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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

terça-feira, setembro 27, 2016

# "É inacreditável que hoje se passeiam mais os cães do que as crianças"

DN20160926

Carlos Neto é professor e investigador da Faculdade de Motricidade
Humana de Lisboa
Há mais de 40 anos que o investigador Carlos Neto trabalha com
crianças e está preocupado com o sedentarismo. "Há pais que já não têm
prazer em brincar com os filhos"
**A falta de autonomia das crianças é culpa das famílias ou das
escolas que também as ocupam demasiado tempo?
Eu diria que temos de encontrar um conjunto de fatores para explicar o
fenómeno, porque não se pode pôr culpas a ninguém em particular.
Veja-se a cidade de Lisboa e o inferno que é às seis da tarde e às
oito da manhã e a maneira como as famílias têm de se encarregar de
distribuir a vida dos filhos no tempo escolar e para além da escola.
Por outro lado, não há uma política habitacional pensada do ponto de
vista de criar uma mobilidade saudável no crescimento e no
desenvolvimento dos jovens. Só dessa maneira é que se pode compreender
o que é que está a acontecer com o baixo índice de mobilidade que
temos em Portugal. Os estudos que fizemos em 16 países demonstram que
ficámos em 14.º lugar. Muito abaixo dos países escandinavos, onde essa
mobilidade é muito elevada, onde têm uma autonomia muito grande e
vivem a natureza e o território da cidade de forma plena. Em Portugal,
e nos países do Mediterrâneo, a situação é muito complexa, porque há
perigos diversos e depois há medos que se instalaram na cabeça dos
pais.
**Mas esses perigos não existem também nos países nórdicos?
Eles têm uma filosofia de organização do tempo e do espaço
completamente diferente. Significa que os nossos jovens e crianças têm
muita dificuldade em ter essa autonomia desde muito cedo, porque
encontram diversos constrangimentos. Desde o trânsito, o fenómeno da
urbanização, a maneira como o tempo escolar e o tempo de trabalho dos
pais está organizado. Por outro lado, ganhou-se um medo enorme de as
crianças andarem autónomas na rua. A rua desapareceu, está em extinção
como local de jogo, de brincadeira, de encontro de amigos. O problema
da socialização é uma das questões mais importantes que se colocam
hoje na nossa juventude e nas culturas de infância. Temos aqui um
problema muito sério que só pode ser resolvido com medidas corajosas e
arrojadas do ponto de vista político.
**Isso significa facilitar os transportes, criar espaços verdes?
Espaços verdes, política habitacional mais adequada à política
educativa e também à gestão do tempo de trabalho dos pais. Está tudo
demasiadamente formatado e as crianças e jovens precisam que isso seja
desconstruído para a vivência do corpo em situações mais espontâneas e
mais naturais, do espaço construído e do espaço natural da cidade.
Quando falamos em índice de mobilidade baixa, isso significa que temos
de atuar em várias frentes para tornar mais sustentável uma vida feliz
e com sucesso das crianças e jovens porque elas merecem. E acima de
tudo uma perspetiva de não repressão do corpo em movimento porque o
sedentarismo não é só físico, é também mental, social e emocional. A
investigação científica tem demonstrado claramente que quem mais faz
atividade física, mais brinca na infância, mais tem relação com os
amigos, são crianças que normalmente têm mais sucesso no futuro, mais
rendimento escolar e obviamente têm um índice de felicidade e de
empatia muito maior.
**Mas hoje as crianças quase só se relacionam com as outras em
atividades organizadas.
Praticamente está tudo organizado quer do ponto de vista das
atividades no meio escolar quer nas atividade extraescolares. Se isto
ainda não bastasse têm depois uma cultura de ecrã muito agressiva. É
muito natural ver crianças à volta de uma mesa de café e não se falam,
estão todas a olhar para o iPhone. O corpo em movimento é fundamental
para todo o desenvolvimento, não só emocional, também cognitivo,
social e emocional. A escola tem de urgentemente mudar o modelo de
funcionamento, quer na organização curricular quer na forma como as
crianças são mais ou menos participativas. Temos de dar uma espécie de
um trambolhão na sala de aula, no sentido de tornar as aulas mais
ativas por parte das crianças.
**Falta uma política de brincadeira?
Há alguns sinais interessantes do Ministério da Educação de tentar que
a vida na escola não seja uma coisa tão formal e tão séria, isto é, de
ter tempos mais disponíveis para expressão dramática, educação física,
música, dança ou um conjunto de atividades que consigam que o corpo
disponibilize maior capacidade expressiva, de empatia, de modo a
tornar os cidadãos mais cultos, com maior capacidade de ética e de
cidadania e portanto não estar apenas centrado nos rankings. Está
provado cientificamente que crianças com maior nível de atividade
física e relacional no recreio aprendem mais na sala de aula.
Portanto, não podemos querer crianças sedentárias ou a ouvir um
conhecimento que muitas vezes não lhes interessa. O ensino não pode
ser isto no século XXI.
"Temos que dar uma espécie de trambolhão na sala de aula, para as
aulas serem mais ativas"
**A gestão do tempo da família também tem de mudar?
Temos de dar um ar fresco a este país, este país não pode estar com
esta depressão enorme em que temos pais e professores esgotados,
porque as crianças reparam em tudo. Há pais que já não têm prazer em
brincar com os filhos, e há professores que já não têm capacidade de
perceber a importância dessa atividade espontânea do que é correr
atrás de uma bola, subir a uma árvore, fazer um jogo de grupo no
recreio ou pura e simplesmente subir o muro e tentar descobrir o que
está do lado de lá. Ou ter locais secretos. Como é que nós promovemos
a saúde pública e mental numa perspetiva de maior cidadania, de maior
empreendedorismo e de maior grau de felicidade? É isso que está em
causa quando falamos em promover o corpo em movimento. Nunca foi tão
importante o papel dos pais e da família na educação dos filhos no que
diz respeito à implementação deste tipo de atividades. Sair com as
crianças para a rua e brincar, desfrutar a natureza. Os pais têm de
ter mais tempo disponível para fazer este tipo de atividades. É
inacreditável que hoje se passeiem mais os cães do que as crianças.
Inacreditavelmente faz-se hoje um esforço inadmissível de tornar os
robôs mais humanos e ao mesmo tempo estamos a robotizar o
comportamento humano.

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# Clérigos assinam petição para acabar com guarda masculina das mulheres na Arábia Saudita

http://observador.pt/2016/09/27/14-mil-assinam-peticao-para-acabar-com-guarda-masculina-das-mulheres-na-arabia-saudita/
27/9/2016
, 9:15 João Francisco Gomes

As mulheres sauditas precisam de autorização de um homem da família
para trabalhar ou casar, mas querem acabar com o sistema. Clérigos do
Islão concordam e também assinaram a petição.

Cerca de 2.500 mulheres já enviaram telegramas diretamente para o
gabinete do rei da Arábia Saudita a pedir o fim do sistema


Mais de 14.500 cidadãos da Arábia Saudita já assinaram uma petição que
exige o fim do sistema de guarda das mulheres por parte dos homens.
Trata-se da primeira campanha contra esta lei saudita, que impõe que
todas as mulheres precisam da autorização de um homem (o pai, o
marido, o irmão, ou até o filho) para poder viajar, sair da prisão, ou
para casar, e ainda para trabalhar, estudar, ter acesso aos cuidados
de saúde ou até mesmo para sair de casa no dia-a-dia.

A campanha está a ser promovida pela ativista Aziza Al-Yousef, que tem
lutado pelos direitos das mulheres naquele país islâmico ao longo da
última década. Ao jornal britânico The Guardian, Aziza explica que
"este não é apenas um assunto relativo às mulheres", afetando também
"os homens normais". A ativista sublinha à BBC que nunca teve
dificuldades com a sua campanha, "mas o problema é que não há
respostas".

A campanha foi motivada pela divulgação de um relatório da Human
Rights Watch, em julho deste ano, e tem sido partilhada sobretudo na
internet, através da hashtag #IAmMyOwnGuardian (sou a minha própria
guardiã). Uma das investigadoras responsáveis pelo relatório, que
também participou na elaboração da petição, avançou ao The Guardian
que cerca de 2.500 mulheres já enviaram telegramas diretamente para o
gabinete do rei da Arábia Saudita.

Aziza Al-Yousef, a líder da campanha, partilhou no Twitter uma imagem
"a caminho da Corte Real para um discurso", acompanhada pela hashtagem
árabe.

Ver imagem no Twitter

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عزيزة محمد اليوسف @azizayousef

#سعوديات_نطالب_باسقاط_الولايه79
عند باب الديوان الملكي لتسليم الخطاب

08: 20 - 26 set 2016


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284284 favoritos

O governo saudita já esteve, por duas vezes, no caminho para acabar
com este sistema. Uma vez em 2009 e outra em 2013. As medidas acabaram
por ser limitadas e mantiveram os direitos das mulheres muito
dependentes dos seus familiares masculinos. O governo facilitou o
acesso ao emprego e permitiu às mulheres que pudessem votar e ser
eleitas para eleições autárquicas. Na Visão 2030, um programa que o
governo saudita tem para reduzir a dependência económica do petróleo,
está contemplado o aumento do número de mulheres no mercado de
trabalho. No entanto, os empregadores continuam a exigir, nas
candidaturas, que as mulheres apresentem a permissão assinada pelo seu
guardião legal.

"A ideia de guarda masculina não está necessariamente escrita no
Corão. É, sim, baseada numa visão de juristas, que assume que há
algumas ideias patriarcais relativamente a esta necessidade de guardar
as mulheres", explica Hamid M. Khan, um especialista da Universidade
da Carolina do Sul, ouvido pelo The Guardian. De acordo com Aziza
Al-Yousef, vários clérigos importantes do Islão assinaram a petição,
declarando que "isto não é religião, são regras do governo e devem ser
mudadas", explica a ativista

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segunda-feira, setembro 26, 2016

# As notícias na televisão

http://o-povo.blogspot.pt/2016/09/as-noticias-na-televisao.html

António Barreto DN20160925

Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de
qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo

É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das
três ou quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade
reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática. A preguiça é
virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção. A vulgaridade
é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A submissão
ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de
inteligência é isenção profissional.
Os serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas,
quase únicos no mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro,
não se quer ou não sabe trabalhar na redacção, porque não há quem
estude nem quem pense. Os alinhamentos são idênticos de canal para
canal. Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os
ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são
as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros
e os jogadores de futebol.
Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de
qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no
aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol maldisposto,
incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com camião:
sai um directo, com jornalista aprendiz a falar como se estivesse no
meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto:
importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não
trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil,
vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção!
Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre
incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da
estupidez.
É absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que
haja muitos mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões
políticas internacionais quase não existem ou são despejadas no fim.
Outras, incluindo científicas e artísticas, são esquecidas. Quase não
há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há
partidários fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que
for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e candidatos
a qualquer coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser o
secretário de Estado respectivo. Arte? Um director-geral chega.
Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança,
esgares de pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela
privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em
directo. Tudo supostamente por uma informação humanizada, quando o que
se faz é puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares,
raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros
homicídios ocupam horas de serviços.
A falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial.
Qualquer tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante
pode ser interrompido por um treinador que fala, um jogador que chega,
um futebolista que rosna ou um adepto que divaga.
Procuram-se presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à
entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de inaugurações.
Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter poder, ministro
de preferência, responsável partidário a seguir. Os partidos fazem as
notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de menos de
10% comanda canais e serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia
for comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há
pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo
serviço de notícias! É o pluralismo dos papagaios no seu melhor!
Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os
outros. Como os canais de televisão.

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# Desigualdades em Portugal

http://observador.pt/opiniao/desigualdades-em-portugal/

Manuel Villaverde Cabral 24/9/2016, 22:02

A redução das desigualdades dependerá sobretudo da troca de impostos
indirectos sobre o consumo, que afectam proporcionalmente mais os
«pobres», por impostos directos sobre o rendimento.

O Professor Carlos Farinha Rodrigues do ISEG é o grande especialista
português da desigualdade económica em Portugal e apresentou ontem o
seu novo estudo promovido pela FFMS sobre o período crítico de 2009 a
2014 . O tema é hoje um domínio de investigação altamente sofisticado
graças à contribuição de décadas de Anthony Atkinson, de quem Carlos
Farinha foi discípulo e que já veio a Portugal várias vezes por
iniciativa da FFMS, a qual publicara há pouco tempo importante
material sobre a questão.

