/* Commented Backslash Hack hides rule from IE5-Mac \*/

PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, março 31, 2017

# Transhumanismo e pós-humanismo (1, 2 e 3)

Anselmo Borges Diário de Notícias 17.03.2017

http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/transhumanismo-e-pos-humanismo-1-5730228.html

Embora pouco debatido, está em marcha todo um projecto para modificar
o homem, no limite, pensando até na imortalidade, e cientistas
trabalham nele, com o apoio financeiro de grandes grupos, como o
Google, que tem em Raymond Kurzweil, um génio informático, autor de
The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology, o seu mais
afirmado profeta. É, pois, relevante que o filósofo Luc Ferry, que já
foi ministro da Educação em França, venha, numa obra exigente e
pedagógica, La Révolution Transhumaniste, alertar para a urgência da
reflexão sobre tão complexa temática: "Não se pode compreender nada
actualmente, passando ao lado das revoluções tecnológicas."

1. O transhumanismo, explica Ferry, é um filho da terceira revolução
industrial, a do digital e das NBIC: nanotecnologias, biotecnologias,
informática, ciências cognitivas, isto é, ciências do cérebro e
inteligência artificial. Tem três características fundamentais: a
passagem de uma medicina terapêutica a uma medicina de "aumento",
concretamente através da engenharia genética e da hibridação (um
exemplo: mediante um implante, ficar com uma visão de águia); passagem
do acaso à escolha, "from chance to choice", da lotaria genética a um
eugenismo; o aumento da vida humana, lutando contra o envelhecimento e
a morte (a Universidade de Rochester já aumentou em 30% a vida de
ratos transgénicos). Numa palavra: avançar para "homens aumentados".

2. No cruzamento da "convergência NBIC", em simbiose e mútua
fecundação exponencial, resultará um avanço prodigioso na investigação
e na técnica, de consequências imprevisíveis. Assim, por exemplo, na
sua obra brilhante e desafiadora De Animais a Deuses, agora
best-seller mundial com o título Sapiens, com mais de um milhão de
exemplares vendidos, o historiador Yuval Harari não hesita em dar como
título ao último capítulo "O fim do Homo sapiens", escrevendo: "Os
futuros senhores da Terra serão, provavelmente, mais diferentes de nós
do que nós somos dos neandertalenses. Isto atendendo a que nós e os
neandertalenses somos, pelo menos, humanos e os nossos herdeiros serão
semelhantes a deuses."

E dá exemplos do que está e pode vir a acontecer. Os laboratórios
começam a superar as leis da selecção natural, e aí está o caso de um
coelho verde e fluorescente. Já mudamos o género de um ser humano
através da cirurgia e de tratamentos hormonais. Com a engenharia
genética, produziremos porcos com gorduras boas e poderemos pensar em
"ressuscitar" criaturas extintas, incluindo um neandertalense,
conseguindo talvez desse modo, comparando o seu cérebro com o nosso,
"identificar que alteração biológica resultou na consciência". Com ela
e outras formas de engenharia biológica pode pensar-se em realizar
alterações profundas na nossa fisiologia, no sistema imunitário, na
esperança média de vida, nas nossas capacidades intelectuais e
emocionais. Se é possível criar ratos superinteligentes, "porque não
seres humanos superinteligentes e que se mantenham fiéis aos seus
parceiros?" E poder-se-á pensar na criação de "um tipo de consciência
completamente novo e transformar o Homo sapiens em algo diferente",
parecendo inclusivamente "não existir uma barreira técnica
intransponível que nos impeça de criar super-humanos". Existe uma
outra tecnologia que poderia alterar as leis da vida: a engenharia
cyborg: "Os cyborgs são seres que conjugam componentes orgânicos e
inorgânicos, como um humano com mãos biónicas" - pense-se no ouvido
biónico, em braços biónicos, controlados pelo pensamento, ou em
invisuais obtendo uma visão parcial. Talvez possamos um dia "ler a
mente de outra pessoa". "O mais revolucionário é a tentativa de
inventar uma interface de duas vias, directa do cérebro para o
computador, que permita ao aparelho ler os sinais eléctricos do
cérebro humano, transmitindo, por outro lado, sinais que o cérebro,
por sua vez, também possa ler. E se essas interfaces forem usadas para
ligar directamente um cérebro à internet ou ligar directamente vários
cérebros uns aos outros, criando desse modo uma espécie de internet
cerebral? O que poderia acontecer à memória, à consciência e à
identidade humanas, se o cérebro tivesse acesso directo a um banco de
memória colectiva?" E há programadores que "sonham criar um programa
que possa aprender e evoluir de forma absolutamente independente do
seu criador". "Suponha que podia fazer um backup do seu cérebro para
um disco rígido portátil e, depois, fazê-lo correr num computador.
Seria o seu computador capaz de pensar e sentir como um sapiens? Se
pudesse, seria o leitor uma outra pessoa?" E, se os programadores
informáticos pudessem "criar uma mente inteiramente nova, mas digital,
criada por código informático, integral, com sentido de si própria,
consciência e memória", estaríamos perante uma pessoa? O director do
Blue Brain Project afirmou que numa ou duas décadas poderemos ter "um
cérebro humano artificial, dentro de um computador, que poderá falar e
comportar-se como um humano".

3. Que fazer? Perante tamanhos desafios, embora alguns, segundo
parece, não vão além da ciência ficção, não se pode ficar indiferente.
E lá está Luc Ferry, exigindo "uma regulação que deve ser política". E
reflexão ética.

(2)

1 Parece claro que com as técnicas NBIC (nanotecnologias,
biotecnologias, inteligência artificial, ciências cognitivas) nos
encontramos no limiar de uma realidade completamente nova. Pergunta
essencial: tudo o que é tecnicamente possível é moralmente bom? O que
é que verdadeiramente queremos fazer?

Os problemas - filosóficos, éticos, políticos - estão aí, imensos,
desafiadores, urgentes. E não se pode ficar indiferente, pois é a
nossa própria humanidade enquanto tal que está em jogo. Béatrice
Jousset-Couturier, em Le transhumanisme. Faut-il avoir peur de
l"avenir, com prefácio de Luc Ferry, lembra o debate entre Jürgen
Habermas e Peter Sloterdijk, declarando este: "A domesticação do ser
humano constitui o grande impensado em relação ao qual o humanismo
desviou os olhos desde a Antiguidade até aos nossos dias." E, contra a
tese da descontinuidade metafísica entre "o que é" e "o que é
fabricado", afirma uma continuidade, sendo neste contexto, pensando no
pós--humanismo, que os coreanos do Sul elaboram uma carta ética dos
robôs. Caminhamos, sem problemas, para hibridações de várias espécies?
Com o acesso das novas técnicas a uma elite ou minoria, não surge o
risco "totalitário" do controlo dos indivíduos? Aí está uma das razões
para que Jürgen Habermas defenda a proibição de intervir no genoma
humano. Não se deve ser sensível às ameaças de eugenismo? O que é
facto é que os chineses desenvolvem o China Brain Project, "programa
de selecção totalmente eugénico destinado a criar uma população mais
inteligente". Nos Estados Unidos, é permitido seleccionar o sexo da
prole; porque não querer filhos também mais inteligentes? Caminharemos
para filhos à la carte e para o fim da ética? Enquanto Habermas se
opõe a toda a forma de "eugenismo liberal", Sloterdijk tende a reduzir
a história humana a uma sucessão de transformações nos modos de
produção técnica. Mas que pensar da possibilidade de transformar o
homem numa nova espécie? Para onde vão as nossas liberdades? E, com a
criação de vírus sujeitos a transformações incontroláveis, a nossa
segurança? B. Jousset-Couturier pergunta: quem dirigiria a ordem
mundial? O homem, a máquina, um híbrido? Quem tem o primado: a ética
ou as tecnologias? Viver-se-á mais tempo (excelente!), mas com que
sentido? Já é possível a modificação mnésica, por exemplo, apagando
lembranças, o que suscita a questão da falsificação da história e da
identidade.

Por isso, a Comissão Consultiva Nacional de Ética (CCNE) francesa
debruçou-se pela primeira vez sobre o "problema trans-humanista" e
concluiu (12.12.2013): "É indispensável uma vigilância ética, pois
ignoramos, a médio e a longo prazo, tanto ao nível individual como
social, os efeitos do desenvolvimento das nanotecnologias".

No contexto do desenvolvimento acelerado da inteligência artificial e
no quadro de uma nova revolução industrial comandada por robôs, o
Parlamento Europeu propõe legislação no sentido de precaver problemas
causados por essa revolução em curso.

2 O que aí fica tem também na sua base a possibilidade de máquinas com
emoção, inteligência, autoconsciência, no pressuposto de o homem ser
automatizável no seu conjunto. Pergunta Jean Staune, em Les Clés du
Futur: "E se se pudesse conceber um dia uma máquina que dispusesse de
todas as potencialidades de um ser humano, em termos de criatividade,
de emotividade, mas também, e sobretudo, que seja consciente da sua
própria existência e que, como todos os seres humanos, desejasse
melhorar a sua situação?" Esta possibilidade arranca do pressuposto de
que é o cérebro que produz a consciência. Assim, mediante o estudo
aprofundado dos mecanismos do cérebro, "chegaremos à compreensão do
funcionamento da consciência e poderemos fabricar uma máquina
susceptível de alcançar o mesmo nível de consciência e, portanto, de
evolução que a espécie humana tem". Mais: a partir daí, surgem
consequências que nos deixam perplexos e atemorizados. De facto, se a
máquina pode imitar o homem em todos os domínios, também pode
construir e programar máquinas, que trabalharão vinte quatro horas
sobre vinte e quatro horas e sete dias na semana, sem interrupção,
para produzir uma versão melhorada de si mesmas, até produzirem uma
superinteligência, algo que nos ultrapassará sempre e em todas as
ordens de grandeza, chegando o momento de uma "singularidade", isto é,
tudo quanto existiu ao nível cultural até então ficará obsoleto. "A
superinteligência será a última invenção da espécie humana e marcará o
fim desta sobre a Terra. A existência de uma inteligência milhares de
vezes superior à nossa só pode levar à nossa desclassificação e mesmo
ao nosso desaparecimento."

A espécie humana vai desaparecer na forma em que a conhecemos? Não há
problema, pelo contrário, pois, segundo Raymond Kurzweil, que em 2005
escreveu uma obra famosa com o título The Singularity Is Near e que
dirige uma universidade com esse nome, tornar-nos-emos nós próprios
máquinas, em fusão com elas, para um novo estádio da evolução. Já não
se trata de simples "trans-humanismo", melhorando o homem,
enxertando-lhe componentes electrónicas: "O fim último é ser capaz de
descarregar uma consciência humana num material informático. A
humanidade acederá assim à imortalidade." (B. Jousset-Couturier
informa que, quando interrogado em que é que se veria reincarnado, o
Dalai Lama não exclui a possibilidade de ser num computador.)

