discussão, essa, o senhor
aceitou e até tirou notas. Mas em relação à homenagem, o Frei Bento
foi recusando. Um seu amigo trouxe-lhe da Madeira um lindo ramo de
flores. Quando lhas puseram sobre os joelhos, não descansou enquanto
não se viu livre delas. O seu ar de consternação quando era aplaudido
por tantos amigos e leitores tornava-se visível. O senhor lida mal com
o reconhecimento?

Pois reconhecimento de quê? Neste caso, o que interessa é que existem
mais estes dois livros que a editora Círculo de Leitores fez o favor
de publicar. Mas a sua história vem de longe. Tem que ver com a irmã
Julieta, que eu conheço há muito tempo, e com o António Marujo, que me
convidou para escrever para o PÚBLICO e foi acompanhando a publicação
das crónicas. Eles é que se propuseram organizar estes livros. Eu era
incapaz de reler uma crónica minha, quanto mais duas mil. Uma
trabalheira. A haver alguma homenagem, deveria ser para eles.

Mas então o senhor não tem amor-próprio?

O que é isso, amor-próprio?

Gostar de fazer boa figura, ter honra no que se faz.

Se é isso, sim. Se me pedem um texto, uma leitura, uma apresentação,
eu não gosto de fazer má figura, dou tudo por tudo para fazer bem
feito. Gosto de corresponder ao que me pedem. Mas, de resto, eu sou
apenas um servo inútil dos Evangelhos do Senhor.

Compreendo. O Frei Bento parece-se com um futebolista que só pensa nos
golos. Faz tudo para meter a bola na baliza e, quando consegue e as
bancadas se levantam para aplaudir, em vez de dar a volta ao estádio e
oferecer aos adeptos a camisa suada, o senhor abala a correr para o
balneário e começa a preparar as pernas para a próxima jogada. Aceita?

Sim, aceito. É isso mesmo.

Já viu que até poderíamos construir uma parábola com esta história? E
dar-lhe um título, como por exemplo, "Parábola do Goleador de Deus"?
Aceita?

Ora ainda bem que usas parábolas. Hoje foi o dia de se ler na Igreja a
Parábola dos Trabalhadores da Vinha. Aquela que diz que os últimos
serão os primeiros e os primeiros serão os últimos. O pessoal da
Intersindical, se ouvisse, deveria ficar muito furioso. Aquilo não
parece justo. Os que chegaram ao fim do dia ao trabalho receberam
tanto quanto aqueles que foram contratados pela manhã, e ainda por
cima receberam em primeiro lugar. Uma injustiça. Só que estamos a
falar de um outro plano. Aquilo quer dizer que não somos negociantes
com Deus e que Ele gosta de nós. E essa é a essência do cristianismo.

Regressando à sua relutância pelas homenagens, a que chama "missas de
corpo presente". Isso quer dizer que o senhor lida mal com o
reconhecimento público dos seus leitores. Já parece que lida melhor
com a indiferença e a perseguição.

A questão é um pouco diferente. Durante a ditadura, eu nunca quis
provocar alguém só por provocar. Eu só achava que era preciso acordar
as pessoas. Por isso só houve perseguição quando me impediram de fazer
o que eu achava que estava certo fazer. Mas não me posso queixar. Tive
sempre muita sorte. Quando me mandaram para Roma, porque achavam que
isto aqui estava a ficar demasiado perigoso para mim, deu-se o caso de
estar a decorrer o Concílio Vaticano II. E aqui o que tinha acontecido
é que os jovens da Juventude do Cristo Rei tinham organizado no Porto
uma exposição que interpelava as consciências, O Mundo Interroga o
Concílio, e a extrema-direita achou que eu era o inspirador. Chamaram
àquilo um pavilhão soviético. Agora dá-me vontade de rir. Pois a PIDE
veio, enganou-se e prendeu aqueles que estavam lá para impedir que a
exposição abrisse. Mas o mundo estava a mover-se. Em 63, surgiu a
encíclica Pax in Terris. João XXIII estava a fazer coisas boas.

