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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

terça-feira, maio 30, 2017

# HIV em Portugal baixa 73,5% entre 2000 e 2016

http://observador.pt/2017/05/29/novos-casos-de-vih-e-tuberculose-voltaram-a-baixar-em-2016/

Novos casos de VIH e tuberculose voltaram a baixar em 2016

29/5/2017, 15:06 Marlene Carriço

O número de novos casos de infeção por VIH voltou a cair em 2016 para
o valor mais baixo desde o início dos anos 90. Mas nos homens que têm
sexo com outros homens tem subido o número de casos de VIH.

O número de novos casos de infeção pelo vírus da imunodeficiência
humana (VIH) continua a baixar. Em 2016, foram diagnosticados 841
novos casos, menos 357 do que no ano anterior e quase metade daqueles
que foram diagnosticados em 2014, segundo o relatório da Direção Geral
de Saúde (DGS) que faz o ponto de situação sobre a infeção VIH, Sida e
Tuberculose, em 2016, e que foi divulgado esta segunda-feira.

Recuando um pouco mais e olhando para o início do novo milénio, a
quebra é ainda mais significativa: menos 73,5% do número de novos
casos entre 2000 e 2016. E a DGS aponta algumas explicações: "o acesso
a esquemas terapêuticos mais eficazes e a implementação de políticas e
estratégias na área das drogas, nomeadamente a descriminalização do
uso de substâncias ilícitas e programas de redução de riscos e
minimização de danos (programa troca de seringas e programa de
susbtituição opiácea)".

Estes 841 novos casos — que ainda podem sofrer alguns ajustes —
traduzem-se numa taxa de 8,1 novos casos por 100 mil habitantes, ainda
assim acima da média dos países da União Europeia que registam uma
taxa de 6,3 novos casos por 100 mil habitantes. Dos 841 casos, 161 já
tinham sida. Estima-se que 45.501 pessoas vivam com sida em Portugal,
dos quais 41.073 diagnosticados, segundo o mesmo relatório.

Mas esta redução global do número de novos casos, quando analisada
mais à lupa, permite tirar outras conclusões. Desde logo que por cada
três mulheres infetadas, há sete homens infetados. Mas não só.

Embora, em termos absolutos, o número de novos casos seja maior na
população que se infeta por via heterossexual [57% dos novos casos em
2016], quando vemos a evolução dos últimos anos onde está a haver
maior aumento é na categoria homens que têm sexo com outros homens
[35% dos novos casos em 2016]", confirmou ao Observador Isabel Aldir,
responsável do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, da Direção
Geral de Saúde.

E para enfrentar esta realidade — que é a do aumento dos novos casos
em homens que têm sexo com outros homens — "para além do que já está
no terreno e que temos de melhorar, temos de nos adaptar às diferentes
realidades porque esta é uma categoria que é dentro de si própria
muito diversa. O que acho que vai poder fazer a diferença é a
disponibilização ainda este ano da profilaxia pré-exposição, em
pessoas reconhecidamente em situações de risco".

Basicamente consiste num tratamento muito específico, que só será
receitado após uma avaliação do risco, por pessoas conhecedoras e
experientes na matéria, e que deve ser tomado durante o período em que
adota esse comportamento de risco. Este comprimido atualmente é
administrado a doentes já infetados em tratamento.

Além disso, outro dos pontos que é reiterado este ano é o da
localização dos novos casos. A maioria residiam no distrito de Lisboa
(41,1%), Porto (18,5%) e Setúbal (11,3%). A concentração de novos
casos nas grandes cidades não é exclusiva de Portugal daí que se tenha
criado o projeto ONUSIDA: o Fast Track Cities: Cidades na Via Rápida
para eliminar o VIH. Portugal vai assinar a estratégia conjunta esta
segunda-feira. A ideia é "que os municípios se envolvam num
compromisso de criarem uma rede e melhorarem as circunstâncias de vida
das populações", com estratégias locais que permitam combater este
problema.

Quanto às faixas etárias dos novos casos, Isabel Aldir preferiu
separar os grupos. "A faixa etária depende da categoria de
transmissão. Ou seja, nas pessoas que se infetam através de
transmissão heterossexual a mediana de idades é de 41 anos. Nos homens
que fazem sexo com homens a mediana é de 31 anos. Na prática
infetam-se 10 anos antes e cada vez este fosso de idades se vai
alargando mais", avançou ao Observador.

Ao todo, entre 1983 e 2016 foram notificados 55.632 casos de infeção
por VIH, sendo que desses 11.008 morreram entretanto.

1.699 novos casos de tuberculose em 2016

Em relação aos novos casos de tuberculose, também os números são
positivos. Em 2016, foram notificados 1.699 novos casos, traduzidos
numa incidência de 16,5 novos casos por 100 mil habitantes.
"Mantendo-se, como usualmente, uma redução da taxa de notificação e
incidência de 5% ao ano", lê-se no documento a que o Observador teve
acesso, que frisa contudo que os resultados definitivos deverão ser
"superiores e estimados numa taxa de notificação de 19,8 por 100.000
habitantes e numa taxa de incidência de 18,0 por 100.000 habitantes".

Recorde-se que em 2000, as taxas de notificação e de incidência
"situavam-se em valores próximos dos 40, conseguindo-se, neste
intervalo de tempo, uma diminuição para menos de metade".

Também no caso da tuberculose se verifica uma concentração dos novos
casos nos distritos de Lisboa e Porto. "Desde o início do milénio
reduzimos imenso a taxa de incidência da tuberculose. Temos é agora
também assimetrias regionais como no VIH, daí voltar à importância das
estratégias mais locais. O que pode ser uma solução num sítio não é
necessariamente a melhor opção noutro. E temos de ter particular
atenção a grupos mais vulneráveis", rematou a responsável da DGS,
Isabel Aldir

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sexta-feira, maio 26, 2017

# Is terrorism in Europe at a historical high?

[Ver Gráficos online]

https://www.weforum.org/agenda/2016/03/terrorism-in-europe-at-historical-high/

With the recent attacks on Brussels, Paris and Turkey, the threat of terrorism understandably looms large in the minds of many Europeans. But our perspective may be historically skewed: the data shows this isn't actually the deadliest spate of terrorist attacks the region has seen.

This chart uses information from the Global Terrorism Database to show the number of deaths caused by terrorism in Western Europe between 1970 and 2015.



The number of fatalities from terrorist attacks between 1970 and 1990 amount to considerably more than those killed between 1990 and 2015.

In 1988, more than 425 people were killed in terror-related attacks in Western Europe. One of the most fatal, the bombing of Pan Am flight 103, led to the deaths of 270 people when the plane came down in the Scottish town of Lockerbie.

From 2000 to 2015 the death toll from terrorist attacks drops, with most years seeing less than 50 fatalities, a stark contrast to the years leading up to 1990 when more than 150 people died almost every year.

Since the turn of the millennium, Western Europe has seen a series of devastating terrorist attacks, including the deaths of 191 people in the 2004 Madrid train bombings, 52 people in the 2005 London bombings and the killing of 77 people in Norway in 2011 by lone-wolf terrorist Anders Behring Breivik. In last year's Paris attacks,130 lost their lives.

"Western Europe is safer now than it has been for decades and is far safer than most other parts of the world," said Dr Adrian Gallagher, Associate Professor in International Security at Leeds University.

He adds that this chart would "support the idea that Western Europe is perhaps more peaceful now than at any point in modern human history". And in fact, Western Europe experiences a very small percentage of deaths from terrorism across the world.




Between 2001 and 2014 Iraq experienced the greatest number of deaths from terrorist attacks, with more than 40,000 people dying during that period. Worldwide, over 100,000 people were killed in terror attacks in the same time period, with only 420 of these deaths occurring in Western Europe.

However, death tolls alone don't show the full picture of the threat posed by today's terrorist groups. Raffaello Pantucci, Director of International Security Studies at the Royal United Services Institute, says that extremists have changed the way they carry out attacks over the years.

"Nowadays you are dealing with people who are willing to die in pursuit of the action and that makes it much harder to protect people from them," he said.

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quarta-feira, maio 24, 2017

# Em 2050 os oceanos podem ter mais plásticos que peixes!

http://observador.pt/2017/05/24/necessarios-materiais-alternativos-aos-plasticos-para-combater-poluicao-nos-oceanos/

Necessários materiais alternativos aos plásticos para combater
poluição nos oceanos

Agência Lusa

O plástico "não vai desaparecer de um momento para outro", são
necessários materiais alternativos, amigos do ambiente, e mudanças nas
empresas, para enfrentar a grave poluição dos oceanos.

Em 2015, as estimativas existentes referiam 150 milhões de toneladas
de plástico nos oceanos, quantidade que será de 250 milhões de
toneladas em 2025 e de 850 milhões de toneladas em 2050

O plástico "não vai desaparecer de um momento para outro",
nomeadamente nas embalagens de alimentos, mas são necessários
materiais alternativos, amigos do ambiente, e mudanças nas empresas,
para enfrentar a grave poluição dos oceanos, afirmou euta quarta-feira
um responsável comunitário.

"É preciso agir já, por exemplo através de políticas para os plásticos
e na economia circular estamos a passar um sinal às empresas que as
coisas não vão ser sempre como foram até hoje", disse o diretor geral
dos Assuntos do Mar e da Pesca da Comissão Europeia, João Aguiar
Machado.

Mas o excesso de embalagens de plástico "não vai desaparecer de um
momento para outro" porque os alimentos têm de ser acondicionados e "é
preciso desenvolver produtos alternativos", como plásticos
biodegradáveis, acrescentou.

João Aguiar Machado respondia a jornalistas no final do debate sobre
como "Tornar o oceano mais limpo e sustentável, políticas europeias e
prioridades nacionais" que decorreu hoje em Lisboa, numa iniciativa
que incluiu a inauguração de uma exposição sobre a presença de grandes
quantidades de plástico no mar, lixo que afeta o equilíbrio dos
ecossistemas.

A exposição, que vai ficar em Lisboa, até 15 de agosto, foi produzida
pelo Aquário Nacional da Dinamarca e por uma organização
não-governamental (ONG), a Plastic Change, com o apoio da Comissão
Europeia e do departamento de Estado dos Estados Unidos.

