/* Commented Backslash Hack hides rule from IE5-Mac \*/

PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, julho 29, 2011

# O jogo da glória Jaime Nogueira Pinto

SOL 20 de Julho 2011
Quando nos conhecemos – a Zezinha e eu – em 1970, ainda líamos
escritores franceses, víamos filmes italianos e Portugal ia do Minho a
Timor. Na Faculdade de Direito de Lisboa todos éramos revolucionários
e militantes; todos – fascistas, comunistas e até democratas tout
court – pensávamos em mudar o mundo e achávamos que isso era a coisa
mais importante das nossas vidas. Por isso éramos, coerentemente,
radicais.
Conhecemo-nos por causa disso – da política, da militância política.
Fomos, em separado, mas mais ou menos na mesma altura, sujeitos a
julgamentos maoístas. O meu passou-se no Bar das Letras, de que eu era
frequentador regular, como aliás muita gente de Direito. Durou umas
duas horas, num diálogo com altos e baixos, que começou com um
requisitório acusativo, inspirado em princípios universais, e acabou
numa discussão de fundo: se eu, sendo de Direito, podia ou não estar
ali. O júri eram as frequentadoras do bar, todas habituées, que
acabaram por ficar do meu lado, o que levou o tribunal a retirar em
confusão.
A Zezinha teve uma jornada mais difícil. Exigiu que o professor lhe
desse aula, estando a Faculdade em greve geral. Ele, contrariado, lá
começou, mas os revolucionários, ao estilo Livro Vermelho, invadiram
de roldão a sala e ela ficou sozinha com eles e teve também de
explicar as razões da sua conduta anti-associativa e inimiga das
massas.
Cada um por seu lado, não tínhamos tido medo, não nos tínhamos deixado
humilhar e tínhamos saído intactos de corpo e espírito. O país ainda
era de brandos costumes e os maoístas eram portugueses.
Esta identidade circunstancial, comunicada por amigos comuns, criou em
nós alguma curiosidade mútua. E um dia – 12 de Março –, também por
causa de um abaixo-assinado político, fui a casa dela, no Campo
Grande. Ficámos três horas à conversa, eu a fumar e a sujar uns
pequenos cinzeiros de prata que o meu futuro sogro estimava
particularmente. Liguei-lhe outra vez em Maio, depois da morte do meu
pai. Encontrámo-nos na Faculdade e fomos a pé da Cidade Universitária
até ao Restauração. E voltámos, também a pé. Nesse Verão jantámos três
vezes em Cascais e no Outono começámos 'a andar' ou a namorar.
Casámos em 27 de Janeiro de 1972 e a morte separou-nos no dia 6 de
Julho de 2011. Líamos escritores franceses. Um dos meus preferidos
chamava-se Jean-René Huguenin. Tinha um livro único, La Côte Sauvage,
e uma frase de que nós, adolescentes, gostávamos e com a qual
concordávamos: «L'amour n'est qu'une extrème attention».
Foi essa extrema atenção que procurámos praticar entre nós e estender
à pequena tribo que fomos criando: filhos, netos, amigos. Descobrir,
perceber, antecipar o que o outro quer, o que lhe faz falta, o que o
vai alegrar. E evitar e prevenir o que o pode magoar ou fazer-lhe mal.
A Zezinha tinha essa extrema atenção, até ao pormenor. A nossa amiga
Nélida Piñon disse-lhe uma vez: «Você é uma provedora».
Era uma provedora. Organizava os nossos espaços com um amor e uma
aplicação inteligentes, pensando-os em função de nós, dos
utilizadores. Sempre. Há algum tempo que achávamos o nosso quarto
tristonho. Um mês antes de morrer, a Zezinha mudou-o – paredes,
cortinas, luzes, tudo. E acabou a decorar um jardim para as crianças,
na Quinta.
Mas tinha havido outras 'atenções', mais extremas e mais difíceis: a
Zezinha nunca discutiu nem pestanejou quando se tratou de me seguir
naquilo que eu entendia ser o preço das ideias e da fidelidade a elas.
Primeiro para o serviço militar voluntário em Angola, logo depois do
25 de Abril, com os mandados de prisão, a clandestinidade e o exílio
que implicou. Foi um soldado corajoso, pronto, suportando com
estoicismo e bom humor as consequências de 'viver perigosamente'.
Foi assim que fomos daqui para Angola, de Angola para a Namíbia e para
a África do Sul, da África do Sul para o Brasil, do Brasil para
Espanha, ao sabor dos lances da desfortuna e da sobrevivência com
dignidade. Quase sem dinheiro, ajudas ou o que quer que fosse.
Ela era uma menina bem-nascida, mas passou a salto fronteiras, foi
para a fila da sopa no campo de refugiados em Culinnan (donde nos
tirou, a mim e ao Alfredo Aparício, homens feitos e aguerridos) e
aceitou empregos de sobrevivência a vender enciclopédias no Rio.
Nesse tempo, eu achava-me o protagonista das aventuras e desgraças de
Portugal, dessa resistência ao fim do Império e à vaga comunista. Como
Abraão, que ia falar com Deus de vez em quando, teoricamente era eu
quem subia ao monte para tratar das 'coisas importantes' enquanto ela,
como Sara, se ocupava na prática da logística, das crianças, da
organização da tenda. Sempre soube que tinha a parte mais fácil da
história.
Depois, como se não chegassem os desastres da guerra e do exílio, a
Zezinha ficou gravemente doente: intervenções cirúrgicas mal
sucedidas, uma consequente peregrinação por médicos e hospitais, até
que, ao fim de três anos, foi operada com sucesso em Madrid.
Mas esta doença significara mais andanças, mais separações dos filhos,
mais gastos, voltar à casa zero do Jogo da Glória, quando tínhamos
recomeçado a reconstruir as coisas, a caminho da meta.
Muito por pressão dela, voltámos a Portugal. Mais realista, a Zezinha
já percebera o que estava vivo e o que estava morto das coisas por que
nos tínhamos batido. E que, para transmitir o legado possível,
tínhamos que ser como aqueles personagens cujos corpos, atravessados
entre gerações, servem de ponte. E nada mais. Se ficássemos na outra
margem – a da nostalgia romântica e suicida – não teria valido a pena.
No Inverno de 1978 voltámos a Portugal. Eu comecei a trabalhar no
sector privado, a escrever, fundei o Futuro Presente. A Zezinha
iniciou uma longa carreira profissional e política, partindo da estaca
zero. Serviu as instituições, o Estado, as pessoas, animada pelo
