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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

# Solidão e ética do cuidado

por ANSELMO BORGES
Diário de Notícias 21.02.2015
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4412714&page=-1

Italo Calvino escreveu, em As Cidades Invisíveis: "A cidade de Leónia
refaz-se a si própria cada dia que passa: todas as manhãs a população
acorda no meio de lençóis frescos, lava-se com sabonetes acabados de
tirar da embalagem, veste roupas novinhas em folha, extrai do mais
aperfeiçoado frigorífico frascos e latas ainda intactos, ouvindo as
últimas canções no último modelo do aparelho de rádio. Nos passeios,
embrulhados em rígidos sacos de plástico, os restos da Leónia de ontem
esperam o carro do lixo. Não só tubos de pasta dentífrica bem
apertados, lâmpadas fundidas, jornais, contentores, restos de
embalagens, mas também esquentadores, enciclopédias, pianos, serviços
de porcelana: mais do que pelas coisas que dia-a-dia são fabricadas,
vendidas, compradas, a opulência de Leónia mede-se pelas coisas que
dia-a-dia se deitam fora para dar lugar às novas. De tal modo que há
quem se interrogue se a verdadeira paixão de Leónia é realmente como
dizem o gozar as coisas novas e diferentes, ou antes o rejeitar, o
afastar de si, o limpar-se de uma constante impureza. A verdade é que
os varredores são recebidos como anjos, e a sua tarefa de remover os
restos da existência de ontem está rodeada de um respeito silencioso,
como um ritual que inspira devoção, ou talvez porque uma vez deitadas
fora já ninguém quer tornar a pensar nessas coisas."

Quem cita o texto é o filósofo João Maria André, numa conferência tão
profunda como terna sobre o tema em epígrafe, e o que aí fica é uma
breve síntese. Leónia é uma metáfora para a sociedade que quer o
permanentemente novo, atirando o velho para fora. Mas hoje já não são
apenas as coisas que se descartam, "descartam-se também as pessoas".
Uma boa metáfora para "a sociedade líquida de consumo", num tempo de
"turbo consumismo", que resulta numa felicidade paradoxal: "A
felicidade está em ser-se permanentemente infeliz, porque o consumo
aumenta cada vez mais a insatisfação e a felicidade da insatisfação é
uma felicidade paradoxal." E aí está a solidão da "sociedade líquida"
(Zygmunt Bauman): "Está só o que consome, porque se consome e tudo
consome no consumismo; está só o que se vê excluído do consumo, porque
não tem acesso a ele."

Há dois modos na solidão: não é a mesma coisa estar só e sentir-se só.
O criador, o religioso, o artista, o político, em última análise,
qualquer ser humano que não queira andar sempre distraído e à
superfície das coisas, precisa de momentos de solidão, para reflectir
e poder estar consigo no mais íntimo e com a transcendência e a fonte
donde procede o ser e o criar: é a solidão habitada. A outra solidão é
a solidão do abandono, dos restos, da exclusão. E cada vez mais é
nesta que se está. Sobretudo os velhos. Nesta sociedade líquida do
consumo e da vertigem da velocidade, não há solidez de relações e de
afectos - as relações fazem-se e desfazem-se, os afectos "gastam-se e
deitam-se fora"- nem memória nem futuro: descartam-se os velhos e não
há crianças.

O ser humano enquanto pessoa é constitutivamente ser em relação, de
tal modo que ser e ser em relação coincidem. A identidade é sempre
atravessada pela alteridade, na interacção com os outros. Assim, ser
pessoa enquanto liberdade é ser responsável, capaz de responder: "Ser
é responder, responder ao dom que nos coloca no ser."

Então, com a solidão, no processo do envelhecimento, é a
vulnerabilidade do ser humano que se manifesta: "um processo de
identidade em ruptura"; "a pessoa só, sem pontes para os outros e para
o mundo, é um ser assassinado na sua identidade"; "as pessoas sós são
pessoas anónimas", na angústia da saudade do passado, na dissolução da
memória e na perda do futuro, na incapacidade de ser projecto e, por
isso, de esperança.

A pessoa humana não é espírito desencarnado, consciência abstracta.
Dizia Laín Entralgo: eu sou um corpo que sente, que pensa, que espera,
que ama, que diz eu. Somos presentes pelo corpo. Assim, a solidão é
também ruptura com o corpo: a ausência da palavra, a ausência do
gesto, da carícia, da ternura. E envelhecer é despedir-se do corpo, a
sua perda lenta, no horizonte da morte: "A experiência da morte
daqueles que amamos é a experiência de um corpo que, sendo o corpo
deles, já não são eles no seu corpo."

Cá está então a ética do cuidado, no sentido profundo e abrangente,
holístico, do cuidar, que rompe a solidão "através das portas
corporais" e responde à vulnerabilidade do ser humano.

Porque é que nos sentimos sós? "Saber-se e sentir-se só é saber-se e
sentir-se desabrigado, sem tecto, sem morada." Por isso, "ajudar a
vencer a solidão é oferecer a alguém uma morada, uma hospedagem, o
cuidado de um abrigo": o abrigo do nosso olhar, o abrigo do nosso
ouvido, da nossa palavra, da nosso mão, dos nossos gestos, da nossa
compreensão e confiança, da nossa estima, "chame-se amizade ou
chame-se amor".

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segunda-feira, fevereiro 16, 2015

# 2014 terá sido o 1º ano na história de Portugal democrático que a economia cresceu sem se endividar

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