A mostra, que já passou pelas capitais da Dinamarca (Copenhaga) e da
Estónia (Tallinn), irá depois para Malta (Valeta), Itália (Génova) e
Bélgica (Bruxelas) na tentativa de sensibilizar os europeus para o
problema da poluição dos plásticos no oceano através de informação e
de imagens, por vezes, chocantes, de enormes quantidades de resíduos
daquele material a boiar.

Como realçaram os intervenientes na iniciativa, nomeadamente a
encarregada de negócios da embaixada norte-americana em Portugal,
Herro Mustafa, a quantidade de plásticos no oceano está a aumentar e,
se nada mudar, em 2050, haverá mais plástico que peixe no mar.

Em 2015, as estimativas existentes referiam 150 milhões de toneladas
de plástico nos oceanos, quantidade que será de 250 milhões de
toneladas em 2025 e de 850 milhões de toneladas em 2050.

Vários estudos científicos referem os impactos do plástico quando
deteriorado e fragmentado (resíduos de microplástico) nos peixes e
aves, que o ingerem confundindo com alimento.

Acerca dos efeitos para a saúde dos humanos, os resultados são ainda
inconclusivos, mas a investigadora Filipa Bessa do MARE da
Universidade de Coimbra, relatou durante a sessão que um trabalho a
decorrer no estuário do Mondego, centrado em linguado, robalo, solha e
sargo, detetou partículas de plástico nos estômagos dos peixes.

O diretor geral da Comissão Europeia salientou que a diminuição das
quantidades de plástico envolve "a redução do plástico que se usa uma
vez e se deita fora" mas também "uma maior reutilização na economia
desses plásticos", assim como o desenvolvimento de outros mais amigos
do ambiente, biodegradáveis.

João Aguiar Machado valoriza igualmente as campanhas de educação e de
sensibilização nas escolas para "as pessoas se darem conta que o
plástico é um produto que tem muito valor, é muito útil, mas pode ter
grandes inconvenientes".

Com o aumento previsto da população no mundo, vamos ter de virar-nos
cada vez mais para o mar para obter recursos, não só peixe, mas também
minerais, biotecnologias, algas e vai haver uma procura cada vez maior
de recursos no planeta e na terra já estão a chegar ao fim", alertou.

No entanto, defendeu, "é essencial que seja feito de um modo
sustentável e a solução [que] pode parecer muito fácil é proibir
atividades, mas é muito simplista, a realidade é que atividades no mar
já acontecem hoje".

Por isso, têm de ser criados mecanismos para reutilizar os plásticos e
fazer com que haja incentivos para que não sejam deitados fora, sejam
reciclados na economia e circulem, o que diminui a quantidade que tem
de ser produzida, explicou o diretor geral.

Quando os cidadãos se comportarem de maneira diferente, as empresas
que fabricam plástico vão ver que a aceitação já não é a mesma",
acrescentou.

A meta fixada para reciclagem de plásticos aponta para que em 2025
sejam reciclados 55% dos plásticos usados, enquanto a redução do lixo
no oceano tem como meta 2030.

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terça-feira, maio 23, 2017

# Ensaio de Henrique Raposo. O pós-verdade é o pós-pecado

http://observador.pt/especiais/ensaio-de-henrique-raposo-o-pos-verdade-e-o-pos-pecado/

Combater o pós-verdade? Talvez regressando ao realismo e à
transcendência da tradição que nos criou: o cristianismo. E com um
exame de consciência dos próprios cristãos. Um ensaio de Henrique
Raposo.

Zaqueu

Chamemos-lhe Joana. Tem quinze anos quando engravida. Contra a vontade
do namorado, da família e do ar do tempo, Joana assume a gravidez.
Vive num bairro popular, preconceituoso e impiedoso, é um bairro que
destila veneno piadético à passagem da sua barriga. Joana também deixa
a escola por razões óbvias. Tem o filho e bate à porta da igreja: quer
baptizar o bebé. O padre porém recusa o sacramento do baptismo à
criança, visto que Joana é "mãe solteira". Parece que o bebé está fora
de esquadria, qual parede torta e irrecuperável. Funcionando como coro
desta tragédia, as senhoras da paróquia, aquelas que se sentam nos
primeiros bancos da igreja, também não escondem o desdém pela jovem
pecadora que não merece entrar no redil dos justos. O espantoso é que
estas paroquianas e este padre são os primeiros a dizer que não se
deve fazer um aborto, são os primeiros a ir para a rua para formar a
falange do "não" ao aborto. A hipocrisia farisaica fala por si: a
Igreja que luta contra o aborto é a mesma Igreja que rejeita baptizar
o filho de uma rapariga que resistiu ao aborto com coragem; uma Igreja
empenhada na luta contra o aborto devia ser a primeira a mostrar
misericórdia sacramental com Joana e com o seu filho.

Antes da minha conversão, escrevi muitas vezes sobre este tipo de
histórias centradas nas Joanas da vida. Recebi sempre o mesmo tipo de
reacção de muitos católicos: num caso clássico de ataque ao mensageiro
que transporta o mal, diziam-me que "isso não é bem assim!", "nunca vi
isso na minha paróquia!", "você está só a difamar a Igreja". Depois da
eleição do Papa Francisco, estes católicos passaram a ter um problema
entre mãos: o mensageiro passou a ser o herdeiro de Pedro; ficou mais
complicado negar o mal. A história de Joana é a história central do
magistério de Francisco. Já era assim quando era apenas Jorge
Bergoglio. Em Buenos Aires, o arcebispo Bergoglio já criticava o
espírito farisaico que transforma o sacramento, sobretudo o baptismo,
numa chantagem e num mecanismo de imposição de um modelo perfeito de
família. Quando passou a liderar o Vaticano, Bergoglio continuou esta
crítica com palavras e actos, baptizando inclusive o filho de uma mãe
solteira na Capela Sistina.

Com este e outros exemplos, Francisco recorda-nos que Cristo não veio
para os perfeitos, veio para os imperfeitos. Recusar o baptismo a um
filho de uma mãe solteira é transformar o sacramento numa arma de
censura, não de misericórdia; é ser Javert e não Valjean, é
transformar a lei numa letra morta que seca tudo à volta com o
legalismo farisaico, é transformar o cristianismo numa eterna Quaresma
sem Páscoa, é desistir de alargar o perímetro da Igreja aos
imperfeitos, é estar num pós-verdade, num pós-evangelho. Sim, num pós
ou pré evangelho. Paróquias legalistas como a de Joana não são
paróquias de cristãos, são paróquias de fariseus que precisam de mudar
para voltarem à verdade. A sua atitude fechada e punitiva afasta
pessoas como Joana e como eu, diga-se. Depois de um passado de
indiferença e ateísmo, passei muito tempo na fronteira, no umbral, na
figueira de Zaqueu, o símbolo do agnóstico curioso em relação a Deus.
Por várias razões, demorei a descer da figueira em direcção à verdade.
Uma dessas razões foi sem dúvida a omnipresença das Joanas. Devido à
presença esmagadora desta e de outras histórias, eu não compreendia a
diferença entre o cristianismo e este farisaísmo amnésico. Sim,
amnésico e iletrado. Na Bíblia, Cristo vê Zaqueu curioso no alto da
figueira e diz "Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em
tua casa".

Repare-se que Zaqueu é um pecador de último grau: é um "cobrador de
impostos", isto é, um traidor e um corrupto aos olhos dos judeus.
Jesus não o censura, não o renega, vai jantar e dormir a casa dele, o
que causa um prenúncio de indignação nas hostes: "ao verem aquilo,
murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa
de um pecador". A resposta de Cristo é clara: "o Filho do Homem veio
procurar e salvar o que estava perdido" (Lc 19, 1-10). Se Cristo
acolheu um traidor corrupto, como é que a igreja não acolhe uma
criança inocente de uma mãe solteira? Uma Igreja que não compreende
este erro é uma Igreja que já desistiu da evangelização, porque fala
apenas para quem nasceu e cresceu dentro do redil. E os outros? E os
que nasceram e cresceram fora da Igreja e que, por isso, só podem
estar fora da ordem correcta dos sacramentos? E os que nasceram e
cresceram fora de esquadria? E os que esperam na figueira da
imperfeição? Quem quer entrar na igreja vindo de fora não pode ser
perfeito do ponto de vista sacramental – compreender esta intrínseca
imperfeição do mundo é a essência da evangelização. É por isso que
Francisco tem apelado ao centro da mensagem do evangelho, que muitas
vezes é esquecida por uma igreja obcecada com um culto da perfeição,
que é mais samurai do que cristão:

"A lei não foi feita para o justo, mas para os maus e rebeldes, para
ímpios e pecadores, para sacrílegos e profanadores, para parricidas e
matricidas, impudicos, pederastas e traficantes de escravos,
mentirosos, perjuros" (1 Tm 1, 8-10).

Quem é que está mais próximo do Senhor? Uma mulher que fez vários
abortos e que se arrependeu, ou uma princesa certinha que nunca passou
por esta provação? Quem é que o Senhor escolheria para dialogar: uma
mulher que é um modelo de piedade e castidade ou uma mulher que
abortou no passado mas que revela curiosidade à passagem do Senhor,
observando-O a partir da figueira de Zaqueu?

A crítica interna de Francisco continua na questão da pedofilia, um
problema que ele atacou com uma energia fora do alcance de Bento XVI e
João Paulo II. E muito continua por fazer. Ainda há dias escrevi uma
crónica na Renascença sobre o filme Spotlight, que retrata a
descoberta do escândalo da pedofilia na igreja de Boston pelos
repórteres do Boston Globe. Com uma triste previsibilidade, alguns
amigos disseram-me de imediato que o filme era uma "cabala mediática"
contra a Igreja. Lamento, mas essa é a posição errada. Salvar a
reputação da Igreja não passa por encontrar "factos alternativos" ou
uma "narrativa" que evite a nossa própria podridão. Até porque a
reputação da Igreja ficou danificada não pelo facto em si (a pedofilia
de uma minoria de padres), mas sim pelo encobrimento da hierarquia e
pela negação do paroquiano comum. O paroquiano e a paroquiana comuns
não quiseram ver o que se passava debaixo do seu nariz. Ou seja, este
fenómeno de larga escala que envergonha todos os católicos só foi
possível porque o catolicismo em geral permaneceu numa bolha de
pós-verdade.