Sofisticada como é, nem por isso o estudo da desigualdade económica
deixa de constituir um domínio permeado por toda a sorte de problemas
teóricos e metodológicos, bem como filosóficos e políticos, frisando
frequentemente o terreno escorregadio do «politicamente correcto».
Tratando-se, pois, de uma distribuição que pode ser medida com rigor
através do Coeficiente de Gini, essa medição torna-se no entanto
delicada – e minada por preconceitos de ordem moral – quando se trata
da distribuição de rendimentos entre pessoas (não falando da riqueza,
que é ainda outra coisa e não há capacidade de medir com rigor!).

Parecendo, pois, algo de simples e claro, a desigualdade de
rendimentos torna-se rapidamente uma fonte de divergências,
nomeadamente quando é acompanhada, como acontece no estudo de Carlos
Farinha, pela chamada «pobreza relativa», que já mudou de critérios
várias vezes. Para mim, o melhor estudo sobre «pobreza relativa»,
conceito ideológico inquinado de nascença, é do Prémio Nobel Amartya
Sen, insuspeito de tolerância à desigualdade.

São, porém, duas coisas muito diferentes. A desigualdade de
rendimentos é, em princípio, absoluta e rigorosa. Ora, no período
crítico de 2009 a 2014, durante o qual Portugal foi levado à beira da
bancarrota, em boa parte por ter sido diminuído bruscamente o índice
de desigualdade graças a intervenções assistencialistas sem apoio
financeiro na economia real, o país manteve-se depois, com o
empréstimo da «troika» e a sua posterior intervenção, durante todo o
período de 2011 a 2014, na mesma casa dos 0.34. Ora, no conjunto de
países da UE, que se contam entre os países relativamente mais ricos
do mundo, um tal Coeficiente de Gini situa Portugal um pouco acima da
média europeia (quanto mais baixo, melhor!), entre países como o Reino
Unido, a Itália, a Grécia e a Espanha, sendo oito os membros da UE
acima de Portugal. Ora, onde queríamos nós que Portugal estivesse, se
os Estados Unidos têm um Gini de 0.41 e o Brasil 0.53?!

Em contrapartida, com o empréstimo internacional e o ajustamento
financeiro, Portugal viu o seu PIB reduzido. Mesmo assim, foi dos
países intervencionados o segundo que menos perdeu, cerca de 5% do
PIB, tendo pois a recessão sido menor do que em Espanha e em Chipre, e
muito menor do que na Grécia. Finalmente, a «pobreza relativa»
aumentou de 18% para 19,5% da população, podendo subir a 24% se formos
mais exigentes ainda quanto à relatividade da pobreza. Exercícios como
o chamado «índice de privação» da UE, tirando alguns sinais do período
mais agudo da contracção económica, não resistem a uma análise
sociológica rigorosa, pois nem a suposta privação alimentar ou de
automóveis e electro-domésticos aumentou!

Resta – e não é pouco – a acentuada perda de rendimentos do decil mais
baixo da população, o que terá ficado a dever-se, segundo toda a
probabilidade, à redução dos mecanismos assistenciais, do tipo RSI,
mas sobretudo – e esta será, penso, a maior lição do aturado estudo de
Carlos Farinha – dos problemas estruturais da economia e da própria
sociedade portuguesa, os quais começam pelo baixíssimo nível
comparativo de educação, ligado por sua vez à baixa qualidade e à
precariedade do emprego, com a quebra brutal na construção civil e na
restauração.

Confirma-se pois que o alto nível de pobreza, relativo ou não, é
devido às baixas remunerações e às baixas pensões dos trabalhadores
mais velhos do sector privado, bem como ao conservadorismo do sistema
fiscal, o qual continua mais baseado no IVA do que no IRS, continuando
a carga fiscal a ser baixa comparativamente à europeia. Mesmo assim,
observou-se que o aumento da progressividade do imposto de rendimento
foi a principal causa da manutenção do mesmo nível de desigualdade no
país ao longo do período.

Do mesmo modo, ressalta do estudo que a redução das desigualdades e,
sobretudo, da «pobreza relativa» dependerá sobretudo da troca de
impostos indirectos sobre o consumo, que afectam proporcionalmente
mais os «pobres», por impostos directos sobre o rendimento. A
instrução, nomeadamente profissional; a abolição gradual das brutais
diferenças entre o emprego privado e o público, o garantido e o
precário, apontando para uma convergência dos rendimentos salariais,
como Centeno propunha antes de ser ministro; bem como a racionalização
fiscal e o aumento da progressividade do IRS; tudo isto no conjunto
fará mais pela redução da igualdade e da pobreza do que todos os
programas assistencialistas, que só servem para disfarçar a realidade
e para reproduzir os bem conhecidos factores de reprodução da pobreza.

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terça-feira, setembro 20, 2016

# Redes sociais, palácios de vidro sem piedade

http://www.snpcultura.org/redes_sociais_palacios_de_vidro_sem_piedade.html

Uma jovem mulher suicida-se depois que o vídeo de uma sua relação
sexual é espalhado por quem devia tê-lo para si, tornando-se viral.
Raiva, vergonha, incredulidade pela paródia e a total falta de
solidariedade e desdém por este escárnio digital estilhaçaram uma vida
talvez já frágil.

É fácil dizer agora que não deveria ter-se deixado filmar, e sobretudo
não deveria ter partilhado a filmagem com aqueles que depois não
hesitaram em torná-la chacota da internet.

Digamos também, à margem, que nem sempre, e esta é uma prova
flagrante, os conteúdos gerados pelo utilizador são uma conquista e um
motivo de orgulho: podem tornar-se «produtos de alta contaminação
social».

Mas para além desta amarga mistura de tristeza e indignação pela
violência simbólica (que tem sempre efeitos muito concretos) e do
«podia ter-se evitado», é preciso procurar aprender alguma coisa deste
triste acontecimento, que não dignifica ninguém.

Parar para pensar. "Thinking what we are doing", como convidava a
fazer Hannah Arendt, em tempos sombrios, para não sucumbir ao mal
envolvente. Este caso, na sua trágica concretude, pode fazer-nos
refletir sobre processos mais gerais, nos quais estamos mergulhados
também como parte ativa, mas muitas vezes demasiado pouco consciente.
Menciono três, sobre os quais este acontecimento, e muitos outros que
se lhe assemelham, nos devem fazer meditar.

O primeiro remonta à televisão, que deu início a uma reconfiguração da
geografia da vida social, rescrevendo os modos de proximidade e
distanciamento, tornando público o privado.

Com as redes sociais este processo radicaliza-se: desejamos contar-nos
(a atitude de "extimidade" e extroversão, que é o contrário da
intimidade) e pensamos estar num quarto a falar com os nossos amigos,
quando, na verdade, estamos num palco sem fronteiras.

Vivemos como num palácio de vidro, onde todos veem todos. E isto cria
um problema. Nós negociamos a nossa identidade nas relações com os
outros, em contextos diversos que requerem uma capacidade de se
sintonizar e assumir comportamentos apropriados; e isto implica a
possibilidade de se revelar seletivamente aos diferentes "públicos".
Não é, note-se bem, uma forma de hipocrisia, mas de consciência das
diferenças. Não se está na família como no trabalho, não se se
comporta numa festa como num funeral.

Hoje a gestão consciente do ocultar/mostrar tornou-se muito mais
difícil. E não é por acaso que o universo social está a privilegiar as
aplicações que permitem uma interação mais "privada", mais íntima,
mais semelhante aos tradicionais contextos face a face: a tentativa é
subdividir de novo em quartos separados os espaços abertos criados
pelas redes sociais, restabelecer a pluralidade dos contextos.

Mas ainda estamos longe, e não faltam riscos. Com as redes sociais, em
todo o caso, a difusão de si alcança uma escala muito ampla, deixando
rastos permanentes e recuperáveis no tempo, e cuja acessibilidade está
fora do nosso controlo. Estar consciente disto é fundamental.

Um segundo ponto a que se deve prestar atenção é de que a comunicação
social é uma mistura entre conteúdos produzidos pelo utilizador e
outros conteúdos (imagens a que se podem impor "tags" (etiquetas),
comentários, etc.).

As audiências para os conteúdos criados e partilhados são múltiplas,
interligadas e invisíveis, potencialmente ilimitadas. E
incontroláveis. O que nós produzimos deixa de nos pertencer e pode ser
usado contra nós. A ilusão de se ser "proprietário" do que publicámos,
dos nossos traços na internet, é verdadeiramente perigosa, como se
demonstra.

E por fim, mesmo que as questões sejam ainda muitas, o risco da perda
da realidade, que nos torna desumanos. A mediação do dispositivo que
"documenta para partilhar" arrisca-se a anestesiar-nos, se nos
conformamos simplesmente à lógica da factibilidade. Onde tudo é
possível, nada existe verdadeiramente, escrevia Benasayag. Onde tudo é
transformável em "post" e capitalizável em "gostos", nada existe
verdadeiramente fora desta lógica.

O "capitalismo das emoções" leva-nos a produzir, mesmo cinicamente,
conteúdos que podem tornar-se rapidamente virais, sem outra ordem de
considerações a não ser a quantitativa, em perspetiva
autorreferencial. Sim, porque tudo isto, mesmo que não nos agrade
ouvir dizer, é filho de um individualismo radical onde já nada conta
verdadeiramente, para além de mim. Portanto não há solidariedade,
compaixão, respeito. Nenhuma razão para colocar um limite às nossas
ações.

Perda da realidade, anestesia, ser-se "quantificado": não são efeitos
necessários mas riscos em que se cai sem se dar conta, se não se pensa
no que se está a fazer. Se não se sai da lógica daquilo de que o
dispositivo torna possível, tornando-se puros executores de instruções
escritas por outros, reféns da necessidade excessiva de se ser visto.

É por isso que, para citar outro caso neste seguimento, se chega ao
ponto de filmar, troçando, a amiga violada na casa de banho da
discoteca. Provavelmente pensando em quantas visualizações terá o
vídeo. Porque o nosso eu tem necessidade de reconhecimento e de
relação. E no contexto do individualismo absoluto essa necessidade
assume formas pervertidas e desumanas.

É notícia destes dias. As mulheres, vítimas, chegam a fazer-se,
irrefletidamente, cúmplices dos carrascos. A tecnologia não liberta
nada se não lhe compreendemos o sentido, podendo ser transformada em
formas manipuladoras e cada vez mais perversas de humilhação e
violência. Pensemos no que estamos a fazer, para onde estamos a
caminhar, onde está o sentido. Para fazer com que a dor não seja
inútil. Para não tornar vã esta triste morte. Que Tiziana, agora,
repouse em paz.

Chiara Giaccardi
In "Avvenire"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 16.09.2016

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# Fim de semana de três dias. Prós e contras de uma utopia

http://observador.pt/especiais/fim-de-semana-de-tres-dias-pros-e-contras-de-uma-utopia/

17 Setembro 2016 Ana Cristina Marques

Menos horas de trabalho podem traduzir-se em produtividade, saúde e
menos poluição. Deve o dia no escritório acabar mais cedo e a semana
ser mais curta? Ou é esta uma conversa de loucos e sonhadores?

Um fim de semana de três dias ou, por outras palavras, uma semana onde
apenas se trabalha quatro. A ideia que mais parece uma utopia está a
circular na imprensa internacional — do espanhol El País ao britânico
The Independent — depois de Alex Williams, professor de sociologia na
Universidade de Londres, ter defendido que esta era uma medida capaz
de beneficiar o ambiente e, em última análise, todos nós.

Relacionar a redução de carga horária com a diminuição da poluição não
é propriamente um assunto novo e prova disso é o facto de Williams
recordar um estudo de 2006 assinado por dois economistas
norte-americanos, David Rosnick e Mark Weisbrot. À data, a dupla
comparou as realidades norte-americanas e europeia para argumentar que
se os americanos aplicassem os horários de trabalho em vigor na
Europa, poderia haver uma redução de consumo energético na ordem dos
20%, o que se repercutiria ao nível das emissões de gases. A base da
teoria assenta no facto de, com menos um dia de trabalho, existirem
menos deslocações de casa para o escritório e vice-versa, além de os
escritórios reduzirem gastos em luz, ar condicionado e afins.

Importa realçar que o estudo datado de 2006 olha para os países
europeus como um modelo a seguir, tendo em conta as horas de trabalho
anuais. Certo que em 2003 a média anual europeia — considerando apenas
15 países; Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha,
Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha,
Suécia e Reino Unido — era de 1.562 horas por colaborador, por
oposição às 1.817 horas em solo norte-americano; já então Portugal não
ficava muito atrás, ao somar 1.702 horas por trabalhador. Dez anos
depois, a realidade altera-se: segundo os dados da OCDE, em 2015 o
colaborador norte-americano trabalhou uma média de 1.790 horas,
enquanto o português picou o ponto de 1.868 horas.

