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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

segunda-feira, outubro 31, 2016

# As últimas palavras de gente ilustre

Padre Anselmo Borges in DN 29.10.2016

Tenho muitas vezes um sonho: que a todos, antes do instante supremo da
morte, fosse dada a possibilidade de responderem a estas perguntas ou
parecidas: "O que é que eu vi da vida? Que digo sobre o mistério de
ser, de existir?" Isto resultaria na grande biblioteca da humanidade.

Philippe Nassif publicou Ultimes, resultado da sua investigação sobre
as últimas palavras de gente ilustre, antes de morrer, que fez
acompanhar de um comentário. O que aí fica, em vésperas do Dia dos
Defuntos, é uma selecção.

1. Anton Tchékhov. "Há muito que não bebia champanhe." Médico e
escritor russo, comprometido com o alívio do sofrimento e o amor do
próximo. Tuberculoso, manda chamar um médico e pede-lhe... champanhe.
"Ich sterbe" (estou a morrer). Vira-se para a mulher, pronuncia as
suas últimas palavras e esvazia tranquilamente a taça.

2. Luís XIV. "Porque é que chorais? Pensáveis que eu era imortal?"
Impressiona que, já no fim, o Rei Sol lembre a sua condição mortal.

3. Johann Sebastian Bach. "Vou finalmente ouvir a verdadeira música."
A sua música não fora afinal senão aproximações das harmonias divinas.
"O paraíso é música."

4. Marcel Proust. "Agora posso morrer." Reencontrou o Tempo. "Não o
dos relógios, mas o tempo verdadeiro, no qual passado, presente,
futuro fazem um só e assim nos libertam."

5. Sarah Bernhardt. "Ama." Talvez a maior actriz do seu tempo, antes
de entrar em coma, coloca docemente a mão na cabeça de um jovem
comediante, a quem deixa a suprema recomendação: "A vida não vale a
pena ser vivida a não ser que se saiba desposar, amorosamente, tudo o
que acontece."

6. François Rabelais. "Vou à procura do grande talvez." São comoventes
e já modernas estas últimas palavras. O para lá da morte "é um ponto
de interrogação, uma preocupação, uma abertura que, plantada no
coração da existência, liberta uma infinidade de possíveis, de
"talvez"".

7. Sócrates. "Críton, devemos um galo a Asclépio, não deixes de
liquidar esta dívida." O galo, cujo canto anuncia a aurora,
simbolizava para os gregos a salvação da alma. Com esta oferta ao deus
da medicina, Sócrates agradecia a cura da libertação em relação ao
corpo. Para ele, a filosofia também é terapêutica, um treino de morrer
e estar morto para o mundo dos sentidos.

8. Jesus Cristo. "Meu Deus, meu Deus, porque é que me abandonaste?" Um
Deus submetido à morte mais miserável e humilhante! Segundo o autor,
estas palavras impuseram-se como "das mais decisivas da história da
humanidade", constituindo "uma ruptura irremediável no inconsciente
psicopolítico do Ocidente". Hegel teorizou sobre a Sexta-Feira Santa
especulativa e Nietzsche proclamou a morte de Deus, "uma constatação
vertiginosa". Desde então, "a maior parte dos ocidentais vivem com
esta questão cravada no mais íntimo; experienciam, e é inédito, uma
existência privada de fundamento, garantia, apoio último." "Livre,
abandonado", resumirá Beckett.

9. Madame Roland. "Liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!"
A caminho do cadafalso, é ao passar junto à Estátua da Liberdade que
lança esta apóstrofe célebre a propósito dos "empreendimentos
perversos que ameaçam sempre a ideia de liberdade".

10. Johann Wolfgang von Goethe. "Mais luz!" "O real e o ideal", a luz
terrestre e a luz do espírito, juntas na mesma palavra.

11. Olympe de Gouges. "Fatal desejo de Fama, porque é que quis ser
alguma coisa?" Replicou à misoginia da Assembleia Nacional com um
feminismo pioneiro: "A mulher tem o direito de subir ao cadafalso;
deve ter igualmente o de subir à Tribuna." O Terror ser-lhe-á fatal e,
já no cadafalso, "deixa escapar uma diatribe contra a sua funesta
aspiração à celebridade - e confessa-se, também aí, com avanço sobre o
seu tempo".

12. Ludwig Wittgenstein. "Digam--lhes que tive uma vida maravilhosa."
Um dos maiores filósofos do século XX viveu atravessado pela alegria
do questionamento, da descoberta. "A algumas horas da morte, entrega a
fórmula sóbria da grande ética."

13. Rainer Maria Rilke. "Quero morrer a minha morte, não a dos
médicos." A sua obra foi uma meditação sobre a morte. Acolhê-la é
avançar no "Aberto". Recusou, pois, o apoio do médico, que o privaria
de uma relação directa com "a mais decisiva das experiências".

14. Leão Tolstoi. "A verdade... amo muito... a todos..." A expressão
de um cristianismo sem dogmas, reduzido à única lei de Cristo: o amor.

15. Francisco de Assis. "Bem-vinda, minha irmã morte."

16. Clara de Assis. "Bendito sejas, Senhor, por me teres criado."

17. Fernando Pessoa. "Não sei o que o amanhã trará." Na véspera da
morte, deu entrada no Hospital de São Luís dos Franceses, atingido por
uma cirrose. Escreveu em inglês: "I know not what tomorrow will
bring." Sim, ninguém sabe, até ao dia em que já não haverá amanhã
neste mundo. Mas "A morte é a curva da estrada./ Morrer é só não ser
visto./ Nunca ninguém se perdeu./ Tudo é verdade e caminho."

Caminho, digo eu, para a plenitude da vida em Deus.

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# O que torna uma vida boa? Lições do estudo mais longo sobre a felicidade

https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_makes_a_good_life_lessons_from_the_longest_study_on_happiness?utm_source=tedcomshare&utm_medium=email&utm_campaign=tedspread

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sexta-feira, outubro 28, 2016

# Zygmunt Bauman: Behind the world's 'crisis of humanity'

Uma entrevista super interessante de um dos maiores filósofos /
sociólogos do nosso tempo. Uma clareza de espírito e com 90 anos!

http://www.aljazeera.com/programmes/talktojazeera/2016/07/zygmunt-bauman-world-crisis-humanity-160722085342260.html

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quinta-feira, outubro 27, 2016

# Aprender a não ser dominado pelo telemóvel

Para nos questionarmos e refletirmos!

http://apulsar.pt/luta-vibracao-fantasma/?tl_inbound=1&tl_target_all=1&tl_period_type=3


Sherry Turkle: Ligados, mas sós?
https://www.ted.com/talks/sherry_turkle_alone_together?language=pt#t-1132106

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# Alunos portugueses são dos que melhoram mais os resultados no PISA desde 2000

http://observador.pt/2016/10/27/escolas-ajudam-alunos-portugueses-a-melhorar-resultados-no-pisa/

27/10/2016, 7:18 Marlene Carriço

Os resultados dos alunos portugueses no PISA melhoraram cerca de 8%
entre 2000 e 2012, graças às escolas, e apesar da indisciplina dentro
da sala de aula. Alunos dizem que se dão bem com professores.

Os alunos portugueses foram os que mais consideraram "ter um bom
relacionamento com os professores (86%)"

Os alunos portugueses têm vindo a melhorar o desempenho no PISA — um
estudo internacional que avalia a literacia dos jovens de 15 anos, a
Matemática, Literatura e Ciências –, aproximando-se da média da OCDE,
e o maior responsável por esse progresso é a escola. Esta é a
principal conclusão de um documento produzido no âmbito do projeto
aQeduto, uma parceria do Conselho Nacional de Educação (CNE) com a
Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Entre 2000 e 2012, os resultados dos alunos portugueses a Matemática
melhoraram cerca de 8%, tendo passado de uma pontuação de 450 para 487
pontos. Além de Portugal, só o Luxemburgo e a Polónia apresentaram
"crescimentos relevantes nos resultados". A percentagem de alunos
muito fracos nesta matéria caiu de 30% para 21% e aumentaram de 1 para
7% os alunos excelentes.

As melhorias devem-se a "múltiplos contributos, destacando-se o efeito
positivo do trabalho das escolas", com principal destaque para as
escolas inseridas em meios socioeconómicos desfavorecidos que
conseguiram "resultados de excelência", lê-se no estudo "Afinal,
porque melhoraram os resultados?", que será apresentado, esta
quinta-feira, em Lisboa.

Uma maior percentagem de escolas inseridas em meios socioeconómicos
desfavorecidos consegue ter mais alunos com bons desempenhos. Entre
2003 e 2012, a percentagem destas escolas que obtiveram resultados
abaixo de 500, reduziu de 65% para 46%."

Segundo os autores do estudo, "este sucesso pode estar relacionado
com: a formação e a motivação dos docentes; a criação de condições
para o alargamento da educação pré-escolar; a melhoria dos recursos
pedagógicos e uma maior autonomia das escolas".

A propósito da educação pré-escolar, o estudo revela que "os alunos
que frequentam o pré-escolar obtêm, em média, um score PISA a
Matemática mais elevado e apresentam uma probabilidade mais baixa de
chumbar". No ano de 2003, pouco mais de 70% dos jovens com 15 anos
tinham frequentado o pré-escolar, pelo menos um ano. Uma percentagem
que subiu para 85% em 2012. E esta percentagem vai aumentar ainda
mais, à medida que se o Governo vai universalizando o pré-escolar a
todas as crianças a partir dos três anos.

Mas nem tudo está bem. Os diretores das escolas apontam para problemas
relacionados com as instalações, o aumento do número de alunos que
chegam ao 9.º ano com pelo menos um chumbo, e a queda do estatuto
profissional dos pais. Porém, aos olhos dos diretores, a falta de
disciplina parece ser o maior problema.

A indisciplina e a falta de respeito em sala de aula são, segundo os
diretores, os problemas que mais afetam o aproveitamento dos alunos e
o normal funcionamento da escola."

Já num estudo anterior, também deste projeto, se concluiu que a
indisciplina é maior quando se tratam de professores mais velhos.

