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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

quinta-feira, março 31, 2016

# Carminho, Marcelo Rebelo de Sousa, Assunção Cristas, Fernando Santos, Ricardo Araujo Pereira falam sobre a sua relação com Deus

Carminho
https://www.youtube.com/watch?v=tPz2_MTVsUo

Marcelo Rebelo de Sousa
https://www.youtube.com/watch?v=7kldpZVC0eE

Assunção Cristas
https://www.youtube.com/watch?v=7-OBmJDXlvc

Fernando Santos
https://www.youtube.com/watch?v=0U-dfBNHb0Q

Maria de Belém
https://www.youtube.com/watch?v=rcn79oJXoMM

Ricardo Araujo Pereira
https://youtu.be/OajZ-9ssTK0

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terça-feira, março 29, 2016

# O fracasso das instituições portuguesas como um problema de muito longo prazo

http://observador.pt/especiais/fracasso-das-instituicoes-portuguesas-um-problema-longo-prazo/

29 Março 2016
Nuno Garoupa

Portugal vive entre quatro sentimentos: euforia, nostalgia, vencidos
da vida e sebastianismo. O primeiro passo para resolver isto, diz Nuno
Garoupa, seria reconhecer que temos um problema sério.

Nuno Garoupa, presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, foi
o convidado especial da cerimónia comemorativa do 34º aniversário da
Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, aí tendo
proferido a palestra "O Fracasso das Instituições Portuguesas como
Problema de Muito Longo Prazo" que aqui reproduzimos no dia em que o
Governo português apresenta o seu Plano Nacional de Reformas.

Os quatro sentimentos da sociedade portuguesa

A sociedade vive ciclicamente entre quatro sentimentos distintos, a
saber, a euforia, a nostalgia, os vencidos da vida e o sebastianismo.

A euforia corresponde a um período de otimismo normalmente resultante
de um recomeço. Por exemplo, com a nossa entrada, primeiro, na União
Europeia e, depois, na zona euro, tornámo-nos um país novo, rico,
pujante, com novos horizontes. Tudo confirmado pelas muitas
autoestradas, pelos novos padrões de consumo, pela aquisição de casa
própria, pela proliferação das piscinas e do parque automóvel.
Portugal cumpria, assim, o seu destino de país europeu próspero.

Esta euforia não é um produto menor do cavaquismo ou do socialismo de
Guterres. Tem paralelos com o quinto império sonhado pelo Estado Novo
(e glosado por Fernando Pessoa), ou com o sonho republicano de 1911 ou
com o Portugal liberal e constitucional do século XIX. Há sempre um
momento em que Portugal se vai finalmente realizar.

Como quase sempre aconteceu nos últimos duzentos anos, a euforia acaba
sempre na ressaca. O país percebe, sempre tardiamente, que o novo
Portugal não tem correspondência com a realidade dos fundamentos
medíocres da sua economia. Não admira, pois, que a fase eufórica
esteja associada a endividamento excessivo e à consequente (quase)
bancarrota.

Com a nostalgia, instala-se o pessimismo: "isto não tem solução",
"mais vale emigrar", "são sempre os mesmos". Chegam os vencidos da
vida. Infelizmente, sabemos que na história predomina este sentimento,
principalmente nas suas fases mais democráticas.

Segue-se a nostalgia. Fomos a grande potência disto e daquilo, o maior
império, a primeira globalização, temos uma cultura importantíssima, o
país com as fronteiras mais antigas da Europa. Com ela, vivemos uma
certa bipolaridade de um passado glorioso (que não o foi mais do que o
de qualquer outro país europeu) e um sentimento de culpa, por termos
perdido essa maravilhosa glória. Não temos ainda uma relação saudável
com o passado. Por exemplo, muitas vezes avaliamo-lo com os nossos
olhos, procurando culpa nos nossos avós, que evidentemente julgaram
pelos seus olhos e não pelos nossos (pensemos nas nossas aventuras
coloniais). Mas, por outro lado, ignoramos a prevalência de corrupção
e do enriquecimento ilícito em muitos dos nossos heróis, naquilo que
já era uma conduta contemporaneamente criticada (veja-se o caso
sintomático do Marquês de Pombal).

Com a nostalgia, instala-se o pessimismo: "isto não tem solução",
"mais vale emigrar", "são sempre os mesmos". Chegam os vencidos da
vida. Infelizmente, sabemos que na história predomina este sentimento,
principalmente nas suas fases mais democráticas (final do século XIX,
Primeira República, agora) porque estamos constantemente confrontados
com a insuficiência da nossa sociedade e da nossa economia, com o
fracasso das expectativas criadas.

A nostalgia e os vencidos da vida desembocam no sempre presente sebastianismo

Diz-se que o país vive hoje a sensação de não ter um projeto comum.
Mas isso evidentemente é apenas um sintoma de pobreza. Um país rico
não questiona a existência de um projeto comum. O país pobre sim.
Porque a sua pobreza seria o sacrifício a suportar por um grande
projeto. Sem projeto, o país não consegue perceber a razão metafísica
da sua pobreza.

A nostalgia e os vencidos da vida desembocam no sempre presente
sebastianismo. Sabemos que aparecerá um redentor que, fora das
instituições e mesmo contra as instituições, salvará o país. Temos
fundamentalmente uma cultura política e intelectual de personalidades
(os "ismos" abundam na nossa política em detrimento de ideologias ou
filosofias), e não de instituições ou correntes de opinião. Como
sabemos que as instituições são sempre parte do problema, procuramos a
resposta num salvador que nos resolverá tudo, queremos um caudilho que
nos liberte do peso das instituições. E sempre que o anunciado
caudilho começa a falhar, a culpa não é dele, mas dos que o rodeiam:
cultivamos a irresponsabilidade do salvador. É por isso, aliás, que as
nossas fases democráticas se assemelham muito mais a consulados
bonapartistas que a uma democracia anglo-saxónica.

Estes quatro sentimentos (euforia, nostalgia, vencidos da vida,
sebastianismo) repetem-se ciclicamente, em fusão com as instituições
que regem a sociedade portuguesa em diferentes épocas da sua vida.

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O que são as nossas instituições?

As instituições nascem, consolidam-se e morrem. A primeira nota
importante é que até hoje as nossas instituições nasceram em
revoluções e em revoluções morreram. Ao contrário de outras culturas,
fomos incapazes de ter uma regeneração negociada até hoje. Por
exemplo, desde o século XVIII que os anglo-saxónicos regeneram as suas
instituições de forma pactuada, isto é, os diferentes atores assumem
perdas de curto prazo com vista a ganhos de longo prazo. Os
norte-americanos desde a guerra civil. Na Europa foi mais tarde,
apenas desde a Segunda Guerra Mundial: a transição da IV para a V
República em França deu-se em 1958, a mudança em Itália em 1992, a
transição espanhola em 1975, as transições na Europa de Leste nos anos
90. Em Portugal, ainda não temos essa experiência de evolução pactuada
das nossas instituições. Este é o grande desafio que temos pela frente
na geração presente.

Mas, para além da ausência de evolução pactuada, a consolidação das
instituições em Portugal faz-se pela substituição progressiva de
instituições inclusivas por instituições extrativas ao longo de um
determinado intervalo de tempo. Ou seja, de instituições que favorecem
consensos, negociações e equilíbrios e são, por isso, amigas do
crescimento económico sustentado e de uma sociedade mais igualitária
por outras dominadas pelos interesses privados ou corporativos com o
objetivo de beneficiar certos grupos, desfavorecendo, assim, o
crescimento económico e induzindo mais desigualdade.