Questões imensas que obrigam a pensar. Mesmo se estamos ainda, em
múltiplos domínios, apenas no plano da ciência-ficção.

(3)

As novas tecnologias, que têm que ver com as NBIC (nanotecnologias,
biotecnologias, informática, ciências cognitivas, isto é, ciências do
cérebro e inteligência artificial), não deixam de nos surpreender
constantemente, de tal modo que transformar e melhorar a espécie
humana deixou de ser ficção. A identificação do processo CRISPR/Cas9
permite modificar o mapa genético, escrevendo a este propósito a
investigadora Maria do Carmo Fonseca: "Pode ser que pela primeira vez
o homem seja capaz de mudar o seu próprio código genético e a longo
prazo concretizar o sonho de melhorar a nossa espécie. Não vamos ser
imortais, mas poderemos ser super-homens." E criar uma nova espécie,
com a bifurcação da humanidade?

Os êxitos da computação são igualmente estrondosos nas suas inovações.
Assim, por exemplo, já se estreou o primeiro filme escrito por um robô
e ninguém deu conta; um robô foi dando aulas online durante um
semestre e ninguém se apercebeu; um computador bateu o campeão do jogo
GO e outro, programado pela IBM, bateu o campeão de Jeopardy, um jogo
no qual são apresentadas as respostas sobre os mais variados temas -
história, literatura, ciências - e os concorrentes têm de formular as
perguntas correspondentes. As capacidades dos computadores aumentarão
incomensuravelmente a cada dia. Em Fevereiro de 2017, cientistas de
vários países anunciaram que está em marcha uma nova revolução
tecnológica, com o projecto de construção do computador mais poderoso
de sempre, um computador quântico.

Aquele que é considerado o maior físico teórico da actualidade,
Stephen Hawking, não tem dúvidas quanto a isso, perguntando apenas até
que ponto isso trará benefícios para a humanidade, como disse em 2015:
"A um dado momento, nos próximos cem anos, os computadores superarão
os humanos graças à inteligência artificial. Quando isso ocorrer,
temos de assegurar-nos de que os objectivos dos computadores coincidam
com os nossos." Não é o único a prevenir. Luc Ferry e Jean Staune
chamam a atenção para os avanços da computação, nomeadamente no
domínio dos robôs, mas citam um conjunto de industriais visionários
como Elon Musk, responsáveis de grandes sociedades informáticas como
Bill Joy, matemáticos e especialistas em inteligência artificial, que
escreveram uma carta aberta apelando ao estabelecimento de uma
moratória sobre os progressos nestas matérias, pois o aparecimento de
uma superinteligência poderia ser a grande ameaça para a espécie
humana no século XXI. Hawking, de novo: "Conseguir criar uma
inteligência artificial seria um grande acontecimento na história do
homem. Mas também poderia ser o último" e, em Março de 2017, em
entrevista ao The Times, chamou de novo a atenção, em ordem à
sobrevivência, para a necessidade de controlo dos instintos agressivos
da humanidade, e apelou à criação de uma "espécie de governança
global", para conter os perigos da inteligência artificial. No mesmo
sentido, Elon Musk advertiu que os seres humanos, para se não tornarem
irrelevantes, vão ter de se fundir com a inteligência artificial. E
Bill Gates: "Eu sou daqueles que se inquietam com a superinteligência.
Num primeiro tempo, as máquinas realizarão numerosas tarefas em nosso
lugar e não serão superinteligentes. Isso deveria ser positivo, se
gerirmos a coisa bem. No entanto, algumas décadas mais tarde, a
inteligência será suficientemente poderosa para pôr problemas.
Concordo com Elon Musk e outros e não compreendo porque é que as
pessoas não se inquietam."

Estão aí perigos consideráveis, como robôs inteligentes assassinos, a
decisão de matar este ou aquele. E há toda uma nova zona de
inquietações à volta de uma sexualidade robótica, como teorizou Ian
Pearson no artigo "The rise of the robosexuals". Para não citar a
urgência em rever toda a problemática do trabalho, devido à destruição
de inúmeros campos de emprego por causa da robotização.

Evidentemente, temos de saudar os imensos benefícios que chegarão
mediante o uso das novas tecnologias, em vários domínios, como o
trabalho, a saúde: nanorrobôs que percorrerão o corpo detectando
doenças, cirurgias com robôs, facilitação da vida das pessoas sós e
incapacitadas, foi anunciado, já em 2017, que pacientes com esclerose
lateral amiotrófica, por exemplo, conseguem comunicar mediante um
computador capaz de "ler" os seus pensamentos...

Mas há questões imensas que obrigam a pensar e a intervir. Assim, o
Parlamento Europeu quer propor uma lei no sentido de criar um estatuto
legal específico para os robôs mais sofisticados, onde se prevê
pagamento de impostos, se substituírem os humanos em funções de
trabalho, seguros obrigatórios para cobrir danos que possam causar,
inclusão obrigatória de um botão de destruição - um kill switch. "Cada
vez mais o nosso dia-a-dia é afectado pela robótica. Para fazer face a
esta realidade e garantir que os robôs estão e continuarão a estar ao
serviço dos humanos, é urgente criar um quadro jurídico europeu
robusto", disse a responsável pelo relatório referente ao tema, a
eurodeputada luxemburguesa Mady Delvaux, que pensa também que se deve
definir claramente normas éticas para não permitir que um robô se
assemelhe demasiado a um ser humano, provocando "dependência
emocional", como se pudesse "amar" ou manifestar "tristeza". "Os robôs
não são humanos nem nunca serão", sublinhou Mady Delvaux. "Pode-se ser
dependente deles para tarefas físicas, mas não se deve nunca pensar
que um robô ama ou sente tristeza."

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

quarta-feira, março 29, 2017

# Portugal é o país da UE com maior redução de mortos nas estradas desde 2010 [-40% em 7 anos!]

http://observador.pt/2017/03/28/portugal-e-o-pais-da-ue-com-maior-reducao-de-mortos-nas-estradas-desde-2010/

28/3/2017, 12:50 CARLOS BARROSO/LUSA


Portugal é o país da União Europeia que registou um maior recuo no
número de mortos em acidentes rodoviários entre 2010 e 2016, com uma
descida de 40%, revela um relatório divulgado pela Comissão Europeia.

Portugal é o país da União Europeia que registou um maior recuo no
número de mortos em acidentes rodoviários entre 2010 e 2016, com uma
descida de 40%, revela um relatório divulgado esta terça-feira pela
Comissão Europeia.

As estatísticas de 2016 em matéria de segurança rodoviária, publicadas
pelo executivo comunitário, revelam que, entre 2015 e 2016, houve uma
diminuição de 2% do número de vítimas mortais nas estradas da UE,
tendo morrido 25.500 pessoas no ano passado, menos 600 do que no ano
anterior.

Em Portugal, registou-se uma diminuição de 10% (54 mortos por milhão
de habitantes em 2016 contra 57 óbitos em 2015), mas é na comparação
com 2010 que a diminuição é mais marcante, de -40%, já que há sete
anos morriam nas estradas portuguesas 80 pessoas por milhão de
habitantes. Esta diminuição é a mais marcante entre todos os
Estados-membros e representa mais do dobro da média comunitária, já
que, no conjunto da União, o número de mortes na estrada entre 2010 e
2016 recuou apenas 19%.

De acordo com a Comissão, que também apresentou os dados de 2016 no
Conselho informal de Transportes que decorre entre hoje e quarta-feira
em Malta — país que assegura a presidência semestral do Conselho da UE
-, "embora este ritmo seja encorajador, pode, no entanto, ser
insuficiente para que a UE alcance o seu objetivo de reduzir para
metade a mortalidade nas estradas entre 2010 e 2020". O executivo
comunitário reclama por isso "mais esforços de todas as partes
interessadas e, em particular, das autoridades nacionais e locais, que
devem executar a maior parte das atividades quotidianas, como a
aplicação da lei e a sensibilização".

"As estatísticas de hoje representam uma melhoria e uma tendência
positiva que deve prosseguir. Mas não são estes dados que mais me
preocupam, mas sim as vidas perdidas e as famílias destroçadas. Hoje
iremos perder outras 70 vidas nas estradas da UE e os feridos graves
serão cinco vezes mais. Gostaria de apelar a todas as partes
interessadas que intensifiquem os seus esforços, para que possamos
cumprir o objetivo de reduzir para metade o número de mortes na
estrada entre 2010 e 2020", comentou a comissária dos Transportes,
Violeta Bulc.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

# Legalização da prostituição: diferentes resultados de vários países

http://observador.pt/opiniao/um-trabalho-para-as-filhas-dos-outros/

Um trabalho para as filhas dos outros

Pedro Vaz Patto 26/3/2017, 8:31

Anuncia-se outra etapa da agenda "fraturante" e libertária: a
legalização da prostituição. Uma proposta apresentada, como outras que
dessa agenda fazem parte, sob as vestes do "progressismo".

Não pode, porém, considerar-se "progressista" uma proposta que se
baseia no mito da prostituição como "mais velha profissão do mundo",
que nunca deixará de existir. Tal mito reflete o conformismo de quem
se resigna a estuturas sociais injustas (como são as que conduzem à
prostituição como fenómeno social) e desistiu de as transformar. Ou
que se contenta em reduzir danos, sem os eliminar na sua raiz. Este
conformismo não se distingue completamente dos sistemas de
regulamentação da prostituição que vigoraram em vários países (também
em Portugal) em tempos passados (e nalguns casos remontam ao século
XIX).

Progressista no bom sentido da expressão (como o que representa um
verdadeiro progresso social) será, antes, o modelo que tende à
abolição da prostituição como prática intrinsecamente contrária à
dignidade humana e aos direitos humanos. É um modelo que começou por
ser implementado na Suécia e vem sendo seguido por um número cada vez
maior de países: a Noruega, a Islândia, a Irlanda do Norte, o Canadá
e, mais recentemente, a França, onde a legislação em causa foi
aprovada por uma maioria alargada e transversal. O sistema assenta na
punição de quem explora a prostituição (o proxeneta), mas também do
cliente, assim como no apoio à resinserção social das pessoas que se
prostituem, encaradas como vítimas. Na Suécia, onde o sistema vigora
desde há mais de quinze anos, o número de mulheres que se prostituem
foi reduzida em cerca de dois terços (e não só no que se refere à
prostituição de rua), tal como se reduziu significativamente a
dimensão do tráfico de pessoas com esse fim (quase desapareceu). A lei
recolhe a adesão de cerca de setenta por cento da população.