Alunos portugueses dão-se bem com os professores

Apesar disso, os alunos portugueses foram os que mais consideraram
"ter um bom relacionamento com os professores (86%) e cerca de 25%
sentiam-se muito felizes na escola". E é também em Portugal que os
professores são mais bem vistos pelos alunos. Os alunos acham que são
bem apoiados, orientados e avaliados. Os autores sublinham ainda algo
surpreendente: "Em países com resultados PISA muito elevados os
professores não são bem vistos pelos seus alunos".

A verdade é que do lado dos professores essa visão não é tão
romântica. E a prova disso é que Portugal "é o país com a maior
percentagem de professores insatisfeitos com a profissão (13%), embora
a grande maioria continue satisfeita ou mesmo muito satisfeita (19%)".
Além disso, 48% dos professores sentem-se desrespeitados ou muito
desrespeitados e apenas 5% se sentem bastante respeitados.

À semelhança de outros estudos que têm vindo a sair, também neste se
desvaloriza a importância do chumbo. "Esta prática não contribui para
que os alunos que chumbam alcancem o mesmo nível de aprendizagem que
os colegas que frequentam o 9.º ano, mas que nunca chumbaram"

O Projeto aQeduto: avaliação, equidade e qualidade em educação é uma
parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco
Manuel dos Santos.

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terça-feira, outubro 25, 2016

# Mulheres portuguesas são as que mais se queixam de depressão em toda a Europa

http://observador.pt/2016/10/25/mulheres-portuguesas-sao-as-que-mais-se-queixam-de-depressao-em-toda-a-europa/

25/10/2016, 11:13 João de Almeida Dias

Na Europa, as mulheres portuguesas são as que mais dizem ter sintomas
de depressão Os homens portugueses são os que mais bebem - 17,5%
admitem consumir álcool em excesso semanalmente.

Quase um terço das mulheres portuguesas acha que tem sintomas
dedepressão. É essa a conclusão de um estudo do Inquérito Social
Europeu, com 30,9% a referirem sinais daquela doença. Além disso,
oshomens portugueses foram os que mais admitiram consumir álcool de
forma excessiva semanalmente (17,5%) e também são os que mais bebem
bebidas alcoólicas com uma frequência pelo menossemanal (47,5%).

O estudo do Inquérito Social Europeu tem como base entrevistas
realizadas em 2014. Os valores apresentados dizem respeito às
respostas dadas pelos inquiridos e, no caso das doenças, não equivalem
a um diagnóstico profissional.

No mesmo inquérito, as mulheres portuguesas foram as que se queixaram
mais de dores crónicas nos braços (41,9%) e nas pernas (39,3%). Entre
todas as inquiridas, as portuguesas ficaram em segundo lugar entre as
europeias que mais referiram que a sua saúdeera condicionada por
prestarem auxílio a familiares num período superior a 10 horas
semanais (43,3%). À frente, só ficaram as lituanas, com uma taxa de
46,5%.

No que toca à prática de atividade física entre três a quatro dias por
semana, Portugal também ocupa os piores lugares. Os homens portugueses
são os que praticam menos exercício (13,1%) e as mulheres portuguesas
ficaram em penúltimo (11,5%), superando apenas as irlandesas (10,5%).

Do lado positivo, e com Portugal a aparecer em primeiro lugar, está
oconsumo diário de frutas e vegetais. Este é um hábito de 82,7% das
mulheres portuguesas e de 76,2% dos homens portugueses.

Há ainda a salientar o facto de os homens portugueses serem aqueles
que menos disseram já ter tido cancro (3,9%) ou que menos referiram já
serem doentes oncológicos no momento do inquérito (1,6%). Ainda assim,
esta resposta não é necessariamente positiva. Isto porque, se por um
lado pode indicar um número baixo de homens com aquela doença, também
pode significar uma falha no diagnóstico ou diagnóstico tardio.

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segunda-feira, outubro 24, 2016

# Neuropsicólogo Álvaro Bilbao: “Todas as crianças têm direito a ter pais imperfeitos”

[Ver gráficos online]

http://observador.pt/especiais/neuropsicologo-alvaro-bilbao-todas-as-criancas-tem-direito-a-ter-pais-imperfeitos/

22 Outubro 2016 Vera Novais

Se quer controlar a birra dos seus filhos não perca a calma e
lembre-se que a birra é um problema dele, não seu. Esta e mais umas
quantas dicas do pai e neuropsicólogo Álvaro Bilbao.

Muitos pais, ainda antes dos filhos nascerem, já se preocuparam com a
escola que os pequenos vão frequentar, com a alimentação que vão
escolher para eles, com os limites e as cedências, com as birras e os
castigos, mas Álvaro Bilbao tem um conselho muito simples para aliviar
todas estas preocupações: desfrutem. Tirar partido do prazer de ser
mãe ou pai, aceitar que não vai conseguir fazer tudo na perfeição (e
ainda bem), manter o equilíbrio e evitar a tensão, são alguns dos
conselhos para iniciar a jornada.

"Na minha perspetiva, educar é apenas apoiar a criança no seu
desenvolvimento cerebral, para que algum dia esse cérebro lhe permita
ser autónoma, atingir as suas metas e sentir-se bem consigo própria",
escreveu o neuropsicólogo num livro que pretende servir de guia aos
pais para que ajudem os filhos a desenvolver o potencial intelectual e
emocional.

Álvaro Bilbao tem feito trabalhos de investigação na área da
psicologia e neurociência, tendo-se especializado em plasticidade
cerebral, mas admite que, embora estude o cérebro há muitos anos,
foram os três filhos que deram sentido a esse conhecimento e que o
ajudaram a perceber melhor o cérebro das crianças. É este conhecimento
acumulado que procura partilhar no livro "O cérebro da criança
explicado aos pais", editado em Portugal pela Planeta.

"O seu filho é como uma árvore programada para crescer e para se
desenvolver plenamente", diz Álvaro Bilbao. Estas são as suas
necessidades básicas – Grupo Planeta

Os pais procuram fórmulas mágicas, querem soluções prontas a usar. Se
um pai o abordasse com a pergunta: "O que é que eu tenho de fazer?",
que resposta lhe poderia dar?
Para ser um bom pai?

Sim.
Gostar muito dos seus filhos, demonstrar-lhes muito amor, jogar muito
com eles, impor-lhes limites, dizer-lhes quando fizeram as coisas bem
e, por último, ajudá-los a serem pacientes e a saberem esperar. Estas
são as cinco coisas mais importantes. Se fizerem isto, já estão muito
bem.

A pergunta agora é: como se faz isso?
Para isso temos cinco ferramentas muito importantes. A ferramenta da
comunicação: ter uma comunicação positiva com os nossos filhos, uma
comunicação que os ajude a colaborar – porque há comunicações que os
ajudam a colaborar e outras que ajudam a que a criança não obedeça. A
empatia, isto é, entender como se sente a criança, colocarmo-nos no
seu lugar e dar palavras aos seus sentimentos. Muito importante é dar
reforços [positivos] quando a criança está a fazer as coisas bem – não
muito, mas com bastante frequência -, quando a criança faz as coisas
melhor, quando supera uma dificuldade. Em quarto lugar: impor limites
para que a criança não faça coisas que não queiramos que faça. E em
quinto lugar: fazer com que a criança corrija as dificuldades e isto
consegue-se sobretudo com normas, normas que a criança entenda que
quando faz algo errado terá de retificar ou terá uma consequência. E
se conseguirmos fazer tudo isto como um jogo, a criança vai entendê-lo
muito melhor.

Com jogos?
Sim. Por exemplo, quando os meus filhos não querem tomar banho
imponho-lhes um limite: eles sabem que vão acabar na banheira porque
esse é o limite que eu coloco, mas posso levá-los para a banheira
zangados ou posso levá-los com um jogo. Com um jogo muitas vezes
aprendem melhor, têm menos tensão.

"Não se sinta culpado por impor limites. Os limites estão presentes
desde o nascimento e fazem parte da vida de uma pessoa."

Os limites são uma das maiores dificuldades dos pais, porque as
crianças estão sempre a testá-los. Qual a melhor forma para os pais
fazerem valer esses limites? Com os jogos como estava a dizer?
Primeiro é não ter medo das emoções das crianças. Não ter medo que a
criança fique triste, não ter medo que fique zangado, não ter medo que
faça uma birra. Em segundo lugar é preciso fazê-lo de uma forma
tranquila, com confiança e explicando à criança que tem de fazer as
coisas. E saber dizer que não.

Há muitos pais que têm medo de enfrentar os filhos, mas há que pensar
que o pai ou a mãe têm trinta e tal anos, têm uma inteligência, têm
uma altura e um peso, e a criança pesa 10 quilos, portanto temos de
ter confiança. Se não tivermos confiança vai ser mais difícil. Às
vezes podemos jogar, outras vezes podemos ficar sérios, outras vezes
podemos simplesmente dizer que não, outras vezes podemos obrigar –
obrigar com carinho, sem puxar a orelha. No final, isto implica que a
criança não faça aquilo que não queremos e que faça aquilo que
pedimos, que nos obedeça.

Todas essas soluções vão depender sempre dos pais e das crianças. Ou
existe uma solução certa para cada situação?
Não. Não existe uma fórmula mágica como dizia, depende sim da
habilidades dos pais, da intuição, da empatia – a capacidade de
entender os filhos – e da habilidade que tenham para usar a empatia, a
comunicação, o reforço, os limites e as alternativas aos castigos ou
as normas.

Muitos pais dizem: "O meu filho não me ouve". Mas quando falam com
eles estão a olhar para o telemóvel e do alto. O importante é que os
pais saibam que para falarem com os seus filhos se têm de baixar, têm
de os olhar nos olhos e, preferencialmente, tocar-lhes – para terem a
sua atenção. A criança tem de saber que estamos a falar a sério. Se
peço à criança que se vista, mas estou na cozinha e ele está no
quarto, e o digo de forma tranquila, ela pode não entender. Mas se vou
ao quarto e digo: "Olha, vais vestir isto", a criança vai entender
melhor.

Não há uma fórmula mágica, mas muitas pequenas fórmulas mágicas que
ajudam a que tudo seja mais fácil.

E podemos dizer "Não"?
É preciso dizer "Não" muitas vezes, desde que são bebés. Os pais têm
muito medo da frustração das crianças. Os pais dos bebés acham que
estes nunca podem ficar frustrados, mas é o contrário. A criança
precisa de abraços e beijos, mas também é importante que em alguns
momentos a criança saiba esperar, entenda que a mãe tem de ir tomar
banho, entenda que não pode gatinhar em alguns sítios porque tem
vidros ou porque está sujo, saiba que tem de ficar quieto quando a mãe
lhe troca a fralda. E isto é importante, são os primeiros limites, e a
partir daí vão aparecendo muitos outros limites na vida de criança e
na vida de adulto.