Já Fernão Lopes dizia cinicamente que uma nova geração de homens se
levantou para descrever que, depois da revolução, ficavam os mesmos de
sempre, o que documenta a incapacidade das corporações se regenerarem
pacificamente.

Precisamente porque as nossas instituições nascem de uma revolução,
elas são naturalmente inclusivas (prevalece a euforia). Mas com o
tempo, tendo em conta os benefícios concentrados e os custos
disseminados, transformam-se em extrativas ou são apropriadas por
corporações até ao culminar de outra revolução (este processo de
apropriação é acompanhado pelos vencidos da vida e pelo
sebastianismo). Até hoje os grupos instalados que dominam as
instituições foram incapazes de aceitar ceder ou perder no curto prazo
para favorecer uma regeneração tranquila. Temos, pois, um exemplo de
"dry politics" constante, que inevitavelmente leva ao corte radical
entre regimes políticos.

Já Fernão Lopes dizia cinicamente que uma nova geração de homens se
levantou para descrever que, depois da revolução, ficavam os mesmos de
sempre, o que documenta a incapacidade das corporações se regenerarem
pacificamente e por via de pactos, mas a habilidade de se
reorganizarem num novo regime político, transformando as instituições
inclusivas em extrativas de forma eficaz.

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Exemplos históricos

Portugal enquanto tal nunca inventou instituições suas. Elas são
sempre copiadas de outros modelos (francês, alemão, italiano) ou
completamente impostas (por exemplo, recentemente, as autoridades
reguladoras impostas pela União Europeia). Portanto, a nossa
criatividade institucional é absolutamente mínima. Desde os romanos e
dos árabes que somos uma sociedade de transplantes e não de origens
institucionais.

Somos um país que chegou historicamente tarde a quase tudo: ao
feudalismo, à centralização do poder real, ao renascimento, à
contra-reforma, às luzes e ao iluminismo despótico, à revolução
liberal, à monarquia constitucional, ao autoritarismo corporativo e à
democracia. Fingir que a nossa periferia geográfica, politica e
económica não nos condiciona muitíssimo é ignorar a lição da história.
Somos assumidamente periféricos às grandes mudanças políticas do
globo.

Somos um país que chegou historicamente tarde a quase tudo, do
feudalismo à democracia

A isso se junta a sempre alegada especificidade portuguesa. O combate
ao estrangeirado como forma de limitar as instituições transplantadas
e fechar as elites, cartelizar os grupos dirigentes, é também uma
constante das instituições. O próprio conceito de estrangeirado
confirma a perceção da nossa periferia geográfica e cultural.

Bem sei que, mais recentemente, há uma tendência para culpar a cultura
católica. Pressinto, contudo, que esta apenas acicata elementos
antropológicos e inerentes à nossa organização social. Temos uma
sociedade hierárquica e hierarquizada, com uma enorme cultura
centralista e de poder majestático que evidentemente não se desfaz
numa geração, com ou sem catolicismo à mistura. A cultura católica
prevalece noutros quadrantes culturais e antropológicos sem induzir
exatamente o mesmo desenho institucional que temos na sociedade
portuguesa (pensemos na Irlanda, na Bélgica, na Áustria ou na
Polónia).

O Estado é ele mesmo extrativo e corporativo e a sociedade
genericamente desconfia dele. Por isso, não há um respeito intrínseco
pela lei, porque é sabido que a lei foi feita para beneficiar os
grupos que dominam o Estado e não o bem comum.

Juntam-se às instituições extrativas a presença forte do Estado em
Portugal. Nos descobrimentos, na atividade económica do iluminismo, ao
longo do século XIX, no Estado Novo, nas aventuras ultramarinas e,
claro, na democracia. Mas não é a presença forte do Estado que explica
a cultura antiliberal portuguesa que nos é confirmada reiteradamente
por todos os estudos de opinião recentes. É antes a cultura
antiliberal portuguesa de muitos séculos, apoiada e suportada pelas
instituições extrativas, que explica a presença forte do Estado.

Ao mesmo tempo, porque o Estado é ele mesmo extrativo e corporativo, a
sociedade genericamente desconfia dele. Por isso, não há um respeito
intrínseco pela lei (por exemplo, nem existe a palavra "enforcement"
em português), porque é sabido que a lei foi feita para beneficiar os
grupos que dominam o Estado e não o bem comum. Existe, assim, um jogo
de soma nula entre os diferentes grupos para capturar o Estado que
justifica uma inveja antropológica e um permanente "nós vs. eles",
numa distinção em que a sociedade se desresponsabiliza de quem
governa, algo tanto mais chocante em épocas democráticas porque o
"eles" foi eleito por "nós".

Como somos um país relativamente homogéneo e pequeno, não temos
movimentos regionais ou locais que limitem o Estado central, o que
explica porque muitas das características que observamos, sendo comuns
a Espanha, França ou Itália, parecem ter em Portugal mais força e mais
dinamismo.

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Problema do muito longo prazo

A questão que decorre é clara – porquê a prevalência das instituições
extrativas? Não sendo evidentemente uma especificidade portuguesa, é
um problema nosso.

Comecemos por aceitar que preenchemos os requisitos teóricos para ser
dominados por instituições extrativas: periferia geográfica e
cultural, país pobre (relativamente ao espaço em que estamos
inseridos), homogeneidade das classes dirigentes (que a massificação
do ensino universitário não alterou), hierarquização e estratificação
das relações sociais e laborais (que apesar de tudo se mantém),
concentração de riqueza (que a democracia não resolveu), dimensão
reduzida do país, com ausência de centros de decisão concorrentes
(apesar das autarquias e dos governos regionais nas ilhas, a
centralização persistiu). Todas estas características facilitam uma
fraca expressão da sociedade civil e uma cultura contrária à
avaliação, ao mérito e à "accountability" (mais uma palavra sem
tradução em português). Tudo isto explica a persistência e resistência
das instituições extrativas.

A questão seguinte – temos capacidade de superar este problema? Não
tivemos nos últimos duzentos anos, apesar de cada revolução (1820,
1834, 1910, 1926, 1974) impulsionar um recomeço que tinha esse mesmo
objetivo. Por outro lado, depende da nossa sociedade atual superar a
nostalgia, sebastianismo ou vencidos da vida e reorganizar as suas
instituições inclusivas de uma forma sustentável.

A União Europeia vai continuar a impor instituições que nos são
estrangeiras e portanto falham na sua missão (volto ao exemplo das
entidades reguladoras que são notória e globalmente irrelevantes em
Portugal)?

Neste momento, conseguiremos fazer a regeneração pactuada que nunca
foi possível antes? E como se faz ela? Com novos partidos (temos o
sistema mais estável do Sul da Europa)? Teremos uma evolução à húngara
ou à polaca (com um caudilhismo estilo século XXI)? A União Europeia
vai continuar a impor instituições que nos são estrangeiras e portanto
falham na sua missão (volto ao exemplo das entidades reguladoras que
são notória e globalmente irrelevantes em Portugal)?