serviço público, sem cuidar dos governos desde que lhe dessem
independência e autonomia para cumprir as suas funções. Tinha o
sentido do bem público, trabalhava com inteligência, com disciplina,
com aplicação, com competência e com humanidade. Sabia fazer equipas,
chefiá-las, entusiasmá-las.
Tomava decisões e cumpria-as. Como aqui lembrou o António-Pedro
Vasconcelos, não atirava as coisas difíceis para a gaveta. Mesmo nas
piores situações, dava a cara. Numa instituição pública onde teve de
despedir muitas dezenas de trabalhadores falou com eles um por um,
interessou-se pelo seu futuro, procurou ajudá-los quanto pôde. Era
assim, provedora e cuidadora.
Numa outra fase deste serviço, veio a política. Não já aquela política
ideal da adolescência, de franco-atiradores no terreno, mas a política
arte ou ofício do possível, ou da escolha entre inconvenientes.
Foi desafiada pelo Manuel Monteiro e pelo Paulo Portas que, na altura,
estavam a refundar o CDS-PP, como partido menos 'centrista' e mais
nacional, solidarista e popular.
Discutimos muito essa opção. A Zezinha pensava que era o modo – e o
modo possível – de servir as suas ideias e convicções na forma
canónica da política, agora partidária; e que, com independência de
juízo e na razão prática dos resultados, podia e devia fazê-lo. Eu
tinha dúvidas mas respeitei a vontade dela.
Fê-lo, e fê-lo bem. Teve sempre uma capacidade e um gosto de se
relacionar com as pessoas. Porque gostava delas, porque se punha na
pele delas, porque procurava 'a verdade' de cada uma delas.
Tinha, naturalmente, o sentido evangélico de atenção aos pobres, aos
mais abandonados, aos mais desagradáveis, àqueles que ninguém queria.
Neles, via o próximo, a imagem de Cristo. Não sei se isso é uma
qualidade ou um contra na política, mas ela era assim.
Porque era inteiramente livre, independente, desprendida, até
materialmente (mesmo quando pouco tínhamos de nosso, fomos assim).
Estava na política a dizer a verdade, o que pensava, o que sentia,
mesmo nas situações mais críticas. Uma pessoa assim corre inúmeros
riscos na vida política à portuguesa – que implica tabus, tácticas,
conveniências, reserva mental, mais artes de raposa e de serpente que
rasgos de leão ou voos de falcão. E os seus adversários (em homenagem
a ela uso o termo 'adversários' em vez de 'inimigos') sabiam usar isso
e provocá-la. Desafiada, saía a terreno descoberto onde poderiam
abatê-la.
As suas ideias políticas iam sempre ter a uma fonte metapolítica – um
cristianismo exigente, ortodoxo, onde a letra da lei procurava sempre
o espírito do Sermão da Montanha. Não tinha nada a ver com o
cristianismo bonzinho e fácil da porta larga, mas ainda menos com o
dos que se sentem senhores das portas do Céu e em nome desse senhorio
excluem e desprezam os 'indignos'.
Essa fé viva, animada por uma oração e uma prática constantes,
inspirava o seu pensamento social, uma exigência funda de justiça que
não era a caridade bem ordenada e doseada dos convidados ociosos da
existência, nem a solidariedade dos tecnocratas do 'combate à
exclusão'.
Era um justicialismo exigente, um cristianismo social, em que
procurava servir o próximo, no realismo do estudo das situações de
pobreza e de carência que conhecia e procurava conhecer de perto –
como directora da Maternidade Alfredo da Costa, como provedora da
Santa Casa da Misericórdia, como vereadora da Câmara de Lisboa.
Era a sua forma realista, prática, política, de pôr de pé aqueles
sonhos justicialistas da nossa adolescência nacional-revolucionária,
alimentada na Política, na Cidadela, nos textos dos nossos mártires
políticos, da nossa utopia de Cidade Perfeita, pelo menos tão generosa
e tão quimérica como qualquer uma das outras.
Outra utopia da nossa adolescência – a do Império português fraternal,
o quinto império multiracial de quatro continentes – reconverteu-a e
ajudou-me a reconvertê-la numa paixão profunda pelo mundo que ela
conhecera português e que continuou a amar nessa África lusófona e
difícil, onde tantos amigos profundos fizemos, entre velhos conhecidos
e ex-inimigos.
Estes últimos meses, com um diagnóstico equivalente a uma sentença de
morte – pelo menos à luz do estado das ciências médicas que ela
respeitava –, mostraram, numa terrível prova de fogo, o que já
sabíamos: que nela a teoria era verdade e coerência, que era capaz de
viver e de morrer de acordo com os princípios e as normas que
proclamara como certos.
Primeiro, não teve medo. Aliás, em toda a vida nunca lhe vi medo,
senão quando alguma coisa de grave ameaçou os nossos filhos. Aqui
também não. O Cristo das Bem-Aventuranças em que sempre acreditou, o
amigo de Lázaro, não a abandonou. Fez tudo o que tinha de ser feito
para tratar-se, submeteu-se disciplinada e animosamente à dureza dos
tratamentos, à procura de alternativas. Com uma serenidade, uma
doçura, uma preocupação de não nos preocupar ou sequer de nos ocupar
muito.
Foi estóica e heróica, mas a sorrir, lúcida, sem ressentimento nem
revolta, aceitando o que achava que agora lhe era exigido. E mantendo
todas as rotinas da normalidade, das suas ocupações: indo ao
Parlamento, fazendo campanha eleitoral, estando nos debates da
televisão, na rádio, nos jornais, nas instituições onde colaborava,
com toda a normalidade.
Quando nos conhecemos e nos primeiros anos de casados jogávamos muitos
jogos – de cartas, o Risk ou jogo da Guerra, o Monopólio, a Bolsa. E
às vezes também, por curiosidade, a mãe de todos esses jogos – o Jogo
da Glória, originalmente o Gioco dell'Oca ou Jeu de l'Oie. Tínhamos,
vinda não sei donde, uma versão d'Épinal, com bonecos do século XIX,
que desapareceu.O jogo tem 63 casas com prémios e penalidades e, para
ganhar, é preciso acertar mesmo na casa 63. Na casa 58 está a morte –
e quem, ao chegar perto do fim, lá cai, tem de voltar ao princípio.
As minhas filhas dizem-me que a Zezinha queria deixar um 'jogo da
glória' da sua autoria, para eu interpretar. Não apareceu, por
enquanto. Mas vou, com 'extrema atenção', interpretar os sinais que
ela deixou nestas 59 casas.