Muitos católicos estão desconfiados em relação ao Papa Francisco.
Alguns nem sequer escondem o ódio que sentem pelo primeiro Papa
jesuíta. Nestas cabeças ultra-defensivas, o Papa devia atacar apenas e
só o exterior da Igreja, o mundo herege, o mundo ateu, o mundo da
indiferença religiosa. Esta atitude é um equívoco e uma traição do
Novo Testamento. Nos quatro Evangelhos e nas cartas de Paulo, os
principais alvos da crítica são os fariseus e os doutores da lei
(criticados por Cristo) e os cristãos judaizantes e farisaicos que
queriam fechar e nacionalizar a Revelação (criticados por Paulo). Os
fariseus que recusaram e recusam baptizar os filhos das Joanas e os
católicos que viveram e vivem em negação em relação à pedofilia odeiam
o Papa Francisco, porque preferem olhar para o mensageiro e não para o
mal. Além do mais, não há cristianismo sem debate interno forte, sem
críticos impiedosos. Haverá maior monumento cristão do que a Divina
Comédia de Dante? Mas haverá crítico mais impiedoso da Igreja do que o
próprio Dante Alighieri? Enquanto Monarchia (o tratado) ficou no index
entre 1554 e 1881, a Divina Comédia (poesia) continuou a espalhar a
mundividência católica como nenhum outro livro. Se calhar, o
catolicismo precisa de mais rebeldes.

Anarquia pós-moderna

Claro que a questão do pós-verdade também se aplica ao mundo exterior.
Aliás, neste tema do pós-verdade, o cristianismo pode ser o antídoto
fundamental.

Antes de tudo, devemos anotar que o pós-verdade não é novo. Entre
outros, Orwell, Camus e Chesterton escreveram sobre as novilínguas ao
longo do século XX. Há porém um dado novo e específico neste
pós-verdade 2.0. No século XX, a desonestidade do pós-verdade tinha
uma dimensão industrial, estava circunscrita às grandes ideologias; o
fascismo e o marxismo eram duas enormes fábricas de mentiras,
falácias, distorções; a novilíngua era imposta de cima para baixo na
lógica do totalitarismo. Ao invés, o pós-verdade do século XXI das
redes sociais não é imposto de cima para baixo, é um movimento de
baixo para cima que impõe incontáveis pós-verdades populares e/ou
populistas. O pós-verdade democratizou-se, massificou-se,
individualizou-se. Não há uma ou duas novilínguas, há dezenas de
tribos e dezenas de pós-verdades e novilínguas a vampirizar o espaço
público.

Onde antes havia totalitarismo há agora anarquia. E esta anarquia tem
duas grandes causas. A primeira é o pós-modernismo da esquerda
pós-utopia, pós-marxismo, pós-totalitária. Aliás, o verdadeiro nome do
"pós-verdade" é "pós-modernismo"; desde os anos 60, a esquerda
pós-moderna não tem feito outra coisa senão destruir o conceito de
verdade através do relativismo moral e epistemológico. No campo
epistemológico, determinou-se que não existe uma verdade empírica,
existem apenas narrativas e os torvelinhos e rodopios engraçadistas da
intertextualidade. Nesta mundividência, a realidade perde a sua forma
material, demográfica, económica, geográfica; deixa de existir uma
verdade empírica, objectiva, mensurável e independente da vontade
pessoal de cada um. Ficamos assim reduzidos a um mero verbalismo
estético que desiste de percepcionar a realidade que é comum a toda a
gente; em vez disso, cria-se uma realidade privada, a tal narrativa.

Repare-se que há aqui uma diferença fundamental entre perspectiva e
narrativa. Perante um facto ou problema empírico, podem e devem
existir diferentes perspectivas e soluções. É essa a essência do
pluralismo. Perante o facto em questão, as diversas sensibilidades
religiosas, morais e políticas podem e devem desenvolver percepções
particulares e parciais do facto. O que não podem fazer é criar uma
narrativa que negue a existência daquele facto. Por exemplo, as
diferentes sensibilidades políticas podem ter diferentes instintos em
relação à segurança social, mas nenhuma pode ignorar que Portugal tem
um rácio trabalhador-reformado de 1.6 e que o nosso índice de
fecundidade é um dos mais baixos do mundo (1.2 bebés por mulher).
Nenhum discurso pode anular esta fria realidade demográfica; estes
números formam um penedo inamovível, nenhuma artimanha linguística o
pode esconder ou arrastar. Um discurso que recuse ver o problema da
segurança social a partir deste ângulo perde logo legitimidade. Sim,
perde legitimidade.

O debate tem regras e negar evidências empíricas é uma clara violação
dessas regras. Mas a nossa tragédia intelectual está precisamente
aqui: o pós-modernismo, que treinou as duas últimas gerações de
jornalistas, intelectuais e até políticos, construiu um espaço público
que é a negação desta regra clássica; criou-se uma atmosfera
intelectual que despreza a evidência empírica. É como se a realidade
fosse uma mera extensão privada de cada pessoa. Cada pessoa cria o seu
próprio mundo, como se não existissem constrangimentos materiais à
expressão linguística do livre arbítrio. Pior: é como se as palavras
não tivessem significado material e moral lá em baixo na realidade. É
por isso que o típico intelectual pós-moderno como Zizek analisa o
cristianismo através dos ovos Kinder, procurando dessacralizar a
Bíblia com esse engraçadismo linguístico. É por isso que o mesmo Zizek
tenta desvalorizar as mortes do totalitarismo estalinista, brincando
com a própria palavra "totalitarismo" (Did Somebody Say
Totalitarianism?). É como se não tivessem morrido milhões de pessoas
no Gulag, é como se o Arquipélago do Gulag de Soljenitsin não fosse
reportagem, mas sim ficção.

Se aboliu a verdade enquanto conceito empírico, o pós-modernismo
também destruir a verdade enquanto conceito moral. Aliás, é essa a
essência do chamado "politicamente correcto" ou "comunitarismo"
(também conhecido por "multiculturalismo"). Estas duas modas
intelectuais hegemónicas no Ocidente dependem da vigência do
pós-verdade e da destruição do Direito Natural, isto é, dependem da
destruição da ideia de que existe uma moral eterna, intemporal e
aplicável a todos os homens de todas as culturas e épocas. De forma
reaccionária, esta esquerda comunitarista diz que não existe uma moral
jusnaturalista com jurisprudência sobre as diversas culturas; cada
cultura é autónoma e define por si só a sua verdade em circuito
fechado; não há direito natural, tudo é relativo. É por esta razão que
não se pode criticar muçulmanos, negros ou ciganos a partir de um
conceito universal de decência. Diz-se que esse conceito universal de
decência é na verdade uma visão "racista" ou "eurocêntrica".

A liberdade do cidadão não é livre arbítrio do consumidor

A direita não se pode ficar a rir, porque também tem culpa neste
cartório, sobretudo a direita que sacralizou o mercado. Porquê? Um
livro de Walter Lippmann com mais de meio século, The Public
Philosophy, ajuda na resposta. Seguindo uma lógica conservadora ou
liberal clássica, Lippmann recordou em 1956 uma lição antiga: antes de
sermos consumidores de um mercado, nós somos cidadãos de uma
república; o mercado pode e deve ser o centro da economia, mas não
pode nem deve ser o centro da república. O mercado é somente um
instrumento económico, só decide o que é mais rentável e produtivo;
não pode nem deve decidir o que está certo ou errado ao nível da res
publica. Uma coisa é dizer que o mercado é o melhor mecanismo de
produção e distribuição de riqueza (um debate fechado); outra coisa é
deixar para a amoralidade do mercado decisões morais que devem ser
tomadas pelo cidadão e pela política. O mercado não é nem moral nem
imoral, é amoral; é só um instrumento material, não é um projecto
moral. O que é excelente, diga-se.

O erro do marxismo foi submeter a economia à moral (ou vice-versa),
transformando o Partido numa idolatria infalível; o Bem e a Justiça
resultavam da decisão do Partido. Ora, depois de 1989, uma certa
direita libertária ou anarco-capitalista quis elevar o capitalismo a
este nível de infabilidade moral; sacralizou o mercado da mesma forma
que os marxistas haviam sacralizado o Partido, assumindo que o
capitalismo é automaticamente benigno: se o mercado vai num certo
sentido, então é porque esse sentido é Bom e Justo em si mesmo. Ou
seja, esta direita assumiu que o mercado é o fim da história, o
elemento que dispensa os debates políticos e morais. Isto nunca fez
sentido; agora no contexto do pós-verdade faz ainda menos sentido e é
cada vez mais uma ameaça ao espaço público e a liberdade da república.
A figura secundária do consumidor está a destruir a figura central do
cidadão.

O consumidor não tem uma responsabilidade pública, é um ser
completamente privado, o seu livre arbítrio só tem um limite – a sua
conta bancária. Já o cidadão tem uma responsabilidade pública, o seu
livre arbítrio tem vários limites. São estes limites que temos de
reconvocar. Nós não somos seres completamente privados, temos
responsabilidades públicas, partilhamos um chão comum com milhões de
outros cidadãos. E este chão comum começa num espaço público assente
em regras e valores partilhados por todos. Uma república formada
apenas por consumidores é uma república que vai destruir a sua própria
liberdade, porque confunde "liberdade" com "livre arbítrio". O
consumidor vive nos seus instintos, nas suas preferências interiores,
nos seus gostos. E gostos não se discutem.

Mas falar e actuar no espaço público não é uma mera questão de gosto,
não é uma mera expressão do livre arbítrio privado. Como dizia Hannah
Arendt, a liberdade republicana nasce numa interacção entre cidadãos
regida por regras que são superiores à mera opinião privada de cada
um. Ou seja, a liberdade não está no coração do homem, está na
interacção de dois cidadãos num chão comum. Só assim pode haver
liberdade. Convém portanto ressuscitar uma tradição mais antiga e
conservadora de liberalismo, uma tradição que nos dizia que o cidadão
não é um mero consumidor, pois a razão e a moral não são produtos
comerciais para compra ou venda; uma tradição que nos dizia que a
liberdade do cidadão é criada pelas regras do espaço público. As
regras não são uma limitação da liberdade, são elas próprias a
essência da liberdade. No rol destas regras, encontra-se o respeito
pela realidade empírica que não depende de opiniões. O problema é que
temos cada vez mais indivíduos imunes a esta regra, porque consomem
informação da mesma forma que consomem calças, carros e brinquedos; só
consomem a pseudo-informação que confirma à partida os seus gostos. A
internet transformou a informação num mercado negro. As pessoas clicam
nos links que confirmam os seus preconceitos, clicam nas páginas que
agradam à sua sensibilidade de consumidor, fazem like naquilo que lhes
dá prazer. Só que o gosto e prazer do consumidor são o preconceito e a
ignorância do cidadão. O algoritmo do Facebook trata do resto.