Era o tempo dos padres operários. Liam-se livros como Os Santos vão
para o Inferno, do Gilbert Cesbron, e outros. Entre nós, também havia
mudanças.

Sim, havia. Quando entrei nos Dominicanos em 53, decorria a grande
condenação em França dos padres operários. Três provinciais
dominicanos foram demitidos. Era uma experiência muito forte. Um
embate muito grande. O padres operários vinham dar um testemunho que
muitos não entendiam.

E já corriam os ventos da Teologia da Libertação.

Isso foi mais tarde. Os bispos peruanos e brasileiros levaram
companheiros ao Concílio para que depois, de regresso, fizessem
trabalho nas dioceses. Entre outros, distinguiam-se as vozes do padre
Gutierrez e de Leonardo Boff. A ideia era trabalhar a partir de
comunidades de base, em vez das paróquias e dos grandes grupos. Ora
eles pensaram tratar dos problemas da fé e da transformação social a
partir dos pequenos grupos.

Entretanto, passou muito tempo. Em face da sociedade em geral, tudo
isso deu algum resultado? O mundo tornou-se melhor do que era?

Acho que melhorou. Repara que depois de duas guerras mundiais a ideia
do progresso linear entrou em colapso. Nos finais de 1945, as pessoas
estavam arrasadas, pensavam que o regresso à violência seria uma
fatalidade, seria cíclica, e as sociedades humanas nunca teriam cura.
Mas depois veio o Presidente norte-americano John Kennedy com a ideia
de que o mundo poderia ser diferente e o Papa João XXIII que deu
esperança às pessoas. Espalhou a ideia de que a Igreja poderia ser
diferente, a sociedade diferente e o mundo diferente. Era o
renascimento da esperança. Porque há momentos de eclosão e de
retracção. Eu creio que daí em diante se deram grandes passos. Mas é
preciso tratar dos pequenos passos e isso é que é difícil. Entretanto,
muitos desertaram para o outro lado, para posições opostas, mas
ficaram sementes por toda a parte.

Às vezes não parece.

Não sou um determinista. Se fosse uma pessoa das ciências duras,
talvez pudesse sê-lo, mas não, eu sou um homem das ciências moles, das
mais moles que há, e gosto disso. As ciências moles é que entendem os
homens

Parece, parece. Nunca penso que nada é sem remédio. Numa certa
entrevista, Saramago disse que este mundo não tem conserto. Pelo
contrário, tem conserto, só que os remédios não são em bloco, são
muitos, vários, pequenos, lentos, fazem-se dia a dia. Não sou um
determinista. Se fosse uma pessoa das ciências duras, talvez pudesse
sê-lo, mas não, eu sou um homem das ciências moles, das mais moles que
há, e gosto disso. As ciências moles é que entendem os homens. Não me
rendo. O determinismo é uma rendição.

Voltemos para trás. Há muitos anos, na residência universitária Domus
Nostra, algumas das estudantes eram consideradas rebeldes. A directora
tratava-nos como um bando de hereges. Um dia, arranjou-nos uma
camioneta, meteu-nos lá dentro e disse que íamos ao encontro de alguém
que nos iria pôr na ordem. Fomos até uma praia onde havia um casarão e
esperámos pelo disciplinador. Nisto, surgiu-nos sobre um pequeno
estrado, um tipo que disse — "Antes eu chamava-me Basílio e agora sou
Bento e tenho trintaianos." Nós desatámos a rir. Ríamos sem parar. O
Basílio/Bento começou a rir também. Não parávamos com aquilo.
Ríamo-nos porque, afinal, o disciplinador parecia-nos uma anedota, não
metia respeito nenhum. Ele tinha trintaianos, nós 18. Até que
Basílio/Bento disse, com os olhos lacrimejantes de tanto riso — "Ai,
ai! Vamos lá a isto!" Então o senhor começou a falar, levou-nos até à
praia, era Inverno. Tem alguma ideia disto?

Tenho ideia da praia. Também me lembro da directora, a Senhora Dona
Eliete e da Domus Nostra onde fui depois, muitas vezes.