As experiências de legalização da prostituição (da Holanda e da
Alemanha, designadamente), pelo contrário, revelaram resultados
negativos em todos os aspetos. Um relatório do governo alemão, de
2007, reconhece vários desses resultados negativos. E muitas das
mulheres vítimas da prostituição consideram que a beneficiários dessa
legalização são apenas os proxenetas (que por ela se bateram), agora
promovidos a "empresários do sexo".

Desde logo, porque poucas foram as pessoas que celebraram contratos de
trabalho ao abrigo da legalização (e a garantia de direitos laborais
foi apresentada como uma das justificações para a lei). Várias são as
razões para que tal tenha acontecido.

Por um lado, porque quase nenhuma mulher quer registar no seu
curriculum laboral o exercício da prostituição, como se este fizesse
parte de uma carreira. Quase todas vêm tal exercício como uma ocupação
temporária, que pretendem apagar e mudar o mais depressa possível,
logo que surjam alternativas.

Por outro lado, porque um contrato de trabalho não comporta apenas
direitos, também comporta deveres. E é natural que se receie que, a
coberto desses deveres, a mulher que se prostitui fique impedida de
rejeitar um cliente ou qualquer exigência desse cliente.

A legalização da prostituição incrementou esta atividade em geral
(como será lógico), tornando-a das mais lucrativas, e incrementou o
tráfico de pessoas com esse objetivo. Na Alemanha e na Holanda, as
redes de tráfico estão infiltradas na prostituição legal, o que levou
o presidente da câmara de Amesterdão a revogar nuitas das licenças
concedidas a bordeis. É um dado hoje reconhecido pelas polícias de
vários países que as redes de tráfico se dirigem preferencialmente aos
países onde a prostituição é legal (como a Alemanha), muito mais do
que àqueles onde ela não o é, e ainda menos se dirigem aos que punem a
atividade do cliente (como a Suécia, onde, logicamente, a redução da
procura acarreta a redução da oferta). É compreensível que a atividade
das redes de tráfico seja mais facilmente oculta ou encoberta em
países onde a prostituição é legal do que naqueles em que toda a
exploração da prostituição não o é. Isso mesmo resulta do estudo mais
completo sobre a questão até agora efetuado, que envolveu cento e
cinquenta países (de Seo-Young Cho, Axel Dreher, Eric Neumayer, em
World Development, vol 41, 2013, pgs. 67 a 98, acessível em
www.prostitutionresearch.com).

A violência associada à prostituição e os danos que ela acarreta para
a saúde física e psíquica das suas vítimas também se incrementam com o
incremento da prostituição que resulta da sua legalização. É assim
porque não há uma prostituição "benigna", nem a legalização a torna
"benigna". A prostituição (legal ou ilegal) é sempre a
instrumentalização da pessoa, a sua redução a objeto de uma transação
comercial. Não pode equiparar-se a qualquer outra prestação de
trabalho ou de serviços. A sexualidade não pode ser desligada da
pessoa (porque a pessoa é um corpo, não tem um corpo que possa alugar
como quem aluga um objeto de sua propriedade). Ora, quando a pessoa é
reduzida a objeto, a violência e o abuso tornam-se expectáveis. Na
prostituição, a pessoa é paga para fazer o que ela nunca faria de bom
grado, ou outra pessoa nunca faria. É por isso que a prostituição é
intrinsecamente "maligna".

Os crimes de violação e abuso sexual também se traduzem na redução da
pessoa a objeto, precisamente porque a sexualidade não pode ser
desligada da pessoa (daí a sua particular gravidade no confronto com
outros crimes contra a liberdade, porque não é só esta que é afetada,
também o é a dignidade da pessoa). Por isso, não é errado equiparar o
trauma resultante desses crimes aos malefícios da prostituição (onde a
pessoa também é reduzida a objeto) e muitas das suas vítimas falam, a
propósito, em "ser paga para ser violada" (ver Melissa Farley, em
www.prostitutionresearch.com).

Confrontados com os resultados negativos das experiências de
legalização da prostituição na Holanda e na Alemanha, os proponentes
dessa legalização (incluindo os portugueses) voltam-se agora para o
outro lado do mundo, para a Nova Zelândia, onde tal sistema foi
implementado a partir de 2003. Mas os resultados dessa experiência não
são diferentes: incremento da prostituição em geral, do tráfico de
pessoas, permanência da violência, abusos e danos associados à
prostituição (também na Nova Zelândia, não há uma prostituição
"benigna"), permanência da exploração da parte do proxenetismo (sendo
ilusória a pretensão do exercício da atividade de forma autónoma, ou
em regimes de cooperativa). Sabrinna Valisce, que durante anos pugnou
por tal regime, em face dos resultados da sua aplicação, passou a
defender o sistema da Suécia (ver Melissa Farley, in
www.postitutionresearch.com, e Renee Gerligh em www.reneejg.net)

Sei que, para justificar a legalização da prostituição, se invoca a
liberdade de quem escolhe esta atividade sem coerções de qualquer
tipo, assim como a diversidade de situações em que é exercida a
prostituição, como se esta nem sempre representasse uma verdadeira
exploração, pelo menos no plano económico.

Recordo bem o que sempre ouvi a quem se dedicou toda a sua vida a
libertar mulheres da prostituição e conhece o fenómeno como ninguém em
Portugal, Inês Fontinha: «nunca conheci nenhuma mulher que me disesse
que queria ser prostituta». A alternativa para essas mulheres não é
certamente uma carreira profissional mais ou menos gratificante. A
alternativa é, quase sempre, a fome e a exclusão social. Na origem
destas escolhas estão situações de acentuada vulnerabilidade, onde
também se incluem a toxidodependência ou a ocorrência de abusos
sexuais na infância e adolescência (ver, por exemplo, Roger Matthews,
Prostitution, Politics and Policy, Routledge-Cavendish, 2008). Não é
por acaso que, por exemplo, a grande maioria das mulheres que se
prostituem na Alemanha provem dos países mais pobres da Europa de
Leste. E – dizem-no vários estudos – cerca de noventa por cento das
mulheres que se prostituem optaria por outra atividade se tal
oportunidade lhes fosse concedida. Falar em liberdade de escolha
nestas situações é fechar os olhos à realidade.

Não será sempre assim… Mas as situações em que não é assim são uma
minoria, são a exceção que confirma a regra. E quando se elaboram
leis, ou quando se legaliza uma atividade, é a regra que deve ser
considerada, não a exceção. Legalizar a prostituição pensando nas
poucas mulheres que a escolheram entre alternativas benéficas não é
sensato, porque acaba por consagrar e consolidar uma prática que a
maioria vive como uma opressão.

Em suma, quando se fala na legalização da prostituição como se de um
qualquer outro trabalho se tratasse (o "trabalho sexual"), como um
"trabalho" que sempre existiu e sempre continuará a existir, ninguém
certamente pensa nas suas filhas, pensa sempre nas filhas dos outros…

Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

segunda-feira, março 27, 2017

# Forget politics - tech will shape our futures

http://news.pbs.up.pt/international-outlook/179/forget-politics-tech-will-shape-our-futures


The history of the world is but the biography of great men," wrote the
historian Thomas Carlyle in 1841. This so-called Great Man Theory of
History has long since been discredited. Most historians now believe
that kings and presidents have relatively little impact on ordinary
people's lives. Demography, climate and technology matter much more.

Texto de Simon Kuper, Source: FT Newspaper • Sex, 24/03/2017 - 14:46

The history of the world is but the biography of great men," wrote the
historian Thomas Carlyle in 1841. This so-called Great Man Theory of
History has long since been discredited. Most historians now believe
that kings and presidents have relatively little impact on ordinary
people's lives. Demography, climate and technology matter much more.

But the Great Man Theory of History lives on in journalism. Read the
news these days and you'd think that Donald Trump and his entourage
were the key forces shaping the future. Likewise, the coming French
elections are being reported worldwide on the presumption that the
next president will change history. This focus on personalities
instead of trends is fun but misleading. Just as the smartphone
probably did more than Barack Obama to shape the past few years, so
tech and not Trump should shape the next few.

The debate about the future is currently being monopolised by the
unanswerable question of whether robots will take away human jobs. But
so much else will happen. Imagine that Trump rules for eight years. In
that time, life will change. By 2024, virtual reality will be
mainstream. Put on your VR glasses and you will be able to step
(virtually) into your boss's office in another country. Just as the
internet changed the mating game, so will VR. You can meet your new
date virtually in a beach bar or in space (though old-fashioned
exchanges of fluids will still require physically leaving the house).
New forms of entertainment will emerge: soon you will be able to stand
(virtually) on FC Barcelona's field watching Lionel Messi dribble
towards you or see the late Laurence Olivier star in a new film.


Today we live between digital and physical worlds - think of a father
toggling between his smartphone and child. VR will let us inhabit the
virtual and physical worlds simultaneously. Younger people could fall
victim to a new psychological disorder: "reality disassociation".
"They won't know what's reality any more and what isn't," says Liisa
van Vliet, a biochemist at the University of Cambridge.

VR will change life for the fastest-growing cohort of humans: the old.
Life expectancy is already rising for almost every group in developed
countries except the American white working class. South Korean women
could soon become the first people with an average lifespan of 90
(presuming there is no North Korean missile strike). Personalised
medicine should accelerate the upward trend. Sensors in your body will
tell you when you need to take your medicine, and warn you before your
heart attack happens. The rich will pay to replace bad genes and
failing body parts.

Already, many countries cannot care for all their oldies. Soon even
nativist governments may have to let in migrant carers. Forecaster
George Friedman predicts that by 2030, rich countries will be offering
bounties to lure immigrants.

Once robots replace human drivers and cashiers, many western
working-class people may move into care jobs. More likely, though, are
robot carers (already being built in Japan). When grandma's robot
signals that she hasn't boiled her kettle at the usual time, then a VR
carer will step into her flat to check on her. One VR carer could
"visit" 30 elderly people a day.

Many will find old age unbearably long and lonely. Dutch politicians
are now arguing about a possible new law on "completed life", which
would allow healthy oldies to commit euthanasia. Just as the Dutch
pioneered gay marriage and legal marijuana, this idea, too, could go
global.

Meanwhile, Germany and California are pioneering the shift to wind and
solar energy. The Energiewende, as Germans call it, won't stop climate
change. Miami could be the first city in the west to depopulate, as
hurricanes and rising sea levels make home insurance unaffordable.
(Trump will have little impact on climate, given that other
governments aren't taking sufficient measures either.) The
Energiewende may decimate Russia's fossil-fuel economy. Still, Russia
will remain a big power because military technology is shifting too:
from human combatants to cheaper robot soldiers and cyber warfare.
Ireland's 1916 Easter Rising centred on the capture of Dublin's
General Post Office, notes Dan Plesch of London University's School of
Oriental and African Studies. "We are getting our heads around the
fact that cyber is now the equivalent."

