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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

terça-feira, abril 24, 2007

# Gasolina portuguesa é das mais caras do mundo

O que têm em comum países como a Eritreia, Coreia, Dinamarca e Portugal?
Segundo o relatório ontem publicado pelo Banco Mundial (BM) são as economias com a gasolina mais cara do globo.
Em 2006, mostra o estudo do BM, o litro de gasolina estava a ser vendido a uma média de 1,56 dólares em Portugal, mais do que na Finlândia ou Alemanha. Em Espanha, a mesma medida custa 1,15 dólares, diferença que explica, por exemplo, a corrida dos automobilistas portugueses ao outro lado da fronteira para atestarem os depósitos dos carros, adianta o «Diário Económico».

Como seria de esperar, o combustível é dramaticamente mais barato nos países produtores de petróleo: é o caso da Venezuela, que aparece a liderar no fundo da tabela dos preços, onde o litro custa apenas 30 cêntimos de dólar.

O documento, uma colectânea dos principais indicadores de desenvolvimento económico e social, mostra ainda que Portugal é tendencialmente menos eficiente no uso da energia do que há 15 anos: em 1990, com um quilograma de petróleo equivalente a economia conseguia produzir 7,9 dólares de riqueza (PIB a preços de 2000, em paridade de poder de compra). Em 2004, a mesma quantidade de energia apenas deu para produzir 7,1 dólares de riqueza.

# As boas notícias são que já somos mais de três milhões a ler

Dia mundial do livro
As boas notícias são que já somos mais de três milhões a ler
23.04.2007 - 09h52 Inês Nadais PÚBLICO

É um pequeno passo para um país civilizado, mas é um passo gigantesco para um país que há ainda seis anos tinha nove por cento de analfabetos (e que passou mais de metade do século XX a ser um anacronismo, um mundo à parte num fuso horário à parte da restante Europa ocidental): segundo os dados do estudo Consumidor 2006, que a Marktest divulgou a meio da semana passada, já são mais de três milhões os portugueses que lêem livros (ou, mais exactamente, que leram um livro no mês anterior ao telefonema da Marktest).

Ler continua a ser um comportamento minoritário, uma coisa que acontece a menos de metade da população continental com mais de 15 anos - mas cada vez menos, e isto merece palmas (a pretexto, também, desta efeméride: hoje é o Dia Mundial do Livro e finalmente os portugueses parecem saber o que isso é, e não apenas de vista).

Isabel Alçada, a comissária do Plano Nacional de Leitura, tem o estudo em cima da mesa quando lhe telefonamos (mas vai ter outro, mais extensivo, daqui a uns meses). "É indispensável sabermos qual é a tendência - e é muito bom saber que há uma tendência positiva, que há muitas pessoas que adquiriram hábitos de leitura nos últimos dez anos, e sobretudo saber que idade têm, onde vivem, que profissão exercem", diz.

O estudo da Marktest chega a esse ponto: ao ponto de nos dizer que as pessoas que lêem livros vivem sobretudo na Grande Lisboa e no Grande Porto (regiões onde, respectivamente, 49,2 por cento e 50,2 por cento dos habitantes têm esse hábito), são do sexo feminino (40,7 por cento de leitoras contra 33,1 por cento de leitores), correspondem a quadros médios e superiores (classe em que 73,7 por cento dos inquiridos afirmam ler, ao contrário das domésticas, dos trabalhadores não-qualificados e dos reformados) e pertencem às classes alta e média alta (68,2 por cento de leitores contra apenas 20,5 por cento na classe mais baixa).

Mais livros, mais economia

Não chega, diz Isabel Alçada: "Estes dados são necessários, mas não são suficientes; temos de ir mais longe". E vamos: o Plano Nacional de Leitura encomendou dois estudos (sobre os hábitos da população em geral, a cargo do Observatório das Actividades Culturais, e sobre os hábitos da população escolar, a cargo do Centro de Sondagens da Universidade Católica) e espera ter resultados no Verão.

"Queremos saber como o panorama evoluiu desde o último grande estudo, que tem dez anos. E queremos saber como estão os outros países, nomeadamente na União Europeia e na OCDE, porque são os países onde mais se lê que têm os indicadores de desenvolvimento económico mais significativos. No Reino Unido, por exemplo, um inquérito da BBC feito no ano passado revelou que 79 por cento dos britânicos consideram a leitura uma actividade essencial e que só 17 por cento não gostam de ler. E outro mostra que 23 por cento dos locais de trabalho disponibilizam o empréstimo de livros ou mesmo clubes de leitura. Mais de 80 por cento dos trabalhadores ingleses trocam livros com os colegas de trabalho e cerca de 65 por cento lêem à hora do almoço", sublinha a comissária.