Talvez a nota mais preocupante seja que vivemos um tempo de crise das
instituições extrativas, mas a sociedade portuguesa não tem tempo para
discutir as suas próprias instituições. O primeiro passo seria
reconhecer que temos um problema sério, de muito longo prazo, com a
nossa forma de nos organizarmos. Diz-se e repete-se à exaustão que os
diagnósticos estão todos feitos. Estarão provavelmente; todos sabemos
que as instituições extrativas são um cancro que nos ocupa há mais de
200 anos. Mas raramente o debate público consegue sair das
preocupações do dia-a-dia. A reforma das nossas instituições não é
tema ou proposta de qualquer ator político atual. Isso é sintomático
do nosso estado de coisas.

Diz-se que D. Pedro IV, ao desembarcar no Mindelo, terá dito qualquer
coisa do estilo "vamos libertar estes malfadados, quer eles queiram,
quer não". Claramente as nossas instituições ainda aguardam o
histórico desembarque…

Nuno Garoupa é presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos

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quarta-feira, março 23, 2016

# Poderemos falar de uma geração “inamorável”?

http://observador.pt/2016/03/23/estaremos-tornar-nos-geracao-inamoravel/

Das relações fantasmas ao cliché "não estou pronto para me
comprometer", há um fenómeno urbano a acontecer na geração
"millennial". Mas porque deixaram as pessoas de acreditar no amor?

Helena Magalhães

"Welcome to the jungle", diriam os Guns N'Roses. E nunca esta música
fez tanto sentido como nos dias de hoje. Bem-vindos à época em que
falar de amor se tornou tabu. Bem-vindos ao milénio em que há homens
que fogem de mulheres inteligentes, como escreveu o jornal The
Telegraph no artigo que abriu uma brecha para um fenómeno urbano que,
não tendo tradução em português sem envolver uma asneira feia, se
tornou viral: os "f*ckboys".

O que são os "f*ckboys"? O Urban Dictionary traduz a expressão como
"um homem que se tenta envolver com todas as mulheres. Um jogador. Um
homem que mente a uma mulher só para conseguir levá-la para a cama. Um
idiota que mente quando diz que gosta de uma mulher." O termo está em
todo o lado, do Huffington Post à Vanity Fair, e a conclusão, mais
Tinder menos Tinder, é sempre a mesma: cada vez mais, as pessoas
deixaram de acreditar no amor.

Mas a verdade é que, homens ou mulheres, já todos estivemos em
relações que não eram relações. Falar de sentimentos e expor tudo a
outra pessoa de alma aberta é, para muita gente, o equivalente a estar
nas trincheiras à mercê que uma bomba nos expluda na cabeça. E eis que
entrámos no tópico deste artigo: estaremos a tornar-nos, millennials
nascidos nas décadas de 1980 e 1990, uma geração de pessoas
"inamoráveis", uma expressão que também ainda não tem tradução cunhada
em português?

Relações fantasma e relações que não são relações

Esta semana, ao almoço, uma colega contou que a pessoa com quem andava
a sair há três meses tinha passado de dormir na sua casa todas as
noites para a desculpa "agora estou com algum trabalho". As mensagens
começaram a acumular-se sem resposta. E, gradualmente, ele começou a
desaparecer da vida dela até ao desapego ser total. Sem uma
explicação, sem uma zanga, sem uma incompatibilidade. E parece que
este tipo de comportamentos são, afinal, os romances da nossa geração.
Como não ter borboletas no estômago quando a pessoa com quem estamos é
tão imprevisível e nunca sabemos se está ou não connosco?

Este fenómeno das relações "fantasma" não é de hoje. De forma a evitar
confrontos, muitas pessoas preferem desaparecer. Um dia gostam mas no
outro já cá não estão. Para Susana*, de 30 anos, há pior. E o pior,
diz, são "aqueles homens que avisam logo de antemão que não querem uma
relação, colocando do nosso lado o peso da decisão — mesmo assim,
queremos, ou não, estar com eles? Se quisermos, temos de aprender a
lidar com a sua inconstância, se não quisermos, eles vão bater à porta
de outra."

Que medo será este que temos das relações? Não seria a vida mais fácil
se a partilhássemos abertamente? Então, porque é que insistimos em
fugir das relações, em desaparecer fantasmagoricamente e em sabotar a
nossa própria felicidade?

Será tudo uma questão de egos?

Um estudo feito com psicólogos de três universidades dos Estados
Unidos da América questionou centenas de homens e chegou à conclusão
que as mulheres inteligentes os fazem sentir menos masculinos. Isto
leva a uma outra particularidade: apesar de muitos homens gostarem da
ideia de estar com uma mulher com uma carreira de sucesso e objetivos
de vida, a verdade é que a hipótese de serem ofuscados por uma
parceira é-lhes intolerável. Esta fantasia George Clooney-Amal
Alamuddin (depois de anos a ser um solteirão, George Clooney casou com
a advogada de direitos humanos e mulher de carreira e sucesso Amal
Alamuddin) parece ser uma liga onde a maioria dos homens não joga nos
dias de hoje.

A história de "neste momento não quero uma relação" é do senso comum e
foi o que aconteceu a Inês*, de 30 anos. "Depois de alguns meses a
sair com uma pessoa com quem temos sintonia, é impossível não procurar
construir uma relação com ela. Mas o que me aconteceu foi que ouvi
aquele discurso cliché: só quero estar sem pressões, ver no que é que
isto vai dar, não estou pronto para uma relação mas gosto de estar
contigo e podemos continuar a aproveitar a companhia um do outro. Sim,
ele só queria mesmo sexo."

Ter-se uma relação costumava ser a melhor coisa do mundo. Criaram-se
alguns dos melhores filmes do cinema, cantaram-se algumas das melhores
músicas, escreveram-se alguns dos melhores livros… Todos baseados em
intensas histórias de amor. O que é que aconteceu para nos tornarmos
uma geração de pessoas "inamoráveis" que foge do amor como o diabo da
cruz?

Em entrevista ao Observador a propósito das "relações fantasma", a
psicóloga Cláudia Morais explicou que as redes sociais vieram
facilitar este tipo de comportamentos, ao transmitir a ideia de que há
muitas pessoas disponíveis, o que antes não acontecia. Numa altura em
que os relacionamentos são cada vez mais substituíveis, efémeros e
descartáveis, porque nos comportamos como se estar com outra pessoa
fosse a pior coisa que nos podia acontecer na vida?

A nossa conclusão? Não temos uma conclusão. Falar de relações humanas
é como andar em areias movediças. Mas há várias coisas que podemos
tentar mudar nos nossos comportamentos e isto aplica-se tanto a homens
como a mulheres.

Não tente conquistar alguém com quem não pretende construir uma
relação. Ou, na gíria popular, não faça uma pessoa apaixonar-se se não
pretende corresponder.
Não seja uma presença constante na vida de alguém se não quer criar
uma conexão emocional com essa pessoa. Isto significa não mandar
mensagens a toda a hora, não telefonar diariamente, não combinar
coisas dia sim, dia sim, não partilhar histórias infindáveis sobre a
infância… Basicamente, não criar uma familiaridade com essa pessoa.
Não faça coisas típicas de relações com uma pessoa com quem não quer
ter uma relação. E não falamos só de sexo mas de jantares, cinemas,
passeios, dormir em casa um do outro, sair com os amigos um do outro…

A lista podia continuar mas já percebeu onde queremos chegar, certo?
Todas as relações vão trazer algo de novo à nossa vida e, nesse
sentido, melhorá-la. Continuarmos a reprimir os nossos sentimentos e a
fugir de tudo o que nos faça aproximar do grande bicho-papão que é a
palavra amor vai fazer-nos perder experiências com pessoas com quem
podemos ter uma conexão real.