Mas o que mais nos impressionou não foi a doutrina, para que não
estávamos viradas, e sim o facto de saber tanto. Saía-lhe pela boca
uma biblioteca. Onde tinha aprendido? Nessa altura, já tinha lido os
Ensaios de Montaigne? Shakespeare? Kant, Marx? Dom Quixote? O que se
tinha passado consigo?

Foi assim. Eu tinha entrado para Fátima em 53, como noviço dominicano,
e depois seguiu-se o instituto Sedes Sapientiae. Ali os professores
eram todos estrangeiros. Acho que os responsáveis queriam restaurar a
província portuguesa. Havia franceses, canadianos, belgas. Entre eles,
havia um professor de Filosofia, aí de uns 50 anos, chamado Paul
Denis, recambiado do Congo Belga, e que nos disse: "Eu não gosto nada
de descobrir o rio a partir da nascente, mas sim a partir da foz, o
lugar ele onde desagua, Vamos começar a partir da Filosofia Moderna e
depois vamos recuando." Então começámos pelo existencialismo, Sartre,
Gabriel Marcel, Camus e caminhámos para Kierkegaard, Hegel, Marx. Para
trás, até Aristóteles. E como a biblioteca era muito escassa, ele
encomendou à sua própria família, que vivia na Bélgica, os livros dos
autores que estudávamos. Uma riqueza. Tudo isso andava a boiar na
minha cabeça. Era a História vista a partir da foz. E depois, viria a
descobrir aHeterodoxia do Eduardo Lourenço.

No entanto, o autor que está sempre a mencionar é São Tomás de Aquino.
Não é um teólogo da argumentação especulativa, um escolástico puro?
Porque tanta gente lhe chama o pai da modernidade? Quando passei por
lá, pareceu-me insuportável.

É moderno sim, porque ele não ensina como são as coisas, mas como se
discutem as coisas. É preciso ver que não há só os textos de São
Tomás, a Suma Teológica e todos aqueles comentários, há também as
escolas de interpretação de São Tomás. E tinha havido, havia pouco
tempo, precisamente, uma revolução na interpretação da sua obra. Esse
espírito vivia-se muito em Salamanca onde também acabei por estar. Lá
mesmo havia um espírito de discussão intensa. Porque havia a escola
dos escolásticos, e a escola afectiva, e uma outra, a escola
democrática. Habituámo-nos ao confronto de ideais. Não havia
raciocínios fechados. Depois, em Roma, havia um professor espanhol que
dava aulas sobre a vontade de Deus. Nós troçávamos imenso. Íamos para
o pátio e perguntávamos muito alto — "Padre! Que tiempo hará mañana,
segundo la voluntad de Diós?" Sempre gostei de discutir. Já através da
literatura entra-se num outro mundo, e encanta-me.

Porque o encanta a literatura? Não parece encantar tanta gente assim.

Porque através dela se entra numa zona de nós que é reconhecida e ao
mesmo tempo posta em causa. A literatura é um modo de pôr em causa. O
Eduardo Lourenço diz que o comentário do poema só pode ser o poema.
Ele, quando comenta, não explica. Ele faz um outro poema ao lado do
poema. Só assim se entende a literatura, a pintura, ou a música,
vivendo por dentro, pondo o nosso mundo em questão. A arte serve para
isso.

Mas nós lá, naquela praia, também falámos de outros assuntos. Lisboa
estava então rodeada por miseráveis bairros de lata. Conhecíamo-los
porque os visitávamos. Pusemos-lhe a questão. Tanto sofrimento, tanta
gente condenada. Onde está Deus? Silencioso e imóvel? Só no conto do
Suave Milagre do Eça o rabi abria a porta ao desgraçado e dizia: "Aqui
me tendes!"

Não, não está imóvel nem em silêncio. É uma questão de conversarmos
com Deus. Falarmos com ele.

Leio as suas crónicas e até agora o senhor não me convenceu de que há
um sentido para os contrastes consentidos neste mundo.