Quando as crianças não respeitam os limites os pais ou lhes batem ou
os colocam de castigo, mas sei que tem algumas propostas de
alternativas aos castigos. Que alternativas são essas?
Em primeiro lugar, é reforçar [positivamente] a criança quando se
porta bem. Uma criança que desobedece quando vai tomar banho,
possivelmente é uma criança cujos pais nunca lhe disseram que estavam
muito contentes quando foi para o banho. Em segundo lugar, é preciso
reforçar também quando a criança faz as coisas um pouco melhor. Se
todos os dias a criança se irrita muito para ir para o banho e um dia
fica menos irritada, os pais podem dizer-lhe: "Hoje chateaste-te
menos, assim está bem".

Isso custa-nos muito entender, mas nunca devemos deixar de reforçar a
uma criança que está a melhorar o seu comportamento. Sobretudo com as
crianças mais difíceis o que funciona é reforçar os progressos. Uma
criança que berra, que não está atenta nas aulas, nunca vai ter um
comportamento perfeito de um dia para o outro, mas se o reforçarmos
vai mudando.

Temos de arranjar uma forma de impor limites e de motivar a conduta da
criança. E se mesmo assim a criança não obedece, temos de ver se o
reforçamos pelo que fez de melhor ou se lhe aplicamos alguma
consequência – mas que seja feita em forma de norma. A consequência
mais natural é a reparação do que fez mal: se partiu um copo tem de
apanhar os cacos, se uma criança bate noutra tem de pedir desculpas, e
isto é mínimo. Quando fazemos isto, as crianças aprendem que os copos
não se atiram para o chão e aprendem que não se bate às outras
crianças. Mas se nos zangamos muito, se o castigamos e a criança não
pede desculpa ou se pede desculpas só porque foi castigado, então a
criança não aprende bem.

Uma das alturas difíceis e em que as crianças testam os limites é na
hora de ir dormir. Existe uma hora certa para ir dormir? Como é que os
pais podem pôr uma criança a dormir quando ela não quer?
Não creio que seja tão importante uma hora concreta no relógio como
uma rotina: jantar, lavar os dentes, ler um conto, estar na cama, dar
um beijo e dizer adeus. E então apagar a luz e acabou-se.

Mas às vezes é preciso ser muito compreensivo. Há alturas em que as
crianças precisam dos pais, por exemplo, por volta dos cinco ou seis
anos aparecem os terrores e os medos noturnos, como o medo do escuro
ou dos monstros, nesses momentos pode ser importante estar com a
criança. Noutros momentos as crianças só querem brincar e brincar e
temos de dizer-lhes que não. Portanto é importante saber quando é
'Sim' e quando é 'Não', mas sempre com empatia, para que se sinta
querido, mas conseguindo respeitar certos limites.

Se uma criança diz: "Mamã, tenho medo porque acho que está um monstro
no armário" e se respondemos: "Cala-te e dorme", não estamos a ser
empáticos. Agora, se ele quer brincar, aí podemos pará-lo e dizer-lhe:
"Não. Agora é hora de ir dormir". Eu utilizo três regras muito
simples: apagar a luz, não se pode falar e não se pode sair. Temos de
ficar no quarto e se eles acenderem a luz apagamo-la, e se eles
falarem dizemos: "Ssshhh! Calados", e se se levantam da cama, voltamos
a deitá-los.

"Reforce o comportamento do seu filho com reconhecimento, tempo e
carinho, e deixe de lado as recompensas materiais e a comida."

Já falou muitas vezes da empatia. Como é que os pais podem ter um
comportamento mais empático quando a criança está a fazer uma birra
por causa de um chupa-chupa, por exemplo?
Quando uma criança faz uma birra é porque está a expressar uma
frustração de um desejo e a criança não se consegue acalmar sozinha, o
seu cérebro não tem a capacidade para se acalmar sozinha. Então
podemos fazer coisas que não ajudam, como ficarmos zangados com a
criança ou fazê-los sentir vergonha – dizendo que as pessoas estão a
olhar ou que o irmão não faz as mesmas birras que ele -, mas isto só
faz com que a birra seja cada vez maior.

As coisas que podemos fazer para ajudar: em primeiro lugar, usar a
empatia, porque isso ajuda a acalmar o cérebro, a parte emocional; em
segundo lugar, podemos ajudá-lo a ser flexível, pensar noutras coisas
de que também gosta e coisas que pode fazer quando chegar a casa, e
noutro dia pode escolher um prémio distinto se se portar bem; e em
último lugar, se a criança quiser e estiver um pouco mais calma,
podemos abraçá-lo.

Mas uma coisa que pode ajudar a muitos pais é que eles não têm de
acalmar as birras dos seus filhos – é uma coisa tão natural como fazer
xixi na fralda quando têm seis meses ou não conseguir falar quando têm
um ano. Portanto, é normal. Podemos ajudar um pouco. Não ralharia com
o meu filho se fizesse xixi na fralda com seis meses de vida – porque
não tem sentido -, portanto também não vou ralhar com a criança que
fica irritada. Mais, uma criança que faz uma birra está a passar por
uma fase de falta de controlo e se também perdermos o controlo, não
lhes vamos ensinar nada que lhes seja útil.

Falou em abraçar depois de uma birra. É bom para as crianças que os
pais lhes deem abraços e colo depois de uma birra? Às vezes os pais
também estão muito zangados.
Sim, porque quando a criança está com os pais e os abraça produz
oxitocina, que faz com que a criança se sinta mais tranquila, que se
sinta mais unida, mas também ajudamos a que a criança se acalme –
quando está mais tranquilo tem a recompensa do abraço que o ajuda a
sentir bem. Nesse sentido acho que é bom.

Não seria bom abraçá-lo quando está zangado, nem tão pouco comprar-lhe
o que quer para que não fique assim, porque estaríamos a reforçar o
estado zangado. Quando estiver calmo, estaremos a reforçar a calma.

Há uma situação que pode levar as crianças a terem comportamentos
diferentes, como quando os pais estão separados ou quando passam muito
tempo com os avós. As crianças lidam bem com isto, conseguem aprender
facilmente os comportamentos que devem ter com cada um?
Sim. Aprendemos muito em função das pessoas e dos lugares. É mais
fácil para uma criança aprender que em casa dos avós, com os avós,
pode comer bolachas sempre que queira, e que na sua casa não é assim,
do que entender que o pai um dia deixa comer e no outro dia não – isso
é mais difícil de entender para as crianças. É muito bom que as
crianças vivam diferentes realidades, conheçam pessoas diferentes,
porque os faz adaptar melhor a situações distintas. As crianças que
têm de se adaptar à casa dos avós, à casa do pai e à casa da mãe,
adaptam-se melhor – é uma competência que se desenvolve por
necessidade.

"Uma criança que cresce a sentir a confiança dos pais em si própria
será um adulto que se sente capaz de atingir as suas metas e
aspirações."

Além das birras, atualmente há outro problema que preocupa os pais,
como o défice de atenção, mas no livro refere que existe um
sobrediagnóstico dos problemas cognitivos das crianças.
Na nossa sociedade, 10% das crianças tomam medicação para o défice de
atenção, mas somente 4%, no máximo, terão na realidade esse problema.
Isto acontece porque os pais têm menos paciência com as crianças que
não se portam bem, as escolas têm menos paciência com as crianças que
não se portam bem, as crianças aprendem com os pais e com os
professores a serem menos pacientes e, portanto, têm mais problemas de
atenção. As escolas não querem crianças com tantos problemas e por
isso pedem aos pais e professores que resolvam o problema e, com tudo
isto, diagnostica-se mais e se dá-se mais medicação – o que não é bom.

E isto acontece em todos os países ocidentais. Em todos os que há
estudos aparece esta tendência de diagnosticar mais do que o
necessário. Estamos a medicar crianças que não precisam e isso não é
bom para o cérebro.

Para não encher as crianças de medicamentos é importante que estas
tenham bons hábitos de sono, que tenham uma alimentação saudável – sem
corantes, conservantes e aditivos -, também é importante que façam
exercício, que vão para a rua brincar depois da escola, em vez de irem
para as atividades extracurriculares e que os ajudemos a ter paciência
e autocontrolo. E, por último, que passem menos tempo com os
telemóveis na mão.

Um capítulo dedicado às melhores aplicações para crianças antes dos
seis anos que se resume a uma citação de Bill Gates e a uma nota de
rodapé do autor: "Não encontrei nenhuma que seja útil"

Há pais que não têm tempo e que optam pelas tecnologias para entreter
os filhos, mas há pais que ficam muito obcecados com todos os
pormenores da educação da criança. Que conselhos daria a estes pais?
Todas as crianças têm direito a ter pais imperfeitos e a viver uma
vida sem stress. Porque se um pai é perfeito e se faz tudo bem, então
a criança vai sofrer de hiperexigência. Não há pais perfeitos. O
melhor pai é o pai normal, que ensina ao filho as coisas boas, mas que
também demonstra os seus defeitos, e que tenta ajudar o seu filho. Não
podemos controlar tudo, e muito menos no que diz respeito aos filhos.
Cada um fará o melhor que pode.

Texto de Vera Novais, fotografia de Hugo Amaral.

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quinta-feira, outubro 20, 2016

# Frases para a vida!

"Mal-entendidos e negligências criam mais confusão neste mundo do que
a traição e a malícia, os dois últimos são certamente muito menos
frequentes"
Goethe

"Nunca atribua à malícia/maldade o que pode ser adequadamente
explicado pela estupidez."
Navalha de Hanlon

"Nunca veja malícia no que pode ser explicado pela incompetência."
Napoleão Bonaparte

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# Daesch, a “islamização da radicalidade”

http://observador.pt/opiniao/daesch-a-islamizacao-da-radicalidade/

Guilherme Valente 19/10/2016, 14:52

É a crença num apocalipse final, de que o Daesh se considera agente
promotor, que explicará porque tem atraído psicopatas e fanáticos
sobretudo de populações marginalizadas do Médio Oriente e Europa

O que fascina o terrorista jihadista é a revolta pura, não a
construção de uma utopia. A violência não é um meio, é um fim.
Claude Roy

"Os terroristas que agem em nome do Islão estão condenados ao inferno
para sempre."
Mohamed VI, Rei de Marrocos (1)

1. As várias explicações estabelecidas, históricas, religiosas,
políticas, sociológicas, não impedem que a pergunta incontível irrompa
da inteligência e do coração: como é possível crer num Deus assim?
Como é possível interagir com uma religião e uma cultura intolerantes
(a tolerância implica simetria)? Conviver com uma vivência do amor ao
próximo e da fraternidade reservada apenas à comunidade dos crentes?