Dez anos depois de o estudo dos economistas norte-americanos ter sido
publicado, os seus autores continuam a defender o mesmo. Ao
Observador, David Rosnick diz não argumentar especificamente a favor
do fim de semana prolongado e apresenta soluções como dias de trabalho
mais curtos ou férias mais longas: "Não tenho preferência por menos
horas no dia, por menos dias na semana ou por menos semanas no ano,
mas provavelmente é mais eficiente cortar dias ou semanas do que
horas. Assim, as pessoas poupam tempo e energia no transporte de e
para o trabalho."

Do Utah a Mafra: estudos de casos (bem) reais

Esta é uma discussão que já produziu resultados. O estado
norte-americano do Utah, por exemplo, redefiniu a semana de trabalho
em 2007 para a função pública — aumentou a carga horária de segunda a
quinta de maneira a eliminar de vez a sexta-feira. Nos primeiros dez
meses a medida poupou 1,6 milhões de euros em consumo energético e,
segundo se estimou, mais de 12 mil toneladas de dióxido de carbono por
ano. A medida acabaria por ser abandonada em 2011, depois de a
população se queixar de que às sextas-feiras não conseguia aceder aos
serviços públicos.

Da Suécia vêm notícias semelhantes, uma vez que o país começouum
ensaio com jornadas laborais de seis horas em fevereiro de 2015. Mais
recentemente, o britânico The Independent dava conta de algumas
empresas suecas estarem a implementar uma carga horária idêntica de
modo a aumentar a produtividade e deixar os colaboradores mais
felizes. Nem de propósito, a filial da Toyota em Gotemburgo, a segunda
maior cidade no país, fez essa mudança há mais de 10 anos, com turnos
horários de seis horas, salário completo e períodos de descanso mais
curtos. E não tenciona voltar atrás.

Mas não é preciso ir tão longe: estava o ano de 2009 a começar quando
a Câmara Municipal de Mafra implementou uma medida semelhante,
encerrando à sexta-feira todos os serviços a funcionar no edifício dos
Paços de Concelho. À data isso significou o alargamento do horário de
funcionamento dos departamentos administrativos e do atendimento ao
público de segunda a quinta-feira, de maneira a que fossem cumpridas
as 35 horas de trabalho semanal (as quais foram interrompidas no
Governo de Passos Coelho e repostas com António Costa). A
flexibilidade de horário permitiu vantagens económicas e sociais,
segundo chegou a relatar o Público, uma vez que era dado um dia útil
livre aos funcionários, além de permitir poupanças (não só mas também)
ao nível da água e da luz.

Para José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra, da qual foi diretor entre 2009 e 2016, esta é
uma ideia "que arrepia o economista mais tradicional". E explica
porque até poderia funcionar: "A diminuição do trabalho em si mesmo é
uma velha utopia e algo que era possível nos dias de hoje. Mas só
seria possível através da redistribuição da riqueza e do trabalho, ao
mesmo tempo que se obteria uma menor pressão destrutiva do ambiente.
Isto é possível e até desejável. O problema do mundo hoje não é a
criação de riqueza, tal como não é de capital. É uma questão de
justiça social e ambiental. Mas ninguém nos dá esse comando porque há
um problema de poder."

José Reis afirma que o encurtamento da carga horária só faria sentido
num quadro em que as principais injustiças sociais estivessem
resolvidas. David Rosnick concorda, admitindo que trabalhar menos é
uma realidade que anda de mãos dadas com o desenvolvimento económico e
social: "Não esperaria que trabalhadores no limiar da pobreza vissem
valor na redução de horários a não ser que as suas necessidades
pudessem ser satisfeitas de outra forma." Diz ainda o economista
norte-americano que esta deveria ser encarada como uma ideia
aspiracional.

O que dizem os ambientalistas portugueses?

"Partindo do princípio que isso é possível, é provável que haja
poupança de energia", atira João Branco da Quercus, argumentando que
ao passar de cinco para quatro dias poderia haver menos transportes
públicos (menos carreiras de autocarros, por exemplo) e menos
automóveis nos centros urbanos. "Seria uma quantidade brutal a menos
de pessoas que se deslocam para o trabalho. A nível nacional é muito
vulgar as pessoas trabalharem a 50 quilómetros de onde vivem", afirma.

No entanto, João Branco salienta que o ganho em questão não é líquido,
uma vez que seria pouco provável que as pessoas passassem o dia extra
de lazer em casa, sem gastar qualquer energia. Fala, pois, numa
transferência de consumo de energia, do local de trabalho para a área
de residência, não que isso o demova da ideia inicial: "Estou
convencido de que, de qualquer maneira, o saldo seria sempre
positivo." E quando questionado sobre a comparação da realidade
norte-americana com a portuguesa, responde que as coisas são
proporcionais. "É claro que os EUA são 100 vezes maiores, mas não me
parece que a escala do país seja importante."

Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, não é
da mesma opinião e salienta que no caso de Portugal os benefícios não
seriam tão significativos como aqueles anunciados no estudo de 2006
devido, precisamente, à escala do país. "Do ponto de vista ambiental
são benefícios curtos [se considerarmos cidades como Lisboa ou Porto]
quando comparados com os de Paris ou Los Angeles. Em Portugal acho que
os ganhos poderão acontecer num ou outro caso mais específico",
afirma, lembrando que há outras opções em cima da mesa, como trabalhar
a partir de casa ou ter escritórios de proximidade que encurtem a
distância trabalho-casa.

Trabalho a menos, saúde a mais?

No ano passado, por esta altura, o site Science of Us dedicava um
artigo aos benefícios de uma semana de trabalho mais curta, puxando da
cartola um mega estudo publicado na revista médica The Lancet: à
semelhança do que muitos de nós já suspeitavam, longos horários de
trabalho aumentam o risco de ataques cardíacos e tromboses.

O certo é que há medida que se foi construindo uma noção de carreira,
as horas de trabalho foram-se acumulado, e aos crescentes compromissos
financeiros somou-se a necessidade de uma pessoa se afirmar
profissionalmente, tal como garante a psicóloga clínica Alexandra
Rosa. Mais horas a trabalhar implica descontar tempo à vida pessoal e
familiar, o que nem sempre é encarado como uma feliz solução. Aliás,
segundo um estudo de 2012, o maior arrependimento dos pais é passar
muito tempo a trabalhar nos primeiros anos de vida dos filhos.

O trabalho intenso está muitas vezes associado às questões do stress
laboral que, preto no branco, é fácil transportar do escritório para o
seio familiar. Com a irritabilidade associada a esta condição, os
desentendimentos tornam-se mais fáceis. "O stress não será causa
direta de separações, mas poderá contribuir e disso não tenho
dúvidas", refere a psicóloga, lembrando que quando um membro de um
casal não está bem criam-se problemas de comunicação. Mas o stress
também ataca pais e mães, que por norma ficam menos disponíveis para
os filhos. "São pais que estão zangados, irritados, cujo pensamento
circula à volta de situações laborais, que são pouco tolerantes. No
fundo, é um pai e uma mãe que espera que nada o chateie, que
facilmente grita e perde a paciência, que não está disponível para
ouvir a criança", continua.

Stress: sinais de alerta

Segundo um artigo publicado em 2014 no Observador, os sinais de alerta
associados ao stress são muitos e variados:

alterações emocionais (ansiedade, cansaço, mau relacionamento com os colegas);
problemas cognitivos (dificuldades de concentração e em tomar decisões);
mudanças de comportamento (não cumprir horários, desleixo e agressividade);
doenças psíquicas e mentais (faltas mais frequentes ao trabalho).

O stress é o segundo problema de saúde relacionado com o trabalho mais
notificado na Europa depois dos distúrbios músculo-esqueléticos,
garante a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho. Em
Portugal não há muitos estudos sobre o assunto, mas Samuel Antunes,
vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), assegura
que a crise económica e a consequente instabilidade no emprego são
fatores potenciadores de stress.

Como já antes se escreveu no Observador, o stress pode ter
consequências psicológicas e até físicas: desde irritabilidade e dores
musculares a problemas cardíacos ou úlceras, mas também estados
depressivos e crises de ansiedade. "Somos dos países da Europa com
mais perturbações psiquiátricas, perturbações que estão muito
associadas ao presentismo e ao absentismo e, de uma forma global, ao
stress laboral", continua.

Presentismo. Eis o conceito que se aplica cada vez mais nas empresas e
organizações cujos chefes e gestores adoram e promovem especialmente
os funcionários que passam demasiadas horas no trabalho. De tal
maneira os veneram que chegam a dar-lhes prémios que vão de bónus
expressivos a promoções impressivas, muitas vezes sem cuidarem de
saber se esse mesmo presentismo equivale a mais eficácia, melhores
resultados e a um verdadeiro valor acrescentado na organização.

Opinião de Laurinda Alves no Observador

"Muitas vezes um indicador de desmotivação no local de trabalho são os
atrasos, mas também o absentismo e presentismo",explicou recentemente
ao Observador a psicóloga Filipa Jardim da Silva. Mas o que se
entende, então, por presentismo? "É um fenómeno que nos últimos anos
tem feito muitas empresas perder dinheiro. É quando uma pessoa está lá
fisicamente, a cumprir mais ou menos o seu horário, mas está
distraída, emocionalmente não está bem", continua. Nem de propósito,
em 2014 a OPPdivulgou um documento que revelou que o stress no
trabalho traduz-se em custos avolumados para empresas e pessoas,
salientando que relativamente às empresas portuguesas os gastos
andarão na ordem dos 300 milhões de euros, sendo que as áreas mais
afetadas são a Saúde e a Educação. Samuel Antunes garante que,
volvidos dois anos, os números continuam atuais e teme até que tenham
aumentado.

Mas foquemo-nos no presentismo (ou presenteísmo), que está associado a
problemas físicos e psicológicos que podem variar muito e não são
iguais para todas as pessoas. Falamos de uma maior apatia e
irritabilidade, mas também de isolamento, fadiga constante e uma certa
ansiedade relacionada com a incapacidade de se fazer bem o trabalho.
Pode ainda trazer insónias e mais intolerância no que às relações diz
respeito, sejam conjugais, parentais ou apenas entre amigos. E nos
casos mais extremos há o risco de suicídio, explica o vice-presidente
da OPP, que dá como exemplo a onda de suicídios entre 2008 e 2009 na
France Telecom — nesse período de tempo mais de 30 colaboradores
perderam a vida e em causa podem ter estado as exigências de trabalho
que, entre outros aspetos, incluía performances irrealistas.

"Muitas pessoas que sofrem de presentismo deviam estar de baixa mas
não o fazem porque em Portugal isso implica uma redução do salário,
então continuam no trabalho mas não conseguem produzir. Neste momento,
o sistema de baixas vai gerando reduções no salário à medida que o
tempo vai avançando", diz Samuel Antunes. Ainda segundo o documento
divulgado em 2014 pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, no âmbito da
campanha internacional Healthy Workplaces Manage Stress, os
trabalhadores da União Europeia atribuem o stress no local de trabalho
a três principais razões: reorganização do trabalho ou precariedade
profissional (72%), carga de trabalho excessiva (66%) e comportamentos
inaceitáveis como intimidação ou o assédio (59%).

Does your establishment have an action plan to prevent work-related
stress? (1) Yes (2) No (9) No answer Question asked to those
establishments with 20 employees or more.The European map
visualisation illustrates in a map the values of the answers per
country.

A solução, diz Samuel Antunes, não passa necessariamente pela redução
da carga horária, mas antes pelo nível de satisfação no local de
trabalho — equação que depende fortemente das condições de trabalho
que devem passar por lideranças saudáveis que promovam saúde e não
doença, um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal,
controlo dos níveis de stress e a existência de psicólogos nas
empresas, uma vez que a estas compete, tal como nos países nórdicos,
avaliar os colaboradores que estão em risco. Em Portugal, apenas 20%
das empresas têm planos de ação para prevenirem o stress laboral, um
número que ascende aos 52% na realidade sueca.

Mas há mais números: um estudo de 2013 indica que anualmente a Europa
tem custos no valor de 617 mil milhões de euros a propósito da
depressão resultante do trabalho. O número total tem em conta o custo
para os colaboradores que "praticam" absentismo ou presentismo (272
mil milhões de euros), perda de produtividade (242 mil milhões de
euros), cuidados de saúde (63 mil milhões de euros) e custos
relacionados com assistência social na forma de pensões de invalidez.

Uma questão de produtividade

Em junho deste ano o Observador conversou com Rolf Schroemgens,
fundador da Trivago, que fez uso da palavra para desconstruir a noção
de que horas a mais no trabalho é um indicador de produtividade:
"Acredito muito na ideia de que o tempo [de trabalho] não é uma medida
importante para calcular a produtividade [dos trabalhadores]. E
devíamos livrar-nos da ideia de fazer do tempo [de trabalho] um
indicador da produtividade. Para mim, isso é um completo absurdo."