Estamos a falar do Bem e do Mal. A oração serve para estarmos atentos
ao mistério da vida. Eu fui percebendo isto paulatinamente. Segundo
São Tomás de Aquino, as coisas na Natureza, mesmo com alguns desvios,
sempre batem certo. No ser humano, normalmente muita coisa bate
errada, porque os nossos apetites vão em todas as direcções, não têm
unidade para o Bem. Ora se gastássemos o tempo empregue nas coisas que
fazem mal nas coisas que fazem bem, tudo seria diferente. Isto é, o
Mal e o Bem nunca são da ordem da transcendência e sim da imanência.

Mas isso não corresponde apenas a uma estratégia de explicação do absurdo?

As pessoas dizem que a fé é algo de sobrenatural porque não sabem como
lhes acontece. Mas eu prefiro entrar pela porta da liberdade

Exemplifico. Na minha aldeia, havia dois gaseados, sobreviventes da
Primeira Guerra Mundial, que iam aquecer-se na lareira da casa da
minha avó. Contavam aquelas coisas horríveis. Eu escutava-os e só
pensava se não teria havido maneira de evitar aquela tragédia.
Exemplifico mais. João Paulo I teve um pontificado de apenas um mês.
Mas antes, quando era bispo de Veneza, resolveu escrever cartas a
personalidades conhecidas que publicava em certa revista. Um dia
resolveu escrever uma carta a Petrarca, lembrando as figuras do sábio
e do louco. O sábio dizia que as guerras não poderiam ser eternas
porque sempre terminavam por armistícios. O louco perguntava por que
razão não faziam o armistício antes.

Quer dizer, então, que estamos a remediar a obra imperfeita de Deus.

O importante é que Deus nos fez criadores. Estamos em liberdade e
podemos escolher o caminho do Bem ou do Mal. Se aprendermos a ter
juízo, escolheremos o Bem, o que faz bem a nós mesmos e aos nossos
irmãos. Essa é a nossa grandeza e estamos a caminho do mundo que é
preciso fazer. Só assim se respeita o ensinamento dos Evangelhos.

Nesse domínio, o da transcendência, parece que só se chega lá por fé.
Tenho uma amiga que diz que a fé é fascista. Escolhe uns e não outros,
e não se vê porquê.

Compreendo, mas vê bem. No fundo, todos somos crentes. A fé é um grau
de confiança em alguma coisa que nos transcende. Uma crença em alguma
coisa que nos excede e que nós acreditamos que nos faz bem. As pessoas
dizem que a fé é algo de sobrenatural porque não sabem como lhes
acontece. Mas eu prefiro entrar pela porta da liberdade. Os medievais
diziam, e São Tomás acolheu, que "livre é aquele que é causa de si
mesmo, que é senhor dos seus actos". De contrário, a humanidade seria
feita de servos. Se pensarmos assim, a fé, esse sentido de confiança
numa instância que nos excede, que uns dizem ter e outros não, ganha
um outro sentido. Lida mais com a liberdade do que com a nossa
dependência. Já não existe a escolha deliberada, vinda de algum outro
lugar que não é o humano, essa a que chamas fascista.

Há coisas que não se entendem. Por exemplo, nas missas, as pessoas
clamam, Senhor dizei uma só palavra e a minha alma será salva. Acho
triste, pessoas cheias de medo de perderem a sua alma. Se ao menos
dissessem, Senhor salva as nossas almas.

Sim, mas na consagração pede-se pela redenção de todos. De facto, há
pessoas que pedem, por exemplo, para só rezarmos pelo seu familiar,
dizem que pedir por todos é uma modernice. Mas não pode ser. Deus é a
grande memória da História humana e nela estamos todos inscritos, um a
um. Temos de nos convencer de que todos somos amados e não sabemos
quem somos. Temos de nos inscrever num colectivo que abarca a
humanidade inteira, a que houve e a que há-de vir. Somos muitos? Para
Deus, certamente, ainda somos poucos. As pessoas pedem por si mesmas
porque talvez tenham medo de não ser únicas. Há uma afectividade que
as pessoas gostam de manter. Mas elas são únicas na totalidade de
todos. Na carta aos romanos, São Paulo, em vez de usar os termos da
liturgia judaica, que evita encarar Deus, inverte as coisas,
chamando-lhe, em aramaico, Aba, isto é, paizinho, papá. Uma palavra de
ternura.