quinta-feira, julho 28, 2011

# Director do fisco da Madeira criou empresa off-shore para esquema fraudulento do Nacional

28.07.2011 - 14:48 Por Tolentino de Nóbrega
http://www.publico.pt/Local/director-do-fisco-da-madeira-criou-empresa-offshore_1505137

A Lenby - criada pelo presidente do Nacional, Rui Alves, e pelos
vice-presidentes João Machado, Gris Teixeira e Sérgio Rebelo - é "uma
das sociedades cuja conta bancária foi utilizada para a prossecução do
plano criminoso engendrado" pelos dirigentes do clube madeirense
acusados de fraude fiscal qualificada, fraude contra a Segurança
Social e branqueamento, revela a acusação do Ministério Público.

O modus operandi adoptado pelos dirigentes do Nacional da Madeira teve
"intentos criminosos", concluiu a unidade especial de investigação da
Procuradoria-Geral da República, coordenadora do processo Apito
Dourado. E, segundo a acusação do Ministério Público, tinha em vista
"alcançar o resultado ilícito pretendido: o de evitar que parte dos
rendimentos auferidos por jogadores e técnicos do clube fosse
declarada à administração tributária, obviando a que esta liquidasse e
arrecadasse as quantias que fossem, por força de tais rendimentos
acrescidos, devidas a título de IRS e de contribuições para a
Segurança Social".

Conforme resulta das declarações prestadas por funcionários, jogadores
e técnicos nos autos, o "estratagema" era "conhecido e dominado" pelo
presidente e sete vice-presidentes, incluindo Machado, todos
constituídos arguidos.

Segundo o Ministério Público, o procedimento adoptado teve a
finalidade de, por um lado, "evitar a cobrança do imposto sobre os
rendimentos pagos aos jogadores e técnicos" e, por outro lado, através
das movimentações feitas pela referida empresa Lenby e pela filial da
Consulting and Management Services registada na Zona Franca da
Madeira, "dissimular a sua verdadeira origem e natureza, a fim de
evitar a consequente perseguição penal".

Estratagema de 2002

O estratagema montado no ano de 2002, altura em que João Machado era
director regional do Orçamento e vice-presidente do Nacional da
Madeira com o pelouro financeiro, implicou que o clube constituísse a
sociedade off-shore que adquiria os direitos de utilização do nome e
imagem dos jogadores em questão que, posteriormente, os venderia a S &
T - Services & Trading Limited, que, por sua vez, os venderia ao CDN.

Em contrapartida, o clube pagaria a esta sociedade sediada no Reino
Unido o montante global dos rendimentos respeitantes aos referidos
contratos de utilização do nome e da imagem dos jogadores que, por sua
vez, pagava à sociedade off-shore, encarregando-se esta última de
pagar a cada um dos jogadores a quantia respeitante ao seu contrato. A
S&T é, como lembra o MP, uma empresa fronting, ou seja, uma sociedade
constituída no Reino Unido com o objectivo de diminuir a receita
fiscal de outros países.

Na regularização tributária apresentada em 2004, com base no designado
Plano Mateus, o Nacional surge como último titular/beneficiário da
sociedade Lendy, apresentando como valores patrimoniais um depósito de
1,67 milhões de euros na conta da sucursal Financeira Exterior do
Banif e acções de capital social da sociedade no valor de 1,8 milhões,
num total de 3,5 milhões. Este montante, como frisa a acusação do MP,
corresponde "exactamente ao valor das facturas da S&T contabilizadas"
de 2002 a 2004, ou seja, "as quantias que foram entregues a cada um
dos jogadores, através do descrito esquema financeiro, para pagar
salários, de forma que as mesmas fossem ocultadas da administração
tributária".

Governo apoia Machado

No comentário semanal na TVI, Alberto João Jardim, presidente do
Governo Regional da Madeira, tentou na segunda-feira desmentir o
envolvimento de João Machado, considerando "falsos" os factos que lhe
são imputados na acusação do Ministério Público.

"Esse director regional nem era dirigente do clube em causa", afirmou
o presidente do Governo madeirense.

