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PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

domingo, junho 29, 2008

# Poesia

"O sal da língua"
 
"Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que tem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua."
 
Eugénio de Andrade
 
"Ultima página"
 
"Vou deixar este livro. Adeus.
Aqui morei nas ruas infinitas.
Adeus meu bairro página branca
onde morri onde nasci algumas vezes.
 
Adeus palavras combóios
adeus navio. De ti povo
não me despeço. Vou contigo.
Adeus meu bairro versos ventos.
 
Não voltarei a Nanbuangongo
onde tu meu amor não viste nada. Adeus
camaradas dos campos de batalha.
Parto sem ti Pedro Soldado."
 
Tu rapariga do País de Abril
tu vens comigo. Não te esqueças
da primavera. Vamos soltar
a primavera no País de Abril.
 
Livro: meu suor meu sangue
aqui te deixo no cimo da pátria
Meto a viola debaixo do braço
e viro a página. Adeus."
 
Manuel Alegre
 
Há dias
 
Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-se comigo
quero eu dizer:
com o que fui
qundo cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.
 
Eugénio de Andrade, "Os lugares de lume"
 
Pretextos para fugir do real
 
A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar
Por isso fecho os olhos
(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)
Por isso fecho os olhos e convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher
E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é tua ausência nua nos meus braços
 
Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos
  
Alexandre O ' Neill
"Poesias completas"
 
Sent by: Mónica Claro

terça-feira, junho 17, 2008

# A apatia da forte gente

A economia portuguesa é uma das mais flexíveis e dinâmicas do mundo. Esta frase, hoje tão controversa e quase contraditória, permanece indiscutivelmente verdadeira. As provas são fáceis de apresentar.

Portugal tem sido um sucesso notável de desenvolvimento registando, no produto por habitante em paridades de poder de conta, a oitava taxa de crescimento mais elevada do mundo na média de 1960 a 2001. Só sete países no planeta melhoraram mais que nós na segunda metade do século XX. Na União Europeia, o "bom aluno luso" ainda é exemplo: mantém-se como uma das economias pobres que mais se desenvolveu nos primeiros três anos após a adesão, só atrás dos três bálticos e Eslováquia. Além disso, nos 20 anos de 1980 a 2001, tivemos a taxa de desemprego mais baixa da Europa do Sul e a terceira mais baixa dos Doze da UE.

Outros sinais são claros. O nosso país permanece a única economia mundial onde um plano de estabilização do FMI correu bem. Aliás, por duas vezes, em 1977 e 1983. Em ambos os casos, a austeridade funcionou rapidamente, resolvendo o desequilíbrio em menos de três anos. Na sequência, conseguimos ser um dos poucos países a viver 13 anos no sistema cambial de crawling-peg, mecanismo que conta mais fiascos que sucessos na sua história. É precisa muita flexibilidade para sustentar a rigidez dessa disciplina.

Também os importantes fluxos migratórios, característica histórica hoje renovada, são sintomas dolorosos do mesmo dinamismo e flexibilidade. A enorme emigração lusa dos anos 50 e 60 bateu recordes mundiais, com valores só ultrapassáveis por casos de catástrofes naturais. Por outro lado, os episódios de imigração, quer no regresso dos "retornados" em 1975 quer desde a viragem do milénio também são fenómenos em escala incomparável, absorvidos na sociedade com custos elevados mas sem perturbações de maior. Até algumas das chamadas "chagas", como a precariedade do emprego e economia paralela, são evidentes sinais de flexibilidade.

Muitas outras provas poderiam ser aduzidas para substanciar a afirmação. Ela sente-se na recente e incrível transformação estrutural no produto, emprego e comércio externo. Em 35 anos absorvemos 40% da população activa, que estava na agricultura em 1950. Em 15 anos substituímos 20% das nossas exportações, que em 1990 eram têxteis. Hoje as mudanças continuam evidentes, com o crescimento dos serviços e o aparecimento de novos sectores. Se é assim, porque estamos em crise há tanto tempo?