This could render most of the US's human soldiers redundant. Trump
will need to find other ways to make America great again. He has
increased the frequency of drone strikes by 432 per cent from Obama's
presidency, and is developing an earlier US interest in the idea of
limited nuclear strikes (which could "take out" thousands of people by
way of warning).

But Trump won't create this future. He may imagine himself as the
rider guiding the horse of history. In truth, he's hanging on to the
horse for dear life as it carries him in directions he never imagined.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

quarta-feira, março 15, 2017

# Igreja: Onde estão os jovens?

Onde estão os jovens? Esta é uma interrogação comum nas paróquias
católicas de vários países, e em breve os responsáveis da Igreja vão
poder entender porque é que tantos deixaram as comunidades eclesiais.
Em janeiro o Vaticano convidou os bispos a responderem a um
questionário de 20 perguntas sobre os jovens, de modo a preparar o
sínodo de outubro de 2018, que se centrará no tema "Jovens, a fé e o
discernimento vocacional". O documento sublinha que os episcopados não
devem só olhar para os jovens que participam na Igreja, mas também
para aqueles que estão afastados.

Nos EUA, um estudo realizado pelo Pew Research Center em 2009 concluiu
que entre os católicos que se afastaram da Igreja, 80% optaram por
essa decisão antes dos 24 anos. Se os bispos de qualquer país
desejarem saber porque é que a juventude se distancia, podem começar
por estes. Perceberão que o motivo tem menos a ver com a ausência de
crença e mais com o facto de os mais novos quererem uma Igreja em que
possam acreditar.

Entre as várias causas apontadas no estudo para o abandono, um número
relativamente alto aponta para os ensinamentos da Igreja sobre a
sexualidade, com 56% dos inquiridos a declarar que não se sentem bem
com ele. Há também 48% das pessoas que saíram da Igreja a relatar que
não concordam com o magistério sobre o controlo dos nascimentos.

Uma investigação mais recente, realizada em 2014 pela PRRI, mostra que
os jovens católicos sentem que os grupos religiosos são demasiadamente
críticos sobre questões relacionadas com a homossexualidade. A
percentagem de inquiridos que subscreve esta posição situa-se entre os
56% e os 59%, de acordo com a idade.

A sondagem de 2009 também revela que 39% católicos jovens deixam a
Igreja por causa da maneira como os seus responsáveis tratam as
mulheres. Mesmo entre os católicos que continuam a participar, uma
larga maioria gostaria de ver mudanças para elas.

«Olhando para as sondagens ao longo do tempo, tornou-se muito evidente
que a longa lealdade das mulheres em relação à Igreja e compromisso
com o catolicismo já não podem ser tomados como garantidos»,
consideram os autores do livro "American catholics in transition"
(Católicos americanos em transição), escrito em 2013 por William
D'Antonio, Michele Dillon, and Mary Gautier. Os autores notam uma
trajetória em declínio durante os últimos 25 anos cuja intensidade
ainda não ocorreu entre os homens.

«Diferentemente das suas avós e mães, as mulheres católicas nascidas
após o Concílio Vaticano II [1962-1965] parecem ter menos vontade de
dar à Igreja institucional o benefício da dúvida e permanecerem leais
à Igreja e ao catolicismo enquanto esperam pela mudança», declaram os
sociólogos que redigiram a obra. Para explicar o declínio mais
acentuado da presença das mulheres nas comunidades cristãs, os autores
avançam a hipótese de se dever ao facto de muitos dos ensinamentos
acima mencionados afetarem a personalidade feminina.

É interessante notar que entre os motivos dados pelos católicos para
deixarem de participar, no estudo de 2009, não mais de 8% referiram
que a Igreja se afastou demasiadamente das práticas tradicionais, como
a missa celebrada em latim.

Poder-se-ia pensar que aqueles que deixam a Igreja nunca foram
"verdadeiros crentes". Ao contrário, a investigação de 2009 revela que
apenas 4% dos inquiridos afirmaram que «não acreditam em Deus/Jesus».
As pessoas que cresceram como católicas, quer aquelas que abandonaram
a Igreja quer as que ficaram, referem níveis de participação em aulas
e grupos, durante a infância, praticamente iguais.

Não estamos a perder jovens católicos que foram batizados e nunca
puseram os pés numa igreja; estamos a perder os jovens e jovens
adultos que esta semana estão sentados ao nosso lado nos bancos da
igreja e poderão não estar de regresso no próximo domingo.

Na minha experiência, tendo trabalhado com muitos jovens adultos
católicos durante mais de uma década, aqueles que deixam a Igreja
fazem-no muitas vezes para preservar o espírito que neles habita. Os
jovens católicos querem agarrar-se à sua integridade e sentem que não
podem rezar no altar de uma religião que não pratica o que prega.
Outras vezes, a sua razão para abandonarem é precisamente a pregação,
quando a mensagem da homilia se torna política ou nociva.

Além de criarem novos programas ou maneiras de atrair os jovens, os
responsáveis eclesiais também precisam de responder a algumas das
preocupações mais profundas, que incluem injustiças estruturais e
ensinamentos nocivos que estão a levar os jovens adultos fiéis para
fora das portas da Igreja. Mas ao mesmo tempo muitos, incluindo eu,
empenharam-se em ficar.

Por isso, quando ouvir alguém perguntar «onde estão os jovens?»,
diga-lhe que estamos aqui. Alguns tiveram de abandonar, em boa
consciência ou para o seu próprio bem-estar, mas outros decidiram
permanecer católicos a longo termo. As razões para ficar são muitas,
incluindo o nosso amor pela fé, a nossa gratidão pela tradição e o
facto de sabermos que se trabalharmos juntos, podemos criar uma Igreja
melhor.

Às vezes esqueço-me, mas tento lembrar-me que estou a seguir o rasto
de outro jovem adulto, chamado Jesus: uma pessoa de fé marginalizada
que mostrou à sua religião e à sua sociedade que o amor, efetivamente,
triunfa - mesmo diante do ódio, mesmo sobre o poder da morte.

Hoje, acredito que muitos jovens católicos adultos estão a tentar, à
sua pequena medida, fazer o que Jesus fez: ter a certeza de que o amor
firma raízes e cresce nos nossos ensinamentos da Igreja, nas nossas
políticas públicas. Talvez nunca antes na minha vida eu tenha sentido
um desejo tão grande de permanecer unida ao legado de Cristo,
trabalhando para uma sociedade e uma Igreja em que podemos acreditar.

Nicole Sotelo
In "National Catholic Register"
Trad.: SNPC
Publicado em 14.03.2017

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

terça-feira, março 14, 2017

# Luis Miguel Cintra. O Papa "ao mesmo tempo surpreende-me e encanta-me"

http://rr.sapo.pt/noticia/78241/luis_miguel_cintra_o_papa_ao_mesmo_tempo_surpreende_me_e_encanta_me

13 mar, 2017 - 09:52 • Matilde Torres Pereira

O actor e encenador, para quem "o encantamento com a vida" é o "ponto
de partida" para a fé, conversa sobre a sua reaproximação à Igreja,
hoje "sem pompas", e os quatro anos de pontificado de Francisco, que
classifica como um "milagre" na sua vida. "Esta vinda a Fátima provoca
uma grande revolução dentro da minha cabeça."


Dizendo prontamente ter "gosto em dizer tudo o que forem coisas sobre
o assunto" - leia-se Papa -, Luis Miguel Cintra fala à Renascença no
gosto pela vida, na "necessidade de ter um sentido", e em como é
"tonto" o medo que as pessoas têm de se enganar no que toca às
questões da fé. Ao longo de uma carreira de quase 50 anos como actor e
encenador, debateu-se sobre elas também nos palcos. A peça "Miserere",
a encenação "Fingir Verdadeiro" ou o filme "Acto da Primavera" de
Manoel de Oliveira são exemplos disso mesmo: uma vida inteira de
"interrogações sucessivas sobre o que era ter um credo".

Estive a ler a entrevista que lhe fiz há três anos e a recordar o que
falámos na altura, por ocasião de o Manoel de Oliveira ter ficado
doente. Disse-me uma série de coisas que queria agora repescar para
ver se ainda fazem sentido. Uma delas foi que "para a gente perceber
alguma coisa da vida, é preciso perceber que a vida não é individual,
é a vida da humanidade, é de tudo". Gostava de aproveitar esta frase
para lhe perguntar qual é a sua história de conversão pessoal.

Não houve propriamente uma conversão, porque convertido já estava
desde o princípio.

Vamos então falar em reconversão...

Está bem. O que há é um período grande da vida em que andei demasiado
metido em coisas concretas e muito importantes em si próprias e tudo
isso, mas sem ter tido necessidade de ter um olhar mais distante e ao
mesmo tempo mais íntimo…Olhar para perceber a pequenez de cada pessoa.
É a necessidade de ter um sentido naquilo que a gente faz. Quando se
começa a dizer isso, é com certeza quando a gente começa a pensar que
já fez algumas coisas e que provavelmente vai haver uma altura em que
pára. No fundo, as pessoas que têm este pensamento são as que gostam
de viver, não é?

Em alguns espectáculos que fiz dei-me conta de alguns desses
problemas, como o caso do "Auto da Alma" (a que a gente chamou
"Miserere"), muito uma coisa de interrogações sucessivas sobre o que
era ter um credo e o que era aceitar uma doutrina que foi já pensada.
Coisas desse género já estavam nos meus espectáculos: o "Fingir
Verdadeiro" baseado numa peça do Lope de Vega (mas que é a história de
São Gens, um mártir), sobre um actor que se converte quando está a
representar a figura de um católico. Porque representa tão bem,
convence-se mesmo que é verdade aquilo em que está a acreditar como
personagem. Tudo isso são coisas que se foram acrescentando e que
acabaram por fazer mais sentido com o empurrão de algumas outras
pessoas e circunstâncias da vida, voltando a estar inserido dentro da
Igreja e a ir à missa; voltando a confessar-me, voltando a alguns dos
preceitos que tradicionalmente fazem parte dos que são praticantes.

Foi muito importante assistir à reacção que as pessoas tiveram quando
o padre Tolentino [Mendonça] me desafiou para fazer a apresentação de
um livro dele de orações relacionado com o site Passo-a-Rezar (para o
qual já me tinham convidado mas com o qual eu discordo completamente e
de que não gosto nada)... Mas achei, "do padre Tolentino gosto, e das
poesias que escreve também, muito", portanto achei que devia aceitar o
desafio.