As duas pulsões (o pós-modernismo de esquerda e a divinização do
mercado da direita) acabam por se juntar numa única corrente: o
igualitarismo democrático que está a corroer as ideia de República, de
Liberdade, de Verdade. Estamos a dois passados do abismo da democracia
pura. Cada indivíduo, armado com o seu smarthphone, é hoje em dia uma
pseudo-verdade separada de tudo o resto, não admitindo a existência de
nenhuma verdade superior ao seu próprio subjectivismo. Isto tem duas
consequências. Em primeiro lugar, desenvolveu-se esta ideia falaciosa:
se todas as pessoas são iguais, então todas as opiniões são iguais;
dizer-se o contrário é incorrer no pecado do "elitismo". Esta falácia
resulta de uma confusão entre moral e capacidades: sim, graças a Deus,
as pessoas são todas iguais do ponto de vista moral e legal, mas não
são iguais ao nível das capacidades. Há uns mais fortes do que outros,
há uns mais inteligentes do que outros e, acima de tudo, há uns que
estudam mais do que os outros – e este estudo cria a autoridade do
saber que está por cima da mera opinião. Mas, como diz Tom Nichols em
The Death of Expertise, vivemos numa era que despreza a autoridade do
conhecimento e do estudo. Nas faculdades, um aluno de primeiro ano
acha que a sua opinião é tão válida como o catedrático com décadas de
estudo, e sente-se ofendido quando o catedrático o coloca no seu
devido lugar. Em segundo lugar, este igualitarismo democrático cria um
ambiente onde não existem valores superiores ao "eu". Nada existe por
cima do "eu acho", nem Deus, nem as regras da liberdade (a república),
nem a família, nem a ciência, nem o saber. Por outras palavras, este
clima de pós-verdade é a perfeita consumação do pecado original – a
ideia de que o homem é completamente autónomo e que sua verdade é
feita por si próprio num circuito fechado; é o homem que determina os
critérios morais que avaliam a conduta moral do homem. Como dizia
Chesterton, os manicómios estão cheios de homens que se julgam
autónomos.

Cristianismo como pó

O cristianismo é importante não só porque tem o conceito certo para
descrever o vício do pós-verdade (pecado original), mas também porque
é na tradição bíblica que vamos encontrar o antídoto para esta doença
intelectual. O cristianismo é realista e transcendente ao mesmo tempo,
e esta dupla face é necessária para enfrentar as duas variáveis do
pós-verdade, o pós-verdade que nega a verdade empírica e o pós-verdade
que nega a verdade transcendente.

O Papa Francisco costuma dizer que "a realidade é superior à ideia".
Isto quer dizer que não pode existir um cristianismo abstracto e
afastado da realidade. Ser cristão implica estar rente ao chão, no
meio do pó, do sangue, das feridas, do pus, da doença, da morte. O
cristianismo não é um cómodo sistema de ideias platónicas que não
tocam na realidade humana; o cristianismo não é teórico, é biográfico
ou autobiográfico. O Verbo encarnou no homem e nasceu no meio do pó e
do esterco. Costumo levar as minhas filhas a quintas cheias de
animais. Quando elas se começam a queixar do mau cheiro, digo-lhes
sempre que Ele nasceu ali, no meio do mau cheiro, dois palmos acima do
estrume. A fofura do presépio moderninho esconde esta dureza original.
A outro nível, muitos jovens vêm falar comigo sobre grandes tratados
teológicos ou filosóficos, querem discutir as grandes ideias, as
grandes palavras que nos esmagam com o peso majestático da maiúscula.
Começo sempre por lhes dizer o seguinte: "meus caros, têm de ler
romances ou biografias, é aí que vão encontrar os dilemas morais que
constroem o cristão por dentro". Nós não amamos o Cristianismo, amamos
Cristo. Não amamos a Humanidade, amamos homens concretos. É por isso
que o pensamento hebraica e bíblico, ao invés do grego, é feita de
histórias, narrativas e parábolas, recusando as grandes ideias
abstractas.

Estes pés cristãos bem assentes no pó são importantes porque o
pós-verdade começa por atacar a verdade enquanto evidência empírica.
São às centenas os exemplos desta disfunção. Vou isolar apenas os que
me parecem mais evidentes. Por exemplo, perante as perguntas "acha que
vive num período violento ou pacífico?" e "acha que tem mais paz ou
mais violência do que gerações anteriores?", a maioria das pessoas diz
que vive num período violento, mais violento do que períodos passados
– um erro quilométrico. Como muitos autores como Steven Pinker já
demonstraram, esta narrativa negra não faz sentido. Nós vivemos num
dos períodos mais calmos de sempre. Nem sabemos a sorte que temos. Mas
o 11 de Setembro não fez 3000 mortos? Mas os americanos não perderam
3000 homens na guerra do Iraque? Sim, é verdade. Mas perderam 58 mil
pessoas no Vietname e 750 mil na guerra civil. Só no dia D (invasão da
Normandia), os americanos perderam mais de 6 mil homens. Mas então não
há o terroristas islamita? Claro que sim. Sucede que o IRA, os Baader
Meinhof, as FP 25 de Abril, Brigadas Vermelhas, a ETA mataram mais
pessoas do que os actuais terroristas islamitas. Acham que é preciso
recuar mais no tempo ou já perceberam o ponto?

Seja qual for a época de comparação, não há ponto de comparação entre
o nosso período histórico marcado pela ordem e outros períodos
históricos marcados pela desordem e por algo que nós conseguimos
congelar até prova em contrário: não há guerra ou tensão pré-bélica
entre as grandes potências do sistema. Então porque é existe este
enorme erro de percepção? Os canais de informação 24 sobre 24 horas e
a internet criam esta miopia através de uma desinformação narcísica
que se desenrola da seguinte forma ao longo do dia: logo pela manhã, o
cadáver de um garoto morto na Síria passa em todos os canais de tv; ao
almoço, o cadáver continua a passar, gerando uma sensação de fim do
mundo; à tarde, essa sensação é transposta para o twitter e facebook:
as pessoas pegam na foto do garoto e fazem posts ou tweets
lacrimejantes e narcísicos, gerando uma competição xaroposa ao nível
da Miss Mundo – "o mundo vai de mal a pior", "teremos salvação?",
"choro pelos mortos da Síria", "je suis não sei quê", etc., etc.
Cria-se assim uma narrativa internética e apocalíptica sem qualquer
relação com a realidade. Síria? O que é específico da Síria em 2017 é
a sua raridade. No passado existiam várias Sírias ao mesmo tempo.
Portugal foi uma Síria na primeira metade do século XIX. Não, o mundo
não tem sido horrível para nós, tem sido até bastante maravilhoso.

Perante a pergunta "a pobreza aumentou ou diminuir nas últimas
décadas?", a maioria das pessoas diz que a miséria aumentou. Outro
erro grave. Não é uma questão de opinião, é uma questão de facto. Numa
geração, a globalização cortou para metade a pobreza à escala global.
Em 1990, a pobreza extrema atingia 1.9 biliões de pessoas. Em 2015, os
miseráveis dos miseráveis eram 836 milhões. Em 1990, 47% da população
dos países mais pobres vivia com menos de um dólar por dia. Hoje em
dia, esse número ronda os 14%. Em 1990, 12,7 milhões de crianças até
aos cinco morriam por ano no chamado terceiro mundo. Agora morrem 6
milhões. Ainda é grave? Sim. Mas repare-se que ocorreu uma melhoria de
50%. Em 1990, morriam 380 mulheres por 100 mil partos nos países em
vias de desenvolvimento. Em 2000, morriam 300; hoje o número está nas
210. Passa-se o mesmo com doenças. A pólio e a malária estão a
desaparecer devido a campanhas de vacinação. No entanto, aqui no
ocidente pinta-se o mundo com cores negras, quase apocalípticas. Hans
Rosling, grande intelectual sueco que faleceu há pouco, passou os
últimos anos a desmontar esta percepção errada.

À pergunta "o mundo melhorou ou piorou nos últimos anos?", só 23% dos
suecos e 5% dos americanos deram a resposta certa. 39% dos suecos e
66% dos americanos garantiram que o mundo tinha piorado. O curioso é
que Rosling fazia a mesma pergunta a um grupo de macacos. Desta forma
irónica, Rosling mostrava que a resposta aleatória dos macacos (33%)
estava mais próxima da verdade do que a resposta consciente de suecos
e americanos. As pessoas não querem ver a realidade tal como ela é,
não querem uma janela, querem um retrato, ou melhor, um auto-retrato;
não querem uma janela analítica sobre o mundo, querem um retrato desse
mundo pintado de acordo com as suas preferências. Se acham que a
globalização é terrível, então recusam aceitar os factos que mostram
que essa globalização retirou milhões da miséria mais abjecta.

Repare-se agora em três casos de negação de factos científicos: o
aquecimento global, os alimentos geneticamente modificados e as
vacinas. Muitas pessoas à direita continuam a negar as evidências do
aquecimento global, porque dizem que é apenas uma falácia pós-marxista
contra o capitalismo. Compreendo a fúria. De facto, o ambientalismo
radical usa o ambiente como uma nova arma contra o capitalismo (o urso
polar substitui o proletariado). Mas este radicalismo verde não
invalida os dados (sobretudo os da paleo-climatologia) que indicam a
presença da mão humana neste aquecimento. À esquerda, muitas pessoas
ligadas a este ambientalismo radical mantêm a opinião de que os
alimentos geneticamente modificados são pestíferos. Sucede que não há
qualquer indício empírico e científico que comprove esse preconceito.
As uvas sem grainha semi-criadas pela nossa engenharia são tão
saudáveis como as uvas normais. Passa-se o mesmo com o aberrante
fenómeno dos pais que recusam vacinar os filhos, alegando que as
vacinas são venenos químicos criados por uma enorme teoria da
conspiração médica que visa apenas alimentar as farmacêuticas. Perante
o achismo do "eu não quero vacinar o meu filho", séculos de ciência
são transformados numa corrente reaccionária que não respeita a
opinião das pessoas que acham que a medicina moderna é uma conspiração
química.