Também o secretário regional das Finanças, Ventura Garcês, aproveitou
a sua intervenção final, no debate do terceiro Orçamento rectificativo
da Madeira (2011), para manifestar a confiança em João Borges Machado
que, sob sua tutela, dirige a Direcção dos Assuntos Fiscais.

Perante os deputados, Ventura Garcês assegurou que aquele director
regional já não era dirigente do Nacional da Madeira aquando dos
acontecimentos que motivaram a acusação. "Tenho quase a certeza de que
o dr. João Machado não será penalizado", adiantou o secretário
regional das Finanças.

quarta-feira, julho 27, 2011

# Um amor assim

INÊS PEDROSA

Expresso, 23.07.2011

Não conheci Maria José Nogueira Pinto, mas admirava-a pela
frontalidade, pela dedicação às causas em que acreditava, pela
coragem.

Deu testemunho de alegria e entrega, com uma elegância absolutamente
invulgar, até ao último dia da sua vida. As últimas palavras da sua
derradeira crónica para o Diário de Notícias, publicada já depois da
sua morte, foram estas: «o Senhor é meu pastor, nada me faltará».
Creio que as terá escrito sobretudo para consolar aqueles que mais
amava e que mais a amavam – para os certificar de que ficaria bem e
para os animar a viverem com a veemência com que ela mesma viveu. O
dom da fé não nos é dado a todos do mesmo modo nem se esgota no
formato de um Deus mais ou menos escanhoado; cada um de nós tem a
possibilidade de escolher entre o amor que acende o mundo e o ódio que
o apaga.

Dir-me-ão que nada é tão simples – e não é, de facto, porque escolher
o amor significa perder o direito ao conforto da cobardia, prescindir
da segurança dos caminhos previamente traçados, estar disponível para
merecer a felicidade, isto é, enfrentar de olhos abertos os
obstáculos, a dor, a mudança. O texto de Jaime Nogueira Pinto sobre a
mulher da sua vida, publicado no Sol da passada semana explica
exactamente de que é feito o amor autêntico – e faz desabar as teorias
pseudo-científicas sobre a duração da paixão (dois anos, dizem os
sábios infelizes), responsáveis pela grande catástrofe do século XXI,
que é a da descrença na perenidade do enamoramento. Os divórcios são
apenas um iceberg de valentes – quantos casamentos não conhecemos
feitos de mentiras consensuais e contabilidades amparadas, tristemente
sustentados por crianças que, por isso mesmo, crescem desiludidas
quanto à graça do amor?

Jaime Nogueira Pinto recorda o livro único do escritor francês Jean
René Huguenin, com um título belíssimo (La Côte Sauvage), para citar
uma frase que ambos amavam desde a adolescência, e que definia o amor
como «uma extrema atenção». Num mundo que celebra e louva a
desatenção, a corrida bárbara para lugar nenhum, eles souberam sempre
cultivar essa atenção extrema – extremosa, extremista, radical,
absoluta. Porque tiveram a sorte de se encontrar cedo e de cedo
compreender, para lá da química e da física (que são essenciais, mas
nunca bastam) , que pertenciam um ao outro – que podiam rever-se nos
olhos um do outro como em espelhos límpidos. Porque liam os mesmos
livros e conversavam sobre eles, porque tinham os mesmos ideais e
lutavam por eles, porque atravessaram tempestades e não se deixaram
levar pela ventania, porque nunca amputaram os sonhos um do outro nem
perderam de vista o sonho maior que queriam construir juntos, porque
souberam ser a casa um do outro quando a vida os empurrou para longe
da casa e do país que tinham.

Assim viveram um amor intenso durante mais de quarenta anos. Assim,
Maria José morreu sem medo. Escreve Jaime Nogueira Pinto: «Foi estóica
e heróica, mas a sorrir, lúcida, sem ressentimento nem revolta,
aceitando o que achava que agora lhe era exigido». Aceitação é outra
palavra caída em desuso, porque na voragem em que escolhemos
des-existir a confundimos com resignação ou desistência – e é
rigorosamente o seu contrário: só pode aceitar o que a vida lhe
apresenta quem sabe quem é e o que quer.

Graças a Maria José Nogueira Pinto, que nunca cheguei a conhecer,
acordarei feliz nas mais árduas manhãs, dizendo: o amor é meu pastor,
nada me faltará.

terça-feira, julho 26, 2011

# Lista com a empregabilidade de todos os cursos em Portugal

Quem quiser mudar de profissão, considere Informática na Portucalense um desempregado em 300!
A arquitectura na Lusíada é a pior das hipóteses...
 

# Número de imigrantes em Portugal diminuiu pela 1º vez desde 1980 mas o de brasileiros aumentou

Lisboa, Faro e Setúbal acolhem 70 por cento da imigração no país
25.07.2011 - 16:10 Por José Bento Amaro
http://www.publico.pt/Sociedade/numero-de-imigrantes-em-portugal-diminuiu-mas-o-de-brasileiros-aumentou_1504649

O número de imigrantes em Portugal decresceu, pela primeira vez desde
1980. No ano passado registou-se igualmente uma quebra na subida
sustentada que se vinha notando desde 2005. Havia, no final do ano
passado, 445.262 estrangeiros a residir no país, número que representa
um decréscimo de 1,97 por cento face ao ano anterior.
O Brasil domina a lista dos imigrantes, tendo mesmo aumentado o número
de cidadãos que escolheram Portugal como país de acolhimento.

"A crise [económica] pode explicar uma menor captação de fluxos
migratórios", admitiu ontem o ministro da Administração Interna,
Miguel Macedo, quando da apresentação do relatório anual (2010) do
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O ano transacto fica ainda assinalado pelo facto de a Roménia ter
passado a ser o país da União Europeia com mais cidadãos em Portugal,
ultrapassando o Reino Unido, que há muitos anos liderava as
estatísticas. Actualmente os romenos, com 36.830 pessoas, constituem
8,27 por cento dos estrangeiros residentes em Portugal, só sendo
suplantados pelas comunidades brasileira (119,195 pessoas,
correspondentes a 26,81 por cento do total de imigrantes), Ucrânia
(66.794 pessoas, que representam 11,12 por cento do total estrangeiros
no país) e Cabo Verde (as 43.510 registadas correspondem a 9,88 por
cento da imigração).