"O islão é uma religião de paz" é um slogan criado e repetido pelos
que querem absolver o islão dos crimes cometidos em seu nome. Na
verdade não há nada de que se possa falar como sendo "o islão". O
islão são as várias interpretações e escolhas que os muçulmanos fazem
dos seus textos, algumas claramente contraditórias. Há muitos islão,
portanto. Uns com tanta legitimidade como os outros. As diferenças não
são apenas entre o islão Sunita e o Xiita, com os quais a Europa
continua a estar mais em contacto.

2. O islão nasceu guerreiro e conquistador na periferia de impérios
pacificados de que as tribos árabes eram o reverso violento. A jihad é
parte constitutiva do islão. Começou a ser praticada por Maomé e pelos
califas que se lhe sucederam, desde logo contra os próprios
muçulmanos. Esse é o islão violento e impiedoso, hoje minoritário no
mundo islâmico, mas recentemente de novo hiperactivado.

Islão esse que tem devastado o Médio Oriente, atingindo e sacrificando
esmagadoramente o islão pacífico, vítima submissa. Islão violento que
os governos do Ocidente têm catalisado com intervenções ignorantes das
culturas e da História e com um cego oportunismo.

Intervenções canhestras, que foram dificultando e contribuindo para
comprometer a modernização do mundo muçulmano, "tirando o tapete" ao
pensamento e movimentos modernizadores, abandonando os intelectuais
resistentes, apoiando mesmo de algum modo os que os perseguem (ver os
meus artigos publicados no Observador).

O Daesh é islão. Os seus líderes, com sólida formação teológica,
aplicam rigorosamente versetos do Alcorão e seguem exemplos da vida do
Profeta. Identificam-se com a ala jihadista de um ramo do sunismo, o
salafismo, os 'fundadores devotos', tomando como modelo Maomé e os
califas que se lhe seguiram.

O islão do Daesh, aplicado com todo o rigor teológico, junta à
reprodução da realidade do século VII, que impôs no território
conquistado e proclama querer impôr ao Mundo, um projecto
apocalíptico, uma variante específica presente no integrismo fundador.
O Daesh considera-se o agente desse apocalipse que se aproxima.

Aquilo que em 1939 Klaus Mann (2) escreveu sobre o nazismo pode ser
aplicado ipsis verbis ao Daesh. Parece-me ser a esta luz que o
projecto do Daesh deve ser compreendido e decididamente enfrentado.
Transcrevo(3):

"O nacional-socialismo não é nem revolucionário nem conservador. É
nihilista no sentido mais profundo e horroroso do termo. […] Os nazis
querem dominar os outros povos para operarem o maior número de
destruições possível. Nada lhes importa que o seu próprio nível de
vida vá descendo enquanto dominam a Europa inteira. […] A revolução
nihilista não representa nem significa outra coisa a não ser a morte.
Mataram Polacos e Checos como mataram os melhores elementos da nação
alemã. […] Quando os nazis proclamavam que 'todo o mal vem dos Judeus'
na verdade o que estavam a dizer é que todo o mal vinha desse espírito
indomável da razão, da tolerância, do progresso e do amor do próximo.
O nihilismo não se opõe apenas a certas ideias e concepções, opõe-se
ao próprio conceito de civilização."

Substitua-se "nazismo" por "Daesh " e tudo se tornará claro, desde os
milhares e milhares de mortos, sobretudo outros muçulmanos (200
milhões de xiitas, que os sunitas consideram apóstatas, estão marcados
para morrer), até à destruição do património histórico milenar.
Destruição aparentemente absurda, mas que se torna lógica se se
equiparar a acção e programa do Daesh ao nihilismo nazi, tal como
proponho.

A morte do terrorista islamista não é uma possibilidade infeliz, está
no centro do seu projecto, como também notou Claude Roy (4) "É esta
associação sistemática com a morte [com a destruição] que constitui a
chave da radicalização actual, em que a dimensão nihilista é central"
.

É a revolta em si que fascina o jihadista. Não é, como acontecia no
terrorismo político, a oposição a um modelo político e social, ou a
construção de uma utopia.

Para o terrorista do Daesh (como a Al-Qaeda já "anunciara") a
violência não é um meio, é um fim. Nesse sentido é uma violência sem
futuro, tal como ao observador não informado parece ser o combate que
travam.

O jihadista quer morrer. "Nós amamos a morte, vocês a vida.", disse
Bin Laden. Parece ser esse fascínio mórbido que atrai os que se ligam
ao Daesh.

A observação destes factos e a atracção que a jihad exerce em jovens
de todo o mundo levaram Claude Roy a considerar que este terrorismo
suicidário não pode ser explicado APENAS pelo extremar do
fundamentalismo.

Ponto de vista que foi, então, criticado. Por um lado, por
supostamente ignorar as causas políticas e sociais do fenómeno,
designadamente, a revolta contra a herança colonial, as intervenções
militares ocidentais e a exclusão dos emigrantes e seus descendentes
nas sociedades de acolhimento. Por outro lado, por ignorar a ligação
entre a violência terrorista e a radicalização religiosa do islão sob
a forma do salafismo.

Mas essas causas não foram ignoradas, foram apenas consideradas
insuficientes para explicar alguns dos dados empíricos observados.

Há, segundo este especialista, uma especificidade neste terrorismo e
jihadismo suicidários que não pode ser vista como uma simples
consequência da tragédia, infelicidade e bloqueio das sociedades
muçulmanas. Quer resultem de uma opressão exterior, quer do fechamento
numa lógica religiosa fundamentalista.

E vai mais longe ao afirmar que essa relação com a morte se liga a uma
outra originalidade: o jihadismo é, pelo menos no Ocidente e no
Magrebe, um movimento de jovens. Movimento que se constitui não apenas
em divergência com as opções religiosas e culturais dos pais, mas é
"inseparável da 'cultura jovem' das nossas sociedades". Por isso, diz
este autor, não deve ser visto como uma radicalização do islamismo mas
como uma "islamização da radicalidade".

Não se trata, pois, de uma revolta contra um modelo político ou uma
classe, mas de uma revolta geracional que se manifesta também numa
dimensão iconoclasta cultural. O Daesh destrói não apenas as pessoas,
mas estátuas, templos, monumentos e livros. Destrói a memória, quer
fazer "tábua rasa".

É essa crença num apocalipse final, de que o Daesh se considera o
agente promotor, que explicará porque tem atraído psicopatas e
fanáticos SOBRETUDO de populações marginalizadas do Médio Oriente e da
Europa. Explica porque tem atraído o ressentimento, o ódio, a
violência e o vazio oriundo de todas as latitudes.

Como explica Graeme Wood num artigo publicado atempadamente noAtlantic
Review (5), "A conquista do poder pelo Daesh é menos parecida com o
triunfo da Irmandade Muçulmana no Egipto (considerada apóstata) do que
com a realidade alternativa distópica que os líderes de seitas
americanas como David Koresh ou Jim Jones quiseram criar para governar
não apenas umas centenas de pessoas, mas milhões."

Estas teses, note-se, não resolvem nem eliminam a questão do Médio
Oriente nas várias vertentes em que tem de ser equacionada, nem a
questão do relacionamento do islão com o Ocidente e a da emigração
muçulmana na Europa. Este terrorismo jihadista fulminante está
inclusivamente a ocultar essas questões, a adiar a sua consideração,
designadamente o problema da recomposição geoestratégica do Médio
Oriente e o da reforma e reposicionamento (inadiáveis…) da religião
muçulmana.

3. Islãos contraditórios, portanto, como são contraditórios os
versetos do Alcorão e cenas da vida de Maomé, registadas pelos seus
companheiros.

Há, por exemplo, uma distância de séculos entre as interpretaçōes que
definem o islão de Java e as do islão sunita extremista da Arábia
Saudita. Arábia Saudita com a qual os governantes europeus continuam a
trocar por petróleo a alma da Europa.

(1) Discurso de Dezembro de 2016, de que não resisto a transcrever
mais um fragmento: "Face à proliferação dos obscurantismos promovidos
em nome da religião, todos, muçulmanos, cristãos, judeus, devem
construir uma frente comum contra o fanatismo, o ódio e todas as
formas de fechamento em si próprio. A história da Humanidade é a
melhor prova de que o progresso não pode ter lugar em sociedades
dominadas pelo extremismo e o ódio, os quais constituem o principal
factor de insegurança e instabilidade. Pelo contrário, a civilização
humana abunda em modelos de sucesso que confirmam que a interacção e a
coexistência intereligiosas geram sociedades civilizadas abertas onde
reinam os afectos e a concórdia, o bem estar e a prosperidade. Um
testemunho disso são as civilizações islâmicas de Bagdad e do
El-Andaluz que foram na História das mais evoluídas e abertas". Vai o
Ocidente e o mundo civilizado deixá-lo sozinho também a ele? Como
escreveu Bérnard Henri-Lévy, VIVA O REI!
(2) Romancista e ensaísta que percebeu muito cedo a natureza do
nazismo que enfrentou. Filho de Thomas Mann.
(3) Texto de 1939 retirado de um artigo da revista Equality. Agora
oportunamente republicado numa pequena antologia de textos do autor
lançada pela editora Phoebus, Paris.
(4) "Al-Qaeda in the West as a Youth Movement – The Power as a
Narrative", e agora num livro a publicar em breve em França, "Le
Djihad et la mort" (Seuill).
(5) Traduzido e divulgado muito oportunamente pelo Público, 29/3/2015

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terça-feira, outubro 18, 2016

# Holanda prepara suicídio assistido de idosos que sintam que vida acabou

http://observador.pt/2016/10/13/holanda-prepara-suicidio-assistido-de-idosos-que-sintam-que-vida-acabou/

13/10/2016, 14:42 Autor Agência Lusa

O Governo da Holanda está a preparar legislação para autorizar o
suicídio assistido de pessoas idosas que sintam que a sua vida chegou
ao fim, anunciaram esta quinta-feira dois ministros.