Fala-se muito na crise do jornalismo e há muitas críticas a fazer aos
jornais, sem dúvida, mas o problema começa logo num problema que está
fora do alcance dos jornais: boa parte das pessoas muito simplesmente
não quer ser informada; recusa a informação que nega as suas
narrativas e teorias da conspiração. Aquilo que começou como uma
utopia de informação e conhecimento (a net) acabou por se transformar
numa distopia obscurantista, irracional, anti-ciência.

O cristianismo propriamente dito

A par da verdade enquanto conceito empírico, temos de considerar a
verdade enquanto conceito moral, enquanto ética transcendente,
universal e atemporal que não depende de nada relativo, que não
depende da imanência humana e histórica, isto é, não depende de
Estados, nações ou partidos, não depende de culturas, tradições ou
folclores, não depende de avanços tecnológicos e, acima de tudo, não
depende da vontade ou opinião pessoal de cada um. Perante o "não
matarás" ou perante o "amai o próximo", a minha opinião conta
exactamente para quê? É uma irrelevância. O cristianismo ensina-nos
que há sempre algo superior à nossa própria opinião; existe uma
verdade transcendente que está situada numa esfera superior à nossa
mera imanência subjectiva. E temos sempre de filtrar a nossa opinião
através dessa peneira intemporal.

Mas, antes de olharmos para o mundo exterior, convém olharmos de novo
para o espaço católico. Porque esta questão do pós-verdade na moral
também afecta católicos, quer numa versão sofisticada, quer numa
versão humilde. Estas duas versões acabam por desenvolver um
catolicismo subjectivo à la carte. É como se fossem a um alfaiate
teológico encomendar um catolicismo feito à medida, que deixa no chão
bocados de tecido bíblico que não interessam.

Entre o povo mariano que enche Fátima, encontramos muitas pessoas que
dizem "Nossa Senhora é que é"; são pessoas que transformam o
marianismo num culto à parte, quase pagão e sem relação com a
Santíssima Trindade. Isto não faz sentido. Maria é um caminho para
Jesus, não é um fim em si mesmo. Devemos rezar com Maria, não para
Maria. Não se trata de snobismo perante o povo humilde, trata-se de
respeitar a verdade bíblica.

Entre os católicos mais sofisticados, ouve-se muitas vezes "não sou
bem uma católica ortodoxa, sou heterodoxa", "sou católico mais ou
menos, não praticante". Quer isto dizer o quê? Que cometem o pecado
oposto ao dos fariseus — o pecado dos saduceus. Se os fariseus são
legalistas e acabam por perder o rasto da misericórdia, os saduceus
são relativistas e entram num subjectivismo à Pelágio que acaba por
negar Deus, impondo à Bíblia o livre arbítrio do homem (o pecado
original); os saduceus estão e não estão na fé, não têm coragem para
ir até ao fim, escolhem umas partes, negam outras, que são
consideradas "pessimistas", "reaccionárias", "pouco modernas", etc. Um
exemplo clássico deste saduceu cool é o seguinte: aprecia a
luminosidade do 11.º mandamento (misericórdia) mas rejeita a doutrina
do pecado original. É demasiado negra, diz. Ao recusar o pessimismo do
pecado original, este católico-saduceu recusa ver-se a si mesmo como
um ser caído e imperfeito; este católico-que-se-diz-moderno esquece
que o cristianismo não é uma troca de peluches, é uma guerra pessoal
contra nós próprios. A Bíblia diz "odeia-te", força-nos a reconhecer
erros, leva-nos a filtrar e civilizar o nosso ego. Sem este pessimismo
validado por Santo Agostinho, o cristianismo corre o risco de ser um
livro de auto-ajuda.

A par da recusa do pecado original, este catolicismo de alfaiate
trendy recusa a própria existência dos diferentes pecados. Sim, muitos
católicos partilham uma das marcas do ar do tempo: encara-se o pecado
não como um mal objectivo, mas com uma ameaça à liberdade ou uma
negação da própria natureza de cada um. Como diz Tiago Cavaco em Seis
Sermões contra preguiça, a preguiça deixou de ser preguiça e passou a
ser uma espécie de traço de personalidade. A ira deixou de ser ira e
passou a ser outro traço de personalidade; aceita-se que aquele pessoa
tem "mau feitio" que não consegue controlar. A luxúria deixou de ser
luxúria e passou a ser "poliamor", "liberdade sexual" ou "novos
costumes". A mentira deixou de ser mentira e passou a ser "narrativa".
O pecado, que é imoral, passou a ser amoral, porque faz parte da
natureza das pessoas como a cor do cabelo ou o comprimento das pernas;
o pecado passou a ser neutro moralmente como o diâmetro do nariz ou a
espessura dos lábios.

Arrumada a casa, passemos para o exterior da igreja. Claro que este
ponto da verdade enquanto moral também implica um confronto com o
mundo. E aqui devo confessar uma coisa: não compreendo como é que se
pode pensar sem a presença de uma verdade eterna e transcendente que
não dependa das imanências relativas e históricas. É por isso que
costumo invocar o Direito Natural ou jusnaturalismo, que é uma outra
forma de falar de Deus sem assustar as pessoas. Se quiserem, o Direito
Natural é a razão prática retirada de uma razão pura (Deus). De Cícero
a Burke, de São Paulo aos pais fundadores dos EUA, passando por Kant,
o Direito Natural diz-nos que todos os homens nascem iguais e
detentores de direitos inalienáveis que nenhum poder político ou
cultural pode negar. A fonte do direito não é a política e o direito
positivo, mas sim uma ideia de justiça transcendente. O direito
positivo não cria direitos, só pode reconhecer direitos já
preexistentes. Mais: sem Direito Natural, nós não teríamos um ângulo
de crítica ético sobre os diferentes poderes de facto. Sem a presença
do Direito Natural, teríamos de aceitar à partida a validade moral de
qualquer tradição cultural ou de qualquer decreto-lei. Querem
exemplos? Num mundo sem a luz do Direito Natural, Richard Nixon teria
razão quando disse "se o presidente o faz, então está certo". Esta
frase de Nixon representa a sacralização do decreto-lei e do poder
positivo, representa um mundo onde Poder e Moral são sinónimos. Claro
que não são. A assinatura de um político ou um juiz não legitima de
imediato uma lei. Legitimidade e Legalidade não são sinónimos. Uma lei
pode ser legítima, mas também pode ser ilegítima. Aliás, o facto de
termos a liberdade e o ângulo ético para dizer "essa lei é ilegítima"
até pode ser visto como o pilar número do Ocidente.

Sem Direito Natural, teríamos de aceitar enquanto "especificidade
cultural" fenómenos como os "crimes de honra" ou como os "casamentos
forçados" das comunidades muçulmanos. Sem Direito Natural, tudo
passaria a ser relativo à história, à cultura, à tradição, logo
teríamos de dizer que um "casamento forçado" faz parte da "cultura
deles" e teríamos de reconhecer que essa e outras práticas não podem
ser criticadas porque não existe um critério moral e universal acima
da cultura de cada povo. Nesta lógica reaccionária partilhada por
nacionalistas de direita e pelo politicamente correcto de esquerda,
cada comunidade tem a sua própria bolha de pós-verdade. Maurras, o
antepassado de Le Pen, é igual a Edward Said, o antepassado dos
politicamente correctos. Ambos destruíram o jusnaturalismo; ambos
impuseram o relativismo da história como único critério de avaliação
da acção humana. Ora, se esta perspectiva de Maurras e Said estivesse
correcta, se tivéssemos de seguir esta sacralização da tradição
cultural expressa através de uma maioria democrática, a escravatura
nunca teria sido atacado por Lincoln, porque a vil instituição era
legítima aos olhos da tradição e da democracia dos estados
confederados; da mesma forma, a segregação não teria sido atacada por
Lyndon Johnson, porque era legítima aos olhos da cultura e da
democracia dos estados sulistas. Se seguíssemos esta perspectiva, as
mulheres brancas nunca poderiam ter conquistado o direito de voto,
porque a tradição dizia que as mulheres deviam ficar em casa.
Curiosamente, quando se fala hoje em dia das mulheres muçulmanas a
viver na Europa, o ar do tempo diz que elas estão condenadas à
submissão, "porque é a culturas delas e deles, porque é assim na
cultura muçulmana". Isto não é aceitável. Com ou sem tradição, com ou
sem cultura, forçar uma adolescente a casar com um homem mais velho
não é uma "especificidade cultural", é uma barbárie intolerável que
viola os direitos humanos.

A ideia de que existe uma noção de bem universal e independente do
poder político e do poder cultural também se aplica ao poder da
tecnologia. Tal como a imanência político-jurídica e tal como a
imanência cultural, a imanência tecnológica não decide por si só a
legitimidade de uma acção ou de uma invenção. A ciência, como vimos, é
soberana no campo empírico, mas perde essa soberania no campo moral.
Tal como o mercado, a ciência labora apenas no campo da possibilidade
material, não entra no campo das legitimidade moral. Por exemplo, a
ciência não decide a moralidade do aborto ou da eutanásia. A ciência
só responde a duas perguntas: é possível fazer o aborto? Se for
possível, quais são as formas mais indolores? A pergunta central
(devemos fazer um aborto?) não cabe à ciência, porque a ciência é
amoral por definição. Antes de entrar no laboratório, o cientista até
pode ser o mais preocupado e catolicíssimo dos cidadãos, mas ele sabe
que o seu trabalho científico dentro do laboratório tem sempre uma
linguagem amoral.