Na sessão de apresentação, a minha posição era um bocadinho crítica em
relação à Igreja, exprimia um desejo de que as pessoas não se
sentissem oprimidas ou limitadas ou mesmo envergonhadas pela sua
acção, mas que, pelo contrário, se sentissem estimuladas, contentes
por pertencer. Padres como o padre Tolentino, e outros, porque não é
só ele, davam a entender que era possível existir uma renovação da
Igreja no sentido da fraternidade entre as pessoas; as pessoas se
sentirem numa simplicidade absoluta e, sobretudo, a assunção dos
princípios básicos do Cristianismo que tinham sido afogados na criação
de uma estrutura de poder hierárquica.

As pessoas reagiram tão bem, tão bem, tão bem àquilo que eu disse que
até fiquei assustado. As que estavam presentes diziam: "Mas tu
disseste exactamente o que a gente pensa". Inclusive alguns futuros
sacerdotes, seminaristas que estavam e que me vieram abraçar de
contentamento de alguém dizer uma coisa assim. Fiquei tão contente,
porque percebi que de facto é um erro a gente pensar na Igreja como
sendo o Vaticano, a estrutura de poder. A Igreja não é isso. A Igreja
são todas as pessoas que acreditam. E, provavelmente mais até do que
na hierarquia, o futuro da Igreja estará nas pessoas que acreditam
mesmo ou que julgam acreditar.

Deu-se-me uma grande transformação nisso. Também fui ajudado muito
pelo contacto com as quatro monjas dominicanas do Lumiar que têm um
convento pequenino onde também costumo ir à missa. Muitas vezes
converso com elas e às vezes convidam-me para almoçar. A gente convive
também com pessoas que lá vão e que têm uma atitude simples, de igual
para igual. No fundo, não há nada que meter medo, nem pode haver
hierarquias numa coisa deste género. Ter uma posição religiosa e ter
uma fé religiosa é uma coisa de uma extrema liberdade. Só se pode ter
fé se se quiser. E se não quiser também ninguém tem nada com isso. É
um terreno de liberdade pura numa coisa que tem a ver, a meu entender,
com os conceitos de cidadania também.

A gente quando fala na política e em cidadania pensa numa maneira de
organizar-se com os outros. É uma consciência de que somos uma
sociedade e que há uma responsabilidade de toda a sociedade em cada
cidadão. A responsabilidade existe em determinados temas e em
determinados campos limitativos de todas as capacidades do ser humano.
Quando se trata de uma fé religiosa, não. A responsabilidade é sobre
tudo.

No caso mais explicitamente católico, tem a responsabilidade dos
filhos de Deus. Da criação de Deus. Se a gente acredita que faz parte
da criação de Deus, de que é parte integrante, tem uma
responsabilidade gigantesca. Nem que seja por causa de acreditarmos
que somos povo de Deus. Ora, uma obra de Deus não se vai portar muito
mal, com certeza. E tem um sentido de responsabilidade enorme.

Falou no medo, agora há instantes; é o medo que afasta as pessoas.
Como é que o Luis Miguel Cintra pode ter medo da estrutura da Igreja?

Eu falei em medo? Nem reparei. Mas é evidente que há um medo...
Diga-me lá como é que eu falei em medo?

Agora mesmo - se calhar estou a tirar do contexto – mas falou naquilo
que as pessoas sentem às vezes ao serem convidadas – no seu caso foi o
Passo-a-Rezar, mas falo no medo de participar. Esse medo talvez de
exprimirem a sua livre opinião.

Sim, sim, sobretudo as pessoas que estão ligadas à hierarquia da
Igreja. Porque, isso tenho visto muitas vezes, que não podem, por
causa dos votos que fizeram, não podem propriamente traí-los no
sentido de começarem a ter um ponto de vista como se fosse exterior à
Igreja e criticarem a Igreja. Isso não pode ser.

Por outro lado, é contraditório com a noção de Igreja tal como Cristo
a transmitiu, ou pediu aos discípulos que transmitissem, a ideia de
pessoas com medo de desobedecer. Se a gente pensar bem, foram os
discípulos que inventaram toda a Igreja. E foram os discípulos que
inventaram a própria religião como objecto de fé. Não foi Cristo que
deixou escrito nalgum sítio.

Os discípulos contaram que Ele disse, contaram que Ele fez, contaram
que, perante isso tudo, nós os descendentes desse homem extraordinário
podemos pensar determinadas coisas que ele terá proferido e a que terá
dado um sentido com a sua presença na terra.

No fundo, quem formulou a religião cristã foram os discípulos de
Cristo. Muitos deles não o conheceram. Alguns dos evangelistas não o
conheceram. Não há razão nenhuma para ter receio de coisa nenhuma.
Acho que as pessoas têm medo de se enganarem, mas é tonto esse medo de
se enganar, porque realmente não é uma matéria comprovável, nada, e
ninguém nos pode acusar de coisa nenhuma, a não ser de coisas que
façam mal aos outros. Coisas que sejam violações do bom comportamento
perante os outros cidadãos.

Coisa que aconteceu, por exemplo, na Inquisição em relação ao
comportamento da Igreja. Não é difícil fazer a distinção se é um
comportamento justificável religiosamente ou não. O que é preciso
perceber é que estavam seres humanos a condenar outros seres humanos à
morte, por serem de determinadas opiniões contrárias às deles. E isso
é do mais anticristão que se possa imaginar. No entanto era uma coisa
assumida como a tal autoridade, e as pessoas tinham medo da
Inquisição. Isso é que não pode ser.

Uma coisa que me disse na entrevista antiga foi que "a nossa religião
é uma religião em que o dado fundamental é que Deus foi homem, e isso
é uma coisa muito importante. E é através da humanidade que se chega a
Deus". A minha pergunta é porque é que para si é importante esta
noção, ao invés de dizer, por exemplo, através da arte, do teatro, ou
da literatura - tudo bem que são criações humanas - mas podem existir
também num plano espiritual?

Isso funciona com o Manoel de Oliveira porque é uma posição muito
paralela. Quando a gente vê o princípio do "Acto da Primavera", ele
chama à filmagem da representação da Paixão de Cristo pelos camponeses
daquela aldeia "Acto da Primavera". A Primavera é o nascimento disso
tudo. É o regresso, é o ciclo da vida - a vida propriamente dita, essa
coisa em que a gente está inserida e que vê à nossa volta. É um
mistério tão grande e é uma coisa tão impossível de perceber que só
pode ser divina. O encantamento com a vida em todos os seus aspectos é
uma coisa que é sinónima da alegria. E o Manoel de Oliveira começa o
"Acto da Primavera" dessa maneira, com uma espécie de invocação, tal
como o São João faz, no princípio do Evangelho antes de haver o mundo
– "no princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus", e por aí
adiante. Esse encantamento com a vida é que é o ponto de partida para
mim.

E como é tão misterioso, tão maravilhosamente misterioso e
inexplicável, eu sinto a necessidade de considerar a vida divina. Com
todas as contradições que tem e com todos os seus maus aspectos e tudo
isso, porque também faz parte da vida...se fosse só de uma cor,
provavelmente não era tão misteriosa. É exactamente essa complexidade
dessa coisa esquisita: porquê? Porque se junta uma operação química
que se estabelece entre duas células, uma masculina outra feminina? É
bocado pouco explicação, não é?

Sim, é um bocadinho pobre.

No caso do homem então é uma coisa incrível. Mas mesmo nas plantas, e
nos animais, e nisso tudo. São fenómenos extraordinários.

Vindo agora dar ao tema que é a razão de ser desta entrevista. Faz
quatro anos da eleição do Papa Francisco. Aquilo que pensava há três
anos em relação ao seu pontificado mantém-se? Disse-me: "Finalmente
alguém tem a ousadia de mostrar coisas que são evidências para tantas
pessoas". Ainda pensa assim?

Penso, penso, até muito mais do que isso. Acho que foi uma coisa
absolutamente extraordinária a eleição do Papa Francisco e acho que,
no fundo, só foi preciso uma simplificação da atitude e uma
desconstrução do lugar de poder dentro da hierarquia da Igreja. Fica
claro, cada vez mais, que com um Papa que obviamente nega tudo aquilo
que foi construído dentro dos eclesiásticos com a reprodução das
relações de poder nos órgãos de poder - que não têm a ver com religião
- quando o Papa nega isso; não dorme no Vaticano porque gosta mais de
estar mais perto de outras pessoas que não têm tantas pompas, quer
fugir, provavelmente, das intrigas que surgem no dia-a-dia. A sensação
que dá é que não há nada a esconder nem a impor, e que o Papa é uma
pessoa como as outras. A mim faz-me imenso sentido e ao mesmo tempo
surpreende-me e encanta-me. Porque o esforço do Vaticano ao longo dos
séculos foi sempre no sentido contrário: o de criar pompa, criar
autoridade, criar admiração, criar mistério, no sentido de ser
ilusionista. Criar milagres esquisitos e coisas que as pessoas não
podem entender, para as pessoas se sentirem pequenas e o funcionalismo
da Igreja se sentir grande.

Ora este Papa faz exactamente o contrário. O fundador da Igreja foi o
São Pedro, que é o mais disparatado de todos os apóstolos. É aquele
que se engana sempre, é aquele que trai e que se arrepende e que
chora. São coisas que são tão humanas que é como se houvesse já ideia
inicial dos membros da Igreja uma sensação de tolerância em nome de
uma outra coisa muito mais importante do que a autoridade uns sobre os
outros - o que a gente reconhece neste Papa. Depois o próprio facto de
escolher o nome "Francisco", pensando no santo mais simples de todos,
o São Francisco de Assis, é outra coisa. Está cheio de gestos
simbólicos a toda a hora, o que também acho maravilhoso.

De repente dá-se por isso: que uma das coisas que compete fazer aos
Papas é justamente fazer gestos e atitudes, frases simbólicas. Na
religião é com símbolos que falamos e com símbolos que pensamos. E ser
religioso é também isso, é convocar, através de um símbolo, pessoas
que pensam coisas diferentes mas que estão de acordo no sentido básico
daquele símbolo que convocou.

Vamos ter o Papa em Fátima, em breve…

Fico encantado. Esta vinda a Fátima do Papa para mim provoca-me uma
grande revolução dentro da minha cabeça, mas é uma coisa que acho
fantástica de ousadia. Fátima é tida para muitas pessoas e muitos
católicos que não são portugueses como uma questão duvidosa.
Aconteceu-me isso durante muito tempo. E não só a mim, para gerações
como a do meu pai. As pessoas hesitam porque lhes custa acreditar,
primeiro, no que é um milagre. Acham, e com razão, que a Aparição da
Virgem Maria, segundo aqueles pastores, naquele sítio, foi aproveitada
como propaganda fascista e como maneira de manipular as pessoas, o que
ultrapassou os próprios pastores.