Apesar do crescimento económico brasileiro, a verdade é que o número
de pessoas oriundas daquele país continua a aumentar. Em relação a
2009 registou-se um acréscimo de mais de 3.000 pessoas. De resto, só a
Roménia, com um crescimento percentual de 13,47 pontos, regista um
crescimento superior.

Angola (o quinto país com mais imigrantes em Portugal mas que ainda
assim registou, no ano passado, menos 11,53 por cento), Guiné (menos
13,63 por cento), Cabo Verde (abaixamento de 9,96 por cento) e Ucrânia
(menos 5,33 por cento) são os países que evidenciaram maiores quebras.

Na lista das dez nações com mais imigrantes presentes em Portugal
destaca-se ainda a oitava posição da China, com 15.600 pessoas. Esta
lista tem um país sul-americano (Brasil, em primeiro lugar), quatro
europeus (Ucrânia, em segundo, Roménia, em quarto, Reino Unido, em
sétimo e Moldávia, em nono). Cabo Verde, Angola, Guiné e São Tomé são,
por esta ordem, os países africanos representados.

A distribuição geográfica das colónias de imigrantes em Portugal foi
igualmente objecto de análise por parte do SEF. O mapa traçado mostra
que os estrangeiros, a exemplo dos nacionais, se fixam mais nas
províncias do litoral. Mas, se no caso dos portugueses há maior
predominância populacional na região Norte, já no que se refere aos
estrangeiros é a zona Sul do país a mais procurada.

O distrito de Lisboa tem 189.220 imigrantes, Faro segue-se com 71.819
e Setúbal ocupa o terceiro lugar com 47.935. Na prática estas três
regiões, onde se concentra grande parte do parque produtivo do país,
tem 69,39 por cento dos imigrantes registados em Portugal. O Porto é o
quarto distrito, com 27.112 pessoas e Leiria ocupa o quinto posto, com
17.031.

quinta-feira, julho 21, 2011

# Testemunho de um ex-assassino económico

Faz pensar..

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=dFtijO8qM6A

quarta-feira, julho 20, 2011

# Portugueses já gastam mais energia com os carros do que com a casa

20.07.2011 - 13:01 Por Ana Rita Faria
http://economia.publico.pt/Noticia/portugueses-ja-gastam-mais-energia-com-os-carros-do-que-com-a-casa_1503883

Os hábitos de consumo de energia mudaram radicalmente na última
década, revela o inquérito do INE. Portugueses já gastam mais energia
nos transportes individuais do que no alojamento.
Transportes individuais já representam mais de metade do consumo de energia

De acordo com os resultados preliminares do Inquérito ao Consumo de
Energia no Sector Doméstico, hoje divulgado pelo Instituto Nacional de
Estatística (INE), mais de metade (51 por cento) do consumo de energia
foi, em 2010, absorvido pelos veículos de transporte individual. É a
primeira vez, nos inquéritos do INE, que este valor é superior ao
consumo de energia no alojamento.

O inquérito ao consumo de energia tem apenas duas outras edições –
1989 e 1996. Desde então, escreve o INE, "registaram-se profundas
alterações nos hábitos de consumo de energia em Portugal". A principal
é os portugueses terem passado a gastar mais energia com os carros do
que com a casa.

Em 1989, apenas 21,8 por cento do consumo total de energia dizia
respeito aos transportes e, em 1996, esse valor era de 38,4 por cento.
No ano passado, ultrapassou os 50 por cento.

O gasóleo é o principal combustível consumido nos veículos de
transporte individual, com um peso superior a 60 por cento, que
compara com 16,5 por cento em 1989 e com 27,7 por cento em 1996.

Ainda assim, destaca o INE, é notório "um número mais reduzido de
alojamentos com veículos a gasóleo, quando comparado com os que têm
veículos a gasolina, o que significa uma inversão nas preferências do
tipo de combustível utilizado quando comparado com os resultados das
edições anteriores do inquérito".

Um quarto dos lares ainda usa lenha

Relativamente ao consumo de energia no alojamento, a electricidade é a
principal fonte utilizada, representando 44,1 por cento do consumo
total de energia. Nos anos anteriores do inquérito, os valores eram
bem inferiores: 15,9 por cento em 1989 e 27,5 por cento em 1996.

A lenha mantém-se a segunda principal fonte de energia, mas o seu peso
está em queda. Enquanto em 1989, 60,1 por cento dos lares usavam lenha
para satisfazer as suas necessidades energéticas (e 41,9 por cento em
1996), no ano passado só 24,2 por cento do consumo total recorreu a
esta fonte energética.

De acordo com o INE, o consumo de fontes de energia renováveis (onde
se inclui a lenha, o carvão e a energia solar térmica) no sector
doméstico representa um quarto do consumo total de energia. A lenha é
o que tem maior peso.

A cozinha é a divisão da casa que concentra mais de um terço dos
gastos energéticos, seguindo-se o aquecimento de águas. Contudo, a
fonte usada é diferente, visto que na cozinha é mais usada a
electricidade, enquanto para aquecer as águas é mais usado o GPL.

Gás natural ganha peso

Os dados do INE mostram que o consumo de gás no sector doméstico
também sofreu alterações, na sequência da introdução do gás natural em
Portugal em 1997 e da expansão da distribuição deste tipo de energia
no país.

Os resultados relativos a 2010 mostram uma "transferência da
utilização do gás de cidade e do GPL para gás natural", indica o INE.