Schroemgens não é o único a pensar assim. É que passar mais horas no
trabalho pode ser prejudicial para o colaborador mas também para a
empresa, tal como defende este artigo da Harvard Business Review, que
cita vários estudos, incluindo um da Universidade de Boston com
conclusões interessantes. Acontece que os gestores consultados para o
efeito da pesquisa eram incapazes de diferenciar os trabalhadores que
realmente trabalhavam 80 horas por semana dos que fingiam trabalhar. E
embora penalizassem aqueles que eram mais transparentes quanto ao
facto de trabalharem menos, os autores do estudo não conseguiram
encontrar qualquer evidência de que os colaboradores que passavam mais
tempo no escritório tivessem mais resultados, e vice-versa.

"Acredito muito na ideia de que o tempo [de trabalho] não é uma medida
importante para calcular a produtividade [dos trabalhadores]. E
devíamos livrar-nos da ideia de fazer do tempo [de trabalho] um
indicador da produtividade. Para mim, isso é um completo absurdo."
Rolf Schroemgens, fundador da Trivago

O tema de debate não é novo e tampouco vai ficar por aqui. Seja disso
exemplo o artigo do The Guardian publicado no final de 2015 e que dava
conta, também, que uma semana mais curta de trabalho era capaz de
melhorar a saúde física e mental, diminuir a poluição ambiental e
aumentar a produtividade — "Entre os países mais ricos do mundo, os
níveis mais altos de produtividade correlacionam-se com menos horas de
trabalho."

O remate, esse, fica a cargo de David Rosnick: "Será que dois
agricultores vão ser mais produtivos em seis horas, com outras 18 para
descansar, ou em 12 horas, com apenas 12 para descansar? Os corpos (e
as mentes) precisam de tempo para recuperar de dia para dia, de semana
para semana e de ano para ano. Saúde e felicidade são importantes para
a produção. Quer que a pessoa a pilotar o seu avião esteja mais fisica
e mentalmente exausta, talvez até depressiva? Quão produtivo vai ser
aquele operário quando acontecer um acidente? A atenção é apenas
possível por determinado tempo".

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quinta-feira, setembro 15, 2016

# Sala de aula invertida!

13/9/2016, 22:33Marlene Carriço
http://observador.pt/2016/09/13/e-se-a-sala-de-aula-desse-uma-cambalhota/

Já ouviu falar da sala de aula invertida? Em Portugal quatro escolas
já aplicaram este método de ensino. O Observador falou com o diretor
de uma delas e com um dos pioneiros da "flipped classroom".

Em Portugal, quatro escolas já adotaram este modelo de ensino e neste
ano letivo chega a mais 50, no âmbito de um novo projeto

Imagine uma sala de aula que, em vez de ter um professor a debitar a
matéria durante 45 ou 90 minutos, tem um professor a esclarecer
dúvidas e a promover um espaço de discussão entre os alunos. Imagine
um aluno que, em vez de ir para casa fazer trabalhos de casa, vai
assistir a vídeos, gravados pelo professor, com a matéria que é
suposto ir aprendendo ao longo do ano. Vídeos curtos, onde o professor
se grava a dar uma aula, explicando a matéria no quadro, ou
simplesmente faz a locução por cima de um conjunto de slides com
matéria ou explicando exercícios. Isto não é ficção. É uma realidade
em muitas escolas por esse mundo fora e até já chegou a Portugal.

O conceito da flipped classroom (sala de aula invertida) foi aplicado
em quatro turmas de quatro escolas portuguesas entre 2013 e 2015 —
Colégio Monte Flor (Carnaxide), Escola Secundária Quinta do Marquês
(Oeiras), Agrupamento de Escolas de Monte da Lua (Sintra) e
Agrupamento de Escolas do Freixo (Freixo) — e semeou a mudança.

As atividades 'fazer' e 'planificar' são normalmente executadas fora
do espaço da sala de aula, enquanto as atividades 'perguntar' e
'mostrar' são na sala de aula. Estamos pois numa atividade de sala de
aula invertida, onde aos alunos é dada alguma autonomia para procurar
informação e planificar o seu trabalho. A aula deixa de ser
expositiva, centrada no professor", resume fonte oficial do Ministério
da Educação.

No caso do Agrupamento de Escolas do Freixo o modelo "puro" de sala de
aula invertida — teoria aprendida através de vídeo em casa e dúvidas e
discussão dentro da sala — caiu com o fim daquele projeto bianual, em
2015, "porque nem todos os alunos assistiam aos vídeos em casa",
apesar de a escola ter distribuído computadores a quem não tinha. "Mas
aprendemos imenso e há turmas que continuam a ter aulas nessa linha,
ou seja, com espaço de discussão, em que os alunos levam para a sala
aquilo que aprenderam fora", disse ao Observador Luís Fernandes,
diretor do Agrupamento do Freixo. E esse "fora" pode ser na sala de
apoio virtual em que professor, alunos e pais podem participar, e onde
encontram vídeos explicativos, textos de apoio e sugestões e podem
realizar exercícios sozinhos ou com a ajuda dos colegas em rede.

Neste ano letivo, que está a começar, um novo projeto (Co-Lab —
Collaborative Educational Lab), que vai envolver em Portugal mais de
300 professores em cerca de 50 escolas, também terá uma vertente
baseada neste método de ensino invertido.

"Muitos alunos disseram: 'Finalmente alguém que ensina como nós aprendemos'"

As flipped classrooms ganharam forma em 2007, no Colorado, Estados
Unidos, quando o professor de Química Jonathan Bergman e outro colega
procuravam uma solução para ajudar os alunos que faltavam às aulas por
estarem doentes. Jon Bergman não gosta de ser chamado de criador das
flipped classrooms, diz antes ser "um dos pioneiros" e, em entrevista
por escrito ao Observador, explica como funciona o modelo.

O que é uma "sala de aula invertida"? E como funciona?
A aprendizagem invertida é, na sua essência, uma ideia bastante
simples. Os alunos interagem com o material introdutório em casa antes
de virem para a aula. Normalmente, fazem-no através da visualização de
um vídeo criado pelo professor. Esse vídeo visto em casa substitui a
instrução direta, que é muitas vezes referida como uma palestra, na
aula. E o tempo em aula é adaptado e aproveitado para uma variedade de
tarefas, tais como projetos, investigação, debate ou simplesmente para
trabalhar em aula tarefas que eram enviadas para casa no velho
paradigma.

Quanto tempo têm essas lições em vídeo?
Eu recomendo aos professores que façam vídeos curtos. Entre dois a 15
minutos, dependendo da idade dos alunos. E, de acordo com o último
inquérito que fiz a 2.400 estudantes para escrever um novo livro
(Trabalhos para Casa e Aprendizagem Invertida), percebi que a maioria
dos professores faz vídeos com uma duração até 15 minutos.

Como é que esta ideia foi recebida pelos alunos?
Os estudantes adaptaram-se ao modelo muito bem, como nativos digitais
que são. Muitos disseram: "Finalmente alguém que ensina como nós
aprendemos".

Como pode ter certeza que os estudantes assistem às aulas em casa?
Tivemos alguns alunos que não assistiam aos vídeos em casa e depois
chegavam às aulas e tinham de ver os vídeos enquanto os colegas
trabalhavam com os professores. Esses alunos depois levavam os
trabalhos da sala de aula para casa e não podiam contar com a nossa
ajuda. Rapidamente perceberam que seria melhor e mais fácil para eles
fazerem o trabalho de casa, ou seja, assistir aos vídeos. Mas esse
problema não é assim tão grande quanto se possa pensar. E olhe que eu
vi este modelo funcionar em todo o mundo.

Que resultados notou quando implementou este novo modelo de
aprendizagem? Os alunos aprendiam mais e melhor?
Os resultados melhoraram, mas, mais do que os resultados nos testes,
nós percebemos que eles começaram a perceber ciência. E estes
resultados têm sido replicados milhares de vezes em todo o Mundo.
Tenho visto a sala de aula invertida a funcionar em todo o tipo de
disciplinas (matemática, ciências, inglês, literatura, línguas,
história, educação física, arte, entre outras) e em todos os níveis de
ensino (primário, básico, secundário e universitário).

Mas este modelo de aulas pode aumentar as desigualdades, não? O que
acontece aos estudantes que não têm computadores ou internet em casa?
Em 2007, 30% dos nossos estudantes não tinham internet. Nós gravámos
os vídeos em DVD e os estudantes viam-nos na televisão. Alguns
compraram iPod e nós fazíamos o download dos vídeos para esses alunos.
A falta de tecnologia acabou por se revelar uma não-questão. Mesmo as
escolas mais pobres têm sido criativas e têm inventado maneiras de
garantir o acesso aos seus alunos.

Este modelo implica que os professores trabalhem mais horas, certo? É
fácil convencer os professores a aderirem?
O meu papel aqui é quase o de evangelizador das aulas invertidas. Os
professores precisam de ser convencidos de que vale a pena o tempo
investido na transformação. Dá muito trabalho, mas eu dou força aos
professores para olharem para os benefícios da inversão da
aprendizagem e milhares em todo o mundo aceitaram o desafio.

Quantas escolas praticam o modelo da sala de aula invertida? E em que países?
O modelo está a ser aplicado um pouco por todo o mundo — Tailândia,
Singapura, Suécia, Noruega, Espanha, Itália.

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segunda-feira, setembro 12, 2016

# Como educam os pais mais felizes do mundo?

http://observador.pt/2016/09/11/como-educam-os-pais-mais-felizes-do-mundo/

11/9/2016, 13:55 Ana Cristina Marques

Há cerca de 40 anos que os dinamarqueses são considerados o povo mais
feliz do mundo. Segundo as autoras de um novo livro, o segredo está na
forma como as crianças são educadas. Curioso/a?


O livro "Pais à Maneira Dinamarquesa" saiu originalmente em 2014, mas
só agora chega ao mercado nacional.

É de pôr um sorriso no rosto. Há mais de quatro décadas que o povo
dinamarquês é considerado, praticamente todos os anos, o mais feliz do
mundo. O rótulo certamente invejável leva a assinatura da OCDE
(Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento) desde
1973 e até o World Happiness Report, recentemente lançado pelas Nações
Unidas, diz o mesmo. O mistério de tanta felicidade já foi alvo de
interesse de vários jornalistas, com direito a reportagens emitidas
pelo60 Minutes e protagonizadas pela incontornável Oprah. Os motivos
podem ser vários, mas o livro Pais à Maneira Dinamarquesa reclama que
a solução está na forma como estes homens e mulheres são criados.

As autoras do livro que chega a 21 de setembro às livrarias
portuguesas — a cronista norte-americana Jessica Joelle Alexander e a
psicoterapeuta e terapeuta familiar dinamarquesa Iben Dissing Sandahl
— defendem que a busca pela felicidade começa na infância e entregam
aos pais a chave do sucesso que passa por deixar as crianças brincar,
pela comunicação autêntica e pelo estímulo da empatia. A teoria em
causa, essa, resulta de "mais de 13 anos de experiência, pesquisa,
estudos de base e factos acerca da cultura e vida diária
dinamarquesa".

O livro chega às livrarias nacionais a 21 de setembro. De momento está
em pré-venda nos sites da Fnac, Bertrand e Wook, por 15,50€.

Mas como são, então, os pais dinamarqueses?

Os pais dinamarqueses apostam na brincadeira livre

As autoras começam por contrariar a tendência (bem intencionada) de
alguns pais, que enchem as agendas dos filhos com atividades
extracurriculares, incluindo vários desportos. A ideia defendida é a
de que os mais novos devem pura e simplesmente brincar — isto é, serem
deixados sozinhos ou na companhia de amigos para brincar exatamente
como lhes apetecer. Aqui, brincar não é o mesmo que praticar um
desporto ou participar numa atividade organizada por um adulto, e o
ato não deve ser encarado como um desperdício de tempo:

Com frequência, sentimos que estamos a ser melhores pais quando lhes
ensinamos alguma coisa ou os envolvemos num desporto, ou oferecemos
aos seus pequenos cérebros algum 'input'. Brincar parece ser um
desperdício de tempo de aprendizagem valioso. Mas será mesmo?" (Pais à
Maneira Dinamarquesa, p. 31)

Brincar em dinamarquês

Lembra-se do Lego, daqueles blocos coloridos que se encaixavam uns nos
outros? É provável que sim, que em tempos já tenha brincado ou visto
brincar com aquele que foi considerado pela revista norte-americana
Fortune, no início do milénio, "o brinquedo do século". Pois bem, o
Lego teve origem na Dinamarca, em 1932. Outra curiosidade é o facto de
o principal fornecedor de parques de recreio no mundo ser também
dinamarquês.