E o nosso problema começa aqui: a sociedade em geral está moralmente
despida perante as novidades científicas e tecnológicas. Aceita-se
qualquer geringonça sem questionamento moral, é como se a tecnologia
tivesse em si mesmo uma moral benigna: se é tecnológico, se é novo,
então é bom. O Bem e a Técnica fundem-se; confunde-se a possibilidade
tecnológica com a legitimidade moral. O resultado desta idolatria da
técnica é uma atmosfera amoral. Os exemplos são inúmeros. Por exemplo,
decidiu-se que a encriptação dos telemóveis está acima do próprio
estado de direito; mesmo que assim o exija em nome do bem comum, um
juiz não pode ter acesso ao interior encriptado de um iphone. Como é
que pode existir um espaço tecnológico que é uma bolha de pós-verdade
à prova de um mandato judicial?

A amoralidade volta a ser evidente nas questões da nanotecnologia e da
biotecnologia, que estão projectando um futuro pós-humano que deve ser
questionado. Temos o direito de introduzir nano-chips no nosso
cérebro, elevando assim as nossas capacidade mentais para níveis
pós-humanos? Temos o direito de entrar neste caminho cyborg que nos
funde com a máquina? Temos o direito de recorrer à eugenia para criar
ex nihilo os nossos filhos? Temos o direito de criar filhos sem a
doença x, y e z? E se podemos evitar geneticamente uma doença, isso
também quer dizer que podemos aumentar à socapa a inteligência desse
feto? Temos o direito de criar um fígado ou coração para trocarmos de
órgãos como se estivéssemos a trocar de pneus? Terei eu direito a
criar um clone que funcione como a minha oficina de órgãos
substitutos? Temos o direito de ressuscitar espécies animais extintas
como os mamutes? Não, não se trata de uma adaptação manhosa do
Jurassic Park. É uma hipótese real: em breve será possível recriarmos
ex nihilo uma espécie animal há muito extinta. Será possível. Mas será
legítimo? Essa é uma pergunta que ciência não pode responder. Essa
pergunta entra no perímetro da Igreja, não da ciência.

Realista e transcendente

Quer pela sua dimensão realista, quer pela sua dimensão transcendente,
a tradição cristã é o grande antídoto contra o pós-verdade, que
começa, como vimos, dentro da própria Igreja. Há um pós-verdade
fariseu e um pós-verdade saduceu; ambos são prejudiciais, ambos
danificam a capacidade da igreja para actuar sobre o mundo exterior. E
esse mundo exterior precisa, mais do que nunca, de uma injecção de
cristianismo. Tal como diz Pierre Manent, este momento de pós-verdade
no ocidente só pode ser combatido com um regresso às origens bíblicas.
Kant não chega, Tocqueville não chega. Burke não chega. Lincoln não
chega. Camus não chega. Tolstoi não chega. É preciso ir à fonte. É
preciso ir a Dante. É preciso ir a Santo Agostinho. É preciso ir à
Bíblia. Só nessa fonte vamos encontrar as verdades necessárias para
vencermos este combate intelectual. E, como dizia São Paulo, "apoiado
nelas, combate o bom combate, conservando a fé e a consciência" (1 Tm
1, 18-19).

Este bom combate tem duas frentes. Contra aqueles que recusam
reconhecer a existência de factos empíricos, insofismáveis,
mensuráveis e independentes da nossa vontade subjectiva, há que impor
o realismo e a humildade de uma fé que começou na manjedoura. O
cristão não é um místico etéreo, é um soldado que está rente ao chão,
colado ao solo e aos factos, sobretudo àqueles que podem ser
desagradáveis para as nossas ideias pré-concebidas. Contra aqueles que
recusam reconhecer a existência de uma moral universal, transcendente,
intemporal e com jurisprudência sobre a imanência da lei, da política,
da cultura, da tradição e da tecnológica, há que defender a razão pura
(Deus) e, acima de tudo, a razão prática (Direito Natural). Como dizia
Leo Strauss, se tudo é relativo, se não há direito natural, então o
canibalismo é uma mera questão de gosto.

Texto retirado da palestra proferida no "Fé e Cultura" organizado pelo
CUMN (Coimbra), 1 de Abril

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sexta-feira, maio 19, 2017

# Mapa com a evolução da população mundial 0-2050

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quarta-feira, maio 17, 2017

# Bispos ingleses propõem questionamentos aos católicos antes de eleições

http://snpcultura.org/bispos_propoem_questionamentos_aos_catolicos_antes_de_eleicoes.html

Duas páginas com parágrafos que só excecionalmente ultrapassam três
linhas constituem o formato de uma carta que os bispos católicos de
Inglaterra e Gales publicaram a propósito das eleições legislativas
marcadas para 8 de junho.

São 10 os tópicos apontados pelo episcopado, que apesar de serem
dirigidos à realidade britânica e a uma ocasião específica, podem
servir de inspiração para avaliar o desempenho de um governo e as
posições assumidas pela oposição em muitos países.

A primeira parte da missiva começa por recordar aos católicos que a
crença em Deus implica responsabilidades na vida da sociedade,
apresentando, nesse sentido, um excerto do n.º 183 da exortação
apostólica "A alegria do Evangelho", do papa Francisco:

«Uma fé autêntica (...) comporta sempre um profundo desejo de mudar o
mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da
nossa passagem por ela. Amamos este magnífico planeta, onde Deus nos
colocou, e amamos a humanidade que o habita, com todos os seus dramas
e cansaços, com os seus anseios e esperanças, com os seus valores e
fragilidades. A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos».

Seguidamente, os prelados apelam à participação no escrutínio: «Por
favor, vote. O seu voto é uma questão de consciência. É o seu
julgamento sobre tudo o que Deus quer de nós, quer pessoalmente quer
como sociedade».

Depois de desenvolver quatro princípios gerais extraídos da citação, a
carta lança questões para discernimento pessoal e para serem debatidas
com os candidatos ou os seus apoiantes.

A primeira diz respeito ao "Brexit", defendido pelo partido da
primeira-ministra, Theresa May: «Há mais de três milhões de cidadãos
da União Europeia a viver no Reino Unido e cerca de um milhão de
cidadãos britânicos a viverem noutros países da União. Qual a posição
dos seus candidatos em relação ao futuro dos cidadãos da União
Europeia no Reino Unido e quanto aos direitos recíprocos para os
cidadãos do Reino Unido na União Europeia?».

Sobre a família e a vida, os bispos assinalam que em 2015 o parlamento
«votou esmagadoramente a proteção às pessoas mais vulneráveis da
sociedade, impedindo a legalização da morte assistida. Os seus
candidatos apoiam esta decisão? (...) Que políticas propõem os seus
candidatos para o florescimento da vida familiar?».

No âmbito da justiça, o documento sublinha que «numa sociedade
civilizada as prisões devem ser lugares de redenção e reabilitação», e
no entanto o sistema prisional britânico enfrenta «níveis de violência
e suicídio sem precedentes»; «os seus candidatos apoiam a reforma
urgente das prisões e melhores recursos?».

O episcopado interroga igualmente como é que os candidatos vão
garantir um «justo sistema migratório para pessoas que querem entrar e
trabalhar no Reino Unido», mencionando também o acolhimento aos
refugiados e a quem procura asilo, nomeadamente em relação à promessa
de reinstalar, até 2020, pelo menos 20 mil sírios.

«Os seus candidatos vão trabalhar para assegurar que este compromisso
é mantido e serão consideradas opções para o expandir? Vão promover
uma sociedade acolhedora e lutar contra o crime de ódio?», interrogam.

O texto lembra que milhões de pessoas são perseguidas, no mundo, por
causa das suas crenças religiosas, e questionam como é que os
candidatos pretendem promover a liberdade religiosa e que medidas
podem tomar como prioritárias no contexto da política externa do Reino
Unido para proteger as minorias religiosas.

A ajuda aos mais pobres no mundo não é esquecida, com os prelados a
realçar que a contribuição do país «salva vidas e ajuda as pessoas a
sair da pobreza», pelo que os eleitores são chamados a saber se os
candidatos se comprometem na proteção e ampliação do orçamento para o
desenvolvimento de países carenciados.

Mas não só no exterior: «Há muitos nas nossas comunidades que são
financeiramente vulneráveis e lutam para sobreviver ou precisam de
habitação digna. Qual é a posição dos seus candidatos na ajuda aos
mais pobres, em termos de saúde, proteção social e habitação? De que
forma é que apoiarão pessoas com problemas de saúde mental? Como é que
financiarão esses serviços?».

No domínio da educação, os candidatos apoiam a escolha dos pais para a
educação dos filhos? E apoiam as escolas católicas como parte de uma
educação baseada na fé?

Por fim, o episcopado detém-se sobre as formas atuais de servidão
humana: «Como é que o seu candidato dará apoio político à luta contra
a escravidão moderna e melhor assistência para as suas vítimas?».

«Há muitas outras questões que irá considerar. Em todas por favor
tenha em conta não só o seu impacto em si e na sua família, mas também
no resto do mundo. O Reino Unido tem uma longa e digna tradição de
generosidade e justiça. Os valores contidos nestas questões são
fundamentais para o nosso estilo de vida e para o bem da nossa
sociedade», assinalam os bispos.

A carta termina com uma oração para que Deus conceda a «sabedoria para
agir sempre com integridade», visando a «proteção» de todos e a
construção de «uma sociedade baseada na justiça e na paz».


SNPC
Fonte: "Igreja católica em Inglaterra e Gales"
Publicado em 16.05.2017

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terça-feira, maio 16, 2017

# Frase do dia

Não há nada tão forte como a ternura, e nada tão terno como a verdadeira força.

S. Francisco de Sales (1567 - 1622)

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sexta-feira, maio 12, 2017

# 70% of Rich Families Lose Their Wealth by the Second Generation

http://time.com/money/3925308/rich-families-lose-wealth/

Chris Taylor / Reuters Jun 17, 2015

When Stephen Lovell used to visit his grandparents as a kid, it was
like entering the world of Cole Porter or The Great Gatsby.

People dressed in tuxedos and sipped cocktails. They owned boats,
airplanes, a hobby farm. Not to mention a lavish mansion in Ontario,
Canada, and a summer home in Southampton, New York.

He estimates that his grandfather, who founded the John Forsyth Shirt
Co, had a fortune of at least $70 million in today's dollars. But
through a combination of bad decisions, bad luck, and alcohol
dependency, the next generation squandered that money.