Ainda assim, o GPL de garrafa surge como a terceira principal fonte de
energia usada nos alojamentos, depois da electricidade e da lenha,
representando 14 por cento do consumo total. O gás natural detém uma
fatia de 9,3 por cento.

segunda-feira, julho 11, 2011

# Os tempos mudam (felizmente!) - imagens da Mocidade Feminina Portuguesa

http://static.publico.clix.pt/docs/cultura/mpf/index.html

# O outro lado do espelho

MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO
DN2011-06-30
Uma das formas negativas da parentalidade é este reverso do espelho em
que pais e mães insistem em se ver, ou apenas se rever numa outra
realidade que nunca foram e que agora podem ser através dos filhos,
qual procuração passada a menores aptos a beneficiarem geracionalmente
de toda uma panóplia de inovação científica e tecnológica. A maior
defesa das crianças tem sido as boas práticas dos médicos e o seu bom
senso aplicado aos pais.
Segundo nos conta o semanário Sol, a obsessão da "boa" parentalidade
desperta cedo, e antes dos 16 anos já estão a bater à porta dos
consultórios para cirurgias mamárias, lipoaspirações, operações ao
nariz, etc. Um dos argumentos é o bullying, um argumento defensivo
contra o uso da força, e outros têm a ver, precisamente, com este
mesmo tema, o de dotar os filhos de todos os ingredientes do paradigma
de sucesso: ser mais bonito, mais alto, mais magro. Sem tudo isto,
estes pais vêem-nos condenados a um insucesso quase inevitável. Por
aqui se pode ver o efeito reduzido que hoje assumiram os numerosos
tipos de beleza femininos construídos a partir de traços imperfeitos,
feios por vezes, mas que imortalizaram mulheres ao longo de décadas,
algo bem diferente da monótona repetição do tipo "telenovela" ou
"imprensa cor-de-rosa".
Que dizer de uma sociedade que mede o amor parental por uma precoce e
activa preocupação com o aspecto físico dos seus filhos? Que acredita
que possuir os atributos do sucesso, ainda que artificialmente, basta
para se ser bem-sucedido como alguém que se propõe anunciar pastas dos
dentes para o resto da sua vida?
Há alguns anos, caíram sobre a minha secretária, nos meus livros e
apontamentos, grandes e assustadoras tiradas sobre a parentalidade: a
boa, a má, a subvertida e a pervertida. Quando já quase se dava como
assente a existência de uma geração de pais dominados por filhos nos
quais, literalmente, não tinham mão, começaram a surgir pais alheados
da tarefa de educar, sem preparação alguma para o fazer, por vezes
mais infantis que os próprios filhos, que, cedo, se introduzem numa
sombria pré-delinquência, muitas vezes sem retorno. Talvez tudo tenha
ainda começado pelas franjas de uma geração tomada pela droga, quando
os avós começaram a faltar, mas rapidamente evoluiu para outras causas
ou justificações.
A fraca parentalidade tem-se revelado transversal a todas as
sociedades. Dantes falava-se em pais incapazes, depois em pais
negligentes, depois em fracas competências parentais, mas tudo se
reconduz ao mesmo: não sei ser pai, não sei ser mãe, nunca me
ensinaram, é o que leio nas revistas, o que vejo e ouço nas
televisões...
Numa ocasião, preciosa aliás, em que foi possível rastrear cinco mil
crianças em fase de pré-escolar verificaram-se dados surpreendentes:
entre 5% e 10% das crianças tinham problemas de audição, de visão e de
fala e os pais nunca tinham dado por isso; somavam-se os problemas
visíveis da dentição e, para grande espanto dos pediatras, problemas
de nutrição em zonas onde as famílias pertenciam a uma baixa classe
média apta a prover à sua própria alimentação. Que se passava, então?
A pressa. Pressa em sair de casa de manhã, pressa em regressar a casa
ao fim da tarde levavam os pais a adiar o pequeno-almoço para o
intervalo e o jantar - a criança vinha a dormir tão bem! - para o dia
seguinte.
Dá que pensar qual será o paradigma de sucesso que se poderá alcançar
por esta via, na qual a criança chega à primária com uma série de
capitis deminutio que dificilmente perderá em tempo útil; como dá que
pensar aquilo em que se transformou o valioso conceito de cuidar,
cuidar o outro, o mais fraco e vulnerável, levado por um puro instinto
de amor natural.
A reportagem do Sol não me espantou, mas teve a virtude de trazer para
outras páginas que não a dos manuais questões que estão a deteriorar a
sociedade portuguesa e fazem parte dessa longa lista que deveria ser
um outro reverso do acordo com o FMI.

# ONU alerta que 39 por cento dos idosos portugueses são vítimas de violência

10.07.2011 - 08:31 Por PÚBLICO
http://www.publico.pt/Sociedade/onu-alerta-que-39-por-cento-dos-idosos-portugueses-sao-vitimas-de-violencia_1502169

As Nações Unidas colocaram Portugal na lista negra dos países que pior
tratam dos seus idosos, com 39 por cento dos mais velhos vítimas de
violência.
A população europeia está cada vez mais envelhecida, lembra a OMS

Segundo o Relatório de Prevenção contra os Maus Tratos a Idosos, da
Organização Mundial de Saúde, o país tem 39,4 por cento de idosos
vítimas de abusos. Os dados mostram ainda que 32,9 por cento são
vítimas de abusos psicológicos, 16,5 por cento de extorsão, 12,8 por
cento de violação dos seus direitos, 9,9 por cento de negligência, 3,6
por cento de abusos sexuais e 2,8 por cento de abusos físicos.

Dos 53 países europeus analisados pelo relatório, Portugal surge entre
os cinco piores no tratamento aos mais velhos, juntamente com a
Sérvia, Áustria, Israel e República da Macedónia.