Existe uma serpente neste paraíso, uma Dalila para este Sansão, uma kryptopnite deste Superman. O País que fundou o mais longo e vasto império colonial da História, que defrontou com sucesso a EFTA, a CEE e o mercado único, conhece bem o veneno que corroeu os sucessos iniciais nessas realizações. Não é difícil compreender porque os dois trunfos do nosso desenvolvimento, flexibilidade e improvisação, não têm hoje os resultados de outros tempos. Contra eles conspiram múltiplas forças paralisadoras, as mesmas que nos bloquearam no passado. Enorme camada de parasitas suga o progresso.

Os portugueses, que se excedem nos momentos de dificuldade, costumam cair numa modorra quando tudo corre bem. Após o obstáculo, onde revelámos o nosso melhor, deslizamos para a complacência e cumplicidade, pela instalação dos interesses, bloqueio das corporações, paralisação das burocracias. A economia portuguesa continua tão dinâmica e flexível como sempre. A globalização impõe hoje, como no passado, uma reestruturação, que se verifica. Mas muito lentamente. O motor está atrelado a um peso morto que tem de arrastar: regulamentos e portarias, burocratas e mandarins, impostos e multas, fiscais e inspectores, directivas e diuturnidades, direitos adquiridos e justas reivindicações.

Nos reinado de D. Fernando, D. João III e D. João V, nos consulados do Duque de Loulé, António José de Almeida e desde António Guterres, "um fraco rei faz fraca a forte gente" (Os Lusíadas III, 138). Porque a forte gente se deixou adormecer na apatia das repartições.
 
JCN in DN 080602

quinta-feira, junho 12, 2008

# Velhos, dependentes e ignorados pelas famílias

José Manuel Oliveira In DN - 11. 06. 2008

Há "mais de meio milhar" de idosos em lares do Algarve abandonados pelas famílias, muitas das quais da classe média. A este quadro, que é dramático, juntam-se os que vivem "isolados e em situações degradantes, com pensões de reforma miseráveis e rejeitando qualquer tipo de apoio, apesar de já não terem capacidade física e psicológica para cuidar de si próprios".

Helena Serra, provedora há 30 anos da Santa Casa da Misericórdia de Albufeira, recorda que o último idoso recolhido este ano pela instituição, na zona das Ferreiras, naquele concelho, "vivia pior do que um animal, mesmo abaixo de cão, como se costuma dizer". "Outros, na casa dos 80 anos, ficam ao estilo de sem-abrigo e rejeitam ser acolhidos", refere, recordando um caso que a impressionou particularmente: "Só através do tribunal é que conseguimos que ele deixasse o espaço onde vivia. Há pocilgas muitas mais limpas e cuidadas do que o local de onde o retirámos. As pessoas nem fazem ideia do que muitas vezes se passa no Algarve a este nível", conta.

Apesar de a grande maioria dos familiares preferir ignorar o problema, não visitando nos lares os seus idosos, alguns deles ainda saem em defesa dos filhos, alegando que eles "não têm disponibilidade de tempo para ir vê-los", refere a provedora, para quem, no entanto, tal situação "não é um facto". Por outro lado, afirma, outros idosos há que "sofrem com o abandono por parte das famílias" e muitos "já nem sequer reagem, estando numa situação de alheamento quase total".

Um dos casos mais chocantes ocorreu há cerca de dez anos no centro de Albufeira, junto a um mercado, onde um idoso foi abandonado pelo filho num passeio, numa noite chuvosa. "Ele já não estava muito lúcido e só dizia que tinha sido um filho que abriu a porta do carro e o pôs na rua. Mas sem nome, nem local de onde vinha, tornou-se muito complicado saber quem eram os familiares", recorda Helena Serra, que demorou três semanas até os conseguir localizar, embora tal "de nada tivesse valido". O idoso faleceu três meses depois e no funeral apenas o acompanharam a provedora, a governanta da Misericórdia e o padre.