Antigamente tinha repugnância em entrar no Santuário de Fátima,
educado como fui por um católico muito praticante e muito sério como
era o meu pai. O meu pai dizia-me: "Não vás a Fátima, não vás porque é
uma coisa que te faz mal à cabeça". Mas eu já voltei a Fátima e não
vou como irão outras pessoas que fazem promessas, que vão com uma
crença num milagre dos pastorinhos e na aparição da Virgem Maria. Eu
não sei se os pastorinhos viram a Virgem Maria ou se não viram a
Virgem Maria... Não viram, com certeza, porque a gente não pode viver
a meias - num sítio de uma maneira e noutro sítio de outra. Eu não
posso acreditar no que diz a ciência e depois chegar ao dia 13 de Maio
e acreditar que de repente apareceu a Virgem Maria no céu. Não faz
parte da minha maneira de pensar na religião, é outro assunto. É como
se fosse um truque de ilusionismo.

Mas o que eu sei que é verdade, e isso é que já faz parte da minha
religião, é que muitas, muitas, muitas centenas de milhares de pessoas
acreditam de uma forma extremamente generosa, excedendo-se a si
próprias, deixando-se ser irracionais até, na aparição da Nossa
Senhora, e acreditam que ela é capaz de fazer milagres e de curar as
pessoas. Isso merece-me um enormíssimo respeito.

Acho que é preciso que a Igreja seja capaz até de ver como dentro de
si própria existem coisas contraditórias. É um acto de generosidade
muito mais pura do que noutros casos em que se mistura com o cinismo
do mundo contemporâneo. A maneira de interpretar tudo como se fossem
negócios. O utilitarismo das atitudes de toda a gente. Merece o máximo
respeito que o Papa se desloque a Fátima ao mesmo tempo que está a
fazer acreditar numa renovação da Igreja. Num sítio onde há uma das
manifestações mais tradicionais, ou mais reaccionárias, se quiser, do
Cristianismo, pratica um gesto simbólico com um valor imenso. Ainda
maior admiração fico por ele.

Tinha visto uma vez na televisão a atitude do Papa nas festas de Nossa
Senhora da Aparecida no Brasil. Havia uma negra que vinha com uma
criança e com uma imagem, uma confusão assim de coisas obviamente de
pouca natureza religiosa e mais de curandeiros e coisas menos puras
(julgamos nós! Com a nossa inteligência de se querer superior!) O Papa
não se preocupou naquele momento com a Nossa Senhora da Aparecida nem
com a imagem da Nossa Senhora preta nem nada dessas coisas. O que se
preocupou foi com aquela criatura que vinha ter com ele a pedir-lhe
para benzer o filho. Com um ar de que não se importava nada de ser
visto de certa maneira, a negar a solenidade mágica da festa em que
estava inserido. Isto acho fantástico.

O Luis Miguel já teve alguma vez oportunidade de se encontrar com o
Papa Francisco?

Não, não estive não. Isso não. Não me importava nada de estar, mas não
estive. Quando esteve cá o anterior Papa, o Bento XVI, fui convidado
para a sessão em que ele recebeu os intelectuais e em que eu achei que
não queria ir. Achei que era uma sessão demasiado mundana para o que
eu achava naquela altura de dúvidas e de afirmação de um regresso ao
catolicismo que era um bocadinho problemático para mim. Estar a ir
beijar a mão ao Papa, eu achava que não fazia sentido. E disse: eu
tenho de ter a coragem de não ir. E não fui.

Depois vi aparecer o Manoel de Oliveira. Que fez exactamente igual ao
que eu tinha feito no filme dele sobre o padre António Vieira, com ele
no lugar do Vieira e o Bento XVI no lugar do Papa de então em Roma
[risos]. De repente disse assim; "Oh meu Deus, então mas estas pessoas
ensinam as coisas umas às outras, agora que vi ali o Manoel de
Oliveira naquilo, já me arrependo de não ter estado!". Escrevi ao
Manoel de Oliveira uma longa carta a dizer isso: "Ó Manel, desculpe,
mas quando o vi lá a conhecer o meu Papa, fiquei com pena de não ter
ido ao beija-mão". Ele depois respondeu-me assim: "Pois, foi pena se
calhar não ir, mas olhe, nem tudo está perdido, porque o resultado de
não ter ido foi uma bela carta que eu recebi por ocasião disso!". E
era a minha carta [risos].

Lembro-me de me ter contado esta história e de me ter dito que o
Manoel de Oliveira disse: "Lembre-se da frase do padre António Vieira,
'terrível palavra é o non'". Para fechar, pergunto-lhe se a eleição do
Papa Francisco coincide com o seu momento de reaproximação à Igreja, e
se os dois momentos estão ligados.

A minha ligação à Igreja é prévia.

Pois.

Foi se calhar um milagre que me fizeram. Lá no céu. [risos]

E agora, está mais "sim" do que "non"...?

Sim, sim. Há uma coisa que a gente vai aprendendo a pouco a pouco, que
é a aceitar as dúvidas e a aceitar a humildade como maneira de viver.
Porque o corpo também envelhece, a gente percebe que não é superforte
como acredita que é em determinada altura da vida, começa a perceber
que fez muitas confusões, enganou-se muitas vezes, mas muitas vezes
não se enganou. Tudo isso dá uma relação mais tranquila e mais
confiante com essas coisas da fé.

Nunca me esqueço, em relação a essa coisa dos milagres, que o próprio
rapaz que fazia de Jesus Cristo no filme do Pasolini ["O Evangelho
segundo São Mateus", 1964] conta esta história: que o Pasolini, quando
chegou a essa altura de filmar os milagres, teve uma crise nas
filmagens porque até à última da hora não sabia se havia de filmar ou
não porque não acreditava em milagre. Como é que podia, não
acreditando em milagres, ir filmá-los? Acabou por decidir filmá-los
como fazendo parte da narrativa do que pensaram aquelas pessoas que
escreveram os evangelhos e que acreditaram que era um milagre.

Perante a narrativa dos milagres, a coisa mais importante é sempre a
frase de Cristo: "A tua fé te salvou". Porque é tão subjectivo. É
dizer, não fui eu que te salvei, foi aquilo em que tu acreditaste. Não
interessa se é verdade ou se é mentira, interessa é se a pessoa
acreditou, e isto é uma lição muito importante. Para que isso
aconteça, é preciso haver uma liberdade de escolha e de atitude que a
própria Igreja estimule, para que as pessoas sintam que não precisam
de deixar de ser católicos para estarem contra.

O Papa está farto de dizer isso. Os debates sobre a própria Igreja têm
lugar e têm que ter lugar dentro da própria Igreja, porque há outra
coisa mais importante do que tudo: a fé.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

segunda-feira, março 13, 2017

# Marcos Piangers - “Somos a melhor geração de pais, a mais esforçada e a mais preocupada”

http://observador.pt/especiais/somos-a-melhor-geracao-de-pais-a-mais-esforcada-e-a-mais-preocupada/

[Ver videos online]

12 Março 2017 Ana Cristina Marques

É defensor dos pais participativos e vira as costas às mentiras da
paternidade. O humorista e autor do livro "O Pai é Top" explica porque
é que ainda há pais reféns dos preconceitos do passado.

É difícil não ficar a olhar para ele: os olhos são claros como a água
e a barba empresta-lhe algum carisma. Marcos Piangers fala com vontade
e ritmo, e não tem receio de partilhar a sua história enquanto
conversa com o Observador num escritório situado no coração do Chiado.
Pai de duas raparigas, Anita e Aurora, o brasileiro é autor do livro
"O Pai é Top" (editora Planeta), o resultado de dois anos de crónicas
sobre a experiência da paternidade, à venda em Portugal desde meados
de fevereiro.

Além de pai a tempo inteiro, Piangers, de 36 anos, apresenta o
programa de rádio "Pretinho Básico", assina colunas de opinião em
vários jornais brasileiros, dá palestras (já passou inclusive pelas
conferências TEDX) e tem vídeos na internet com mais de 30 milhões de
visualizações. A agenda de trabalho parece cheia, muito cheia, mas
sobrou tempo para, em entrevista, falar sobre como ainda prevalece a
ideia de que o homem é uma figura dura, que paga as contas e dá "tapa
na bunda" dos filhos em vez de os encher de mimos. Sobre como a
sociedade perpetua as desigualdades de género, coisa que os homens só
"enxergam quando têm filhas ou uma mulher guerreira". E sobre como
esta é a melhor geração de pais que alguma vez existiu.

Piangers é um pai babado e otimista que, num tom divertido, fala e
escreve sem papas na língua: "Acho que é bem libertador e bem
importante perceber que a gente já é a melhor geração de pais, a mais
esforçada e a mais preocupada. E que a melhor escola não é uma
instituição, é a sua casa. O seu filho vai aprender mais com você, com
seus exemplos. Quanto mais perto você estiver, melhor."

O livro está escrito num tom divertido mas começa com um assunto muito
sério, com a história da mãe que ponderou abortar quando estava
grávida de si. Nunca conheceu o seu pai?
Em pequeno, a minha mãe ainda acreditava que ia reencontrar meu pai
biológico e que, talvez, o meu pai biológico pudesse participar do meu
crescimento. Quando eu tinha uns dois anos a gente ia muito para a
praia. A gente vivia num balneário como Cascais, se chamava
Florianópolis, e a minha mãe me levava muito para a praia, onde eu ia
de barraca em barraca encostando nas coisas. Numa dessas caminhadas na
praia — a mãe atrás para eu não cair — eu encostei num homem que era o
meu pai. Eles [o pai e a mãe] não se viam há muito tempo, o meu pai já
tinha mudado de cidade e a minha mãe ainda tinha esperança de que ele
ficasse sensibilizado. Encostei no meu pai, ele olhou para mim — uma
criancinha tão bonitinha, loirinha –, olhou para a minha mãe,
reconheceu-a e voltou a olhar para mim. Viu quem eu era, viu que eu
era filho dele e virou a cara, como se nada tivesse acontecido.
Naquele momento a minha mãe percebeu que eu não tinha pai. Que aquele
acontecimento biológico, aquela união sexual que eles tiveram, aquela
aventura, não fazia parte da minha construção, da minha vida, porque
ele não queria fazer parte. Naquele momento ela disse "então tá, então
é comigo". Bateu no peito e pegou em mim. As amigas contam que ela
ficou muito nervosa, foi um momento muito chocante, mas a partir daí
ela me passou a criar sozinha. Eu não tive ninguém me registando como
pai. Depois de anos, quando ela namorou um outro homem que foi o pai
da minha irmã, aí ele me registou. Mas ela assumiu a criação sozinha.