O Governo da Holanda está a preparar legislação para autorizar o
suicídio assistido de pessoas idosas que sintam que a sua vida chegou
ao fim, anunciaram esta quinta-feira dois ministros.

"Pessoas que consideram, após profunda reflexão, que completaram a sua
vida, devem ter a possibilidade, sob rigorosas condições, de pôr fim à
vida da forma digna que escolherem", afirmaram os ministros da Saúde e
da Justiça holandeses numa declaração conjunta.

A legislação em preparação considera que a convicção de "ter
completado a própria vida é sentida sobretudo pelos idosos", pelo que
a autorização se lhes reserva, explicaram os ministros, sem contudo
especificar qualquer idade.

Trata-se de pessoas que "já não veem qualquer possibilidade de dar um
sentido à sua vida, sentem profundamente a perda de independência e
estão isoladas ou sós porque perderam um ente querido", afirmaram.

Pessoas, acrescentaram, que se sentem "dominadas por um cansaço
absoluto e pela perda de amor-próprio", mas que "para poderem pôr fim
às suas vidas, precisam de ajuda".

A Holanda permite a eutanásia desde 2002, ano em que, com a Bélgica,
se tornou um dos dois primeiros países a autorizar a morte assistida
de doentes incuráveis.

A legislação em vigor prevê que um mínimo de dois médicos certifique
que não há qualquer alternativa razoável para o doente e que o
sofrimento deste "é insuportável e sem qualquer esperança de melhora".

Mas diferentes interpretações da lei têm suscitado polémica, sobretudo
depois de menores de idade com doenças terminais terem sido
autorizados a escolher a eutanásia e certas doenças mentais, como a
demência, terem sido consideradas "sofrimento insuportável".

Em 2015, a Holanda registou 5.516 casos de eutanásia, correspondentes
a 3,9% de todas as mortes.

Mais de 70% dos que optaram pela eutanásia sofriam de cancro e 2,9% de
demência ou de doenças psiquiátricas.

O novo quadro legal deverá prever que um "assistente na morte" —
alguém com formação médica — só possa autorizar o suicídio assistido
depois de se certificar de que nenhum tratamento pode superar o
"desejo de morrer".

A conformidade do caso com a lei tem depois de ser validada por uma
comissão de especialistas.

Apesar de o suicídio assistido não ser legal, em 2013, um holandês que
confessou ter ajudado a mãe de 99 anos a morrer não foi punido porque
os juízes consideraram que "agiu por amor".

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sexta-feira, outubro 14, 2016

# The Age of Post-Truth Politics

http://www.nytimes.com/2016/08/24/opinion/campaign-stops/the-age-of-post-truth-politics.html?_r=2

By WILLIAM DAVIES AUG. 24, 2016

Facts hold a sacred place in Western liberal democracies. Whenever
democracy seems to be going awry, when voters are manipulated or
politicians are ducking questions, we turn to facts for salvation.

But they seem to be losing their ability to support consensus.
PolitiFact has found that about 70 percent of Donald Trump's "factual"
statements actually fall into the categories of "mostly false,"
"false" and "pants on fire" untruth.

For the Brexit referendum, Leave argued that European Union membership
costs Britain 350 million pounds a week, but failed to account for the
money received in return.

The sense is widespread: We have entered an age of post-truth politics.

As politics becomes more adversarial and dominated by television
performances, the status of facts in public debate rises too high. We
place expectations on statistics and expert testimony that strains
them to breaking point. Rather than sit coolly outside the fray of
political argument, facts are now one of the main rhetorical weapons
within it.

How can we still be speaking of "facts" when they no longer provide us
with a reality that we all agree on? The problem is that the experts
and agencies involved in producing facts have multiplied, and many are
now for hire. If you really want to find an expert willing to endorse
a fact, and have sufficient money or political clout behind you, you
probably can.

The combination of populist movements with social media is often held
responsible for post-truth politics. Individuals have growing
opportunities to shape their media consumption around their own
opinions and prejudices, and populist leaders are ready to encourage
them.

But to focus on recent, more egregious abuses of facts is to overlook
the ways in which the authority of facts has been in decline for quite
some time. Newspapers might provide resistance to the excesses of
populist demagogy, but not to the broader crisis of facts.

The problem is the oversupply of facts in the 21st century: There are
too many sources, too many methods, with varying levels of
credibility, depending on who funded a given study and how the
eye-catching number was selected.

According to the cultural historian Mary Poovey, the tendency to
represent society in terms of facts first arose in late medieval times
with the birth of accounting. What was new about merchant bookkeeping,
Dr. Poovey argued, was that it presented a type of truth that could
apparently stand alone, without requiring any interpretation or faith
on the part of the person reading it.

In the centuries that followed, accounting was joined by statistics,
economics, surveys and a range of other numerical methods. But even as
these methods expanded, they tended to be the preserve of small,
tight-knit institutions, academic societies and professional
associations who could uphold standards. National statistical
associations, for example, soon provided the know-how for official
statistics offices, affiliated with and funded by governments.

In the 20th century, an industry for facts emerged. Market-research
companies began to conduct surveys in the 1920s and extended into
opinion polling in the 1930s. Think tanks like the American Enterprise
Institute were established during and after World War II to apply
statistics and economics to the design of new government policies,
typically in the service of one political agenda or another. The idea
of "evidence-based policy," popular among liberal politicians in the
late 1990s and early 2000s, saw economics being heavily leaned on to
justify government programs, in an allegedly post-ideological age.

Of course the term "fact" isn't reserved exclusively for numbers. But
it does imply a type of knowledge that can be reliably parceled out in
public, without constant need for verification or interpretation.

Yet there is one much more radical contributor to our post-truth
politics that could ultimately be as transformative of our society as
accounting proved to be 500 years ago.

We are in the middle of a transition from a society of facts to a
society of data. During this interim, confusion abounds surrounding
the exact status of knowledge and numbers in public life, exacerbating
the sense that truth itself is being abandoned.

The place to start in understanding this transition is with the spread
of "smart" technologies into everyday life, sometimes called the
"internet of things." Thanks to the presence of smartphones and
smartcards in our pockets, the dramatic uptake of social media, the
rise of e-commerce as a means of purchasing goods and services, and
the spread of sensory devices across public spaces, we leave a vast
quantity of data in our wake as we go about our daily activities.

Like statistics or other traditional facts, this data is quantitative
in nature. What's new is both its unprecedented volume (the "big" in
big data) and also the fact that it is being constantly collected by
default, rather than by deliberate expert design. Numbers are being
generated much faster than we have any specific use for. But they can
nevertheless be mined to get a sense of how people are behaving and
what they are thinking.

The promise of facts is to settle arguments between warring
perspectives and simplify the issues at stake. For instance,
politicians might disagree over the right economic policy, but if they
can agree that "the economy has grown by 2 percent" and "unemployment
is 5 percent," then there is at least a shared stable reality that
they can argue over.

The promise of data, by contrast, is to sense shifts in public
sentiment. By analyzing Twitter using algorithms, for example, it is
possible to get virtually real-time updates on how a given politician
is perceived. This is what's known as "sentiment analysis."

There are precedents for this, such as the "worm" that monitors live
audience reaction during a televised presidential debate, rising and
falling in response to each moment of a candidate's rhetoric.
Financial markets represent the sentiments of traders as they
fluctuate throughout the day. Stock markets never produce a fact as to
what Cisco is worth in the way that an accountant can; they provide a
window into how thousands of people around the world are feeling about
Cisco, from one minute to the next.

Journalists and politicians can no more ignore a constant audit of
collective mood than C.E.O.s can ignore the fluctuations in their
companies' share prices. If the British government had spent more time
trying to track public sentiment toward the European Union and less
time repeating the facts of how the British economy benefited from
membership in the union, it might have fought the Brexit referendum
campaign differently and more successfully.

Dominic Cummings, one of the leading pro-Brexit campaigners, mocked
what he called outdated polling techniques. He also asked one pollster
to add a question on "enthusiasm," and, employing scientists to mine
very large, up-to-the-minute data sets, to gauge voter mood and to
react accordingly with ads and voter-turnout volunteers.

It is possible to live in a world of data but no facts. Think of how
we employ weather forecasts: We understand that it is not a fact that
it will be 75 degrees on Thursday, and that figure will fluctuate all
the time. Weather forecasting works in a similar way to sentiment
analysis, bringing data from a wide range of sensory devices, and
converting this into a constantly evolving narrative about the near
future.

However, this produces some chilling possibilities for politics. Once
numbers are viewed more as indicators of current sentiment, rather
than as statements about reality, how are we to achieve any consensus
on the nature of social, economic and environmental problems, never
mind agree on the solutions?

Conspiracy theories prosper under such conditions. And while we will
have far greater means of knowing how many people believe those
theories, we will have far fewer means of persuading them to abandon
them.


William Davies is an associate professor in political economy at
Goldsmiths, University of London, and the author of "The Happiness
Industry: How the Government and Big Business Sold Us Well-Being."

The New York Times Opinion section

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quarta-feira, outubro 12, 2016

# A reintrodução de um novo sistema esclavagista

http://observador.pt/opiniao/a-reintroducao-de-um-novo-sistema-esclavagista/

Pedro Afonso Médico Psiquiatra 8/10/2016, 14:32

Esta autêntica corrida aos horários excessivos, observada entre os
cargos de maior responsabilidade nas empresas, é absurda e perigosa. A
cultura de excesso de carga horária deve ser repudiada.

O primeiro caso de karoshi (morte por excesso de trabalho) foi
reportado em 1969 no Japão, quando um jovem de 29 anos que trabalhava
no departamento de expedição de um jornal japonês, morreu subitamente
devido a um acidente vascular cerebral.

No final dos anos 80, o assunto voltou a preocupar as autoridades de
saúde japonesas, após vários executivos terem falecido subitamente,
sem que existisse qualquer doença física prévia. Estes executivos
tinham em comum o fato de trabalharem mais do que 3000 horas de
trabalho por ano e não respeitaram as folgas e os períodos de
descanso.