No lar de Vila do Bispo, mais de 20 por cento dos 64 idosos que ali se encontram alojados não sabem há muito tempo o que é ser visitado por um familiar.

"Nota-se que encaram com muito sofrimento essa situação difícil. Tentamos resolver o problema quando, nomeadamente no Natal e nos dias dos aniversários, convidamos as famílias para uma festa. Às vezes até vêm. Mas deslocam-se ao lar sobretudo para a festa e acabam por ter contacto com os idosos numa situação forçada", contou ao DN Vítor Lourenço, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Bispo.

"Infelizmente, a situação de abandono dos idosos pelos seus familiares passa-se ao nível de todo o País. O que interessa a muitos deles é entregar os pais aos lares, esquecendo-se que por muitos serviços de qualidade que estes tenham, a melhor terapia ainda é a relação humana com a família", concluiu Vítor Lourenço.

quarta-feira, junho 11, 2008

# A fome na abundância

Se o Homem tem capacidade para alimentar toda a população mundial, por que é que não consegue? Muito provavelmente porque falha nas expectativas.
E se, de repente, meio mundo com fome passar a comer? Excelente!

Foi isso que pensámos. Foi isso que dissemos. Até ser verdade.

Quando finalmente aconteceu, percebemos que só tínhamos previsto metade das consequências.

Se, por absurdo, os chineses duplicarem o respectivo consumo de carne, continuarão a consumir cerca de 30 por cento menos do que um americano, mas isso significará que, no mundo, surgirão compradores para mais 60 milhões de toneladas de "bifes por ano".

Isso significa criar mais 240 milhões de vacas, 600 milhões de porcos ou mais simplesmente 24 mil milhões de galinhas, lembrava o jornal britânico The Guardian.

E para alimentar a dita bicharada precisaremos de quê?

De 50 mil milhões de novas rações para galinhas ou quase 200 mil milhões de quilos de ração para bovinos.

Para o conseguir, resta produzir muito mais cereais do que estamos a fazer ou desviar do consumo de humanos uma boa parte do stok produzido.

Resultado: enquanto uns começam finalmente a poder comer carne e leite, outros deixam de se poder alimentar a pão e água.

Não chega a terra para que todos comam? Tinha razão Malthus para nos alertar para o risco da sobrepovoação do planeta? Falso.

Que se passa então? Temos terra, temos tecnologias, temos meios para conseguir alimentar toda a humanidade na abundância. Porque não o fazemos?

Simplesmente porque todos esperamos demasiado do mercado e esquecemos que o livre comércio não dispensa nem a regulação nem o valor da compaixão.

RR on-line, 080604
Graça Franco

quarta-feira, junho 04, 2008

# Indicadores demográficos que nos fazem pensar...

Acentuado declínio do crescimento natural desde a década de 70 do século passado. Esta tendência é explicada substancialmente, pela rápida queda da fecundidade. Assim, a taxa de fertilidade (número médio de crianças por mulher) atingiu nos últimos anos o valor de 1,36 crianças/mulher contra 3,1 em 1960. O nível actual é manifestamente inferior ao necessário para assegurar a substituição das gerações que é de 2,1 filhos por mulher. Da Europa dos 25 passámos em 30 anos do 4º país com taxa de fertilidade para 12º lugar.
 
Outro aspecto importante é o retardamento do nascimento do 1º filho, que em 1980 era aos 23,6 anos de idade da mãe e agora é aos 28,1 anos.
 
Em 2007 terão nascido em Portugal cerca de 103.000 bebés. Trata-se do número mais baixo desde 1935, ano a partir do qual há estatísticas oficiais sobre a matéria. Estima-se que o défice de nascimentos ronde os 55.000 por ano. Em 1960 houve 213.895 nado-vivos e em 1980 houve 158.352.
 
O impacto da queda de fecundidade tem sido atenuado, no entanto, pela diminuição da taxa de mortalidade infantil, de 77 por mil em 1960 para 3,5 por mil agora.
 