Acontece que a brincadeira livre ensina as crianças a serem menos
ansiosas, mais resilientes e a lidar melhor com o stress. Para
explicarem o quão importante a brincadeira é para a sociedade
dinamarquesa, Jessica e Iben relatam que durante muitos anos as
crianças a viver no país não começavam a escola antes dos sete anos
(em Portugal o ensino obrigatório começa aos seis anos de idade; pode
iniciar-se aos cinco salvo algumas exceções), e que atualmente as
crianças com menos de 10 anos terminam as aulas às duas da tarde.

Brincar é tão central na visão dinamarquesa da infância que muitas
escolas têm programas que promovem a aprendizagem através do desporto,
da brincadeira e do exercício para todos os alunos." (Pais à Maneira
Dinamarquesa, p. 43)

Têm cuidado com os elogios

Os filmes dinamarqueses têm muitas vezes finais sombrios e tristes,
muito aquém do tradicional happy ending de uma longa-metragem de
domingo à tarde. Aliás, e a título de curiosidade, no conto "A Pequena
Sereia", do também dinamarquês Hans Christian Andersen, a jovem não
fica com o príncipe ao contrário do que a Disney nos leva a crer.
Escrevem as autoras, baseando-se num estudo da Universidade de Ohio,
que "ao contrário da crença popular, ver filmes trágicos ou tristes
torna, na verdade, as pessoas mais felizes, chamando a sua atenção
para alguns aspetos mais positivos das suas próprias vidas".

Nesta lógica de pensamento, as autoras defendem que as crianças
precisam de "honestidade emocional" e que agir com autenticidade é o
primeiro passo para ensinar os mais novos a serem verdadeiros consigo
mesmos e com os outros. Porque reconhecer e aceitar as emoções boas e
más é muito importante e o oposto do autoengano, que pode levar a
decisões tomadas com base em influências externas. A isso
acrescenta-se a importância de elogiar a tarefa desempenhada em
detrimento da criança em si, o que "ajuda a direcionar a atenção para
o trabalho envolvido, mas também ensina humildade".

O elogio está intimamente ligado à forma como as crianças vêm a sua
inteligência. Se ouvem louvores constantes por serem naturalmente
espertas, talentosas ou dotadas, desenvolvem aquilo a que se chama uma
mentalidade 'fixa' (a sua inteligência é fixa e eles possuem-na). Por
contraste, as crianças a quem é dito que a sua inteligência pode
evoluir com o trabalho e educação desenvolvem uma mentalidade de
crescimento (podem fazer evoluir as suas capacidades porque trabalham
arduamente por isso). (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 57)

São otimistas e, ao mesmo tempo, realistas

Aqui entra a noção do "otimismo realista", isto é, a capacidade de
reenquadrar uma situação tensa, uma coisa que, afirmam as autoras, os
dinamarqueses fazem há bastante tempo. "Eles ensinam aos seus filhos
esta valiosa competência, e aprender a reenquadrar desde cedo ajuda-os
a crescer para se tornarem naturalmente melhores a fazê-lo em
adultos", escrevem Jessica e Iben. A ideia não passa por ser-se
extremamente otimista, antes prático, no sentido em que se dá destaque
a um lado alternativo de uma mesma história — é uma questão de
perspetiva. Referindo um conjunto de estudos, as autoras argumentam
que o reenquadramento ajuda na forma como o medo, a dor e a ansiedade
são interpretados, afirmando que esta capacidade está diretamente
relacionada com a linguagem que é usada.

Levam a empatia muito a sério

Por empatia entende-se a capacidade de reconhecer e compreender os
sentimentos dos outros, uma ferramenta que parece estar cada vez mais
em desuso entre os mais novos. Exemplo disso é um estudo da
Universidade do Michigan, nos EUA, que mostrou que atualmente o
estudantes universitários têm menos 40% de empatia que os estudantes
da década de 1980 e 1990. Em contrapartida, dizem as autoras da obra
em questão, o narcisismo aumentou significativamente. Mas porque é que
é a empatia é tão importante? Eis a resposta:

A empatia facilita a nossa ligação com outros. Desenvolve-se na
infância através da relação com a figura de afeto. Uma criança
aprende, em primeiro lugar, a sintonizar-se com as emoções e estados
de espírito da sua mãe e, mais tarde, com as de outras pessoas. É por
isso que o contacto visual, as expressões faciais, o tom de voz e
outras atitudes, são tão importantes no início de vida". (Pais à
Maneira Dinamarquesa, p. 103)

Os dinamarqueses levam a empatia tão a sério que esta é consideradauma
espécie de disciplina, com direito a ocupar uma hora por semana do
calendário escolar, tendo em conta crianças dos seis aos 16 anos.

Fazem do "Hygge" uma forma de vida

Hygge, que se pronuncia "huga", significa aconchego e para os
dinamarqueses é uma forma de estar na vida. É, na sua essência, um
conceito que promove a proximidade entre amigos e familiares, que
envolve uma atmosfera acolhedora, a entreajuda de todos e o deixar o
drama e os desejos individuais de parte em nome da união de grupo, sem
telefones ou tablets por perto.

Aprendendo o hygge podemos melhorar as reuniões familiares para as
tornar experiências mais agradáveis e memoráveis para os nossos
filhos. Deixando o 'eu' à porta e concentrando-nos no 'nós', podemos
eliminar muito do drama e negativismo desnecessários por vezes
associados às reuniões familiares. Famílias felizes e um forte apoio
social geral crianças mais felizes. (Pais à Maneira Dinamarquesa, p.
168)

E como é em Portugal?

Qualquer comparação é injusta, convenhamos, mas importa tentar
perceber porque é que, à partida, os pais dinamarqueses podem ser
diferentes dos portugueses. Certo que um recente estudo internacional
sobre mobilidade infantil colocou Portugal no fim da lista e
classificou os pais portugueses como sendo dos mais protetores no
mundo. Mas até dados resultantes de uma pesquisa global devem ser
contextualizados, assegura Maria Filomena Gaspar, docente na Faculdade
de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra.

"A parentalidade em português é a parentalidade em Portugal. Não é
apenas o resultado das relações pai e filho, mas também o resultado
das expetativas sociais que os pais têm de enfrentar", diz a também
terapeuta e mediadora familiar, que assegura que a sociedade
portuguesa tem um discurso dúbio — por um lado responsabiliza os pais,
por outro carece na oferta de condições para uma "parentalidade
positiva". Maria Filomena Gaspar fala nos horários de trabalho
reduzido dos dinamarqueses, quando há crianças pequenas à mistura, e
também na licença de maternidade que naquele país pode chegar às 52
semanas (sim, um ano).

Fala ainda da conjuntura económica e também das questões culturais,
lembrando que até 1974 a maioria dos portugueses não tinha acesso à
escolaridade. Mais, segundo a própria, "as escolas discriminam as
famílias, pagamos aos professores [tendo em conta as explicações]
quando os nossos filhos têm insucesso escolar, enquanto na Dinamarca a
função da escola é conseguir que todos os alunos consigam atingir
aquilo que é o seu nível de competência".

E quanto aos pais protetores, a docente comenta que até 1970 muitos
portugueses viviam na aldeia, onde todos se conheciam e o perigo seria
diminuto, realidade que se veio a alterar drasticamente. "Começámos a
trazer pessoas para a urbe e começámos a assistir a novos tipos de
famílias. Isso criou a necessidade de proteger os filhos de perigos
com os quais os pais não sabiam lidar."

As sociedades devem estruturar-se para dar autonomia às crianças,
assegura Maria Filomena Gaspar. "Tem de ser uma missão da sociedade,
não só da família.

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sábado, setembro 10, 2016

# Crescente automatização e eliminação de trabalho humano. Critica do livro "Robôs" de Martin Ford

http://observador.pt/especiais/robos-que-fazer-com-toda-esta-gente-superflua/

José Carlos Fernandes

Desemprego maciço em quase todos os sectores de actividade: é o que a
automatização nos traz, avisa Martin Ford em "Robôs", um livro que
traça um cenário inquietante para o futuro próximo.

A ficção científica abunda em narrativas em que os robots se convertem
em ameaças para os humanos, desenvolvendo ideias próprias, passando a
trabalhar para os seus próprios interesses e procurando mesmo a
sujeição ou até o extermínio dos seus amos. Acontece que os problemas
que já estão a afectar-nos são causados por máquinas servis e
cumpridoras, que fazem precisamente aquilo para que foram concebidas –
é para essa insidiosa distopia robótica que nos alerta Martin Ford em
Robôs: A ameaça de um futuro sem emprego(Bertrand, tradução de José
Vale Roberto, 407 pg.).

Bowley estava errado

Em 1937, após análise de dados históricos da economia britânica, o
economista Arthur Bowley concluiu que a repartição do PIB entre
trabalho e capital tendia a manter-se constante no longo prazo. John
Maynard Keynes corroborou esta conclusão e, em 1964, Paul Samuelson,
outro economista de renome, cunharia, na 6.ª edição do seu influente
manual de economia, a expressão "Lei de Bowley", já que a relação
descoberta por Bowley fora amplamente confirmada no pós-II Guerra
Mundial, com o crescimento da remuneração do trabalho a acompanhar de
perto o espectacular aumento da produtividade.

O economista Arthur Bowley (1869-1957)

Porém, a partir do início da década de 1970, a remuneração do trabalho
começou a estagnar, embora a produtividade continuasse a subir. O
fosso entre a remuneração do trabalho e do capital não tem parado de
aumentar desde então, com nítida aceleração a partir do ano 2000. Ford
chama a atenção para o facto de a quota-parte do trabalho incluir "os
enormes salários dos presidentes das comissões executivas, dos
executivos de Wall Street, dos super-atletas e estrelas de cinema",
que, em vez de descer, "dispararam que nem foguetões" – nos EUA, o
rácio entre o salário médio dos executivos e o salário médio dos
trabalhadores passou de 30:1 em 1950 para 343:1 no século XXI. Isto
significa que a remuneração do trabalhador comum registou uma queda
proporcional ainda maior do que os dados englobados da remuneração do
trabalho dão a entender.

Só entre 2007 e 2011, a receita média anual gerada por cada empregado
das grandes empresas passou de 378.000 dólares para 420.000 dólares –
um aumento de 11%. Também a percentagem dos lucros das empresas no
"bolo" do PIB aumentaram genericamente a partir do ano 2000, tendo a
queda causada pela crise de 2008 sido seguida por uma forte
recuperação a partir de 2010.

Algum do desvio em favor da remuneração do capital resulta de as
grandes empresas disporem de meios para pagar a advogados e
contabilistas especializados em "planeamento fiscal agressivo", um
eufemismo para evasão fiscal dentro dos limites legais. Em Condenados
a repetir a história, Bill Fawcett traça um paralelo entre a
desigualdade no tempo do Império Romano e a do presente: "Tal como as
mega-empresas dos nossos dias, também [as famílias dos senadores e as
linhagens patrícias] quase não pagavam impostos […] Em Roma eram os
patrícios ricos que decidiam quem pagava impostos e não surpreende que
não se obrigassem a pagá-los. Os patrícios dos nossos dias são as
grandes empresas e conseguem muitas vezes fazer a mesma coisa através
dos lobistas".

Por vezes nem são precisos lobbies, pois os próprios políticos são os
primeiros a sair em defesa do "planeamento fiscal agressivo":
referindo-se aos estratagemas da Google nesse domínio, Boris Johnson
(que entretanto se tornou Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino
Unido) declarou, em Janeiro passado, que "é absurdo culpar a empresa
por não pagar os impostos. Talvez queiram também culpar um tubarão por
comer focas". A ideia implícita na analogia de que o instinto
predatório do lucro-a-todo-o-custo é "natural" e está inscrito no DNA
das grandes empresas é muito revelador.

Made in China

Outra explicação para o crescente desfasamento nas remunerações do
capital e do trabalho está na globalização: as tarifas aduaneiras
baixas e os progressos no transporte e na logística colocaram os
produtos fabricados na China e noutros países do Sudoeste Asiático de
mão-de-obra barata a competir em pé de igualdade com os fabricados no
Ocidente. Um dos efeitos foi a baixa de preço de uma vasta gama de
produtos – dos brinquedos aos electrodomésticos – o que beneficiou o
consumidor ocidental; por outro lado, foi como se tivessem entrado no
mercado de trabalho do Ocidente centenas de milhões de trabalhadores
dispostos a trabalhar por uma fracção do salário mínimo que se pratica
nos EUA ou na Europa. Pouca diferença faz que a fábrica na China ou no
Vietnam opere por conta de uma empresa chinesa ou vietnamita ou seja
propriedade de um fabricante ocidental que encerrou a sua fábrica em
Portugal e se instalou no Sudoeste Asiático – o efeito é a queda dos
salários e o aumento das taxas de desemprego entre os trabalhadores no
Ocidente.