E como já dizia Jane Austen: "Não tenho nenhuma intenção de amar as
pessoas pela metade, não é a minha natureza".

*Nome fictício, estas pessoas não quiseram ser identificadas.

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segunda-feira, março 21, 2016

# Duas gerações à conversa. A tua vida é melhor do que a minha?

http://observador.pt/especiais/duas-geracoes-conversa-sai-ganhar/

20 Março 2016 Ana Cristina Marques

Casamento, casa própria, filhos e trabalho para a vida. Será que tudo
isto é coisa do passado? Convidámos duas mulheres, de 30 e 57 anos, a
ilustrar o que se ganhou e se perdeu em quatro décadas.

Geração Y e Baby Boomer frente a frente

"Aos 30 anos achava que já ia estar casada, com um emprego estável e
uma casa própria." É Reinalda Salgado quem arranca a conversa sem
demoras. Na ponta da língua estão inúmeras perguntas à espera de
respostas que lhe possam servir de orientação — Reinalda está
desempregada e vive há 10 anos em Lisboa numa casa arrendada com mais
quatro pessoas, duas delas em constante rotação. Do outro lado da mesa
está Alice Donat Trindade. Aos 57 anos, é mãe de dois filhos já
crescidos, proprietária de uma casa e dona de uma carreira académica
que transpira sucesso — atualmente é vice-presidente do Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa.

Uma representa a geração Y (pessoas nascidas nas décadas de 1980 e
1990), a outra encaixa na faixa etária dos Baby Boomers (uma expressão
associada ao aumento de natalidade pós-guerra entre 1946 e 1964 nos
EUA e Reino Unido). Uma nasceu numa época onde é comum prolongar os
anos de estudo e tentar a sorte num mundo profissional onde há 12,4%
de desempregados, a outra foi adolescente em plena ditadura e poderia
ter tido um trabalho para a vida, se assim o quisesse.

Sentar duas gerações à mesa para falar da vida pessoal e profissional
de cada uma não é coisa que aconteça todos os dias. Mas o convite —
inspirado no artigo que o britânico The Guardian publicou em meados de
março — tem razão de ser: comparar vidas e oportunidades com quase 30
anos de diferença.

"Tinha ideia que os nossos pais herdavam imóveis. A minha mãe já não
comprou [casa] e eu já não vou herdar nada. Agora é arrendar. Sinto
que antigamente as pessoas trabalhavam para ter um património."
Reinalda Salgado, 30 anos

Dos dois lados da mesa estão duas pessoas com percursos muito
diferentes. Reinalda Salgado, de 30 anos, é natural da Figueira da Foz
e nasceu numa família que diz ser "destruturada". Fez um percurso
académico algo comum ao da maioria das pessoas: estudou Marketing na
Escola Superior de Comunicação Social, fez Erasmus na Eslovénia e, já
em Portugal, estagiou seis meses na Sephora. Ainda passou pela
Nintendo, em Espanha, ao abrigo do programa de estágios INOV Contacto
e, de volta a Lisboa, acabou por ficar quatro anos na marca de luxo
Dior, sempre com contratos temporários. Quando poderia passar a
efetiva, a empresa fechou-lhe a porta.

Alice Trindade, por sua vez, nasceu em 1958, ano marcado pela campanha
de Humberto Delgado. É natural do Porto e filha de pai catalão e mãe
portuguesa. Tinha perto de 15 anos quando aconteceu o 25 de abril, vem
da classe média e de uma família que sempre valorizou a educação.
Antes de haver Eramus nas universidades estudou fora do país — oito
meses em Inglaterra e outros seis na Alemanha — e ingressou na
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Casou aos 26 anos e já
de anel no dedo mudou-se para Lisboa.

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O mito do património e as licenciaturas aos molhos

"Com 26 anos estava longe de me casar", atira Reinalda num tom jocoso,
que de imediato questiona se Alice herdou ou comprou a casa onde
atualmente vive. "Neste momento tenho uma casa própria. Fui
comprando-a, mas isto só foi possível no fim do período
inflacionário", responde a académica que até há bem pouco tempo era
apenas uma professora de inglês descontraída e de sotaque assumido.
"Tinha ideia que os nossos pais herdavam imóveis", continua Reinalda.
"A minha mãe já não comprou [casa] e eu já não vou herdar nada. Agora
é arrendar. Sinto que antigamente as pessoas trabalhavam para ter um
património."

Património. A palavra parece ter caído em desuso, sobretudo para quem
pertence à geração que cresceu lado a lado com o boom da tecnologia e
do consumismo, e para quem, tal como Reinalda, ingressou na faculdade
a ansiar por uma carreira sem solavancos. Alice Trindade mete o dedo
na ferida, mesmo estando à frente de uma instituição académica: "A
educação é um bem posicional. Eu tinha uma licenciatura num momento em
que ninguém tinha. A licenciatura e o mestrado que veio a seguir eram
muito valorizados. Na altura, quando mudei de cidade, nem me preocupei
em arranjar emprego."

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Pressão social, antes e depois

Reinalda vai acenando em tom afirmativo e segue o discurso com toda a
atenção. O olhar está focado naquela que poderia muito bem ser sua mãe
e revela uma sensação de admiração porque, mesmo sendo quase 30 anos
mais velha, Alice Trindade construiu uma vida digna de inveja.
Daquelas que, hoje, são difíceis de ter ou manter.

"Quando é que foi mãe?", interroga a jovem, quase como quem quer saber
se ainda vai a tempo de passar por essa etapa. "Foi tudo muito
rápido", começa por responder a professora. "Oficialmente casei-me a
21 de janeiro de 1985 e o meu filho nasceu exatamente um ano depois.
Já a minha filha nasceu a 1 de abril de 1988. Fui mãe aos 27 anos. Foi
planeado." Reinalda reage de imediato: "Casou-se por pressão social?".
"Não havia pressão nenhuma", diz Alice, para depois se desdizer. "A
minha relação implicou uma mudança de cidade. Toda a gente ficava mais
descansada se vivêssemos casados. Nesse aspeto sim, houve pressão.
Para mim não fazia qualquer confusão."

"A minha mãe ainda me pressiona com o emprego para a vida e isso já
não existe. Até acho que estar quatro anos numa empresa é um achado."
Reinalda Salgado, 30 anos

"A minha mãe ainda me pressiona com o emprego para a vida e isso já
não existe", lamenta Reinalda. "Até acho que estar quatro anos numa
empresa é um achado. E sinto que, por isso, estagnei enquanto o
mercado avançou. Parece que fiquei numa redoma." Para a mãe de
Reinalda, o ideal até passaria por regressar à terra onde nasceu,
encontrar um trabalho fixo, ainda que longe das suas ambições
pessoais, e usufruir do conforto de uma vida com a família ali por
perto. Mas ela não desiste. Atualmente desempregada, Reinalda diz
estar a apostar na sua formação no CENJOR — o Centro Protocolar de
Formação para Jornalistas — e que ainda tem tempo para parar e pensar.

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Uma geração mais egoísta?