Os médicos japoneses começaram a publicar estes casos em revistas
científicas, alertando a comunidade médica internacional para o
fenómeno. Esta divulgação acabou por ter impacto, obrigando as grandes
empresas como a Toyota e a Nissan a tomarem medidas, de modo a
evitarem que os seus funcionários trabalhassem horas a fio, pondo em
risco não apenas a saúde como a própria vida.

E a saúde mental? Não estará também em risco com o excesso de
trabalho? E qual a dimensão do fenómeno entre nós? Num estudo
realizado recentemente na AESE- Business School, verificou-se que
cerca de 55% dos antigos alunos têm um horário de trabalho semanal
excessivo (mais de 48 horas semanais). A média de trabalho semanal
reportada foi de cerca de 54 horas. Curiosamente, quem trabalha mais
horas são os indivíduos com os cargos de maior responsabilidade dentro
das empresas (Administração/Direção).

Este estudo revelou uma associação significativa entre o número de
horas de trabalho e os sintomas de depressão, ansiedade e alterações
do sono. Os sintomas depressivos foram avaliados a um nível patológico
em 44% dos indivíduos com excesso de trabalho.

Os dados disponíveis são preocupantes. Em Portugal trabalha-se
demasiadas horas colocando-se em risco a saúde física e psíquica. As
autoridades de saúde parecem ignorar o fenómeno e as doenças
psiquiátricas surgem como se fossem uma verdadeira epidemia laboral.

Esta autêntica corrida aos horários excessivos, observada entre os
cargos de maior responsabilidade nas empresas, é absurda e perigosa. A
cultura de excesso de carga horária deve ser repudiada, pois é uma
regressão sociocultural, e não traz propriamente mais riqueza e
produtividade às empresas. Pelo contrário, traz mais doença,
absentismo e privação.

Tal como aconteceu no Japão, as grandes empresas têm de criar um
compromisso ético destinado a proteger a saúde física e psíquica dos
trabalhadores. É urgente garantir também a conciliação entre o
trabalho e a família. Deve-se estimular o trabalho a partir de casa,
flexibilizar horários, permitir que mais pessoas trabalhem em regime
de part-time, criando uma política de horários mais reduzidos para
pais com crianças pequenas ou para trabalhadores que mantenham a seu
cargo os familiares idosos.

Uma pessoa que acompanhei, trabalhava numa multinacional em Portugal
de consultadoria, cumpria habitualmente um horário de 11-12 horas por
dia, e raramente saía antes das 20h. Um dia surgiu a oportunidade para
trabalhar em Londres na mesma empresa. Em Inglaterra continuou a
cumprir o mesmo horário que praticava em Portugal. Duas semanas depois
foi chamado ao gabinete do diretor. Este, perante aquela longa jornada
laboral, perguntou-lhe diretamente se havia algum problema no seu
casamento. A permanência no escritório, para além do horário de
trabalho, afigurava-se como estranha. Aos olhos do diretor, aquele
funcionário parecia que não queria ir para casa por algum motivo; esta
dedicação doentia ao trabalho fazia suspeitar que algum problema grave
conjugal estaria a ocorrer, retirando-lhe o desejo de regressar a casa
para junto da família.

O excesso de trabalho que assistimos atualmente no mundo laboral é a
reintrodução de um novo sistema esclavagista que se fundou sobre a
destruição da família. Afinal o escravo era aquele que não tinha o
direito de formar uma família e que poderia ser separado dos seus
familiares para servir um senhor; um escravo continua a ser aquele a
quem se pode colocar em risco os vínculos familiares, a saúde e a
própria vida para servir um objetivo material.

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segunda-feira, outubro 10, 2016

# Alemanha vai banir carros a gasolina e gasóleo, já em 2030

http://observador.pt/2016/10/10/alemanha-vai-banir-carros-a-gasolina-e-gasoleo/

Simone Carvalho 10/10/2016, 14:21

O parlamento alemão aprovou uma lei que impede a comercialização, no
mercado local, de automóveis novos movidos por motores de combustão, a
gasolina ou a gasóleo. A partir de 2030.

A Alemanha decidiu matar os motores a gasolina e a gasóleo. Já daqui a
pouco mais de uma década

A notícia é avançada pelo Der Spiegel: o parlamento germânico aprovou
uma resolução que vai mudar radicalmente o panorama do mercado
automóvel, daqui a pouco mais de uma década. A ideia é impedir a venda
de carros novos, movidos por motores a combustão interna, no mercado
local, a partir de 2030. O parlamentar do partido Greens, Oliver
Krischer, é peremptório:

Se o acordo de Paris, para reduzir as emissões de poluentes e o
aquecimento global, for levado a sério, não há como serem permitidos
carros novos com motor a combustão nas estradas depois de 2030."

Segundo a Forbes, os parlamentares germânicos deverão incentivar os
seus pares de outros países membros da União Europeia em Bruxelas, a
fim de chegar a um consenso acerca dos incentivos fiscais,
canalizando-os em exclusivo para veículos eléctricos a partir de 2030.

Esta pretensão está em linha com as intenções já anunciadas por alguns
países da Europa, e fora dela, de acabar com as vendas de veículos de
propulsão "convencional" a curto prazo. É o caso da Noruega e da
Holanda, sendo que até a Índia já se está a preparar para vir a ser o
primeiro grande mercado mundial a disponibilizar só e apenas
automóveis eléctricos a partir de 2035.

E se for mesmo assim?

A avançarem estas démarches, o que muda na economia? Na Alemanha, o
impacto não afectará tanto os construtores automóveis – o core
business mantém-se, o produto proposto ao cliente é que se altera –,
mas sim a cadeia de fornecedores que depende da propulsão a combustão.
É que um motor deste tipo tem bielas, velas, pistões, cambotas, bloco,
enfim, toda uma série de componentes que um motor eléctrico não
precisa. Além de que este exige um décimo do pessoal para produzir um.
Ou seja, haverá milhares de postos de trabalho em risco.

Em contrapartida, a aposta na mobilidade eléctrica abre uma janela de
oportunidade para empresas produtoras de alumínio, fibra de carbono,
lítio e outros materiais especiais utilizados no fabrico de baterias,
células de iões de lítio, módulos electrónicos, entre outros.

E não se pense que a indústria do petróleo será a única a ficar em
maus lençóis. É que da mesma forma que os carros eléctricos não
precisam de gasóleo ou de gasolina, também dispensam os óleos e
lubrificantes.

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# Paternidade - testemunho de Henrique Raposo

Ver Online:
http://observador.pt/especiais/o-inferno-da-paternidade/

Um novo livro desafiou seis homens portugueses a relatar a sua
experiência de pais na primeira pessoa. Este é o testemunho de
Henrique Raposo.

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# Morrer é mais difícil do que parece - o texto de Paulo Varela Gomes

http://www.caritas.pt/site/lisboa/index.php/destaques-principais/620-morrer-e-mais-dificil-do-que-parece-o-texto-de-paulo-varela-gomes

Tenho um cancro de grau IV. De cada vez que abro o teclado do
computador na intenção de escrever, ocorre-me a frase, já mil vezes
repetida, "Quando estiverem a ler estas linhas, é provável que o autor
já não esteja vivo".

São incontáveis os artigos, livros, documentários e filmes sobre
pessoas que morrem de cancro. Nunca vi nenhum porque não aguento o
stress mas ouvi dizer que alguns são eficientes e fazem os
espectadores chorar muito. Não vou escrever aqui um artigo desse
género, primeiro, porque não sou capaz, e em segundo lugar porque a
história da minha doença e daquilo que tenho feito para lidar com ela
tem algumas características muito peculiares que podem interessar a
todo o género de pessoas que se preocupam com a vida e a morte e que
pensaram com seriedade no tema deste número da Granta: "Falhar
melhor".

Tudo começou quando acordei uma manhã com um inchaço do tamanho de uma
amêndoa no lado esquerdo do pescoço. Iludido por uma espécie de
incredulidade optimista, pensei que se tratava do resultado de uma
infecção nos dentes ou na garganta. Desenganou-me um médico
especialista dessas áreas com quem fui falar alguns dias depois: "O
senhor tem uma massa na garganta. É melhor ir ver isso rapidamente."
Estava muito grave e sossegado, ele. Percebi depois que nunca lhe
tinha passado pela cabeça que alguém não soubesse o que quer dizer
"massa" em termos orgânicos. Esta foi a única consulta médica a que a
Patrícia, minha mulher e minha "curadoura", não me acompanhou. Estava
a ajudar a Rita a podar as videiras da Vinha Comprida. Quando lhe
telefonei a transmitir a seca mensagem do médico, percebeu tudo e
diz-me que ficou imenso tempo a olhar lá para o longe, para o pinhal
sobre a várzea, com as lágrimas a correr-lhe pela cara.

Quarenta e oito horas depois fiz a obrigatória TAC cervical. Despi-me
sem preocupações, coloquei aquela bata ridícula dos hospitais que faz
qualquer pessoa parecer que sofre ininterruptamente dos intestinos,
deitei-me na máquina. No fundo, esperava boas notícias: não tarda,
iriam informar-me de que se tratava de uma chatice menor. Estivemos
depois hora e meia debaixo da luz verde escura, crepuscular, da sala
de espera. Quando o radiologista veio falar connosco, acabou nesse
preciso instante a vida que levávamos juntos há mais de duas décadas.
O radiologista tinha a expressão macambúzia de quem apresenta os
pêsames a uma família enlutada: cancro na otofaringe com tumor na
cadeia linfática cervical posterior e metástases no pulmão. Não
operável. Tratamentos em doses muito altas de quimio e radioterapia
para, daí a dois a quatro meses, deixar de poder comer ou respirar.

Decidimos que nunca me submeteria aos tratamentos da medicina
oncológica, às suas armas: as clássicas (cirurgia), as químicas
(drogas) e as nucleares (radioterapia). Estas armas destroem as
defesas próprias do organismo e aceleram frequentemente a sua
degradação. Já vi suficientes doentes de cancro entregues nas mãos da
oncologia para tremer de horror ao pensar que poderia suceder-me o
mesmo.

Quando voltámos para casa, não houve uma lágrima, um gesto de
desespero, um queixume. Falámos muito pouco. As estradas por onde
passávamos tantas vezes pareciam agora ter uma realidade inverosímil,
como se fossem pinturas de paisagem antiga. Fazia calor e a luz era
branca.