Pode argumentar-se que, no cômputo global, o saldo é positivo, já que
centenas de milhões de chineses que viviam na pobreza têm agora a
perspectiva de usufruir dos confortos da classe média-baixa, mas isso
é fraco consolo para os operários ocidentais que viram o seu nível de
vida cair ou foram despedidos.

Em O capital no século XXI, o livro de 2013 (publicado em Portugal no
ano seguinte, pela Temas & Debates) do economista Thomas Piketty, que
converteu este numa estrela pop à escala planetária, adianta-se uma
explicação para esta disparidade: a taxa de retorno do capital é maior
do que a taxa de crescimento económico, o que leva à concentração da
riqueza nas mãos dos capitalistas, o que gera uma sociedade
disfuncional e instável. Porém, observa Ford, Piketty parece pouco
interessado em analisar as raízes da disparidade e "a palavra robot
aparece apenas uma vez nas quase 700 páginas do seu livro". Todavia,
lembra Ford, a automatização é uma das forças que mais contribui para
o hiato em expansão entre as remunerações do trabalho e do capital.

Trabalhadores da indústria automóvel em greve, na fábrica Fisher Body
n.º1 da General Motors, em Flint, Michigan, 30 de Dezembro de 1936

Visões futuristas

Consta que em 1943, Thomas Watson, presidente da IBM, terá dito que
"Em todo o mundo haverá lugar para talvez cinco computadores". A frase
tornou-se num símbolo da incapacidade dos decisores em antever o
desenvolvimento da sociedade, e em particular do papel da informática
e dos computadores, e é citada com frequência, ainda que nunca tenha
sido encontrado qualquer indício que a vincule a Watson. Outra
afirmação de teor análogo é atribuída a Ken Olsen, co-fundador da DEC
(Digital Equipment Corporation) e um dos pioneiros dos computadores,
que terá afirmado, em 1977, que "não há qualquer razão para uma pessoa
ter um computador em casa". Neste caso a atribuição é correcta, mas
foi descontextualizada: Olsen referia-se a um computador que
controlasse o funcionamento da casa (aquilo a que hoje se chama
domótica), não a um computador para usar (para trabalho ou lazer) em
casa.

O facto de estas citações serem apócrifas ou retiradas de contexto,
não significa que o papel a desempenhar pelo computador não tenha
sido, efectivamente, subestimado e que muitas pessoas em cargos de
responsabilidade não tenham feito profecias semelhantes – foi o caso
de Charles Galton Darwin (neto do grande naturalista do século XIX),
que, em 1946, estando à frente do National Physical Laboratory, o
instituto que liderava a pesquisa cibernética no Reino Unido, calculou
que "uma máquina bastará para resolver todos os problemas que um país
lhe ponha".

Mais ou menos pela mesma altura – em 1949 – Norbert Wiener
(1894-1964), um dos pais da cibernética, da robótica e da automação,
redigiu um artigo intitulado A Era da Máquina ("The Machine Age"), em
resposta a uma solicitação do The New York Times, que pretendia que o
autor do seminal ensaio Cybernetics (1948) desse a sua visão do mundo
futuro.

Norbert Wiener

Ford cita alguns excertos muito pertinentes de A Era da Máquina: "Tudo
o que podemos fazer de forma clara e inteligível, podemos fazê-lo com
uma máquina", o que poderia conduzir a "uma revolução industrial de
uma crueldade absoluta" realizada por máquinas capazes de "reduzir o
valor económico do operário fabril com tarefas de rotina a um ponto
tal em que este não tem nenhum valor, seja qual for o preço".

Porém, Martin Ford omite as ideias mais relevantes e visionárias do
artigo de Wiener, que, aliás são expressas logo na abertura: "Por esta
altura, o público já está plenamente consciente de que se avizinha uma
nova era da máquina, baseada no computador e não nas máquinas de
potência. A tendência destas novas máquinas é substituir o julgamento
humano a todos os níveis excepto o mais elevado, e não substituir a
força humana pela força da máquina". O público e os decisores não
estavam despertos, em 1949, para a distinção crucial entre máquinas
que executam trabalho físico e máquinas que executam trabalho de
análise e julgamento, e ainda hoje parecem não ter percebido que nem
sequer os empregos altamente qualificados estão a salvo dos
avassaladores progressos tecnológicos.

A verdade é que a advertência de Wiener não foi ouvida, pois o artigo
não chegou a ser publicado: Lester Markel, editor do The New York
Times, solicitou a Wiener que reescrevesse alguns trechos e, após
alguns equívocos e falhas de comunicação entre o autor e o jornal, o
artigo acabou por ser esquecido, só tendo sido redescoberto em 2013.

De qualquer forma, não tardou a surgir novo aviso, ainda que não sob a
forma de um ensaio de um artigo de um distinto professor do
Massachusetts Institute of Technology mas de um obscuro romance de
ficção científica, o primeiro de Kurt Vonnegut.

Player piano, de 1952 (que nalgumas reedições foi rebaptizado
comoUtopia 14), decorre num tempo em que quase todas as tarefas
desempenhadas por seres humanos foram transferidas para máquinas,
gerando uma imensa massa de gente apática e que vive uma existência
esvaziada de sentido. É uma das raríssimas distopias robóticas que não
envolve robots revoltados mas robots obedientes.

Vonnegut diria mais tarde que Player piano era "um romance sobre
pessoas e máquinas em que as máquinas levam quase sempre a melhor,
como acabará por acontecer" e que procurava responder à questão de
"como amar pessoas que não servem para nada".

"Breaker boys" (rapazes incumbidos de fraccionar o carvão à saída da
mina), Hughestown Borough, Pennsylvania, 1908-12, por Lewis Hine

Mais um aviso ignorado

Apesar de o acaso ter remetido o artigo premonitório de Wiener para
uma gaveta e de os decisores políticos não costumarem ter em linha de
conta as alegorias contidas em obscuros livros de ficção científica,
em 1964 foi emitido um novo alerta e desta vez provinha de uma
comissão formada reputados cientistas e intelectuais norte-americanos.
O relatório da auto-designada Comissão Ad Hoc Sobre a Tripla
Revolução, que incluía, entre outras sumidades, o Prémio Nobel da
Química Linus Pauling e tinha como principal ideólogo o economista
Robert Theobald, previa que a "cibernética (ou automatização)" iria
gerar uma economia em que "a produção potencialmente ilimitada pode
ser conseguida por sistemas de máquinas que exigirão pouca cooperação
com os seres humanos", de que resultaria desemprego em massa e
desigualdades sociais e, consequentemente, uma queda na procura de
bens e serviços.

O relatório, escreve Martin Ford, teve ampla difusão nos media e
causou apreensão nos meios políticos e intelectuais, mas não teve
efeitos práticos e as suas propostas – nomeadamente a criação de um
"rendimento incondicional" para todos os cidadãos, um conceito de que
Theobald foi pioneiro – foram esquecidas por umas décadas.

Perigo: Máquinas em movimento

Embora tal "distinção" seja por vezes atribuída a Kenji Urada, um
engenheiro de manutenção da Kawasaki, a primeira vítima confirmada de
um robot foi Robert Williams, um operário de uma fábrica da Ford Motor
Company em Flat Rock, Michigan, que, a 25 de Janeiro de 1979, foi
mortalmente atingido na cabeça pelo braço de um robot. Este não era um
desses robots dotados de livre arbítrio e intenções malévolas
imaginados pelos escritores de ficção científica, mas uma máquina
subserviente que se limitou a executar as acções para que fora
programado – o humano é que cometeu um erro de julgamento e colocou
inadvertidamente a sua cabeça na rota do braço mecânico.

Os erros humanos e as falhas de equipamento são impossíveis de
eliminar, pelo que continuarão a ocorrer acidentes em que
trabalhadores humanos são mortos ou feridos por robots. Não são porém
estes raríssimos acidentes a maior ameaça colocada pelos robots aos
trabalhadores – é que os robots tomem conta, progressivamente, dos
postos de trabalho humanos.

O perigo é antigo e a sua percepção também: ainda a Revolução
Industrial estava em embrião e já havia operários ingleses a ver nos
teares mecânicos uma ameaça ao seu ganha-pão – a destruição de
maquinaria industrial foi criminalizada na Grã-Bretanha logo em 1721 e
punida com degredo, sendo a legislação modificada, pelo Frame-Breaking
Act de 1812, de forma a incluir na punição a possibilidade de pena de
morte.

Luditas escaqueiram um tear

Na Grã-Bretanha dos séculos XVIII-XIX, o termo "ludita" começou por
designar um aderente do movimento que fazia oposição violenta ao
progresso tecnológico, nomeadamente através da sabotagem, mas nos
nossos dias o âmbito alargou-se e pode mesmo englobar alguém que
manifeste reticências quanto à indiscutível superioridade do mais
recente modelo de iPhone sobre o modelo anterior. Ironicamente, o
tecelão Ned Ludd, um rapaz dos arredores de Leicester que, em 1779,
terá destruído dois teares à martelada e ficou na mitologia como
fundador e líder do ludismo, poderá não ter praticado tal acto por
convicção ideológica anti-automação mas por mera rebeldia adolescente,
ou poderá mesmo nunca ter existido.

Ned Ludd, também conhecido por Rei Ludd, liderando uma revolta operária

Na verdade, antes dos luditas britânicos, já no outro lado do Canal se
assistira a um episódio de rejeição da nova tecnologia na indústria
têxtil. Jacques de Vaucanson (1709-1782), um prolífico inventor
francês, começara a fabricar autómatos aos 18 anos na sua oficina em
Lyon e conseguira chamar a atenção para o seu talento ao apresentar,
em 1737, um tocador de flauta mecânico, com um repertório de uma dúzia
de melodias.

Jacques de Vaucanson

A fama dos autómatos accionados por mecanismos de relojoaria de
Vaucanson espalhou-se pela Europa, de forma que Frederico II da
Prússia lhe propôs um cargo na sua corte, com a fabulosa remuneração
de 12.000 libras por ano. Vaucanson preferiu ficar em França e em 1741
foi nomeado inspector-chefe da indústria da seda, para a qual
apresentou ambiciosos planos de reforma, a nível da tecnologia e dos
métodos de trabalho. Os operários da indústria de seda perceberam o
que as reformas de Vaucanson significariam para os seus empregos,
saíram para as ruas de Lyon em revolta (não precisaram de Twitter nem
de Facebook para convocar a sublevação) e apedrejaram Vaucanson, que
teve de escapulir-se da cidade disfarçado de frade.

Tear aperfeiçoado por Vaucanson, 1748

De regresso a Paris e ressabiado com a incompreensão com que as suas
ideias para optimizar a manufactura de seda tinham sido recebidas
pelos tecelões, Vaucanson investiu anos de pesquisa no desenvolvimento
de um tear mecânico completamente automático, que proclamava,
permitiria que "um cavalo, um boi ou um burro fossem capazes de tecer
um tecido mais belo e muito mais perfeito do que são capazes os
tecelões mais habilidosos".

Fiação Rhodes Mfg. Co., Lincolnton, Carolina do Norte, 1908, por Lewis Hine

Luditas à parte, a automatização parecia, até há pouco tempo, uma
forma de libertar o homem de executar tarefas pesadas, sujas,
repetitivas, monótonas, arriscadas e prejudiciais para a saúde. Foi a
mecanização do trabalho agrícola que permitiu que, no período de um
século, a percentagem de população dos países industrializados
dedicada à agricultura caísse de 50% para 2 ou 3%, conseguindo ao
mesmo tempo, que a produção agrícola aumentasse apreciavelmente. A
indústria foi outro sector em que a automatização permitiu dispensar
uma fracção significativa dos trabalhadores. Nada disto parecia
terrivelmente preocupante – excepto para quem perdia o emprego e não
conhecia outro mister – porque se acreditava que o sector terciário
absorveria todas as mãos libertadas pelos sectores primário e
secundário.

Foi por acreditar nisto (e devido à obsessão das multinacionais em
minimizar custos de produção sem olhar a consequências) que o Ocidente
se desindustrializou e delegou na China a missão de ser a "fábrica do
mundo". Mas na segunda década do século XXI surgiram dois fenómenos
que contrariaram esta tendência: na China, a subida dos salários dos
trabalhadores industriais fez com que a produção sofresse nova
deslocalização, desta feita para o Vietnam, Tailândia, Cambodja,
Indonésia, Bangladesh, Filipinas e outros países do Sudoeste Asiático
com mão-de-obra mais barata; por outro lado, a automatização nos
países ocidentais permitiu que a proporção dos custos da mão-de-obra
no produto final baixasse significativamente, de forma que, devido à
proximidade dos mercados, as fábricas ocidentais voltassem a ser
competitivas face às fábricas chinesas e algumas unidades fabris
regressassem ao país de origem e gerassem algum emprego (mas muito
menos do que aquele se perdera antes).