Enquanto Reinalda Salgado ganha coragem para voltar à saga de mandar
currículos (quase sempre) não correspondidos, Alice Trindade revela
que atualmente está no terceiro trabalho a tempo inteiro — fora
pequenos biscates antes de entrar no universo académico — numa
carreira de décadas. "Estou no ISCSP há 16 anos. Saí de locais onde
podia ter ficado. Não tive trabalho para a vida por opção própria e
tenho uma vida profissional de 34 anos, sempre no ensino."

Perante isso, a jovem mulher de cabelos longos e escuros — sempre de
sorriso pronto no rosto — confessa que, na verdade, trabalha desde o
décimo ano de escolaridade e recorda os muitos domingos em que ia
trabalhar para uma loja da Parfois (marca portuguesa de acessórios de
moda), enquanto os restantes amigos faziam programas para gastar a
mesada. "Nunca tive mesada." A ideia de sacrifício estende-se ainda ao
momento em que veio estudar para Lisboa: "Eu fui para a residência
Maria Beatriz, em Chelas, onde partilhava um quarto com uma menina. As
minhas amigas também vieram para Lisboa e os pais arranjaram-lhes um
quarto. Para a minha geração sinto-me uma lutadora", diz, sem desfazer
quem teve apoio emocional e financeiro para fazer uma mesma viagem (e
quem não tem possibilidades para isso).

"Não sei qual é a causa, mas sei que neste momento há muitas pessoas
perdidas. Talvez seja porque estamos a viver uma mudança social
grande. Antes havia percursos de vida traçados e, agora, esses mesmos
percursos esfumaram-se."
Alice Trindade, 57 anos

"Não sei qual é a causa, mas sei que neste momento há muitas pessoas
perdidas. Talvez seja porque estamos a viver uma mudança social
grande. Antes havia percursos de vida traçados e, agora, esses mesmos
percursos esfumaram-se", comenta Alice Trindade com conhecimento de
causa, não só pelos muitos alunos com quem se cruza diariamente, mas
também pelos amigos dos filhos que ainda agora começaram a vida
adulta. É nesta fase que entra no debate um sentimento que pode estar
associado à geração Y (embora cada caso seja um caso) — o "direito a
ter".

"Pessoalmente, não sinto isso. Mas sinto-o na minha geração e nos mais
novos — ao não terem coisas sentem-se desfasados", atira Reinalda,
fazendo um percurso mental pelas pessoas que conhece da sua faixa
etária. "Não sinto necessidade de ter um iPhone, um iPad e um iBook…"
Sobre isso, a professora universitária recorda que mudanças económicas
geram, por norma, mudanças sociais, e interroga-se sobre a capacidade
de sacrifício de algumas pessoas: "Às vezes brinco que a minha casa
deve ser das poucas casas de família que tem apenas uma televisão."

Reinalda Salgado vai mais longe e admite cruzar-se com muitas pessoas
da sua idade que não querem ser pais por uma questão de conforto:
"Sinto que na geração da minha mãe havia sacrifício até pelos filhos.
Hoje não. Vive-se um egoísmo brutal. Conheço pessoas da minha geração
que não querem ter filhos porque não querem partilhar." A jovem não
esconde que quer ser mãe, mas entre o desejo e a sua concretização
está um "gap enorme" que a faz questionar quando é que terá
disponibilidade financeira e emocional para essa aventura. Olhando
para a taxa de natalidade em Portugal também de um ponto geracional, a
queda é acentuada: 24,1% em 1960 e apenas 7,9% em 2014.

Voltar ao índice

Redes pouco sociais

A realidade das duas mulheres, de 30 e 57 anos, é bastante diferente,
mas as mentalidades não estão longe de um mesmo ideal. Prova disso é o
relacionamento complicado que ambas têm com as redes sociais. Se por
um lado Alice atira que ter 400 amigos no Facebook não quer dizer
nada, por outro Reinalda afiança que a interação virtual permite uma
falha de interpretação entre o que se diz e o que se quer dizer.

"Tudo o que é feito é reportado e está no domínio público. O domínio
público é inimigo dos sentimentos íntimos", diz a professora. "Os
relacionamentos estão mais perto do século XIX", continua.
"Antigamente as pessoas conheciam-se à distância e tinham um contacto
muito mediado. Hoje em dia parece que não há disponibilidade para
sair, para passar uma tarde inteira a falar."

"Tudo o que é feito é reportado e está no domínio público. O domínio
público é inimigo dos sentimentos íntimos. Hoje, os relacionamentos
estão mais perto do século XIX. Antigamente as pessoas conheciam-se à
distância e tinham um contacto muito mediado. Hoje em dia parece que
não há disponibilidade para sair, para passar uma tarde inteira a
falar."
Alice Trindade, 57 anos

Quem fala em relações sociais, fala também em relações familiares,
nomeadamente entre pais e filhos (neste caso, filhas). Reinalda
adianta-se e volta a repetir a ideia de que não teve ou tem uma
família estruturada, mas sim forte em carinho. Já Alice recorda-se do
pai elogioso — a contrariar o costume português em resfriar os elogios
— e admite que houve momentos embaraçosamente bons. Note-se que o caso
de Alice Trindade não é dos mais habituais, sobretudo quando Reinalda
faz a ressalva de que a sua mãe cresceu com um pai mais apto a
destacar o que estava mal do que o que estava bem. "A minha mãe sofreu
na pele isso do 'não vales nada'."

De lá para cá muita coisa mudou na dinâmica familiar, com os pais cada
vez mais disponíveis e preocupados com os seres humanos que trazem ao
mundo. Mas tudo o que peca por excesso também se põe a jeito para uma
reprimenda. E é Reinalda quem a faz, ao reparar que, considerando a
próxima geração, "há pais que querem ser os melhores amigos dos
filhos". A isso associa a pressão da idade e o facto de as pessoas, no
geral, quererem ser eternas crianças. "Tenho medo de assumir
determinadas responsabilidades porque me conferem um caráter mais
velho. Inconscientemente opto por ter atitudes mais joviais e fico
toda contente quando me dizem que pareço mais nova", admite a rapariga
que este ano completa 31 anos de idade.

Mas será que esse medo de envelhecer, de perder a jovialidade, não se
deve ao facto de, hoje em dia, ser mais difícil subir a escada do
sucesso (financeiro e pessoal)? É provável que sim, no entanto, é
Alice Trindade quem remata o que Reinalda começou energeticamente:
"Não estou a dizer que é divertido envelhecer, mas ao menos quer dizer
que chegámos lá" — com ou sem casa própria, com ou sem trabalho para a
vida.

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quarta-feira, março 16, 2016

# Vasco Pinto de Magalhães: "A realidade dói muito. Por isso, foge-se dela"

http://rr.sapo.pt/noticia/49278/vasco_pinto_de_magalhaes_a_realidade_doi_muito_por_isso_foge_se_dela

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terça-feira, março 08, 2016

# Estudo conclui que em 20 anos saúde da população melhorou em 98% dos municípios

http://observador.pt/2015/10/25/estudo-conclui-que-em-20-anos-saude-da-populacao-melhorou-em-98-dos-municipios/

25/10/2015, 9:58 Agência Lusa

Entre 1991 e 2011, a saúde da população portuguesa melhorou em
praticamente todos os municípios. A conclusão é de um estudo levado a
cabo pela Universidade de Coimbra.

Um projeto de investigação da Universidade de Coimbra que analisou a
saúde da população portuguesa entre 1991 e 2011 concluiu que a saúde
melhorou em 98% dos municípios nos 20 anos analisados.