Durou vários dias seguidos, este silêncio emocional. As palavras que
trocámos em casa foram reduzidas ao mínimo. Uma consulta com um médico
do IPO confirmou tudo o que estava no relatório do radiologista. Mais
tarde, algumas instituições com nomes que tilintam como lingotes de
ouro vieram dizer-nos o mesmo: não havia nada que valesse a pena
fazer.

Essas opiniões não nos importaram, porém. Numa estranha frieza, só
quisemos saber o que faríamos para acabar com a minha vida quando essa
altura chegasse. A Patrícia jurou que não me impediria de morrer, e
até me ajudaria se fosse necessário. Como disse Plotia ao poeta em A
Morte de Virgílio de Hermann Broch: "A morte fecha-se a quem está só,
o conhecimento da morte apenas se desvenda à união de dois seres."

Sucede que estes acontecimentos já me parecem um pouco perdidos no
nevoeiro do tempo. Passaram mais de mil dias desde a tarde abafada de
23 de Maio de 2012, quando fiz a TAC, até à nebulosa e fresca tarde de
Primavera em que estou aqui a escrever isto. Dois anos e onze meses.

Não sei se nesta evolução, que não tem cessado de nos surpreender e a
quem nos conhece, podemos adivinhar a lenta condensação de um milagre.
Sei que há muita gente a rezar por mim e é com alegria que agradeço a
todos.

Mas sei também que tenho recorrido a muitas medidas práticas para
evitar a sorte ditada pelos oncologistas.

A primeira foi fazer-me acompanhar, desde algumas semanas depois da
TAC, por um médico homeopático (os médicos encartados não acham graça
nenhuma a que se chame médico a um homeopata, mas tenham santa
paciência). Sob sua orientação comecei por mudar radicalmente de
regime alimentar. Em vez de comer produtos tóxicos como faz a maior
parte das pessoas, passei a alimentar-se com produtos que ajudam o meu
sistema imunitário e alguns que combatem o cancro activamente. Além
disso, o médico foi prescrevendo suplementos alimentares e
medicamentos homeopáticos.

Devo à homeopatia a qualidade dos mais de mil dias de vida que levo de
vantagem sobre os médicos oncologistas. Duas ou três semanas depois de
começar a terapia já começava a duvidar de alguma vez ter tido cancro.
Imaginem: um canceroso em estado grave, que pouco tempo antes estava
arrasado de cansaço e pessimismo, foi à praia! Confesso que tive medo
de entrar na água, eu que vivi junto ao mar e mergulhei nas suas ondas
vezes incontáveis. Só no segundo dia consegui decidir-me, e foi tão
grande a felicidade experimentada no corpo que percebi que a Idade do
Gelo em que tínhamos vivido desde o diagnóstico tinha dado lugar a uma
Primavera, incerta e frágil, é verdade, cheia de dias de nuvens, mas
tempo de viver e não de morrer.

As semanas correram e fomos passear a Toledo, a Burgos, a Viseu.
Participei em conferências, orientei alunos, fiz todos os dias
companhia à minha mulher e aos nossos seis cães, andei com a minha
neta aos saltos sobre os charcos de água da chuva. As minhas análises
foram durante muito tempo boas, e o meu aspecto muito diferente da
maioria dos desgraçados que frequenta os campos de morte da oncologia.
Além disso, como os leitores e leitoras saberão, escrevi e publiquei
três romances, uma colectânea de colunas escritas para jornais, e
finalizei mais um romance e um livro de contos.

Todavia, não houve um único dia em que não tenha pensado na morte. Nem
um. Ao princípio não receei mas também não compreendi essa Senhora de
Negro e, portanto, ofereci-lhe de bandeja as inúmeras oportunidades
que, demoníaca, busca dentro de nós para nos fazer a vida num inferno
ou para nos levar. É verdade que a vontade de viver teve desde sempre
mais poder sobre mim do que a desistência perante a morte ou a ida ao
seu encontro – já não estaria aqui se assim não fora. Mas vida e morte
estão por vezes demasiado próximas e o conflito entre elas que tem
lugar no meu espírito é muito antigo e muito complexo. Sou acompanhado
por psicanalistas há muito tempo. Aquele com quem trabalho desde há
alguns anos, e que é uma das peças-chave do puzzle da minha não-morte,
recebeu como uma pancada a notícia do meu diagnóstico e, depois de uma
breve conversa entrecortada de angústia e silêncio, lembro-me de lhe
ter dito com um ar quase triunfante: "Nem sempre se pode ganhar,
doutor…"

Quem é que estava a falar assim pela minha boca? Quem é que
experimentava em mim essa estranha alegria raivosa que emergira quando
soube que tinha um cancro e que este era incurável? Que força psíquica
queria que eu morresse, que as pessoas tivessem misericórdia de mim,
se recordassem, me admirassem? Que parte de mim, velha e zangada, se
aproveitava assim deste meu narcisismo para me arrastar para a morte?

A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie
de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está
um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome
da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga-me a pensar nas
pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou abandonar.
Quando a vida manda mais em mim do que a morte, amo os que me amam, e
cresce de repente no meu coração a maré da vida. Cada lágrima que me
escorre por vezes pela cara ao adormecer, cada aperto de angústia na
garganta que sinto quando acordo de manhã e me lembro de que tenho
cancro, cada assomo de tristeza que me obriga a sentar-me por vezes à
beira do caminho quando vou passear com os cães e interrompe a oração
ou a conversa com o céu que me embalava o espírito, cada um destes
sinais provém do falhanço momentâneo do amor dos outros em amparar-me,
e sobretudo do meu em permitir-lhes que me acompanhem.

Quando, pelo contrário, decorre um dia em que consigo escrever e gosto
daquilo que escrevo, em que me curvo sobre os canteiros para cortar
ervas daninhas, em que admiro amorosamente a energia da Patrícia
sentada ao computador ou a trazer lenha para casa, quando isto sucede,
o meu tempo já não é o Tempo Comum mas antes um longo domingo de
Páscoa: sinto a presença amorosa de todos os que precisam de mim e
d'Aquele de quem eu preciso.

O médico homeopata nunca me prometeu um milagre, e a minha saúde
começou a piorar em Janeiro de 2014, cerca de um ano e meio depois do
diagnóstico oncológico. Pouca coisa, ao princípio: algumas dores no
pescoço, na cabeça e na garganta, mais cansaço, problemas intestinais.
Pouco a pouco, desapareceram ou tornaram-se-me impossíveis, um por um,
todos os prazeres físicos de cujo timbre e tom já quase me esqueci: o
sexo, beber um copo de vinho tinto antes do jantar, fazer uma viagem
com mais de duas ou três horas, o gosto da comida sólida a
percorrer-me o interior da garganta com os seus variados sabores e
texturas, uma corrida com os miúdos ou os cães.

Houve semanas piores, outras melhores, mas o tumor do meu pescoço foi
crescendo, rebentou como um pequeno vulcão de pus, e ficou pouco a
pouco com um aspecto tão abominável que deixei de aguentar ser eu a
mudar o penso todas as manhãs. O terrível panorama estragava-me o dia
e a melancólica e repugnante tarefa de cuidar do tumor ficou adstrita
à Patrícia, que sabe fazer tudo e não tem nojo de nada. Mais tarde,
alternando com ela, começaram a vir regularmente a minha casa as
enfermeiras dos serviços continuados de saúde.

E, de repente, ia morrendo: uma grande hemorragia despertou-me a meio
de uma noite de Julho de 2014, encharcado no sangue que brotava de uma
veia que o tumor do meu pescoço pôs a descoberto e enfraqueceu.
Desmaiei imediatamente e a Patrícia, não conseguindo ao princípio
acordar-me, pensou que tudo estava acabado.

Ganhei depois, com lentidão e a custo, uma relativa saúde. Passei dias
inteiros deitado. Depois, devagarinho, melhorei. Uma nova hemorragia,
em Dezembro, embora não tenha atingido a violência da anterior,
obrigou-me a considerar uma transfusão de sangue que fiz num hospital
que estava, como quase todos nessa época, mergulhado num tal caos que
passei um dia simultaneamente divertido e ofendido a observar a
desordem que grassava à minha volta.

As duas perdas de sangue fizeram pender a balança para o lado da minha
morte interior: regressei à melancolia com que me sentava à sua
cabeceira conversando com ela nas duríssimas semanas do Verão de 2012
que se seguiram ao veredicto do cancro. Como é que vou morrer?
Exactamente como?, perguntava-lhe.

Não me referia à chamada morte natural, que nunca me tinha ocorrido
desde o primeiro dia da doença. Falava da morte infligida por mim
próprio.

Entretanto, porém, o cristianismo, que estava quase esquecido desde o
meu baptismo, irrompeu pela minha vida através da palavra de um Padre
que é outra peça-chave do puzzle, mas desta vez, e ao invés do
psicanalista, do puzzle do meu encontro feliz com a morte.

O suicídio é uma ofensa frontal à vontade de Deus que quer que a morte
de cada cristão seja a sua disponibilidade para de se entregar à Cruz
no momento em que Cristo quiser e da maneira que Ele decidir. Mas eu e
a Patrícia tínhamos jurado que eu morrerei aqui, em minha casa, e que
nada me fará embarcar no carnaval de luzes da ambulância para ir
morrer a um hospital. Esse juramento mantém-se.

Tomámos esta decisão mal tínhamos saído do parque de estacionamento da
clínica onde fiz a TAC e ouvi o diagnóstico. No meu espírito doente, a
morte celebrava jubilosamente a vitória desse momento e era-me tão
impossível controlar ou combater este sentimento como invocar a luz da
esperança, encolhida num canto de mim como um miúdo paralisado de
terror. Enquanto regressávamos a casa, eu pensava na dificuldade e nos
riscos envolvidos no modo como morreu o meu irmão, pensava no salto de
uma ponte, pensava na agonia do veneno, na ignorância sobre
medicamentos letais, mas sobretudo no facto de que todos estes
caminhos da morte ainda concedem ao suicida o tempo suficiente para se
arrepender, precisamente aquilo que eu não queria na altura,
mergulhado num tumulto mental que julgava mais voluntário e corajoso
do que de facto era.