Uma amiga estava dirigindo, chovia bastante naquela terça-feira. As
duas estavam nervosas, a situação, o temporal, as ruas alagadas. E a
ilegalidade do que faziam. (…) Estavam há vários minutos sem
conversar, em silêncio total dentro do carro. (…) A minha mãe estava
indo me abortar." ("O Pai é Top!", pág. 17)

Chegou a saber quem ele era?
Quando eu perguntava quem era meu pai, ela me dizia: "Tu não tem pai,
relaxa que tu não tem". Em 2015 ela descobriu que tinha cancro e para
não, enfim, talvez para não morrer… ela me falou o nome dele. Quando
ela me disse o nome aquilo foi libertador porque eu estava pensando
[durante a infância] que o meu pai era o Darth Vader ou um jogador de
futebol, alguém famoso ou rico, mas não. O meu pai é uma pessoa normal
e no Brasil isso é super comum — no Rio de Janeiro, mais de 60% das
mulheres que têm filhos pelo sistema de saúde público são mães
solteiras; mais de 60% não tem homem, os filhos não são reconhecidos.
Quando a minha mãe me falou o nome do cidadão, eu falei "pô… então é
só um cara". Foi libertador para mim porque eu passei muito da minha
infância revoltado com isso — "Ah, a minha mãe não sabe de nada, não
sabe quem é meu pai". Eu podia ter usado essa energia durante este
tempo todo pensado em minha mãe em vez do meu pai. Em vez de pensar em
alguém que não existe, pensar em alguém que existe, que está do meu
lado me tratando bem, que cuida de mim. Esse foi um momento decisivo,
que aconteceu há dois anos, mais ou menos quando o livro foi lançado.

Foi uma grande coincidência…
Foi, porque quando eu escrevi esta abertura [a introdução do livro],
eu mostrei para ela e ela estava com cancro. Ela disse "então vem cá
que eu vou-te falar" e aí ela contou. Isso não está no livro mas foi
isso que aconteceu. Eu não fui atrás dele, mas a minha mulher foi,
sorrateiramente. Botou o nome do Facebook, descobriu quem era o cara e
foi falar com ele. Ela disse que queria falar com ele e ele respondeu
logo "eu sei, eu sou o pai do Marcos". Isso só me confirma que ele
sabia o tempo todo e que não me veio procurar. Não tenho problema com
isso porque a minha mãe estava sempre lá. Família é afeto, família é
amor. É isso que a gente não percebe muitas vezes: muita gente, por
causa do livro, me vem procurar dizendo que querem encontrar seu pai
biológico… Eu entendo essa necessidade de achar a origem, mas o que
digo para todo o mundo é: "Você tem afeto, em algum lugar você tem
afeto, na sua mulher ou nos seus filhos, isso é a sua família". Às
vezes você vai procurar seu pai e se dececiona. Todos me contam que se
dececionaram — é claro, primeiro ele abandonou a sua mãe, é evidente
que ele não é uma pessoa incrível; em segundo lugar, ele é um
estranho, você não tem convivência com ele. É um esforço para você
conhecer novamente um ser humano e, depois de tanto tempo, tentar amar
aquela pessoa.

"Muitos homens querem participar na paternidade mas não têm esse
referencial, esse exemplo, ficam achando que o homem que participa é
efeminado, que é a mulher que manda nele. No momento em que se
envolve, ele percebe a realização de ser um pai participativo."

A falta de um pai fê-lo ser um pai melhor?
Acho que tem uma influência, mas todos os dias eu trocaria essa minha
experiência pela de um pai presente. Eu acho que tem influência.
Quando a minha mulher engravidou, eu fiquei muito feliz porque queria
substituir aquela falta que tive durante toda a minha vida, com as
minhas filhas. Mas se eu tivesse um pai amoroso, presente,
participativo e carinhoso, eu teria também essa felicidade de ter um
filho e teria, além de tudo, um referencial, de poder perguntar para o
meu pai: "Pai, o que é que eu faço?". Não acho que o abandono é uma
coisa boa na minha história, acho que é uma coisa ruim que a gente
conseguiu reverter, que com a ajuda da minha mãe, das minhas filhas e
da minha mulher, a gente conseguiu dizer "não". Agora não vai ter mais
abandono na minha família, vou dizer às minhas filhas para escolherem
um cara legal.

Há falta de representatividade dos pais homens na paternidade? E este
é um tema tabu?
Acho que melhora a cada dia. Quantos mais livros e blogues houver
sobre pais participativos, mais a gente quebra essa escravidão do
homem macho e pagador de contas — é uma escravidão que não só
atrapalha a mulher por causa do machismo, que a diminui, como é ruim
para a criança, que muitas vezes tem um pai distante e só ganha tapa
na bunda, e também é bom para o homem. Há cerca de duas semanas estava
falando numa conferência sobre a importância de a gente [pais homens]
estar mais próximo dos filhos, quando um senhor se levantou, começou a
chorar à frente de toda a gente — havia mais de mil pessoas no
auditório — e disse que queria ter ouvido isso antes, que passou a
vida toda achando que o padrão de pai é esse durão. Ele disse que
trocaria todo o tempo que ficou trabalhando para ficar mais tempo com
os seus filhos. Se for quebrado, este preconceito vai ser muito
libertador para a mulher, para a criança e para o próprio homem.
Muitos homens querem participar na paternidade mas não têm esse
referencial, esse exemplo, ficam achando que o homem que participa é
efeminado, que é a mulher que manda nele. No momento em que se
envolve, ele percebe a realização de ser um pai participativo. Quando
você passa por momentos complicados — trocar a fralda, levar na
escola, cuidar quando tem febre –, você é um herói. E lá na frente,
quando você vê esse filho caminhando ou falando alguma coisa bonita,
você chora porque você fez aquilo, você participou naquele processo.

Somos a geração pró-educação e construtivista, a geração que mais
disse eu te amo para seus filhos. Por Deus! Somos a geração que se
preocupa com a quantidade de sódio na água mineral! Nossos pais nos
davam água da torneira pra beber! Somos os melhores pais da história,
com certeza!" ("O Pai é Top!", pág. 35)

Escreve que somos a geração de pais com mais culpa e, ao mesmo tempo,
que somos os melhores pais do mundo. Como assim?
A gente saiu de uma geração que era mais distante. O objetivo dos
nossos pais era colocar-nos na universidade. Normalmente nosso avô foi
muito simples, nosso pai trabalhou para caramba para a gente ter um
bom estudo e aí a gente já tem tudo isso: estamos numa classe social
legal, estamos estudando e, agora, a gente tem filho. O filho já não
tem aquela utilidade que tinha há cem anos, quando trabalhava para a
gente na venda, na roça ou na empresa. Então, agora a gente tem filho
porquê? É meramente uma questão emocional. A gente tem filho como
realização, a gente tem um filho de forma otimista, a gente diz: "O
meu filho vai ser melhor do que eu, o mundo dele vai ser melhor que o
meu". Essa geração de pais — mais as mães, mas os pais homens também —
é a geração preocupada: será que a escola do meu filho é perfeita,
será que a alimentação do meu filho é boa, será que estou dizendo sim,
dizendo não, será que cedo nas coisas certas, será que estou dando os
livros corretos? É uma culpa… mas desapega, meu! Porque você só vai
aprender a ser pai do seu filho. Quanto mais tempo você gastar com o
seu filho, mais você vai poder ser um melhor pai para aquele filho —
isso é essencial para seu filho ficar mais seguro, para a sociedade
melhorar e para a sua mulher ter mais espaço na sua vida profissional.
Acho que é bem libertador e bem importante perceber que a gente já é a
melhor geração de pais, a mais esforçada e a mais preocupada. E que a
melhor escola não é uma instituição, é a sua casa. O seu filho vai
aprender mais com você, com seus exemplos, do que com a escola e com
os amigos. Quanto mais perto você estiver, melhor.

Mas só somos melhores graças aos nossos pais e aos pais deles, não concorda?
Acredito que é uma evolução. A gente tinha pais muito rígidos que, com
o tempo, foram percebendo que não tem porquê ser assim. Tem alguns
pais que foram virando avós e foram percebendo isso, que agora dizem:
"Porque é que eu perdi tanto tempo sendo grosseiro, ríspido e
distante?". Uma vez me disseram que a gente só aprende a ser filho
quando é pai. Isso é um facto, isso aconteceu comigo. Depois que eu
fui pai, eu percebi: a minha mãe me falava tanta coisa, "não faz isso,
não faz aquilo" e eu pensava "ah, ela não sabe de nada". Agora eu
entendo a minha mãe. Me disseram também que a gente só aprende a ser
pai quando é avô, porque quando você é avô, você não tem mais a
pressão da educação, da culpa, da comida, do dinheiro… Os maiores
arrependimentos das pessoas no leito de morte são: "deveria ter
passado mais tempo com a minha família", "deveria ter valorizado a
minha mulher", "deveria ter visto os meus filhos crescerem". Nunca é
"deveria ter preenchido mais relatórios e ter ido a mais reuniões".

"Acho que é bem libertador e bem importante perceber que a gente já é
a melhor geração de pais, a mais esforçada e a mais preocupada. E que
a melhor escola não é uma instituição, é a sua casa."

Pai novo, fiz tudo aquilo que me diziam, do apartamento maior ao carro
quatro portas, depois dos quais precisei trabalhar mais para poder dar
conta das prestações. (…) Comprar a fralda mais barata significava
amar menos meu filho. Roupa de brechó, nem pensar. De brinquedos caros
está o nosso armário cheio. De culpa também, por ter que passar muito
tempo no trabalho." ("O Pai é Top!", pág. 23

Quando soube que ia ser pai, disseram-lhe que precisava de ter um
carro e uma casa maior, que tinha de trabalhar mais. Será que se
confunde a possibilidade económica de dar o melhor às crianças com o
amor?
Claro que sim, o tempo todo. A gente, esta geração com culpa, que não
tem tempo para nada, terceiriza tudo. A gente terceiriza afeto com
presentes, a educação com a escola, a alegria com Netflix e os
tablets. E se você olhar, não é você que está criando seu filho, é
esse monte de outras coisas. Se essa é a sua opção de vida, OK. Vejo
que muitos pais empurram assim os filhos, mas a minha opção, e acho
que a de vários pais, é a de degustar esse momento, de entender que os
próximos 20 anos vão ser passados do lado destas pessoas. Eu vou
aproveitar isso. Podem ser 20 anos mágicos da sua vida que, às vezes,
você perde porque está nessa correria. Eu prefiro trabalhar menos —
disse não para vários empregos que me pagavam muito bem — para poder
estar mais tempo com as minhas filhas. Não tem que ver com dinheiro.