Devemos estar muito longe disso, mas não temos a certeza. O inquérito A Leitura em Portugal que o Observatório das Actividades Culturais está a coordenar poderá ajudar a cartografar melhor a actual tendência para o aumento do número de leitores: embora a amostra seja menos significativa do que a da Marktest (2552 indivíduos, contra os 4248 que compõem o universo Consumidor 2006, também com 15 e mais anos e só em Portugal continental), as dimensões de análise permitirão conhecer muito mais profundamente quem lê - e o que lê quem lê.

"O inquérito que temos em curso retoma um estudo publicado em 1997 e procura interrogar os antecedentes da prática da leitura, a prática de leitura do inquirido na actualidade, a posse e a compra de livros e outras práticas culturais do inquirido", explica José Soares Neves, responsável executivo do projecto.

Tendência positiva

Comparar os dados obtidos agora com os de 1997 vai ser complicado, "porque muita coisa mudou ao longo destes dez anos na sociedade portuguesa". Mas, face aos valores de referência desse inquérito - que considerava leitores todos os inquiridos que tivessem lido livros nos últimos 12 meses -, espera-se "uma evolução positiva".

"Em 1997, 12 por cento dos inquiridos diziam-se não-leitores, ou seja, não tinham lido um único livro no ano anterior ao inquérito. Imaginamos que essa proporção tenha diminuído. Mas a que ponto? Alterou-se a proporção dos portugueses com acesso à leitura? E alteraram-se as características dessa população? É possível que sim. Há aspectos novos que este estudo pode apanhar: as novas tecnologias, por exemplo, que em 1997 ainda eram realidades emergentes", nota.

O que quer que tenhamos feito, frisa Isabel Alçada, fizemos em menos anos do que os países do Norte da Europa: "Nós começámos a fazer este esforço de promoção da leitura há 20 anos. Eles andam nisto há 100". Talvez leiam best-sellers da Joan Collins ou do Paulo Coelho quando vêm de férias ao Algarve, mas lêem: "O importante é ler. É claro que ler obras de mais envergadura indica que a literacia atingiu níveis mais robustos. Em Portugal também não sabemos exactamente o que as pessoas estão a ler. Os tops de vendas das livrarias não dispensam um trabalho científico e não temos propriamente boas estatísticas de edição e de tiragens".

A boa notícia do estudo que a Marktest divulgou na semana passada é que, em relação a 1996, a proporção de leitores em Portugal aumentou 58 por cento: há dez anos, só 23,5 por cento dos inquiridos disseram que sim quando lhes perguntaram se tinham lido algum livro no mês anterior. Por este andar, talvez em 2037 as nossas estatísticas sejam como as da BBC.

segunda-feira, abril 23, 2007

# Um mundo de caricaturas

Se considerarmos com cuidado as nossas emoções, se listarmos quem mais gostamos e detestamos, constataremos que algumas das pessoas que nos suscitam sentimentos mais fortes não as conhecemos de todo. A sociedade mediática em que vivemos leva-nos a admirar ou odiar personalidades a quem, de facto, nunca falámos. Ben Laden, Santana Lopes ou Bento XVI, Al Gore, Marcelo Rebelo de Sousa ou Jacques Chirac ocupam-nos mais que os nossos vizinhos e amigos. Hoje amamos e desprezamos à distância. O mais ridículo é que estamos realmente convencidos de que compreendemos perfeitamente essas figuras públicas, que sabemos mesmo o que pensam ou querem e penetramos inteiramente as suas opiniões e raciocínios. Se pensarmos um pouco veremos que a única coisa que sabemos sobre eles são os apontamentos dos jornais, só vislumbramos o que nos diz a televisão, só conjecturamos com opiniões de comentadores. Mas a verdade é que a sociedade mediática nunca nos deixa tempo para pensar sequer um pouco. Por isso achamos mesmo que essas ideias enlatadas são mais que suficientes para nos erigirem em juízes do primeiro-ministro, do treinador da selecção nacional, dos estrategos americanos no Iraque.

A própria lógica da comunicação gera mais ódios que admirações. Mas de vez em quando aparecem as pessoas que somos supostos exaltar. A princesa Diana não tinha quaisquer defeitos e toda a gente no planeta a amava. Toda a gente menos os que a conheciam de perto. Nelson Mandela, António Damásio, Steven Spielberg, Figo ou Dalai Lama despertam paixões em pessoas que não fazem a menor ideia da vida real dos seus heróis.