Experimentei por vezes os movimentos da dramatização da minha morte,
uma espécie de novela sem invenção e sem vida cujo maior óbice era o
de saber se, na altura definitiva, teria a certeza absoluta de não
haver outra solução. Conseguiria deitar fora como se fossem trocos sem
valor os restos de vida que continuam a cintilar dentro de mim? E se
me enganasse? Se não fossem meros desperdícios? Se valessem mais do
que a escuridão silenciosa do túmulo onde vou apodrecer?

Aquando da segunda hemorragia, cheguei-me muito próximo de encontrar
uma resposta sem alternativa a estas questões. Depois de fechar os
cães e de me despedir brevemente da Patrícia, sufocada de pavor e
lágrimas, ajoelhada no chão sem conseguir olhar para mim, saí de casa
transportando a arma e uma cadeira de plástico onde me sentar com a
coronha da arma apoiada no solo. Quase não tinha forças e tremiam-me
as pernas. A minha camisa estava empapada em sangue e, tendo passado a
mão pela cara e os óculos, vi as árvores, os arbustos, a casa das
ferramentas e do tractor, a encosta, a vinha, através de um nevoeiro
vermelho. A decisão com que, apesar da fraqueza física, andei sem
hesitar algumas dezenas de passos, surpreendeu-me a mim mesmo. Pronto,
ia morrer. Aspirei o cheiro intenso, quase ridente, de uma
hortelã-pimenta que nascera ao pé do pinheiro grande sem que, até
então, alguém tivesse dado por ela. Coloquei a cadeira junto a uns
troncos cortados, sentei-me e, já com os canos da arma na boca, o dedo
aflorou o gatilho. Senti o metal como uma coisa sem qualidade, cálida,
mortiça, dócil. Tudo me pareceu vagamente ridículo, o meu gesto, os
objectos de que me rodeara. Veio até mim mais uma vez o cheiro da
hortelã. Ergui os olhos que tinha fixados na guarda do gatilho e vi um
pinhal que o sol, através de uma abertura nas nuvens, isolava,
dourado, do verde-escuro da encosta. Ocorreu-me de repente uma vaga de
alegria inexplicável, como se fosse um sinal da presença de Deus à
semelhança daqueles que os textos sagrados referem por vezes. Cheguei
à mais simples conclusão do mundo: estava vivo e, enquanto assim
estivesse, não estava morto. Fiquei verdadeiramente contente, a vida a
fervilhar em todas as veias, mesmo as estragadas. Pousei a arma no
chão e regressei a casa. Não olhei para trás, para a cadeira branca e
a arma, que ficaram ali completamente indiferentes à minha sorte. Ao
abrir a porta, a Patrícia, sem conseguir dominar a torrente de
lágrimas que lhe corria pelo rosto, caiu-me nos braços. Ficámos muito
tempo agarrados um ao outro, quase imóveis, como se fôssemos o tronco
de uma grande árvore.

Não há muito mais a contar. A saúde vai piorando pé ante pé.

Deixei para trás a ideia de suicídio por uma razão muito simples que
levou demasiado tempo a descobrir. Ei-la nas palavras que Mateus
atribui a Cristo (Mt 10, 39), palavras que iluminaram como um
relâmpago – e finalmente resolveram no meu coração – a maneira
hesitante como lidei com o sofrimento nestes mais de mil dias:

"Aquele que conservar a vida para si, há-de perdê-la; aquele que
perder a sua vida por causa de mim, há-de salvá-la".

S. Domingos, Podentes, 10 de Abril de 2015

Paulo Varela Gomes,

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sexta-feira, outubro 07, 2016

# Tolstoi e a noite escura

http://www.snpcultura.org/tolstoi_e_a_noite_escura.html

Não poderei continuar a adiar e a temporizar. É inútil hesitar e
refletir mais longamente sobre o que tenho a dizer. A vida não espera.
A minha existência já está no declínio e a todo o instante pode
extinguir-se. Se ainda posso prestar algum serviço aos homens, se
posso fazer-me perdoar os meus pecados, a minha vida ociosa e sensual,
é apenas ensinando aos homens, meus irmãos, o que me foi dado
compreender mais claramente por eles; isto que desde há muitos anos me
atormenta o coração. Todos os homens sabem, como eu, que a nossa vida
não é aquela que deveria ser, e que reciprocamente nos tornamos
infelizes. Sabemos que para sermos felizes e tornarmos felizes os
outros é preciso amar o próximo como a nós mesmos, e se nos é
impossível fazer-lhes o que gostaríamos que fosse feito, ao menos não
lhes façamos o que não queremos que nos seja feito a nós.

É isto que ensinam as religiões de todos os povos e mandam a razão e a
consciência de cada um de nós. A morte do invólucro corpóreo que a
cada momento nos ameaça, recorda-nos o carácter efémero de todos os
nossos atos; assim, a única coisa que podemos fazer que pode obter-nos
a felicidade e a serenidade, é obedecer a todo o momento a isso que a
nossa consciência nos manda, se não cremos na revelação; a obedecer ao
ensinamento de Cristo, se nele acreditamos. Por outras palavras, se
não podemos fazer ao próximo o que queremos que nos seja feito, pelo
menos não lhes façamos o que não desejamos para nós. Ainda que todos
conheçam desde há muito esta verdade, em vez de a concretizarem os
homens matam, roubam, violam.

Assim, em vez de viver na alegria, na tranquilidade e no amor, eles
sofrem, penam e só experimentam ódio ou medo uns pelos outros. Em todo
o lado, sobre toda a Terra, os homens procuram dissimular a sua vida
insensata, esquecer-se, sufocar o seu sofrimento, sem conseguir ter
sucesso. Por isso, o número daqueles que perdem a razão e se suicidam
aumenta de ano para ano, uma vez que é maior do que as suas forças
suportar uma vida contrária à natureza humana.

Mas, dir-se-á, talvez seja necessário que a vida seja assim;
necessária a existência dos empreendedores, dos reis, dos governos,
dos parlamentos que comandam milhões de soldados equipados de
espingardas e canhões, prontos a todo o instante a lançarem-se uns
sobre os outros; necessárias as fábricas e as oficinas que produzem
objetos inúteis e nocivos, onde milhões de homens, de mulheres e de
crianças são transformados em máquinas, afadigando-se 10, 12 e 15
horas por dia; necessários o crescente despovoamento das vilas e a
sobrelotação progressiva das cidades com os seus cabarés, os seus
asilos noturnos, os seus refúgios para a infância e os seus hospitais;
necessário o encarceramento de centenas de milhares de homens.

Talvez seja necessário que os casamentos diminuam cada vez mais, que a
prostituição e os abortos aumentem diariamente e que os homens se
abandonem sempre mais à vida dissoluta. Talvez seja necessário que a
doutrina de Cristo, que ensina a concórdia, o perdão das ofensas, o
amor do próximo, do inimigo, seja inculcada aos homens por padres de
seitas inumeráveis em luta contínua entre eles, e isso sob a forma de
fábulas estúpidas e imorais sobre a criação do mundo e do homem, sobre
o seu castigo e sobre a sua redenção da parte de Cristo, e sobre este
ou aquele rito; este ou aquele sacramento.

Talvez esse estado de coisas seja natural ao homem, como é próprio das
formigas e das abelhas viverem nos seus formigueiros e nos seus
alvéolos em lutas contínuas e sem outro ideal. Talvez seja a lei dos
homens, enquanto o apelo da razão e da consciência a uma outra vida
amorosa e feliz não seja senão um sonho, e não se saberia imaginar uma
vida diferente da de hoje. É com efeito assim que falam alguns. Mas o
coração humano não quer acreditar. Ele revoltou-se sempre contra a
vida de mentira e convidou sempre os homens a deixarem-se guiar pela
razão e pela consciência; nos nossos dias este apelo é mais urgente
que nunca. Não existimos durante séculos, milénios, uma eternidade;
depois, eis-nos aqui sobre a Terra, vivos, pensantes, amantes,
usufruindo a vida.

Agora podemos viver até aos 70 anos - se chegarmos a esta idade, já
podemos também viver só alguns dias, algumas horas - na preocupação e
no ódio ou na alegria e no amor; podemos viver com a consciência de
fazer mal, ou de cumprir, mesmo que imperfeitamente, aquilo que
podemos acreditar ser o nosso dever. «Arrependei-vos, arrependei-vos,
arrependei-vos!...», gritava aos homens João Batista.
«Arrependei-vos...», dizia Cristo. «Arrependei-vos», dizia a voz de
Deus como a voz da consciência e da razão. Antes de tudo,
detenhamo-nos no meio das nossas ocupações, dos nossos prazeres, e
perguntemo-nos: «Fazemos nós o que devemos, ou em vez disso gastamos
inutilmente a nossa vida, esta vida que nos é dado passar entre duas
eternidades de nada?».

Sei muito bem que, sob o impulso dos homens, como um cavalo que faz
girar uma roda, é-nos impossível parar para refletir um instantes. Uns
dizem-nos: «Tantas reflexões não, mas ações». Outros dizem: «Não é
preciso pensar em si, nos próprios desejos, quando a obra a cujo
serviço nos encontramos é da nossa família, da arte, da ciência, do
comércio, da sociedade; tudo para o interesse geral». Outros
asseguram: «Tudo foi há muito pensado e experimentado, ninguém
encontrou melhor; vivamos a nossa vida, eis tudo». Outros, por fim,
pretendem: «Refletir ou não refletir é uma só coisa; vive-se, depois
morre-se; o melhor, por isso, é viver para o próprio prazer. Por isso
chega de refletir: vivamos como podemos». Não escuteis estas vozes: a
todas as suas razões, respondei simplesmente: «Atrás de mim vejo a
eternidade durante a qual não existia; à minha frente sinto a mesma
noite infinita onde a morte pode a todo o momento engolir-me.
Atualmente vivo e posso - sei que posso -, fechando voluntariamente os
olhos, cair numa existência cheia de misérias; mas sei que abrindo-os
para olhar à minha volta, posso escolher; a existência melhor e a mais
feliz.

Assim, o que quer que digam as vozes, quaisquer que sejam as seduções
que me atraiam, na medida em que seja tomado pela obra que comecei, e
arrastado pela vida que me rodeia, detenho-me, examino, reflito». Eis
o que tinha a recordar aos meus semelhantes, antes de voltar ao
infinito.

Liev Tolstoi In "Avvenire" Fonte: Publicado em 29.09.2016

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