"I think about it all the time," says Lovell, a financial planner in
Walnut Creek, California.

Indeed, 70% of wealthy families lose their wealth by the second
generation, and a stunning 90% by the third, according to the Williams
Group wealth consultancy.

U.S. Trust recently surveyed high-net-worth individuals with more than
$3 million in investable assets to find out how they are preparing the
next generation for handling significant wealth.

Read Next: Best Places to Be Rich and Single

"Looking at the numbers, 78% feel the next generation is not
financially responsible enough to handle inheritance," says Chris
Heilmann, U.S. Trust's chief fiduciary executive.

And 64% admit they have disclosed little to nothing about their wealth
to their children.

The survey lists various reasons: People were taught not to talk about
money, they worry their children will become lazy and entitled, and
they fear the information will leak out.

When I asked financial planners why the wealthy are so poor at passing
along money smarts and why second- and third-generation heirs turn out
to be so ham-handed, the answers were surprisingly frank.

A sampling: "Most of them have no clue as to the value of money or how
to handle it." "Generation Threes are usually doomed." "It takes the
average recipient of an inheritance 19 days until they buy a new car."

Yes, the statistics may be grim. But just because most wealthy
families see their fortunes evaporate within a couple of generations
does not mean yours will. Some strategies to avoid it:

Talk Early and Often

You may think you are encouraging hard work by not disclosing wealth
to your kids, but that really just fosters ignorance.

If you have just never talked about money, get over it, and give your
kids a crash course in financial literacy. Many financial
institutions, including U.S. Trust, offer specialized learning
materials and courses to get heirs up to speed.

That goes for grandkids, too: Instill smart money lessons in them, and
you have pushed family wealth forward another 30 or 40 years.

Discuss the Will

If you are ready for true transparency, take it up a notch and bring
up the elephant in the room: the will.

"Parents and grandparents should communicate the whats and whys of
their will in a group setting, with all their children present, long
before the will is read," says David Mullins, a planner in Richlands,
Virginia.

That way, you can hash out any issues as a family beforehand. It is
better than after the fact, when the patriarch or matriarch is not
around to explain or make adjustments, and things devolve into all-out
legal war.

"Trust me, siblings will find out who got what," says Mullins.
"Without proper communication, this can destroy families."

Create a Roadmap

Almost one-quarter of baby boomers think their kids will not be able
to handle wealth properly until the ripe age of 40. And almost half of
wealthy individuals over 70 agree.

That is why you should give your heirs a financial roadmap in the form
of a family mission statement, advises U.S. Trust. You can lay out
what you expect in terms of spending, saving, and giving back, as well
as pass along strategies for building wealth.

Stephen Lovell wishes his mother had that kind of roadmap.

"How did my mother blow it?" he says. "She just didn't know any
better. And now we all live with that regret, every day."

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# E se pagar 50% de IVA fosse uma boa ideia?

[Ver gráfico online]
http://observador.pt/opiniao/e-se-pagar-50-de-iva-fosse-uma-boa-ideia/

Luís Aguiar-Conraria 10/5/2017, 7:34

Com a globalização, a esquerda tem de entender que a competitividade
não é uma questão fútil e a direita tem de compreender que políticas
de redistribuição são uma necessidade e não uma escolha.

Se há gráficos que têm o potencial de nos ajudar a perceber o que se
passa no mundo, o que reproduzo em baixo, retirado de um estudo de
Christoph Lakner e Branko Milanovic, publicado na World Bank Economic
Review, em 2016, é um deles.

Este gráfico descreve como diferentes segmentos da população mundial
beneficiaram com o crescimento económico entre 1988 e 2008 (ou seja,
entre a queda do Muro de Berlim e a Grande Recessão). Vemos que a
população que se encontra no percentil 55 do rendimento foi a que mais
beneficiou com essas duas décadas de crescimento (e também quem está
acima do percentil 99, ou seja o top 1%). Entre os percentis 80 e 95
está quem menos beneficiou.

E quem são uns e outros? 90% dos que mais ganharam estão nas economias
asiáticas. Aqueles que pouco ou nada ganharam, mas que até estão
relativamente bem na distribuição global do rendimento, correspondem à
classe média-baixa da Europa e dos Estados Unidos. A uma escala
mundial, quem mais beneficiou com a globalização foram os habitantes
dos países menos desenvolvidos. Dentro dos países mais ricos, as
desigualdades aumentaram, com a classe média/média-baixa a estagnar e
as classes mais altas a ver o seu rendimento crescer bastante.

Mas será que podemos atribuir esta evolução à globalização? É possível
que a informatização, automatização e robotização da economia dêem o
seu importante contributo, mas muito provavelmente a globalização
também. No ano passado, a revista The Economist dedicou um dossier a
"seis grandes ideias económicas". A terceira da série é o teorema de
Stolper-Samuelson, inicialmente formulado em 1941. Para formular esse
teorema, Wolfgang Stolper e Paul Samuelson recorreram a um modelo
matemático de comércio internacional que apenas tinha dois factores
produtivos, capital e trabalho. De forma simplificada, poderemos
enunciar o resultado a que chegaram da seguinte forma: os
trabalhadores dos países com relativamente mais capital verão os seus
salários reais descer à medida que o comércio internacional aumenta.
Tendo o mundo ocidental mais capital que o restante, eram os seus
trabalhadores que poderiam ter mais a perder. Este modelo era
demasiado simples, mas, mais tarde, foram introduzidos novos
ingredientes, como a co-existência de trabalhadores qualificados e
pouco qualificados, para se concluir que, nos países com relativamente
mais trabalhadores qualificados, os menos qualificados ficarão a
perder com o incremento do comércio livre. Passando do modelo para a
realidade, rapidamente percebemos que estes trabalhadores pouco
qualificados que ficam a perder com a globalização são as classes
menos favorecidas dos países desenvolvidos.

Podemos ver o teorema em acção no gráfico abaixo, retirado do Economic
Policy Institute, onde está representada a evolução da produtividade e
do salário de um operário (blue-collar worker) nos Estados Unidos
entre 1948 e 2015. Como se pode ver, desde 1980, o salário deixou de
acompanhar os aumentos de produtividade. Os aumentos de produtividade
foram para algum lado, mas não para o trabalhador médio.

Olhando para o mundo como um todo, tudo isto pode parecer
injustificado. Porque nos haveremos de preocupar especialmente com
estas pessoas que, de um ponto de vista global, até estão muito bem
(entre o percentil 80 e 90)? Independentemente de concordarmos com a
formulação do problema nestes termos (e eu não concordo), a verdade é
que há uma resposta incontornável a esta pergunta. Porque o mundo
ocidental vive em democracia e estas pessoas votam. As consequências
políticas do Teorema de Stolper Samuelson tornam-se mais claras se o
enunciarmos ao contrário. Em vez de se dizer que abrir fronteiras
prejudica os trabalhadores menos qualificados, poder-se-ia dizer que
fechá-las vai beneficiá-los. Não são os asiáticos, que mais
beneficiaram com a globalização, que votam em Inglaterra, nos Estados
Unidos ou em França. Nada mais natural do que quem perde com a
globalização ir votar em quem lhes promete proteccionismo. Este é um
terreno fértil para candidatos como Donald Trump ou Bernie Sanders,
Marine Le Pen ou Jean-Luc Mélenchon, ou para movimentos como o do
Brexit.

Indo ainda mais atrás na História do Pensamento Económico, pelo menos
desde David Ricardo e do seu Teorema das Vantagens Comparativas que
sabemos que o comércio internacional beneficia todos os países
envolvidos. Em economês, isto significa que os benefícios do comércio
livre excedem os custos pelo que, em princípio, através de políticas
redistributivas é possível compensar os perdedores para que todos
sejamos ganhadores. Estas últimas eleições e referendos mostram- nos
que se queremos usufruir das vantagens de um mundo cada vez mais
globalizado e ao mesmo tempo preservar as nossas democracias temos
mesmo de passar do "em princípio" para a prática.

Discutir uma política redistributiva que garanta que não há perdedores
ou que, pelo menos, seja satisfatória para os perdedores da
globalização não é fácil. É necessário encontrar as melhores formas de
os apoiar. Pode passar por transferências monetárias directas, por
apoios à reconversão profissional, investimento na educação de
adultos, investimento na educação dos filhos (as pessoas poderão
aceitar alguns custos, desde que vejam uma esperança para os seus
descendentes), etc. Simultaneamente, tem de se discutir a melhor forma
de financiar essas políticas.

Aumentar impostos sobre os factores produtivos é má política. Impostos
e taxas que incidam sobre rendimentos do trabalho (por exemplo, IRS e
TSU) agravam os custos laborais. Impostos sobre o capital (por exemplo
o IRC) afugentam as empresas e são uma excelente forma de garantir que
ninguém cá quer investir. Aumentar impostos sem ter em conta o impacto
na competitividade externa é a receita para o disparate.

Na verdade, impostos sobre o rendimento são bastante ineficientes de
um ponto de vista económico, pois geram todo o tipo de distorções. Por
exemplo, é para evitar pagar tanto IRS e TSU que muitas empresas dão
carros a alguns dos seus quadros. Por outro lado, o Estado, percebendo
isto, já tem impostos específicos sobre os carros, sendo que neste
caso a tributação é cega. Independentemente do carro fazer parte da
remuneração de algum colaborador, desde que reunidas as condições de
tributação autónoma, a taxa é aplicada. Para além disso há que fazer
contas porque com taxas de tributação de 35% há casos em que a opção
mais rentável é mesmo a de tributar em IRS. E, naturalmente, se o
rendimento paga imposto, também os dividendos devem pagar impostos.
Por isso, os donos das empresas evitam distribuir dividendos,
tornando-se assim necessário cobrar IRC, mesmo que os lucros não sejam
distribuídos (e, quando o são, há dupla tributação).