Fábrica da Nike no Vietnam

A China, que necessita de manter uma taxa de crescimento elevada e uma
taxa de desemprego baixa para manter a paz social, vê-se obrigada a
reagir a este duplo desafio: por um lado, abandonando o modelo da
competitividade assente em salários baixos e apostando em produtos
mais sofisticados; por outro, apostando também na robotização:
"Substituam os seres humanos por robots" foi a palavra de ordem
lançada não por um capitalista chinês sedento de lucro, mas por Hu
Chunhua, membro do Politburo do Partido Comunista e uma das figuras
emergentes da política chinesa. Aparentemente, Hu não está preocupado
com o facto de o aumento de competitividade trazida pelos robots ir
lançar milhões de chineses no desemprego.

Nada parece deter a robotização da indústria e até os mais recentes
beneficiários da deslocalização estão ameaçados por ela: um estudo da
Organização Internacional do Trabalho divulgado em Julho passado
estima que 56% dos postos de trabalho no sector secundário no Sudoeste
Asiático, tipicamente com baixo nível de especialização e salários
baixos, irão desaparecer nos próximos 20 anos – são 137 milhões de
pessoas, repartidas maioritariamente pelas indústrias de vestuário,
calçado desportivo e componentes para automóveis. A Tailândia, cujo
desenvolvimento neste último domínio lhe valeu o cognome de "Detroit
do Sudoeste Asiático" arrisca-se a ter o mesmo destino da Detroit
original.

O computador entra no domínio do humano

Entre 1998 e 2013 o valor gerado pelas empresas americanas cresceu 42%
mas as horas de trabalho necessárias para o gerar mantiveram-se
constantes. Os optimistas escolhem acreditar que, embora destes
números se possa depreender que são necessárias cada vez menos pessoas
para produzir o mesmo volume de produtos e serviços, as pessoas
"libertadas" destas tarefas menores seriam "requalificadas" e
passariam a desempenhar funções mais "nobres" e, supostamente, mais
bem pagas. De acordo com esta perspectiva, todos os governantes, da
esquerda à direita, passaram a repetir a repetir os mantras da "aposta
na formação e qualificação profissional" e da "educação como paixão".
Com as tarefas humildes, rotineiras e "estúpidas" confiadas a robots,
computadores e redes inteligentes, a força de trabalho humana,
devidamente munida de mestrados e doutoramentos e múltiplos
certificados obtidos em acções de formação, iria consagrar-se apenas a
actividades criativas e de gestão ou que requeressem o sofisticado e
subtil "julgamento humano".

O que ninguém parece ter previsto – excepto Norbert Wiener – é que os
avanços na informática fossem tão rápidos e colossais que muitas
ocupações que se julgavam estritamente dependentes do "julgamento
humano" fossem caindo sob a alçada das máquinas.

Um sinal de alerta poderia ter soado em 1997, quando o campeão de
xadrez Garry Kasparov foi derrotado por Deep Blue, um supercomputador
da IBM. Todavia, apesar da aura "intelectual", o xadrez é um jogo de
regras fixas e sem margem para subjectividades, pelo que uma máquina
com a capacidade para delinear milhões de sequências diferentes de
jogadas e comparar os respectivos desfechos, pode ter vantagem sobre
um ser humano.

Como conta Martin Ford, a IBM, estando consciente disto, lançou a si
mesma o repto de criar um computador capaz de derrotar humanos no seu
próprio terreno. O resultado foi o Watson, um computador que é capaz
de responder a perguntas, em linguagem corrente, sem moldes
pré-fixados, sobre os mais variados assuntos – e tão bem o faz que
neste jogo de perguntas e respostas conseguiu superar o desempenho de
dois antigos vencedores do concurso televisivo Jeopardy!, em 2011 (e
fê-lo mesmo sem estar ligado à Internet – uma limitação minimizada
pelo facto de a sua memória incluir, entre outra informação, todos os
artigos da Wikipedia).

Não são, portanto, apenas os postos de trabalho não-qualificados que
estão em risco. Uma evolução do Watson está hoje em dia a ser
utilizada como auxiliar de diagnóstico médico e a profissão de médico
radiologista pode ter os dias contados – algo que foi previsto em 1959
por Lee Lusted – pois a inteligência artificial já se tornou mais
eficaz a analisar radiografias do que os radiologistas humanos. O
software desenvolvido como auxiliar de diagnóstico médico tem a
capacidade de aprender por si mesmo, ou seja, depois de confrontado
com uma vasta amostra de casos, é capaz, por tentativa e erro, de
deduzir regras e adquirir competências nessa área. Quando uma
profissão tão especializada e qualificada como radiologista está
ameaçada, quantos milhares de outras não o estarão também?

Há uma década, a ideia de um veículo sem condutor parecia ficção
científica e agora eles já "andam por aí", partilhando as estradas com
condutores humanos em vários estados dos EUA, ainda que, para já, o
piloto automático seja recomendado apenas para auto-estradas, não para
situações de tráfego urbano. Um Tesla Model S protagonizou, em Maio
passado, na Florida, o primeiro acidente mortal envolvendo um
automóvel sem condutor, mas os condutores humanos também têm acidentes
mortais – e a Google anunciou em 2012 que a sua frota de veículos sem
condutor cumprira meio milhão de quilómetros sem um único acidente.

A rapidez dos progressos neste domínio tem sido impressionante: lembra
Martin Ford que no primeiro concurso para automóveis sem condutor, em
2004, nenhum dos 15 concorrentes conseguiu cumprir 10% do percurso
previsto.

Nem todos quererão prescindir do "prazer de conduzir" e nem todos
terão meios para adquirir um veículo sem condutor, pelo que é
previsível que nos próximos anos os veículos sem condutor sejam
minoritários, mas as possibilidades que se abrem são revolucionárias –
e o espectro do desemprego paira já sobre quem tem a profissão de
motorista. Para já, os motoristas de táxi alarmam-se com a
possibilidade de perderem clientes para empresas do tipo da Uber, que
usam apps de telemóvel para conectar passageiros e veículos conduzidos
por particulares, mas podem começar já a considerar a possibilidade de
uma ameaça mais radical: a dos táxis sem condutor.

Pensando bem, conduzir um automóvel é menos complicado do que tripular
um avião e os aviões são hoje tripulados sobretudo através de
computadores. É sobretudo a desconfiança que um cockpit vazio
inspiraria nos passageiros que impede a completa supressão de pilotos
humanos em voos comerciais.

As possibilidades abertas pelos desenvolvimentos na inteligência
artificial e na robótica são muitas e Martin Ford, não as cobrindo
exaustivamente, oferece uma panorâmica suficientemente vasta e clara
para que se torne óbvio que o conceito de "profissão com futuro
assegurado" que todos os pais desejam para os filhos está a
estreitar-se a cada dia que passa.

Todas as saídas estão fechadas?

Os empregos de recurso mais comuns para as crescentes massas de jovens
licenciados que não conseguem emprego na sua área de formação costumam
ser os MacJobs (virar hamburgers) e as caixas de supermercado, mas
estas tenderão a dar lugar a caixas automáticas e os MacJobs estão
ameaçados por máquinas como a da Momentum Machines, que é capaz de
produzir 360 hamburgers gourmet por hora sem necessidade de
intervenção humana e que é capaz de moldar cada pedido às
especificações precisas do cliente. O co-fundador da Momentum Machines
nem sequer parece embaraçado por considerações éticas quando afirma,
candidamente: "o nosso dispositivo não tem como fim tornar os
empregados mais eficientes, mas sim substituí-los completamente".

Os empregos no comércio tenderão a minguar, à medida que os
consumidores direccionarem uma fracção cada vez maior do seu orçamento
para as compras a grandes empresas online, cujo sistema de
atendimento, gestão de stock, triagem, embalamento e expedição é cada
vez mais automatizado (poderá não estar longe o tempo em que também a
gestão e reposição de stock nas grandes superfícies comerciais sejam
automatizadas). O potencial acréscimo de empregos como motorista que o
acréscimo do comércio online poderá evaporar-se se as transportadoras
apostarem em veículos sem condutor.

Entre as saídas mais apregoadas e aliciantes para os jovens de hoje
estão as actividades artísticas, como se estas dependessem menos do
talento e da vocação do que da formação e do cumprimento de
formalidades académicas e como se o mercado estivesse disponível para
encaixar todos os anos milhões de novos compositores, artistas de
video mapping, ceramistas e designers de fonts. No caso da música,
pode mesmo dizer-se que a internet, através da oferta gratuita e quase
ilimitada de "conteúdos" e da promoção de hábitos de escuta dispersos
e superficiais, fez minguar a fonte de receitas de artistas e editoras
e tornou as últimas mais avessas ao risco e à inovação.

Assim, criou-se uma situação paradoxal, em que, por todo o mundo,
milhões de jovens músicos alimentam a esperança de que os registos que
disponibilizam no SoundCloud ou no BandCamp os venham a tornar ricos e
famosos, apesar de eles próprios se limitarem a ouvir música
pirateada, sem dar um cêntimo a ganhar aos outros músicos. Graças à
internet e a máquinas de marketing cada vez mais aperfeiçoadas e
agressivas, as pop stars de topo ganharam dimensão verdadeiramente
planetária e fazem mais dinheiro do que nunca, mas os escalões médios
e baixo dos criadores de música proletarizaram-se e contentam-se em
tocar por uns trocos e dormir no sofá do organizador do concerto.
Também aqui se alargou o abismo entre o 1% do topo e os restantes 99%.

De qualquer modo, até na criação artística a inteligência artificial
tem dado passos de gigante – Martin Ford menciona, entre outros, os
programas Ianus (composição) e The Painting Fool (pintura).

O fim do diploma universitário como garantia de emprego

Vivemos um tempo de mudanças dramáticas na sociedade e, em particular,
no mercado laboral. As taxas crescentes de desemprego jovem, sobretudo
na Europa meridional começam a atingir valores estarrecedores, da
ordem dos 30 a 50% e – e muitos destes são jovens que acreditaram na
falácia de que a um curso superior era garantia de um emprego – ou até
mesmo de um bom emprego. Mas, como escreve Martin Ford, na ausência de
novos empregos, o que o aumento da percentagem de população com
habilitações superiores provoca é "a inflação de credenciais" e as
ocupações que anteriormente exigiam apenas um diploma do ensino
secundário requerem agora um diploma universitário: "o mestrado
tornou-se na nova licenciatura e os cursos de escolas que não sejam de
elite são desvalorizados".

A estrutura do mercado de trabalho é piramidal, pelo que os cargos de
topo – os que mais requerem "julgamento humano" e são (por enquanto)
menos susceptíveis à automatização – são necessariamente limitados,
pelo que o aumento da produção de mestres e doutores pelas
universidades irá confrontar-se com um número rígido de oportunidades
de emprego. Não quer isto dizer que mais formação não seja benéfica –
quanto mais não seja do ponto de vista do desenvolvimento pessoal –
mas é um trágico equívoco crer que, na ausência de outras medidas,
qualificar mais pessoas faça aparecer, como que por magia, um número
correspondente de empregos qualificados.

Lembra Martin que, "entre 2003 e 2012, o rendimento médio dos
[licenciados americanos] caiu de 52.000 para pouco mais de 46.000
dólares [valores corrigidos para 2012]. Durante o mesmo período, a
dívida total dos empréstimos a estudantes passou de 300.000 milhões
para 900.000 milhões de dólares". Em Portugal, são cada vez mais
frequentes as ofertas de emprego para engenheiros e outros licenciados
remuneradas pelo salário mínimo – as centrais sindicais podem ter
razão em ver nelas "um desrespeito pelas profissões", uma forma de
"pôr em causa a dignidade das pessoas", uma tentativa de favorecer "a
desregulação das relações de trabalho" e "uma desvalorização dos
conhecimentos, das experiências e das qualificações" (Arménio Carlos,
em declarações à TSF, 25.07.16), mas as empresas estabelecem estes
patamares de remuneração porque sabem bem que a procura de trabalho
qualificado está em regressão e que, portanto, não faltam licenciados
dispostos a trabalhar pelos salários propostos.

Quando for grande quero trabalhar na WhatsApp

Continua a pairar no espaço público um optimismo acrítico perante as
novas tecnologias e o mundo de oportunidades aberto pela internet,
como se os empregos perdidos nas ocupações "tradicionais" pudessem ser
compensados pelos empregos em empresas tecnológicas ou como se um em
cada dois jovens licenciados desempregados fosse desenvolver uma
killer app que o tornasse milionário.