A esperança média de vida à nascença que em 1930 era de 44,8 anos para o homem e de 49,2 anos para a mulher é agora de 75,2 e 81,8 respectivamente para o homem e para a mulher, o que significa que a EMV aumentou nos últimos 70 anos cerca de 5 meses por cada ano de calendário!
 
O aumento da esperança média de vida implica que teremos um maior número de famílias em que 4 gerações estarão vivas ao mesmo tempo, o que significará, mais frequentemente, pessoas de 60 anos a ocuparem-se dos seus progenitores de 80 e mais anos.
 
Mas, ao mesmo tempo, a dimensão média das famílias portuguesas tem vindo a diminuir drasticamente, de tal modo que hoje 42,8% não têm filhos e só 4,9% têm três ou mais filhos.
 
O declínio da natalidade associado a um aumento da esperança de vida tem vindo a provocar um maior grau de envelhecimento e um aumento da taxa de dependência dos idosos. Em 1990 havia em Portugal 64 pessoas com mais de 65 anos por cada 100 jovens com menos de 15 anos, mas em 2006 (apenas 15 anos depois!) há 112 idosos por cada 100 menores e estima-se que em 2050 se atingirá o valor, de consequências difíceis de imaginar, de cerca de mais de 200 velhos por cada 100 jovens…
 
Fonte: AESE , 29 de Maio de 2008

terça-feira, junho 03, 2008

# Tentei fugir da mancha mais escura

"Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.
 
Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.
 
Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...
 
Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração."
 
David Mourão-Ferreira
Sent by: Mónica Claro

# 60 por cento das crianças e jovens têm televisão no quarto

Inquérito sobre o uso dos media entre os 8 e os 18 anos
03.06.2008 - 09h34 Isabel Leiria PUBLICO.pt

Mais de 90 por cento das crianças e jovens têm pelo menos duas televisões em casa e seis em cada dez têm uma no quarto, tal como acontece com uma percentagem semelhante de pais. Os aparelhos estão na sala, mas também na cozinha e noutras divisões. Só que esta já não é a "lareira electrónica" à volta da qual se reúne a família.

"Há uma tendência para o uso independente dos aparelhos de televisão que se afasta do paradigma do seu uso familiar", dizem os autores do estudo "E-Generation: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal", de 2007. Os investigadores do ISCTE Rita Espanha e Tiago Lapa inquiriram uma amostra representativa de miúdos entre os 8 e os 18 anos e chegaram à conclusão que, apesar de continuar "omnipresente" (em mais de metade dos lares existem três ou mais aparelhos), a televisão perdeu o seu lugar central, com os jovens a dividirem o seu tempo e atenção com outros meios e tarefas, como o computador, o leitor de MP3 ou o telemóvel.

A televisão pode até estar sempre ligada, com 91 por cento dos inquiridos a dizer que assim é às horas das refeições. Metade admite até que o aparelho está a funcionar mesmo quando ninguém está a ver. O que acontece é que, também muitas vezes, cada elemento da família a utiliza no seu espaço, originando "novas formas de organização familiar e modos de organização geográfica das actividades familiares".

E se a vida dos jovens se está "a deslocar do público para o privado", por causa do "declínio da cultura de rua e do convívio familiar", uma vez em casa é no quarto que os mais novos passam muito do seu tempo. Os autores do estudo falam mesmo na "emergência de uma cultura do 'quarto de dormir', onde os jovens tendem a concentrar no seu reduto mais privado os «media» que utilizam".

"Esta forma de estar, o isolamento dos jovens no seu próprio quarto, já existia nas gerações anteriores. Mas agora os jovens têm ao seu dispor vários meios (televisão, telemóveis, internet) que lhes dão entretenimento e lhes permitem também prolongar as relações com outros jovens sem sair de casa", comenta Rita Espanha.