Por dia, quatro milhões de idosos são vítimas de humilhações físicas e
psicológicas na Europa. A directora da OMS para a Europa, Zsuzsanna
Jakab, considera a situação "muito grave". No caso específico de
Portugal, este é considerado um "problema sério".

"A população europeia está cada vez mais envelhecida, por isso é
urgente que os governos resolvam este problema social o mais rápido
possível, e que os serviços de saúde prestem socorro às vítimas de
maus tratos", escreve a responsável no relatório. Em 2050, estima-se
que um terço da população terá mais de 60 anos.

"As pessoas não têm vergonha de discriminar os idosos, ao contrário do
que acontece com a discriminação por razões étnicas ou de género",
considerou uma especialista na matéria, Sibila Marques, que em Maio
publicou o ensaio "Discriminação na Terceira Idade", da Fundação
Francisco Manuel dos Santos. "São os próprios idosos a acreditar na
sua falta de valor", disse a investigadora do Instituto Superior de
Ciências do Trabalho e da Empresa, aquando do lançamento da obra.

Zsuzsanna Jakab considera que os maus tratos a idosos são um "problema
de saúde e social. Evitá-lo é uma questão de direitos humanos e de
solidariedade social".

Em Portugal, desde 2000 que o número de idosos ultrapassou o número de
jovens e actualmente quase metade das pessoas com idade superior a 65
anos têm 75 ou mais anos, segundo dados recolhidos pela Pordata.
"Lutamos para que as pessoas vivam mais, temos de preparar a sociedade
para que esteja habilitada a responder. Mas, não é isso que temos, o
que dizemos é que os idosos são um fardo económico ao nível da
Segurança Social, que não está preparada" para estes cidadãos, disse à
agência Lusa Stela António, professora de Demografia e de Introdução à
Gerontologia do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(ISCSP) da Universidade Técnica.

A falta de preparação da sociedade para os idosos está relacionada com
"a atitude e valores" face aos mais velhos, mas também com a própria
ideia que muitos idosos partilham de que "já não servem para nada",
acrescentou Stela António.

sexta-feira, julho 08, 2011

# A saúde mental dos portugueses

Transcrição do artigo do médico psiquiatra Pedro Afonso, publicado no
Público, 2010-06-21

Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas
esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo
epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da
Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No
último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença
psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas
perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com
impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência,
urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das
crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens
infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos
dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos
os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na
escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos
terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade
de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural
que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos,
criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze
anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100
casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo
das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres
humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas
sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém
maquinal mente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa,
deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos
ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de
alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez
mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família.
Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença
prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e
produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de
três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a
casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma
mãe marejada de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão
cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três
anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de
desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho
presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela
falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição
da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual,
tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar
que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês,
enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à
actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e
complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de
escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando
já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com
responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos
números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de
pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um
mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de
um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência
neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o
estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se
há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma
inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.

Pedro Afonso
Médico psiquiatra

quarta-feira, julho 06, 2011

# As férias

Público 2011-07-06 Pedro Lomba
 
Entrámos no Verão, que, para quase todos, é um período de férias. Numa era em que os Governos cortam salários e subsídios e prometem aumentar a idade de reforma, vale a pena lembrar que há pelo menos um direito até agora intocado por esta tendência: o tempo das férias. Deverá também ser mudado?
Na Europa o tempo das férias é, como sabemos, generoso. Mais nuns países do que noutros. Em Portugal são 22 dias úteis, na Alemanha 20, em França os números chegam aos 30. Acrescentem-se os feriados e veremos que o período em que somos pagos sem trabalhar pode mesmo ultrapassar os 30 dias.
Angela Merkel provocou meio mundo quando há tempos, para criticar os portugueses, sugeriu que as férias deveriam ser uniformizadas na Europa. Mas, como se vê, elas já estão em grande medida uniformizadas. A surpresa é essa.
Estes números europeus costumam ser contrastados com a duração das férias nos Estados Unidos. Um relatório de 2007 do Center for Economic and Policy Research, ao fazer o levantamento das leis de férias nas economias mais desenvolvidas, concluiu que um em cada quatro trabalhadores americanos não tem férias pagas. Holandeses, italianos ou alemães têm duas vezes mais férias do que os americanos.
A diferença é marcante. E, para alguns, é precisamente isso que explica a maior produtividade dos americanos em relação aos europeus. Os americanos são mais produtivos por trabalharem mais. Para outros, é a cultura, sempre a cultura. Há uns anos o historiador inglês Nial Ferguson escreveu um ensaio cáustico intitulado The Atheist Sloth Ethic, Or Why Europeans Don"t Believe in Work [A ética ateia da preguiça, ou por que os europeus não acreditam no trabalho]. Os europeus e, em particular, os europeus do Sul acabam sempre mal tratados por comentários deste género.
É preciso, no entanto, alguma cautela quando se analisa a relação entre a produtividade dos trabalhadores e o maior ou menor tempo de férias.
Aqui há tempos, quando os suicídios de trabalhadores da France Telecom se tornaram notícia, alguém observou com razão que a infelicidade no trabalho está a crescer nas economias ocidentais. Os números confirmam-no e a depressão económica só agravou esse facto. A epidemia de mal-estar atinge hoje qualquer trabalhador do Ocidente, mas não é absurdo dizer que é mais nociva na Europa do que na América. Confesso, pensando no caso português, que nunca conheci muita gente que se sentisse feliz no trabalho. Em geral, quase todos se queixam: do salário, do superior hierárquico ou dos colegas de refeitório. Ou do país que não ata nem desata. A vida laboral corresponde, salvo excepções, a uma longa habituação ao queixume.
Forçados a rever os incentivos à produtividade, os Governos podem cair no erro de pensar exclusivamente nas férias e feriados ou no tempo de trabalho. Podem ou não ter razão. Mas não devem esquecer que muitas vezes a condição para termos ou não trabalhadores mais produtivos encontra-se não nas férias mas no grau de satisfação do trabalhador. E essa satisfação resulta de uma realidade mais complexa em que a organização do trabalho, a gestão, o próprio tempo de férias, as relações com as chefias, os sentimentos de lealdade, confiança e cooperação constituem aspectos decisivos.
Já sei o que estão a dizer: as pessoas queixam-se em demasia, desejam sempre mais, vivem do protesto e da exigência, querem entrar no Facebook durante o expediente e não as deixam. Sim, mas não caricaturem. A insatisfação no trabalho está a crescer no Ocidente e os portugueses, já de si macambúzios, não passam ilesos. Jurista