A equipa do projeto GeoHealthS, que desenvolveu um Índice de Saúde da
População que avalia o valor global de saúde entre 1991 e 2011 nos 278
municípios de Portugal Continental, concluiu que a saúde da população
evoluiu positivamente em cerca de 98% dos municípios portugueses, nos
20 anos analisados.

Apesar da evolução, o estudo a que a agência Lusa teve acesso constata
que mais de metade dos concelhos posiciona-se abaixo do valor global
de saúde de referência em 2011.

Como contributo positivo para a evolução positiva do valor global de
saúde, destacam-se o aumento da esperança de vida aos 65 anos, a
diminuição das mortes evitáveis (sensíveis à prevenção primária,
promoção da saúde, cuidados de saúde e pobreza), os ganhos no acesso
aos cuidados de saúde e farmacêuticos, aumento da cobertura de
sistemas de água e de saneamento, melhorias na habitação, aumento da
população com ensino superior e diminuição do abandono escolar, entre
outros fatores.

As assimetrias entre municípios também diminuíram ao longo dos 20 anos
analisados, mas continuam "a verificar-se desigualdades geográficas",
maioritariamente relacionadas com densidade populacional e dinâmicas
urbanas, com os municípios de baixa densidade, mais envelhecidos e
predominantemente rurais a registarem os piores valores.

Segundo o estudo, há uma tendência de evolução negativa em 31% dos
municípios entre 2001 e 2011, que está associado a determinantes em
saúde, nomeadamente a fatores económicos e sociais.

Amadora e Porto entre os municípios com piores resultados

Amadora e Porto estão entre os municípios com piores valores globais
de saúde, conclui o projeto de investigação. As duas cidades estão no
lote de 10% de municípios com piores valores globais de saúde em 2011,
grupo constituído maioritariamente por concelhos rurais e com baixa
densidade populacional, conclui a equipa do projeto GeoHealthS,
coordenado pelo Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do
Território da Universidade de Coimbra (CEGOTUC).

Alcoutim, Alvaiázere, Baião, Cinfães, Idanha-a-Nova, Moura, Odemira,
Pampilhosa da Serra ou Carrazeda de Ansiães são alguns dos exemplos de
municípios com piores resultados.

Já na lista dos municípios com melhores valores globais estão
presentes maioritariamente municípios de densidade média e de
tipologia "mediamente urbana e predominantemente urbana" na faixa
litoral do país, como Coimbra, Caldas da Rainha, Felgueiras, Maia,
Entroncamento ou Guimarães.

De acordo com a equipa de investigação, coordenada pela investigadora
do Grupo de Investigação em Geografia da Saúde da Universidade de
Coimbra Paula Santana, as potenciais áreas de intervenção prioritária
serão a morbilidade nos municípios na faixa litoral, a mortalidade em
áreas rurais e periféricas do país, bem como a dimensão económica e
social e o ambiente físico.

"Os problemas em saúde [frequência e severidade] não estão
distribuídos de forma uniforme nem pela população nem pelo
território", alerta a equipa, considerando que "as consequências
práticas de como o território se organiza e a capacidade de resposta
dos municípios para a resolução dos problemas sociais, económicos e
ambientais devem ser tomadas em linha de conta quando se observa a
saúde da população".

O Índice de Saúde da População (INES), desenvolvido no âmbito do
projeto GeoHealthS, é uma medida que agrega resultados em saúde e
determinantes em saúde, contando com 43 critérios de avaliação de
saúde da população.

O Índice (disponível para consulta em saudemunicipio.uc.pt) avaliou o
valor global de saúde entre 1991 e 2011, à escala do município. O
projeto GeoHealthS, coordenado pelo Centro de Estudos em Geografia e
Ordenamento do Território da Universidade de Coimbra (CEGOTUC), contou
com a participação de 16 entidades da administração central, regional
e do ensino superior e foi financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia.

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# Henrique Leitão: "Os alunos entram na faculdade já completamente cépticos acerca das possibilidades da vida"

http://o-povo.blogspot.pt/2016/03/henrique-leitao-os-alunos-entram-na.html
RR 07 Mar, 2016 - 17:14 • Aura Miguel

"Hoje há uma concepção sobre o humano que torna o sofrimento quase
insuportável", diz o historiador. Uma entrevista em que o Prémio
Pessoa 2014 afirma que as escolhas dos historiadores "são morais" e
que há demasiada gente a viver "de dentes cerrados".

Formado em Física, Henrique Leitão é uma das figuras mais importantes
na investigação da história da ciência em Portugal. Católico, vencedor
do Prémio Pessoa 2014, é investigador principal no Centro
Interuniversitário da História das Ciências e Tecnologia e docente na
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Em entrevista à
Renascença em tempo de Quaresma, fala sobre o sentido da vida e do
trabalho que realiza.

Como resumiria o seu trabalho actual?
Hoje em dia o que faço é trabalho histórico. É preciso gostar do
trabalho de arquivo, de investigação de documentação primária. Sempre
gostei de trabalhar em grupo, foi uma coisa que aprendi nas ciências,
pois nas humanidades não se vê tanto. Isso foi muito formativo para
mim, por isso tentei transpor isso para a história e formar um grupo
com quem trabalho todos os dias, são colaboradores óptimos. É um
trabalho académico, às vezes um pouco duro, árido, mas envolvido por
uma rede de amizades e de colaboração muitíssimo enriquecedora.

Nesse trabalho mergulha-se em acontecimentos e realidades que não têm
nada a ver com as de hoje. A pessoa tem uma maneira de olhar a vida
que, muito provavelmente, nem sempre coincide com a maneira de olhar a
vida dessa época. Como se resolve esta relação entre o investigador e
a realidade histórica que tem pela frente?
Bem, o passado é sempre um sítio… é quase como outro planeta porque no
passado as coisas eram diferentes e, por outro lado, é também, de uma
maneira absoluta, inalcançável - nós tacteamos para o reconstituir.
Mas é preciso perceber que, de facto, quando se trabalha com matéria
de séculos de distância, aquelas pessoas pensam de uma maneira
diferente, agem de uma maneira diferente, têm uma mentalidade
diferente. Portanto, há aqui um problema, que os historiadores já
identificaram muito bem: um problema de tradução, ou de translação.
Temos que, mentalmente, nos aproximarmos o mais possível daquilo. Este
é que é o verdadeiro trabalho do historiador, é conseguir operar este
processo pelo qual o passado se torna inteligível para nós. Em última
análise, nunca se consegue fazer, porque estamos irremediavelmente
fechados na nossa época.