Para se ter uma ideia de como estas regras se tornaram absurdamente
complicadas considere o caso da tributação de dividendos em sede de
IRS. Simplificando, se o titular do rendimento não optar pelo
englobamento é tributado a uma taxa de 28%. Caso opte pelo
englobamento volta a ter que fazer contas. Pelo suposto mecanismo de
eliminação de dupla tributação em IRS o rendimento só será considerado
em 50%; no entanto, há que acrescentar a sobretaxa extraordinária
variável (entre 0,88% e 3,21%) e ainda a taxa adicional de
solidariedade de 2,5% para rendimentos globais entre 80.000 e 250.000€
e de 5% para rendimentos globais acima de 250.000. Muitos mais
exemplos poderiam ser dados, mas é fácil de perceber que o resultado
de décadas de tributação de rendimento, com este jogo do gato e do
rato, é um labirinto fiscal que torna os códigos incompreensíveis ao
cidadão comum.

Tudo isto leva as empresas a gastar muitos recursos a fazer
optimização fiscal, entupindo os tribunais com litígios com as
autoridades tributárias. Basta ver as despesas que as empresas têm em
tarefas não produtivas – com advogados, fiscalistas, contabilistas e
consultoras – para ter uma ideia dos custos que toda esta encruzilhada
causa.

Sobram, então, dois tipos de impostos. Os impostos pigouvianos e os
impostos sobre o consumo, o famoso IVA. Os impostos pigouvianos são
aqueles que se aplicam quando uma transacção tem efeitos negativos que
não são tidos devidamente em conta pelas partes. O exemplo típico é o
da poluição. Ao se impor um imposto sobre emissões de carbono,
obriga-se as pessoas a terem em conta o dano que causa ao ambiente
andar de automóvel. Este tipo de impostos aumenta a eficiência, pelo
que devem ser a primeira escolha de um economista. Mesmo que não
gerassem receitas, deveriam ser aplicados. O facto de gerarem receitas
fiscais é um bónus a aproveitar. Mas, infelizmente, estes impostos não
só não são suficientes para gerar todas as receitas necessárias, como
têm também efeitos negativos na competitividade externa, pelo que
exigem forte coordenação internacional, o que se tornou mais difícil
com a eleição de Trump.

Ficam os impostos sobre o consumo. Uma taxa de imposto única sobre o
consumo é, provavelmente, o imposto com menos efeitos distorcivos que
se possa imaginar. Neste momento, o IVA já representa mais de 35% das
receitas fiscais do Estado português, gerando mais receitas do que o
IRS. O ideal seria ir substituindo os diversos impostos, incluindo IRS
e IRC, por IVA. Com um sistema destes, em que se taxa o consumo e não
o rendimento, deixaria de haver necessidade de esconder rendimentos,
pelo que os paraísos fiscais tenderiam a desaparecer (ou, pelo menos,
a perder a sua importância) e empresas portuguesas teriam menos
interesse em mudar domicílios fiscais para o estrangeiro. As
estratégias, tantas vezes promovidas pelas consultoras, de criação de
empresas fictícias em offshores para se pagar menos impostos deixariam
de ter tracção. Por outro lado, aumentava-se a base fiscal, dado que
rendimentos não declarados, como os gerados por actividades ilegais –
o tráfico de drogas ou a prostituição, por exemplo – uma vez gastos,
pagariam impostos sobre o consumo.

Muitas pessoas, principalmente de esquerda, acham esta hipótese
horrenda. Consideram o IVA um imposto socialmente injusto, porque
ricos e pobres pagam a mesma taxa. É ainda possível argumentar que,
como a taxa de poupança dos mais ricos é mais alta, os pobres acabam
por pagar mais impostos relativamente ao seu rendimento.

É certamente verdade que pessoas com rendimentos mais altos têm, em
média, taxas de poupança maiores. Mas também é verdade que a poupança
de hoje mais não é do que consumo no futuro. Claro que se pode
argumentar que há poupança que nunca é consumida, mas isso resolve-se
facilmente com um imposto sobre heranças. E mesmo sem impostos sobre
heranças, na verdade, os herdeiros gostam de espatifar as riquezas
recebidas. Há alguns estudos que nos dizem que grande parte das
heranças já não chega à terceira geração. Ou seja, na prática, todo o
rendimento acaba por ser consumido, pelo que o argumento não é muito
sólido.

O argumento da progressividade fiscal é mais relevante e, em Portugal,
é mesmo um requisito constitucional. Este assunto é ainda mais grave
se se tiver em consideração que a taxa de IVA deve ser igual para
todos os bens, para evitar distorções económicas. John Cochrane,
professor na Universidade de Chicago, fez uma sugestão que poderá
responder a esta crítica. Imaginem que, em vez de se taxar o
rendimento, apenas se cobram impostos sobre o consumo a uma taxa única
de, por exemplo, 50%. Em contrapartida, para os primeiros 10.000€
gastos, o governo reembolsa todos os impostos pagos pelo contribuinte,
pelo que, na verdade, a taxa de imposto efectiva é zero. Nos 20.000€
seguintes, o governo devolve quatro quintos dos impostos pagos, pelo
que, na realidade, a taxa de imposto é de 10%. De seguida, devolve
três quintos do imposto pago (a que corresponde uma taxa de 20%) e
assim sucessivamente. Naturalmente para despesas acima de um
determinado nível, por exemplo 100.000€, já não há lugar a qualquer
devolução de imposto, pelo que a taxa efectivamente paga seria de 50%.

Como se pode perceber no exemplo anterior, a progressividade fiscal é
assegurada, garantindo que quem mais gasta paga taxas de impostos mais
altas. Na era dos pagamentos electrónicos, uma solução destas é
tecnicamente viável, podendo mesmo considerar-se a hipótese de a
devolução do IVA ao contribuinte ser automática e instantânea.

Com a globalização e a revolução tecnológica, a desigualdade é uma
inevitabilidade. Com ela, gostemos ou não, ressurgem movimentos
populistas que gostaríamos que se mantivessem no caixote de lixo da
história. Está na altura de percebermos que a nova globalização exige
tanto uma nova direita como uma nova esquerda. A esquerda tem de
entender que a competitividade não é uma questão fútil e a direita tem
de compreender que políticas de redistribuição não são uma escolha,
mas sim uma necessidade.

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terça-feira, maio 02, 2017

# Felicidade: Êxtase ou interioridade?

Êxtase ou interioridade? Relâmpago ou panela ao lume? Quando falamos
de felicidade, a ideia que dela temos associa-se a dois tipos de
imagem que correspondem a dois modos opostos de nos relacionarmos com
o tempo.

O primeiro tipo é o da vida intensa: inesperadamente, eis-nos
surpreendidos, deslumbrados, de boca aberta. O segundo é o da vida
serena: estamos abrigados, na calma, num banho de doçura. Naquele é a
fratura; neste a maturação. Naquele, o instante; neste, a duração.

Esta separação das nossas visões felizes entre o relâmpago e o céu
azul, o acontecimento e a harmonia, o sublime e o agradável, divide
também a nossa aproximação à beleza.

Uns experimentam-na como uma fratura: a aparição de uma transeunte de
corpo esplêndido que passeia no nosso coração. Outros percecionam-na
como uma ascensão lenta mas irresistível: a superfície do mar na
Grécia, calma e cintilante, mas cuja imensidão luminosa e tremeluzente
vence pouco a pouco a nossa alma.

Assim acontece para a verdade: é visão ou caminho, véu que de uma vez
se levanta ou diálogo que se prolonga? Para o trabalho: é sucesso
rápido ou trabalho atento, eficácia imediata ou paciente recomeçar?
Para a conversão: é Paulo ou Pedro, queda abrupta do cavalo ou
continuar durante anos sempre a tropeçar?

Certo é que o nosso tempo está mais do lado da fulguração. Ela
confunde facilmente o veloz e o vivaz, talvez por causa da aceleração
tecnológica, da banda larga e da ligação quase instantânea que
desencadeia o deslocamento vertical no ecrã que um instante antes era
cinzento. Requerida pelo comboio de alta velocidade mas que impede a
contemplação da paisagem.

É por isso que temos tanta dificuldade em agarrar o pensamento dos
Antigos que cantavam a paz. Aos nossos olhos encadeados, a paz parece
um sono; a sua harmonia uma inércia; a sua duração uma insipidez.
Quando Santo Agostinho a define como a «tranquilidade da ordem»,
pensamos quase na morte, não decerto na felicidade.

O problema com a busca do intenso é que arruína a sensibilidade. As
sensações nunca são suficientemente fortes. Começa-se com o parapente
para passar ao salto com o elástico, a queda livre com paraquedas, o
voo em "wingsuit" e por fim a queda livre sem paraquedas. O suicídio
será sempre de intensidade extrema e sem retorno.

Não dou exemplos de tipo carnal, mas, evidentemente, seria necessário
neste caso lembrar a violação e o homicídio. Infelizmente, também o
assassínio em série acaba por se aborrecer: cortar uma mulher em
pedaços, obstinadamente, excita-o tanto quanto descascar uma batata.
Dá-se conta de que alguma coisa está errada. Que poderia ter ficado
pela batata, se tivesse sido mais sensível, mais capaz de espanto.

É por isso que o gosto pela intensidade faz facilmente cair a sua
lógica para jogar melhor nos contrastes. Coloca-se ao ritmo do caracol
para ficar desconcertado pela velocidade da tartaruga. Permanece-se
dias fechados na obscuridade para abrir repentinamente as portas e
perceber um dia cinzento como uma formidável fulguração. Jejua-se três
dias e, logo a seguir, nada é mais intenso, mais saboroso, nada dá
mais prazer do que um bocado de pão duro. O ascetismo é o único método
para viver um hedonismo que não se torna aceite.

Mantendo por muito tempo uma intensidade de vida muito baixa, na
solidão, até o meio sorriso de uma senhora idosa pode parecer-nos como
uma experiência de um poder extraordinário.

Compreende-se porque é que a questão da intensidade não é a única. A
fé seria apenas um golpe de varinha mágica se tudo se decidisse assim,
numa queda do cavalo. O amor seria somente ilusão e desilusão se se
reduzisse ao orgasmo. A sua vocação e a sua prova estão precisamente
em passar do êxtase ao interior, do relâmpago à panela ao lume.

Os românticos volúveis não deixarão de considerar esta passagem como
um aburguesamento. É por isso que não conseguem entrar na profunda
poesia do quotidiano.


Título original do artigo: «Essa procura de sensações que nos tira o
quotidiano».

Fabrice Hadjadj In: "Avvenire"
Trad.: SNPC Publicado em 01.05.2017

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