Quando o homem que é treinado para ser o pagador de contas descobre
que a mulher está grávida, a primeira coisa que pensa é: "vou ter de
trocar de apartamento, de carro e vou ter de trabalhar mais". Quando
recebi a notícia pensei exatamente isso, e me lembro que depois que a
minha filha nasceu percebi que não é tão mais caro ter filhos, é um
pouquinho mais caro. Você não precisa de comprar a fralda ou a papinha
mais cara. A possibilidade de o pai estar por perto é melhor para todo
o mundo. Hoje em dia vejo muito pai que fica depois do expediente no
computador porque ele não quer estar em casa, ele quer fugir daquela
vida familiar. Ele fica no banheiro horas porque ele quer fugir, tem
medo, ele não foi treinado para a paternidade e ele está inseguro. O
que o livro tenta fazer é dizer "Mano, calma. Vai dar tudo certo, é
divertido e legal. Dá trabalho, mas é legal, é porreiro".

Escreve que todo o pai é otimista. Porquê?
Hm, hm. Não existe nenhum outro motivo para ter filho hoje. Os nossos
filhos não vão trabalhar para a gente, eles vão gastar dinheiro e,
muito provavelmente, não vão trazer esse retorno — a não ser que sejam
um Cristiano Ronaldo. Mas no geral você tem filho por algo que é maior
do que você, você tem filho porque você acredita que pode ser
incrível. Um filho é a capacidade que você tem de ser eterno, de
passar as suas ideias para uma pessoa. Para que isso se perpetue você
precisa cuidar da ecologia, você precisa que o seu filho seja melhor,
mais bondoso, mais humano. Então o pai se torna num otimista. Hoje
tenho medo que aconteça uma hecatombe ecológica por causa das minhas
filhas, é por isso que eu quero que o mundo seja melhor.

Por um lado, ser-se pai é um ato de fé. Por outro, a partir do momento
em que se é pai nunca mais se deixa de ter medo.
A violência é muito grande no Brasil e eu tenho muito medo de perder
as meninas. Esse é o meu maior medo. Mas talvez o medo que eu também
tenho é que as minhas filhas não explorem as suas potencialidades. Ou
porque elas se sentem intimidadas, ou porque a sociedade é muito
machista e, por vezes, diminui as mulheres. Esse é o meu medo. Eu
realmente acredito num futuro melhor. A tecnologia e o conhecimento
estão espalhados — hoje a minha filha pega no celular e aprende a
falar francês, ela lê coisas a que eu não tinha acesso. Quanto mais
informação ela tiver, com alguém dizendo "vai por aqui, vai por ali",
e quanto mais pessoas dessa idade crescerem com essa informação
abundante, mais elas vão poder usar isso para o bem. Claro que tenho
esses medos, mas da perspetiva de que a nossa vida é tão curta — 70 ou
80 anos não é nada, passa assim [Marcos estala os dados] –, prefiro
acreditar num futuro brilhante.

Cansei de levar minha filha na creche, de vê-la chorando e dizendo que
não queria entrar na creche, uma menininha gordinha de dois anos
implorando 'só hoje, papai. Buááááá. Não quero ir pra escola, papai",
e trazê-la de volta pra casa pra que a minha mulher faça o trabalho.
Minha mulher é muito melhor em entregá-la na escola." ("O Pai é Top!",
pág. 31)

Fala muito na questão das igualdades de género. Se tivesse tido filhos
em vez de filhas também destacaria estes tópicos?
É uma preocupação muito egoísta da minha parte porque o homem não
consegue enxergar as diferenças de género. Quando alguém me dizia "a
mulher faz o mesmo trabalho que o homem e ganha menos", eu respondia
"será que é verdade?". O homem não enxerga, ele é cego para essa
questão. Quando eu tive duas meninas eu comecei a perceber. As meninas
são mais inteligentes do que os homens nas escolas — elas aprendem a
ler antes, sabem matemática melhor, falam, se levantam e a letra é
mais bonita — então, porque é que as meninas, que na escola são
brilhantes, chegam ao mercado de trabalho e passam a ser piores ou
ganham menos? Isso passa pelo conceito de "não, não te vou contratar,
você vai engravidar". Aí você começa a ver. Cara, tem sim um problema
de género e isso é duro porque o homem só enxerga quando tem filha ou
quando tem mulher que é muito guerreira, caso contrário ele não
percebe. Cegueira completa. A gente não consegue enxergar o quanto a
sociedade é machista. Falo disso com culpa porque precisei de duas
meninas para entender que há algo de errado.

"Cara, tem sim um problema de género e isso é duro porque o homem só
enxerga quando tem filha ou quando tem mulher que é muito guerreira,
caso contrário ele não percebe. Cegueira completa. A gente não
consegue enxergar o quanto a sociedade é machista."

Em Portugal, o conceito "licença parental" foi instaurado em 2009,
contrariando o conceito de licença de maternidade. Como é no Brasil e
qual é a sua posição sobre o assunto?
É uma briga minha, para que tenha mais licença de paternidade. É muito
estranho que a mulher possa ficar, no Brasil, cinco meses em casa e o
homem apenas três dias — algumas empresas dão 20, mas por lei são três
dias. É muito estranho porque assim se está dizendo ao homem que ele
não precisa de participar, que ele fez o filho e que, agora, só
precisa de o registar e de voltar para o trabalho. É um recado muito
ruim para o homem. Aí eu defendo que o homem deveria ter uma licença
de paternidade grande. Um amigo meu me disse "Mas Piangers, se houver
uma licença de paternidade grande, o meu chefe vai-me olhar e achar
que tive filhos só para ficar de licença e não me vai dar a promoção
depois que eu voltar". E eu falei para ele "assim você está provando
tudo o que as mulheres passam quando engravidam". Quando você se
coloca no lugar da mulher, você começa a ver. Isto é injusto há muito
tempo para a mulher.

Quais foram as maiores mentiras que já lhe contaram sobre como é ser-se pai?
Primeiro, a mentira de que o dia do parto é o dia mais bonito da nossa
vida e que é amor à primeira vista. Não é. Outra mentira que as redes
sociais nos contam, é a beleza de um bebé dormindo: as fotos no
Instagram são sempre lindas, ninguém posta um bebé cheio de cocó ou de
vómito porque não fica bem na foto. É uma mentira. Você tem de estar
preparado para os piores dias, e existem dias muito difíceis. E tem
essa mentira crónica de que ter filho é muito caro e você tem de
trabalhar muito para conseguir ter um carro e uma casa. Acho que isso
é uma mentira tremenda. Tem muita gente muito feliz com muito pouco.
Tem muita criança feliz em escola pública. É uma mentira que nos
contam, de que temos de ganhar horrores para sermos bons pais.

Uma das mentiras enunciadas vai de encontro à ideia de que a
maternidade não é assim tão cor de rosa.
E não é. É muito trabalhoso, mas porque é trabalhoso é que a gente se
apaixona. Porque se fosse fácil alguma coisa estava errada; se fosse
fácil você nem valorizava o seu filho. Ter filho é muito cansativo e
isso não nos dizem.

"Uma mentira que as redes sociais nos contam é a beleza de um bebé
dormindo: as fotos no Instagram são sempre lindas, ninguém posta um
bebé cheio de cocó ou de vómito porque não fica bem na foto. É uma
mentira. Você tem de estar preparado para os piores dias, e existem
dias muito difíceis."

Ao longo do livro fala dos privilégios de ser pai. Como vê as pessoas
que não querem ser pais por opção?
São sortudos [risos]. Acho que quando você não tem filhos, a sua vida
é muito mais fácil. É muito mais fácil não ter filhos. É uma
experiência que eu tive a sorte de ter, porque me sinto um sortudo.
Depois de você ter filhos, você não imagina uma vida sem. Mas eu não
acho que uma pessoa que tem filho seja melhor do que a que não tem.
Acho que você pode ser gentil, bondoso, desapegado, fazer bem para o
próximo. Nesse sentido acho que sou uma pessoa pior porque eu precisei
de ter filhos para me tornar uma pessoa melhor, e precisei de filhas
para perceber a questão de género. Algumas pessoas são incríveis e
maravilhosas sem filhos, só que sinto uma certa pena porque é uma
experiência incrível, muito deslumbrante.

Estava empolgado com a caça aos ovos de chocolate este ano, mas
anunciaram lá em casa que não vai ter chocolate. Faremos uma caça aos
ovos de quinoa. Ouvi dizer que é moda entre os pais mais modernos e
nossas filhas poderão devorar este belo regulador intestinal enquanto
tomam um delicioso suco verde de couve. Será uma Páscoa divertida. (…)
Minhas páscoas eram um horror. Tenho nove primos e todos nos reuníamos
na sala enquanto os tios espalhavam chocolate pela casa do vô." ("O
Pai é Top!", pág. 42 e 43)

No livro escreve que não entende porque é errado infantilizar as
crianças. Acha que há quem leve a paternidade demasiado a sério?
Talvez [risos]. Tem uma frase — eu não me lembro de quem é a frase –,
mas ele diz mais ou menos assim: "Eu não respeito ninguém que não leve
o humor a sério e eu adoro pessoas que tratam coisas sérias com
humor". Ou seja, a única coisa séria no mundo é o humor, é a diversão.
Sempre se disse à criança para ficar quieta. Eu já vejo o outro lado:
acho que é deslumbrante o que aprendemos com as crianças. As crianças
são muito divertidas. Você fala com um adulto e ele sempre se resume:
"O que é que você faz? Sou engenheiro". Você é muito mais. Se
perguntar isso a uma criança, ela vai dizer que é o Batman. O mundo
infantil não se leva a sério, aí tudo é bonito e divertido.

O que de mais importante aprendeu com as suas filhas?
Aprendi a perguntar sempre porquê, a me questionar. A criança está
sempre perguntando "porquê". Dizemos "vai para a escola" e ela
responde "porquê?", e assim sucessivamente. E quando você faz essas
perguntas, você começa a pensar: "É verdade… Porquê?! Porque preciso
de um diploma se nunca me pediram um diploma? Porque é que eu tenho de
ir para a faculdade se os empregos do futuro ainda não existem? Porque
é que tenho de ficar tanto tempo na escola se já me esqueci de tudo?"
Acho muito importante quando a gente se começa a questionar. Quando
você pergunta "porquê" a si mesmo, você encontra a sua principal
motivação na vida. Aprendo o tempo todo com o universo infantil. Às
vezes os nossos filhos só nos estão dando dicas de como a nossa vida
pode ser mais legal.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.