Acaba de ser publicado um grande volume que reúne investigação sobre
bibliotecas de conventos e mosteiros de Portugal ("Clavis
Bibliothecarum"). Percebe-se que havia aí uma sabedoria de vida, com
um certo tipo de educação e de apostas. Apesar de o nosso tempo ser
tão diferente, valem também para nós, agora?
Posto dessa maneira, há coisas que admiramos e coisas de que não
gostamos nada nestes tempos históricos que temos de estudar…
Por exemplo?
É difícil dizer, mas eu gosto muito do modo de vida actual, sou uma
pessoa do meu tempo, gosto do ar um bocadinho caótico das sociedades,
muito cosmopolitas e diversas, dou-me bem na minha época e não a
trocava por outra. Por outro lado, uma pessoa quando olha para o
passado vê coisas que talvez gostasse de transpor. Mas isto é sempre
artificial, quer dizer, não há maneira nenhuma de aquele mundo passar
para cá, mas podemos aprender alguma coisa. Não sei se, no passado, as
pessoas sabiam viver mais ou de uma maneira melhor, ou não, mas há
coisas diferentes, sem dúvida…
Não havia a tecnologia de hoje…
Esse é um ponto evidente, quer dizer, nós conseguimos reconhecer as
dificuldades específicas do nosso tempo, que também são algumas
vantagens específicas do nosso tempo. Por exemplo, há uma harmonia da
vida, vivida com maior acordo com os ritmos normais da vida, com uma
proximidade mais íntima com a natureza, com um respeito pelas coisas,
mas também há o outro lado da moeda – morria-se mais, havia mais
doenças, não havia antibióticas, nem vacinas…
Não olho para o passado à procura de indicações para o viver de hoje;
eu olho para o passado simplesmente para tentar entendê-lo. A pergunta
última tem a ver com o viver a vida, não é? Mas esta pergunta não é
propriamente uma pergunta histórica, é uma pergunta sobre o presente,
e aqui volto ao que dizia ao princípio: para mim é muito importante
que as relações de trabalho sejam humanamente enriquecedoras. Digo
sempre às pessoas que trabalham comigo que se não se cresce
humanamente no trabalho que se faz, em última análise, é uma perda de
tempo. Quer dizer, o trabalho, mesmo quando é académico e muito
exigente, tem de ser sempre uma ocasião de crescimento interior.
Portanto, o aspecto humano, as relações humanas entre pessoas
envolvidas na mesma tarefa, diz-me muito.

O que pede aos que lhe estão próximos quando não há esta simpatia
imediata? É uma questão de honestidade com o trabalho?
É exactamente esse o termo, e, sobretudo em História, que é uma tarefa
moral. Ou seja, a incidência mais profunda onde as escolhas dos
historiadores operam são morais porque, diante de um documento, diante
de uma realidade histórica, testa-se a honestidade de um historiador,
absoluta. O historiador pode ter à sua frente um documento de que não
gosta muito e deixá-lo de lado ou pode-se deixar provocar e ir atrás
dele. Estas opções que estão continuamente a ser tomadas testam a
grandeza de um historiador. É isto que peço sempre aos que colaboram
comigo, exijo uma espécie de brutalidade de honestidade diante das
indicações históricas, diante da documentação. Isto, para mim, é
importante porque, embora o que me motiva sejam as questões
intelectuais – a força motriz da história –, eu não seria capaz de
suster este esforço só no plano puramente intelectual, se não
correspondesse a uma história de amizade com outras pessoas, de busca
comum do mesmo fim.

O contexto histórico sobre o qual trabalha tinha uma visão mais
humanista do que a visão actual, que é talvez mais fragmentada (o
homem é uma coisa no trabalho, outra na família, outra na distracção)?
É muito difícil fazer um julgamento sobre a anterior. Insisto sobre a
dificuldade de realmente perceber aquelas pessoas - pelo menos, as
minhas que viveram há cinco séculos. É muito complicado. Deixando a
pergunta histórica e voltando só para o presente, reconhecemos com
alguma facilidade as deficiências da vida presente e reconhecemo-las
porque sentimos os seus efeitos, não só a carência e a decepção que
produzem, acabando nós por ficar aprisionados num mundo de aparente
escolhas infinitas. O diagnóstico sobre a modernidade insiste sobre
este ponto, sobre a incrível surpresa de uma tristeza de fundo quando
os meios e os recursos existem hoje como nunca existiram e isto tem a
ver com esta fragmentação, que é grave e reduz a vida.

Quando surge uma doença ou uma contrariedade há diferenças entre a
atitude de hoje e a de antes? Ou o homem é sempre o mesmo no modo como
encara a realidade?
Instintivamente, diria que sim, que as pessoas noutras épocas
reagiriam de outra maneira, mas o historiador dentro de mim resiste a
dizer isto… Mas não há vida sem decepção, não há vida sem sofrimento,
não há vida sem dor, isso não existe.
Na publicidade e em muitos contextos actuais considera-se que uma vida
com sofrimento não é uma boa vida.
Isso é uma ilusão completa, isso não existe. Essa entidade – uma vida
sem decepção, sem dor, sem penas, em última análise, sem morte –, essa
vida, não existe. E embora dentro de nós há qualquer coisa que se
rebela contra isso, a vida transporta sempre isso consigo; e as
pessoas que pensam que não vivem numa ilusão completa vivem um sonho
com todo o irrealismo do sonho que, em última análise, produz uma
decepção ainda maior. Mas o ponto é: qual é o sentido com o qual estas
coisas se vivem e aqui é que talvez haja diferenças historicamente e
possa ter havido diferenças. O que se passa é que hoje há uma
concepção sobre o humano que torna o sofrimento quase insuportável.
Portanto, o problema não está no sofrimento, que devemos diminuí-lo,
mas no facto de que as razões que nos permitem olhar para este
sofrimento, hoje em dia, deixaram de existir e ele torna-se
absolutamente esmagador e totalmente insuportável.
Mas isso também parte da concepção que o homem tem de si. Somos quase
convencidos de ser capazes de tudo. Quando se introduz a questão do
sofrimento, moral ou físico, a pessoa não sabe o que há-de fazer
porque não controla.
Absolutamente, é exactamente isso que acontece. Perdeu-se, ou a
sociedade lida muito mal, com o puro sentido de gratuidade diante da
vida, de espanto diante das coisas e de alegria diante do que se tem e
diante da vida entendida como uma dádiva a que não temos direito.
Curiosamente – o que é paradoxal nos dias de hoje – ao mesmo tempo que
se afirma o ser humano de modo aleatório, como produto do acaso,
inconsequente, sem destino, sem fim, uma agregação de moléculas que
agora está aqui mas podia não estar, ao mesmo tempo que se faz esta
afirmação de aleatoriedade, insiste-se também numa perspectiva de
direitos sobre a vida… Esta criatura aleatória, completamente
inconsequente, tem imensos direitos sobre as coisas e, portanto,
retira-se à pessoa a possibilidade de viver absolutamente espantado
diante da evidência da vida: que temos muito mais dado do que
conquistado, o que nos deve levar a estar sempre espantados por
estarmos vivos. Isto não diminui as penas, nem as dores, mas
enquadra-as numa alegria diferente.

Isso não é uma espécie de estranha resignação?
Não, isto não tem nada de resignação porque a alegria diante das
coisas, a gratidão, que se transmite no agradecimento diante dos
outros, o reconhecer tudo o que devemos a outros, à família, aos
amigos, aos colaboradores, aos colegas de trabalho… tudo isto é o que
dá a força para se avançar, é o que faz o coração ganhar aquela
alegria que está dentro de todos os feitos.
Educativamente isto não se explica bem às crianças: não é possível
fazer coisas grandes se não habitar lá dentro uma alegria interior,
porque não se vive de dentes cerrados. Quer dizer, às vezes, é preciso
cerrar os dentes na vida, às vezes é preciso sofrer, ser estóico, mas
a proposta da vida não é esta.