Martin Ford deita um balde de água fria sobre as perspectivas de
emprego tecnológico, tomando como exemplos precisamente as empresas
que são símbolo do Admirável Mundo Novo Digital: em 2007 a Google
pagou 1600 milhões de dólares pelo YouTube, que tinha, à data, 65
empregados; em 2012 o Facebook pagou 1000 milhões de dólares pelo
Instagram, que tinha, à data, 13 empregados; em 2014 o Facebook pagou
19.000 milhões de dólares pelo WhatsApp, que tinha, à data, 55
empregados.

Em "The digital revolution that never wasn't", um muito pertinente
artigo na Harper's Magazine de Janeiro de 2014, Jeff Madrick fazia
este cômputo: a General Motors tinha, em 1955, 600.000 trabalhadores,
enquanto hoje, numa economia muito maior e mais globalizada, a Google
tem 50.000, o eBay 20.000, o Facebook 6.000.

A verdade é que, se não nos deixarmos deslumbrar pelo hype em torno
das empresas emblemáticas do universo digital, é inevitável concluir
que a probabilidade de algum dos milhões de jovens desempregados com
habilitações superiores encontrar emprego numa delas é ínfima.

Os entusiastas da qualificação argumentam que o mercado de trabalho
dos licenciados engloba realidades muito diversas: sim, os licenciados
nas áreas das humanidades debatem-se com dificuldades, mas em
compensação haverá em Portugal uma procura ávida de diplomados em
áreas científicas e em particular nas tecnologias de informação. Ora,
um artigo do Público de 21.04.14, com o título "Empresas não vão mexer
nos salários e mostram vontade de aumentar pessoal" (um optimismo
desmentido pelo conteúdo), sobre as perspectivas de contratação e
remuneração salarial das empresas, revelava que a área das
"tecnologias de informação" era aquela onde mais empresas manifestavam
intenção de dispensar trabalhadores (19%) e de cortar os salários dos
restantes (10%).

Não se trata de uma peculiaridade portuguesa, ditada pelo contexto de
crise ou pelas limitações intrínsecas do nosso tecido empresarial.
Também nas empresas tecnológicas de ponta a nível mundial, símbolos do
Admirável Mundo Novo da Era Digital e da pujança do cibercapitalismo,
os postos de trabalho começaram a minguar: em Abril passado, a Intel,
o maior fabricante mundial de circuitos integrados, anunciou o
despedimento de 12.000 trabalhadores (11% da sua força de trabalho),
em Agosto foi a vez da Cisco, o gigante mundial na área das redes
cibernéticas, anunciar o despedimento de 5500 funcionários (7% da sua
força de trabalho), justificado por uma estagnação na facturação da
empresa (a desculpa é pouco plausível, já que a perspectiva de
estagnação deveria levar à manutenção de postos de trabalho, não a
despedimentos).

A campanha lançada pela Cisco em 2012 sob o lema "Tomorrow starts
here", trombeteando as bem-aventuranças da "internet de tudo" (um
passo à frente da já de si patética "internet das coisas"), ganha uma
amarga ironia quando vista após o recente anúncio de despedimentos em
massa.

Se a Cisco representa o amanhã e se ele começa aqui, o que espera os
diplomados na área da informática é o desemprego.

Apesar de estes factos serem incontestáveis e públicos, os políticos e
economistas continuam a fingir que vivemos no melhor dos mundos e que
o aumento brutal do desemprego jovem e do desemprego de longa duração,
bem como a queda da taxa de participação na força de trabalho
(percentagem de pessoas empregadas e à procura de emprego no total da
população em idade activa) não são sintomas de que estão em curso
mudanças dramáticas na economia e na sociedade, mas são apenas um
acidente de percurso, um infortúnio conjuntural, resultante de um
período de baixo crescimento económico ou da incompetência ou
malevolência do governo anterior. A esquerda acredita que se nos
libertarmos do jugo dos credores e do "pacto de agressão" e adoptarmos
uma "política patriótica de esquerda", voltaremos, como que por magia,
ao pleno emprego, o que a direita julga poder atingir "flexibilizando
o mercado de trabalho" (leia-se: facilitando os despedimentos e
sujeitando os trabalhadores a condições tirânicas) e aliciando o
investimento estrangeiro mediante oferta de "benefícios fiscais",
"vistos gold" e outros subterfúgios eticamente duvidosos, ainda que
estritamente legais.

As profissões do século XXI

Os media têm vindo a divulgar regularmente novas oportunidades
empregos para o século XXI, que oscilam entre a excentricidade, o
micro-nicho e a fantasia pueril. Os estragos causados por estes
cenários oníricos e falaciosos são, muito provavelmente, reduzidos, já
que os jovens em idade de escolher um rumo profissional há muito
deixaram de ler jornais e revistas, mas há sempre o risco de os pais
ou avós os lerem e incentivarem a sua prole a orientar a sua vida
profissional para tais necedades.

Thomas Frey, futurólogo, especialista em "tecnologias emergentes" e
conferencista de sucesso mundial e fundador do DaVinci Institute,
antevê que a extinção de 2.000 milhões de postos de trabalho na
economia mundial até 2030 será compensada por 162 empregos que vão
existir no futuro (próximo), alguns das quais são simplesmente
ridículos ("38. Psicólogos de super-bebés"), tenebrosos ("37.
Designers de super-bebés") ou muito antigos (os "23. Spotters de
oportunidades" têm uma tradição ininterrupta desde o Paleolítico;
outrora foram conhecidos em português como "videirinhos"). Outros
empregos do futuro parecem ter saído de um brainstorming de hipsters
("61. Chefs de comida 3D", "67. Auditores de lifestyle") ou soam como
anedotas de mau gosto ("78. Teóricos, filósofos e evangelistas de
criptomoeda"). Entre os 162 empregos, Frey não incluiu o seu próprio
emprego de "tarólogo hi-tech", talvez porque não queira estimular
concorrência no seu aprazível e bem remunerado mister em que corre
mundo a aspergir plateias recheadas de CEOs e altos quadros da função
pública com uma nuvem de falácias de aroma sofisticado e modernaço.

Frey prevê oito empregos distintos ligados à "indústria de drones
comerciais", que é assunto recorrente nos artigos sobre "empregos para
o século XXI". A hipotética ocupação de "expedidor de drones" ganhou
grande projecção só porque a Amazon, numa manobra publicitária que
conseguiu pôr a empresa nas bocas do mundo, anunciou a (remota)
possibilidade de fazer algumas entregas via drone. Claro que é
tecnicamente exequível, mas imagine-se o caos que tomaria conta dos
céus se as entregas através de drones atingissem um número
significativo – sair à rua ou apanhar sol no jardim passariam a ser
actividades de risco.

Onde há um problema, há também uma oportunidade, como bem sabem os
videirinhos (perdão, os spotters de oportunidades). Se o céu ficar
infestado com o zumbido de drones carregados com encomendas (espera-se
que não com bigornas ou pianos), será necessário que alguém desempenhe
a função de "polícia de trânsito aéreo", outra das "profissões
emergentes". Resta saber se este polícia sinaleiro do século XXI fica
suspenso de um retrógrado balão ou se coordenará o tráfego sobre um
podium anti-gravitacional a pairar no ar.

No artigo "As profissões do futuro", na Visão de 19.04.2104, surgem
empregos como "gestor de nuvens", "terapeuta respiratório", "pediatra
fetal", "designer de órgãos" (as vísceras, não o instrumento de
teclas), "nanomédico", "cirurgião de aumento da memória" ou "guia
turístico espacial". E uma vez que muitas pessoas passam cada vez mais
tempo no ciberespaço, é natural que se proponham profissões como
"planificador de identidade digital", "consultor de privacidade",
"arquivista pessoal" (para catalogar as centenas de milhares de
selfies) e "arqueólogo digital", apresentado como um "especialista em
eliminar o rasto digital de pessoas e empresas" (é verdade que dá
jeito apagar as fotos comprometedoras que se colocaram no Facebook
numa noite de copos, mas o conceito de "arqueólogo" é o de alguém que
desenterra o passado, não que o suprime).

Na página mercado de trabalho do século XXI, da Debt.org, uma
organização que pretende auxiliar "todos os que queiram assegurar para
si um futuro financeiro sólido", recomendam-se profissões que,
ironicamente, estão entre as mais ameaçadas de extinção pelas novas
tecnologias, como "professores de línguas", "professores de
tecnologias de informação", "analistas de pesquisas de mercado" ou
"agricultor biológico".

Consideremo-las uma a uma: os professores de línguas terão cada vez
menos espaço à medida que se refinam os softwares de tradução e
proliferam os cursos de línguas online ou as lições gratuitas no
YouTube. Os professores de tecnologias de informação pareciam ter um
futuro próspero no tempo em que a interface entre o computador e o
utilizador se fazia através de algo tão rudimentar, hostil e
contra-intuitivo como o MS-DOS, mas terão cada vez menos razão de ser,
à medida que programas e funcionalidades se tornam cada vez mais
acessíveis ("user-friendly") e as gerações mais velhas se vão
extinguindo e a população passa a ser constituída essencialmente por
"nativos digitais", que largaram a chucha para pegar no tablet ou no
smartphone.

Os analistas de pesquisas de mercado não têm qualquer hipótese se
competir com a inteligência artificial no processamento de grandes
volumes de dados; são as máquinas que estão a permitir que o
rastreamento individual dos hábitos de consumo e lazer de cada um de
nós sejam examinadas de forma a que possamos ser bombardeados com
propostas irresistíveis de bens e serviços que correspondem ao nosso
perfil. E tendo o trabalho agrícola sido a primeira vítima (ou
beneficiário – depende do ponto de vista) da automatização, é difícil
perceber como pode a profissão de agricultor biológico providenciar um
número significativo de empregos. Sem automatização, nem pesticidas e
fertilizantes artificiais, o trabalho agrícola gera rendimentos que
poderão bastar para a subsistência em moldes medievais, mas não chegam
para pagar smartphones, assinaturas de televisão por cabo ou automóvel
próprio.

Entre as fantasias e becos sem saída sugeridas pela Debt.org, uma
profissão parece ter potencial real: a de "coordenador de gestão de
resíduos electrónicos". O nome é pomposo, mas o emprego já existe e
tem boas perspectivas de expansão, já que a marcha cada vez mais
rápida e implacável da obsolescência planeada irá gerar cada vez
maiores quantidades de lixo electrónico.

O fim da classe média?

O diálogo entre Henry Ford II, CEO da Ford Motor Company, e Walter
Reuther, dirigente do poderoso sindicato dos trabalhadores da
indústria automóvel americana é provavelmente tão apócrifo como a
infeliz estimativa do presidente da IBM sobre o mercado mundial de
computadores, mas é ainda mais instrutivo: supostamente, Henry Ford II
e Reuther visitavam uma fábrica de automóveis que acabara de ser
automatizada e Henry Ford II lançou uma provocação ao sindicalista:
"Walter, como vai conseguir que estes robots paguem as quotas do
sindicato?". Ao que Reuther retorquiu: "Henry, como vai conseguir que
eles lhe comprem carros?".

O diálogo sintetiza esplendidamente o paradoxo da automatização: uma
empresa pode diminuir os custos e aumentar a produtividade ao
substituir trabalhadores por máquinas, mas quem irá comprar os bens ou
os serviços produzidos pela empresa se uma fracção maioritária da
população ficar desempregada?

Linha de montagem em fábrica de automóveis moderna

Sim, há o consumo de luxo, que tem vindo a aumentar, espelhando a
concentração da riqueza nos mais ricos, mas não basta para sustentar a
economia. Um rico pode comprar um smartphone revestido a cristais
Swarovski e passar um fim-de-semana em órbita, mas não compra 1000
smartphones de gama média nem passa 1000 fins-de-semana num aparthotel
em Albufeira. Se o desemprego maciço puser fim à classe média, o
sistema económico colapsará – é perante este cenário que pode fazer
sentido a proposta acima mencionada de Robert Theobald de um
"rendimento incondicional" para todos os cidadãos, assunto que Martin
Ford discute com algum detalhe.

O ensaio A Era da Máquina, de Norbert Wiener adverte que "se nos
movermos no sentido de criar máquinas capazes de aprender e cujo
comportamento é modificado pela experiência, deveremos estar
conscientes de que cada grau de independência que concedemos à máquina
corresponde a um possível desafio à nossa vontade. O génio da lâmpada
não regressará de bom grado ao interior da lâmpada nem tem qualquer
motivo para estar animado de boa vontade para com as pessoas. Só uma
humanidade capaz de temer será capaz de controlar as novas
potencialidades que se abrem perante nós. Podemos ser humildes e viver
uma boa vida com a ajuda das máquinas, ou ser arrogantes e perecer".

Infelizmente, humildade e temor respeitoso não são os sentimentos mais
usuais da humanidade perante as novas tecnologias – são mais
frequentes o deslumbramento acrítico, a inconsciência e uma confiança
arrogante num mundo de progresso ilimitado.

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