Nas aversões temos mais certezas. Alberto João Jardim é presidente do Governo Regional da Madeira desde Março de 1978 e um dos políticos mais bem sucedidos de sempre. Jorge Nuno Pinto da Costa lidera o FCP desde Abril de 1982 e tem o palmarés mais impressionante dos dirigentes desportivos portugueses. Ninguém sequer suspeita da complexidade do seu quotidiano, da dificuldade e angústia das decisões que têm de tomar. Mas qualquer merceeiro que veja o telejornal se julga em condições de os desprezar ou aconselhar. Temos estudantes universitários ou donas de casa odiando intensamente George W. Bush ou Bill Gates, culpando-os de males longínquos e abstractos, apesar de não fazerem a menor ideia do sistema governativo norte- -americano, do mercado informático e da exigência dos problemas que esses líderes enfrentam. Ninguém parece dar-se conta da linearidade tola da nossa interpretação dessas e outras figuras. Quanto mais eminente e influente, mais simples nos parece. Todos sabemos que os políticos só querem votos, os empresários são máquinas de fazer dinheiro, os artistas buscam fama e proveito. No fundo, vêmo-los como caricaturas, personagens de pantomima.

Temos consciência da nossa enorme complexidade e subtileza pessoais, da profundidade dos nossos motivos, anseios, desejos. Mas as figuras públicas são autómatos boçais, sem qualquer imaginação ou iniciativa, predeterminados por um jogo bem conhecido. No fundo, é tudo uma cambada de bandidos, palermas ou imbecis.

A blogosfera, o SMS e o correio electrónico trouxeram uma nova dimensão a esta ilusão mediática. Hoje qualquer rapazola ou taxista se sente director de um jornal cada vez que se senta ao computador. Pior que isso, parece que o anonimato electrónico faz surgir em nós o mais abjecto. Pessoas que nunca pensariam insultar por carta ou telefone, tornam-se ferozes incendiários ao teclado. O blog médio tem uma violência só comparável aos piores panfletos de Marat ou Mao. É a isso que chamamos "opinião" nos dias que correm.

A verdade, temos de o dizer, é que hoje andamos menos informados que em alguma outra época. Ao longo dos séculos, qualquer pessoa que visitasse a botica ou a taberna da aldeia saberia logo tudo o que realmente interessava à sua vida imediata. Sobre isso, hoje andamos alheados. Não admira que os casamentos se desfaçam, os filhos saiam de casa, os empregos sejam precários.

Em vez de nos ocuparmos dessa informação real, vivemos projectados num mundo longínquo e fictício, preocupados com coisas que de facto nunca nos chegarão a afectar. Sobre elas, o que sabemos não passa de enredos de cordel mentecaptos e fabulosos, criados por especialistas em comunicação. Assim, a sociedade mediática vai atarracando a nossa dimensão psicológica. Somos cada vez mais aquilo que queremos ver no mundo.

João Neves

# A devida comédia

Criancinhas...

A criancinha quer Playstation. A gente dá.

A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.

A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.

A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o lado e ela incha.

A criancinha quer camisola adidas e ténis nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso ser diferente.

A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.

A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.

Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.

Desperta.

É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.

A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso. Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.

A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na mota, no popó e numas férias à maneira.

A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independência meramente informal. A rebeldia é de trazer por casa. Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são «uma seca».

Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo. A criancinha, já crescidinha, fica traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal. Em casa, faz queixinhas, lamenta-se, chora. Os papás, arrepiados com a violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filho sou eu».

A criancinha cresce. Cresce e cresce. Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao menos não anda para aí a fazer porcarias».

Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha? Pois não, bem sei. Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo. E então teremos muitos congressos e debates para nos entretermos.

Miguel Carvalho Quinta, 1 Março 2007 Visão Online

segunda-feira, abril 16, 2007

# Consumo, logo existo

Ao visitar a admirável obra social do cantor Carlinhos Brown, no Candeal, em
Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não
conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e
hortaliças. "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico
impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc. A
economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos
submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima
de sua utilidade.

Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.
É próprio do humano - e nisso também nos diferenciamos dos animais -
manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a
cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico.A
ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de
arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa
coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e,
sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual
que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho,
retirando o alimento diretamente da panela.Marx já havia se dado conta do
peso da geladeira. Nos "Manuscritos econômicos e filosóficos" (1844), ele
constata que "o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de
seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós."

O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores,
somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos
que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado
deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da
exclusão.Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as
pessoas, tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra
essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígene cultua
uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de
desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho
guardado na adega, uma jóia?Assim como um objeto se associa a seu dono nas
comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a
sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier;
não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um
Château Margaux. A roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a
assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em
Cinderela.Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura
neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como
uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do
poder.

Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um
espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados
desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão,
infelicidade.Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos
cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna
também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela
mas não é ela: bens, cifrões, cargos etc. Comércio deriva de "com mercê",
com troca.

Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais
mediatizadas pelas pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia,
criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o
espaço das relações de vizinhança, como ainda ocorre na feira.

Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada
de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio
é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser maior que a sedução"
- diz Jean Baudrillard - "nem mesmo a ordem que a destrói." E a sedução
ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira o
consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.

Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e
contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando
se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio
socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um
filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear
pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês,
respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso
para ser feliz".

Betto, Frei