Em relação ao que vêem na televisão, a TVI é o canal favorito para mais de metade (a RTP 1 tem a preferência de apenas 4,5 por cento) e gostam sobretudo de filmes. Mas são as telenovelas que mais tempo lhes roubam. Menos de metade assiste ao telejornal.

A Internet é outro dos "media" que tem ganho uma importância fundamental na vida dos jovens. Quase três em cada quatro assume-se como utilizador, com a maioria a iniciar-se aos 10,11 anos. A Web serve para enviar "mails", consultar enciclopédias e dicionários "online" ou procurar informação relacionada com os estudos. Navegar "sem objectivos concretos", jogar ou participar em "chats", combinar saídas e contactar amigos quando se "está desanimado" são outras utilizações recorrentes.

Concluem então os investigadores que o receio de que as novas tecnologias provoquem o isolamento dos jovens não parece confirmar-se, na medida em que a rede é utilizada para interagir e comunicar. "Há um prolongamento e uma intensificação da vida social, especialmente através de uma muito maior utilização da Internet", reforça Rita Espanha.

Mais de metade fica "muito ansioso" se não tiver o telemóvel
Já se sabia que o telemóvel se tornou num acessório quase imprescindível na vida de muita gente. Praticamente todos os jovens entre os 16 e os 18 anos inquiridos no estudo do ISCTE têm um e metade das crianças entre 8 e os 12 também. Em média, é aos 11,8 anos que se recebe o primeiro aparelho. O que se verifica é que os níveis de "habituação psicológica" ao telemóvel são também elevados nesta faixa etária.

Entre os inquiridos do estudo "EGeneration: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal", 85 por cento concordam com a noção de que se sentem muito mais tranquilos quando têm consigo o seu telemóvel. E mais de metade admitem sentir-se "muito ansioso/a" quando não o podem ter. Sendo certo que a maioria das chamadas são para amigos e familiares, mas que apenas três por cento dizem respeito a conversas que têm como objectivo a "resolução de problemas fundamentais da gestão doméstica e familiar".

Resultado: 44 por cento garantem que não fariam a maioria das chamadas que efectuam no telemóvel através do telefone fixo, objecto que começa, aliás, a ser cada vez menos comum em casa (existe em cerca de metade dos lares dos inquiridos).

As mensagens escritas são a forma de utilização preferida – a média de chamadas diárias é de 3,65, enquanto a de SMS sobe para quase 26 – e substituem em muitos casos a comunicação oral. Os votos de boas festas e os parabéns a amigos e familiares já não são maioritariamente dados com cartões ou telefonemas, mas através de mensagens escritas. Que também servem para namorar e combinar encontros como, nalguns casos, para terminar uma relação amorosa, com 15 por cento dos jovens a admitir tê-lo feito dessa forma.

Por tudo isto, acaba por não ser surpreendente que as crianças e os jovens assumam que têm dificuldades em desligar o seu meio de contacto favorito. Cerca de 40 por cento admitem que não o fazem quando estão em aulas, conferências e palestras. Nem em momentos fúnebres ou em celebrações religiosas em igrejas.

O telemóvel é também uma "companhia" a que se recorre quando se está sozinho e se espera por alguém. Sobretudo para as raparigas, que enviam SMS e telefonam enquanto aguardam. Por mês, os jovens gastam em média 18,5 euros.

Quanto a hábitos de leitura, o estudo indica que 60 por cento lêem livros e quase um em cada três lêem jornais. Mas dedicam a esta actividade pouco mais de meia hora semanal, contra as 15 que passam a ver televisão ou as 10 que consomem a navegar na Internet.