segunda-feira, julho 04, 2011

# Governo Sócrates apagou informação dos computadores

por Filipa Martins e Margarida Bon de Sousa, Publicado em 30 de Junho
de 2011 ionline.pt
http://www.ionline.pt/conteudo/133573-delete-governo-socrates-apagou-informacao-dos-computadores

Nas Finanças e na Economia, os funcionários ficaram sem emails, sem
contactos e sem informação nos computadores

Limpeza dos computadores aconteceu na semana antes da entrada em
funções de Passos Coelho d. r. 1/1 + fotogalería .Na semana que
antecedeu a tomada de posse do novo governo, entre 13 e 17 de Junho,
os funcionários dos gabinetes dos ministérios das Finanças e da
Economia ficaram sem informação nos computadores com que trabalhavam,
os emails profissionais deixaram de ter histórico ou lista de
contactos e os discos rígidos foram limpos. "Foi como começar de novo,
apesar de já trabalhar aqui há anos e de ir continuar a trabalhar
aqui", disse ao i um funcionário de um gabinete do Ministério das
Finanças. A ordem, tendo em conta testemunhos ouvidos pelo i, era a de
não deixar qualquer informação nos computadores profissionais. "Um dia
apareceu um técnico, perguntou-me se tinha guardado a informação de
que precisava e fez uma limpeza total ao disco rígido, até instalou
novamente o sistema operativo", explicou.

Esta operação de limpeza foi executada pelo Ceger, organismo
responsável pela gestão da rede informática do governo (RiNG) e que
está na dependência da presidência do Conselho de Ministros. Os emails
profissionais dos funcionários estão armazenados na RiNG, que foi
esvaziada de informação.

É através da RiNG que circula toda a informação interministerial, em
circuito restrito. Em 2005, por exemplo, esta rede interligava 22
edifícios dos diferentes ministérios e a informação era centralizada
num servidor que se localiza na Rua Miguel Lupi, na Lapa, em Lisboa.
Também em 2005, ano dos últimos dados que o i obteve, tinham acesso à
RiNG 1236 pessoas: 53 membros do governo, 53 chefes de gabinete, 238
adjuntos, 255 assessores, 222 secretárias pessoais, 341 profissionais
de apoio e outros 74 funcionários. Em 2005, eram 1534 as caixas de
correio incorporadas na rede, com uma média de 10 mil mensagens de
correio enviadas por semana e 15 mil mensagens de correio recebidas em
idêntico período. Tudo indica que a dimensão restrita de acesso à rede
se manteve.

Através da RiNG, os funcionários dos gabinetes ministeriais podem
fazer uma gestão documental do trabalho em curso, têm acesso ao seu
email profissional, à agenda do Conselho de Ministros, aos processos
legislativos (diplomas) que estão a decorrer e podem fazer chamadas de
voz, através da internet, entre ministérios. Toda a informação da
RiNG, à excepção da agenda do Conselho de Ministros, foi limpa, apurou
o i.

Nas Finanças, há ainda relatos de recolha física de computadores por
parte do Ceger, apesar de o material informático pertencer a outro
organismo do estado - a DGITA - Direcção-Geral de Informática e Apoio
aos Serviços Tributários e Aduaneiros.

A Economia teve mais sorte do que as Finanças. Foram mantidos os
computadores, mas os gabinetes ficaram sem internet e sem acesso aos
emails durante alguns dias, o que impossibilitou todo o gabinete
dirigido por Álvaro Santos Pereira de comunicar oficialmente com o
exterior.

"Os serviços da administração pública não funcionam em regime de
continuidade", lamentou esta semana Maria Lurdes Vale, adjunta do novo
ministro, referindo-se ao facto de, cada vez que muda o governo, ser
necessário voltar a pedir todos os serviços novamente. "Estamos neste
momento a trabalhar com os nossos telemóveis pessoais e a usar as
nossas contas pessoais de correio electrónico", garantiu.

No edifício da Rua da Horta Seca ficaram também os principais dossiês
e muita informação que começa a ser digerida pelos novos ocupantes do
ministério.

Na verdade, os documentos oficiais estão seguros e protegidos num
sistema de armazenamento de documentação que passou para o novo
executivo, em causa estão informações de gestão diária dos gabinetes
que não têm uma componente oficial.

O i tentou obter uma reacção do gabinete do primeiro-ministro, mas
Passos Coelho preferiu não fazer qualquer comentário sobre a matéria.
Idêntico comportamento teve o Ceger, quando foi questionado sobre se
era prática comum, na passagem de pastas entre executivo, a limpeza de
informação e se a informação recolhida foi armazenada ou destruída.
Ainda assim, um assessor do último governo - com passagem por
executivos anteriores - garantiu ao i que esta era prática comum na
passagem de pastas.

O i não conseguiu confirmar se idênticas situações aconteceram noutros
ministérios.