Muitos dizem que a maioria dos portugueses andam anestesiados e cheios
de problemas. O que pode ajudar a sair desta "neura" colectiva?
Não sei responder, mas uma coisa posso dizer da minha experiência.
Hoje nota-se nos mais novos que há um peso e uma decepção precoce da
vida. Fenómenos de cepticismo geral diante da vida, que eram próprios
da idade mais adulta, às vezes dos idosos, hoje começam-se a notar
muito novos e nós vemos que os alunos entram na faculdade já
completamente cépticos acerca das possibilidades da vida e, sobretudo,
completamente cépticos acerca daqueles desejos do seu coração que
acham que são totalmente falsos. A minha experiência é que, ao mais
pequeno sinal que se dê de que pode não ser assim, todos acordam,
todos reagem, todos os rostos se iluminam. Porque o que é dramático
não é propriamente a vida, mas as formas culturais que a sociedade
adquiriu e tomou e pelas quais parece insistir sobre o cepticismo,
sobre a tristeza, sobre a redução do horizonte da vida a horizontes
tão estreitos, que o coração humano não os aceita.

Este tempo da Quaresma influencia o seu trabalho?
O que eu posso dizer é que, como católico, tenho um agradecimento
enorme à Igreja de fazer estas propostas do ano, que nos colocam numa
tensão diferente. A Quaresma é, sobretudo, um momento de uma tensão
diferente para uma altura que, para nós cristãos e para toda a
humanidade, é de grande alegria. Mas este movimento de nos colocar em
tensão é também o movimento de atenção à vida, ao que está a suceder,
de atenção aos outros. Enquanto a mundanidade, a frivolidade da vida
é, antes de mais nada, uma forma de desatenção, é viver desatento…
Centrado em si…
Centrado em si e centrado em coisas que não valem nada, centrado em
preocupações que não são preocupações nenhumas. E o tempo da Quaresma
é uma reclamação, uma insistência sobre uma atenção nova. Eu acho – é
a minha opinião pessoal – que o movimento da tensão sobre a vida,
imediatamente nos dá indicações sobre um Outro, mas reconheço que não
seja assim para todas as pessoas.

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terça-feira, março 01, 2016

# Filhos de um Estado-Galinha

Clara Ferreira Alves
Expresso, 2016.02.28

Acha-se normal, no Portugal de 2016, que um homem ou uma mulher de 30
anos sejam abrangidos pelo sistema dos "pais" desde que os pais sejam
funcionários públicos
ma das medidas mais extraordinárias deste Governo, ou mais
estupidamente extraordinárias, é a da extensão da ADSE, o subsistema
de Saúde dos funcionários públicos, a filhos até aos 30 anos. Em que
consiste exatamente, para efeitos de proteção social, a figura do
"filho" de 30 anos? Qual a sociedade avançada, ou mesmo a sociedade
primitiva e tribal, em que um adulto de pleno direito, com idade para
ser pai/mãe de família, e que deveria ser idealmente pai/mãe de
família, deva ser considerado um filho-família, dependente do sistema
de Saúde dos pais? Bom, parece que será apenas, para efeitos
restritos, um filho de 30 anos que viva em casa dos pais e que não
exerça atividade remunerada. Foi o que li em todas as notícias. Ou
seja, um desempregado que vive à custa dos pais e que não foi
encorajado a deixar de depender dos pais. E não estamos a falar,
penso, de filhos com deficiências ou incapacidades que gerem a
dependência, e sim de filhos adultos sem modo de vida autónomo. Ou com
modo de vida que escape ao controlo da lei, o que não será difícil.
Todos sabemos que a crise e a austeridade geraram modelos abstrusos de
convivência social em que filhos de 30 anos vivem em casa dos pais e à
conta dos pais, e mesmo das pensões dos pais, mas não podemos culpar a
crise e a austeridade de um estado de coisas que em Portugal é
socialmente aceite como normal há décadas. A do filho que não mexe uma
palha para se desenvencilhar, não arranjou emprego, não tentou
arranjar emprego, não emigrou, não se safou. Se aos 30 anos não saiu
de casa, é menos provável que venha a sair aos 35 ou aos 40 anos. Em
muitas famílias, a situação é considerada normal e convida-se o filho
hiperprotegido, com o seu iPhone e o seu bilhete do concerto rock, a
deixar-se estar. O Estado, tal como os pais, vela por ele.

Na minha geração, como nas anteriores e nas seguintes, os filhos saíam
de casa para se casarem ou porque os pais tinham dinheiro para lhes
comprar uma casa, depois de terem comprado o primeiro carro. Era
socialmente aceitável, num país europeu no final do século XX, que os
pais continuassem a pagar as despesas e os luxos do filho além da sua
capacidade económica. A alternativa era a permanência em casa. Em
Portugal, nunca se encorajou a saída de casa aos 20 anos de idade, nem
a partilha de apartamentos ou casas alugadas por jovens que se recusem
a ficar em casa dos pais. Isto só acontecia quando os jovens saíam de
casa para irem estudar numa universidade longe, obrigando-os a cortar
com os maus hábitos, a lavandaria em casa da mãe, a empregada da mãe,
a cozinha da mãe e a cama feita pela mãe. Em cidades universitárias de
"expatriados", como Coimbra, com as suas repúblicas e lares, muitos
adultos foram obrigados a ser adultos pela primeira vez e a cuidar
deles próprios. E era visível a diferença de autonomia entre
estudantes que viviam em casa e os que viviam fora de casa. Os
primeiros tinham mais dinheiro disponível e nunca tinham de se
preocupar com nada. Nem administrar nada. A casa familiar era a
muralha que os separava e protegia do mundo ingrato. O carro era o do
papá, ou era o carro comprado pelo papá. E a primeira casa também. A
mamã, em Portugal, nunca teve desafogo financeiro suficiente para ser
ela a esportular as quantias envolvidas na manutenção destas
existências. As classes mais pobres reproduziam a estranha forma de
vida, acolhendo os filhos além da idade adulta, estimulando a
dependência e a preguiça, cozinhando para eles, lavando para eles,
tratando dos assuntos por eles e, de um modo geral, fazendo
sacrifícios por eles. Não passava pela cabeça destes pais darem um
pontapé no rabo aos filhos e mandarem-nos fazer pela vida. Aqui ou
fora daqui. Esta mentalidade matriarcal (encorajada pelas mães) não é
condutora do chamado espírito empreendedor, como se calcula. Gerações
de adultos foram impedidos de se tornarem responsáveis pela sua vida e
pelos seus erros.

Curiosamente, o Estado, empobrecido como está, reproduz a atitude e
inclui na sua proteção pessoas de 30 anos que noutros países mais
ricos não só são consideradas cidadãos contribuintes e geradores de
riqueza como são obrigadas a serem cidadãos capazes de gerar a sua
autonomia. Passamos da mãe-galinha para o Estado-galinha.
A medida de "alcance social" que aumenta a idade de 25 para 30 anos
passou sem um sussurro na sociedade portuguesa. Ninguém a achou
anacrónica, pouco inteligente e um estímulo à passividade e ao
conformismo. Ninguém, dos que para aí andam entretidos a apalpar
buracos no Orçamento, perdeu tempo com isto. Acha-se normal, no
Portugal de 2016, que um homem ou uma mulher de 30 anos, com mais do
que idade para tratar do seu sistema de saúde, público ou privado,
seja abrangido pelo sistema dos "pais" desde que os pais sejam
funcionários públicos. Com ou sem aumento de descontos (a situação é
confusa) nada disto faz sentido.

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