E ainda há uma outra questão. Cristo, mesmo para os que não acreditam
na dimensão divina, resulta numa metáfora fundadora de uma grandeza
imensa. No entanto, parece que sabia que estaria salvo na eternidade.
Imagine uma mulher, ou um homem, que se oferecessem para ser
condenados para sempre, conforme a mitologia cristã, em troca de todos
serem salvos. Seria um Super-Cristo. Estou a cometer uma heresia?

Não, Santa Teresa de Ávila já disse — "Amaria mesmo que fosse para o
Inferno. Amo-te porque te amo." Jesus também não está acabado. Ele
também foi crescendo. Não começou como terminou. Ele foi humano. É
verdade que inventaram aqueles evangelhos da infância, fazendo com que
desde sempre tivesse sido prodigioso, mas não precisava. Ele próprio
vai descobrindo a vida enquanto prega. Como a história da mulher
cananeia a quem ele nega a cura, dizendo que não se dá pão aos
cachorrinhos. E ela disse que os cachorrinhos também comem as
migalhas. Jesus então repensa, compreende a dimensão do pedido daquela
mulher. É Jesus a apender. Jesus vive com espanto.

Curioso, Jesus espanta-se mas nunca ri. O senhor, que é o homem do
riso e da alegria, não acha estranho que Jesus nunca ria?

Devia rir mais. Mas na verdade Jesus faz mais do que rir, faz humor. E
o humor é a matriz de todos os tipos de riso. Eu entendo que os
Evangelhos são feitos para alguma coisa mais do que o riso, são feitos
para a alegria.

Volto àqueles dias na praia. Andámos de um lado para o outro, a olhar
as ondas que o senhor gostava de contemplar. Mas há dias, na
Gulbenkian, disse que apesar de continuar a sentir-se maravilhado
diante do mar, por vezes sente raiva por as ondas irem e virem, e o
ritmo ser sempre igual. Vê nelas a imagem da sociedade que desenrola,
enrola e nunca mais avança. Em face da sua concepção de mundo
progressivo, é então uma irritação passageira.

Sim, às vezes perco a paciência, porque as coisas nunca mais dão a volta.

E a Igreja portuguesa deu a volta? Há quem considere que é muito mais
aberta e progressista do que a Igreja de Espanha, por exemplo.

Jesus faz mais do que rir, faz humor. E o humor é a matriz de todos os
tipos de riso

À partida também partilho dessa mesma opinião, ainda que não conheça
tudo. Mas a minha ideia é de que a Igreja portuguesa não é uniforme. A
nossa religiosidade é apenas mediana, e sobretudo há vários restos por
aí. Ao longo dos anos 40, 50, a Acção Católica enrolou-se com o poder,
achava que Salazar era uma graça divina. Isso foi muito triste. Ao
mesmo tempo, foram aparecendo novos sinais, como foi o caso do bispo
do Porto. E começou a haver um catolicismo iniciático, a JEC, a JUC, a
JOC e outros grupos informes. E depois, com o declínio da Acção
Católica, surgiram os cursos de cristandade que inauguraram uma
espécie de catolicismo fervorino. Muito mais afectivo, quase
imediatista, sem passar pelo raciocínio. Assim, o catolicismo
português é um catolicismo médio, não tem reflexão teológica, só há
formação teológica universitária em Lisboa, Porto e Braga, e há os
seminários. De forma que existe uma espécie de eclipse do pensamento.
Muitos acham que o pensamento atrasa a expressão da fé, que não
permite a espontaneidade do coração.

Falou em eclipse do pensamento.

Sim, mas como não somos de grandes rupturas, temos de encontrar um
caminho que aproxime o lado afectivo de um outro nível, o reflexivo.
Penso na introdução da dimensão estética das celebrações. Entendo que
à dimensão da beleza de Jesus Cristo deve corresponder um testemunho
de beleza da nossa parte. Criar uma harmonia entre os textos sagrados,
a música, a poesia, o espaço envolvente como espaço de Arte. Essa
poderá ser a forma de fazer uma síntese.