O cinema continua a ser uma das actividades preferidas, com 60 por cento a ir habitualmente a uma sala.

segunda-feira, junho 02, 2008

# Por que não nacionalizar?

http://jn.sapo.pt/2008/05/26/opiniao/por_nao_nacionalizar.html

Mário Crespo, Jornalista

Se o mercado não consegue disciplinar os preços, os lucros nem o selvático prendar dos recursos empresariais com os vencimentos multimilionários dos executivos, então por que não nacionalizar os petróleos e tentar outros modelos? Quem proferiu este revolucionário comentário foi Maxine Waters, Democrata da Califórnia, durante o inquérito conduzido pelo Congresso, em Washington, às cinco maiores petrolíferas americanas. Face à escalada socialmente suicidária dos preços dos combustíveis, o órgão legislativo americano convocou os presidentes para saber que lucros tinham tido e que rendimentos é que pessoalmente cada um deles auferia. Os números revelados deixaram os senadores da Comissão de Energia e Comércio boquiabertos. Desde os 40 mil milhões de dólares de lucro da Exxon no ano passado, ao milhão de euros mensais do ordenado base do chefe Executivo da Conoco-Phillips, às cifras igualmente astronómicas da Chevron, da Shell e da BP América. Esta constatação do falhanço calamitoso do mecanismo comercial, quando encarada no caso português, ainda é mais gritante. Digam o que disserem, o que se está a passar aqui nada tem a ver com as leis de oferta e procura e tem tudo a ver com a ausência de mercado onde esses princípios pudessem funcionar.

Se na América há cinco grandes empresas que ainda forçam o mercado a ter preços diferentes, em Portugal há uma única que compra, refina, distribui e vende. É altura de fazer a pergunta de Maxine Waters, traduzindo-a para português corrente

- Se o país nada ganhou com a privatização da Galp e se estamos a ser destruídos como nação pela desalmada política de preços que a única refinadora nacional pratica, porquê insistir neste modelo? Enunciemos a mesma pergunta noutros termos

- Quem é que tem vindo sistematicamente a ganhar nestes nove anos de privatização da Galp, que alienaram um bem que já foi exclusivamente público? Os espanhóis da Iberdrola, os italianos da ENI e os parceiros da Amorim Energia certamente que sim. O consumidor português garantidamente que não. Perdeu ontem, perde hoje e vai perder mais amanhã. Mas levemos a questão mais longe houve algum ganho de eficiência ou produtividade real que se reflectisse no bem-estar nacional com esta alienação da petrolífera? A resposta é angustiantemente negativa. A dívida pública ainda lá está, maior do que nunca, e o preço dos combustíveis em Portugal é, de facto, o pior da Europa. Nesta fase já não interessa questionar se o que estamos a pagar em excesso na bomba se deve ao que os executivos da Galp ganham, ou se compram mal o petróleo que refinam ou se estão a distribuir dividendos a prestamistas que exigem aos executivos o seu constante "quinhão de carne" à custa do que já falta em casa de muitos portugueses. Nesta fase, é um desígnio nacional exigir ao Governo que as centenas de milhões de lucros declarados pela Galp Energia entrem na formação de preços ao consumidor. Se o modelo falhou, por que não nacionalizar como sugeriu a congressista Waters? Aqui nacionalizar não seria uma atitude ideológica.

Seria, antes, um recurso de sobrevivência, porque é um absurdo viver nesta ilusão de que temos um mercado aberto com um único fornecedor. Se o Governo de Sócrates insiste agora num purismo incongruente para o Serviço Nacional Saúde, correndo com os existentes players privados e bloqueando a entrada de novos agentes, por que é que mantém este anacronismo bizarro na distribuição de um bem que é tão essencial como o pão ou a água? Como alguém já disse, o melhor negócio do Mundo é uma petrolífera bem gerida, o segundo melhor é uma petrolífera mal gerida. Na verdade, o negócio dos petróleos em Portugal, pelas cotações, continua a ser bom. Só que o país está exangue. Há fome em Portugal e vai haver mais. O negócio, esse, vai de vento em popa para o Conselho de Administração da Galp, para os accionistas, para Hugo Chávez e José Eduardo dos Santos. Mas para mais ninguém. A maioria de nós vive demasiado longe da fronteira espanhola para se poder ir lá abastecer.