E o Frei Bento pensa que dentro da Igreja há respeito de umas
tendências pelas outras? Não ignora, certamente, que muita gente acha,
por exemplo, que o senhor é o chefe de uma seita.

Isso faz-me rir, porque eu nunca tive um grupo sequer, quanto mais uma
seita. Quanto estive na União Soviética, depois do 25 de Abril,
ficaram todos muito aborrecidos porque eu apresentei-me como
anarquista colaborante. Mas é isso mesmo o que eu sou. Estamos num
mundo democrático e num catolicismo plural, e eu apareço quando
precisam de mim, não organizo nada. Deus me livre. Repare que em
Portugal fala-se muito dos católicos não praticantes, como sendo o
grande número, vai-se ver e dizem que o são só porque não vão à missa.
Não acho tal. Há certas missas a que eu não iria. Já me aconteceu ir a
uma igreja e sair pela porta fora. Uma vez um bispo disse — "Leio as
suas crónicas mas nem sempre estou de acordo com o que escreve." Eu
respondi: "Não se preocupe, porque com o que o senhor diz eu nunca
estou." Tenho medo dos grupos arregimentados. Há logo quem queira
obediências. Mas acho que não há animosidade entre as pessoas.

E o senhor acha que Fátima foi um bem para Portugal?

Acho que foi bom, num contexto de guerra, ter surgido a imagem de uma
senhora que diz que é o Coração de Maria. Dá que pensar, é bonito. O
cardeal Cerejeira disse que Fátima impôs-se, não foi a Igreja que
quis. Também é bonito. É bonita a procissão das velas, é bonita a
procissão do adeus. Mas eu já escrevi sobre isso, aquela procissão,
com os lenços a acenar, é a imagem de um povo emigrante a despedir-se.
Fátima é um cais do adeus, como se houvesse uma despedida de alguém,
que afinal não parte. Transformou-se num lugar mágico. Mas cada um tem
e vive a Fátima que quer.

Para o Papa João Paulo II, parece que foi um lugar de agradecimento
por estar vivo. Não é estranho que numa religião cujo fundador foi
pendurado de uma cruz até à morte, o seu representante passe um dia
inteiro de joelhos agradecido por ter sido salvo de um atentado?

Não é só estranho, é mais do que isso. Era um polaco com uma devoção
estranha. Uma coisa muito primitiva. E depois a história do segredo,
que afinal não havia.

Acho que mandou colocar a bala que lhe era dirigida na cabeça da
imagem da Nossa Senhora.

Se fosse só isso. A religião dele não ia lá muito longe. Idolatria. Vê
bem, o que é um ídolo? É uma falsa ciência, consiste em expressar isto
por aquilo. As pessoas fixam-se em objectos. Fátima bem que poderia
ser um lugar de fé mais livre, mas não. E depois, em cada igreja do
país existe uma imagem da Senhora de Fátima. Em todo o lugar,
encontramos lá aquelas imagens muito feiinhas. É como se Fátima
tivesse comido o catolicismo português. Esses são os aspectos chatos.

Quer dizer que o senhor ainda não acredita que o Papa Francisco seja
uma realidade. Toda a vida sonhou com ele, e afinal ele existia lá no
fim do mundo.

Mas o meu primeiro entusiasmo foi com João XXIII. Ele tinha estado em
Portugal, tinham-lhe dado um texto sobre o Sagrado Coração de Maria,
só que se tinham esquecido de colocar a cedilha no ç, e ele passou o
dia a ler coracau de Maria, coracau de Maria. Não tinha nenhuma
esperança nele. Quando foi eleito Papa, julguei que isto nunca mais ia
arrancar. Afinal, ele viria a ser a mudança. E agora, este Papa, que
veio trazer a alegria. Evangelli Gaudium é o texto de um pastor que
tem os olhos postos no seu povo. Não é um bonzinho, nem um abstracto,
é um Papa que olha para os desfavorecidos, os perdidos neste mundo,
com realismo e sem medo de concretizar.

Conforme a Doutrina Social da Igreja?

Não, a Doutrina Social da Igreja diz que o cristão não tem que se
meter no concreto, só aponta os princípios. Só que ele experimentou
todos aqueles colapsos na Argentina, conheceu a bancarrota, os
governos sucessivos, os horrores da ditadura, e agora olha para o
mundo e vê que são só números e artimanhas financeiras e sabe do que
fala. Esta economia mata. Ele atreve-se a dizer o que os financeiros
sabem mas não querem declarar. Atreve-se, tem uma imensa força
convocatória.

Também o senhor não tem medo de descer ao concreto. Chega mesmo a
resumir livros e documentos onde encontra soluções que poderiam ser
aplicadas. Os livros de Boaventura de Sousa Santos, por exemplo.

Não é para canonizar autores, é para dizer que não há só uma solução.
Que examinem as alternativas. Estou como o outro que dizia, "Esto no
tiene vuelta de hoja." Esta folha não tem reverso, é preciso rasgar
esta folha. Despertar a inteligência, o coração, a sensibilidade e
encontrar uma solução diferente. É por isso que a cultura, que entre
nós anda tão asfixiada, faz uma falta imensa. A leitura, a música, o
teatro, o cinema, a pintura, acordam-nos para não ficarmos paralisados
onde nos encontramos. A Arte ajuda-nos a irmos para onde não sabemos.

E não tem medo dos textos profanos? Há certos sectores da Igreja que
não apreciam. Acham que vêm complicar demais. Até um poema inocente
sobre a fraternidade, como o da israelita Else Lasker-Schüler,
Reconciliação, mete medo aos cristãos. No entanto, nele pode ler-se —
"Não faz o meu coração fronteira com o teu?/ o Teu sangue não pára de
dar cor às minhas faces…" Convocação da fraternidade pura, mas só o
formato parece assustar. E o senhor, como faz?

Não devemos ter medo das várias formas de falar. A Bíblia é feita de
muitos livros e muitas linguagens. Falamos de vários modos, como
sabemos, para não ficar mudos. Então era melhor a teologia do
silêncio? Não, não era. Uma pessoa anda a salvar-se todos os dias do
niilismo, anda a ultrapassar a ideia de que não serve para nada. Eu
tenho um respeito imenso por Eduardo Lourenço, leio os seus textos e
fico a ferver interiormente, e ao mesmo tempo paralisado por aquelas
palavras. Em poesia, mesmo o mais blasfemo ajuda-nos a ver do outro
lado. Guimarães Rosa ou Adélia Prado enchem-me de um sentimento
inexplicável de grandeza. Como quando leio Assim Falava Zaratustra. A
minha perspectiva está sempre a deslocar-se para o outro lado. Eu
estou no meio do mistério, a Arte ajuda-me a deslocar-me no meio dele.
A descobrir um carreiro, como uma formiga.

Vi uma fotografia do seu quarto. Comoveu-me. Tem equivalente, na
pintura, ao atelierdo Francis Bacon. Um turbilhão. Camadas sobre
camadas. Mas, sentado à mesa, vem-lhe à cabeça o essencial. Como
acontece?

Fazes-me rir. Já foi arrumado duas vezes. Mas aquilo está assim porque
só trabalho com os textos dos outros, com o que os outros dizem, os
outros escrevem. Não tenho talento para criar a partir de mim, eu
tenho de ser fecundado pelos outros. Eu não tenho a paixão da escrita,
eu tenho a paixão da leitura. Há tantas coisa que me pedem. Como vou
fazer? Eu precisava de novecentas vidas para poder assimilar as ideias
daqueles livros todos. O Lobo Antunes, meu amigo, pergunta-me às vezes
se acho que ele poderá escrever, depois, lá no outro lado. Mas eu
também não sei se ele pode escrever lá.

Vejo que o senhor acha que nos vamos encontrar lá, no outro lado. Mas
então, para onde é que vamos viver?

Olha, também não sei, vamos para onde nos der jeito.

http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/estou-no-meio-do-misterio-1670822

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