/* Commented Backslash Hack hides rule from IE5-Mac \*/

PENSANTES

Outros pensamentos, ideias e palavras que nos fazem pensar...

sexta-feira, fevereiro 23, 2018

# O suicida arrepende-se no ar

HENRIQUE RAPOSO RR ONLINE 09.02.2018

O princípio do suicídio e da eutanásia está errado. Parte de uma
ilusão. É um princípio que torna absoluto o que é momentâneo (a dor)
enquanto torna relativo o que é absoluto (a vida), procurando solução
naquilo é definitivo (a morte).
O seu nome é Ken Baldwin. Em 1985, tentou matar-se através do método
mais belo e eficaz: saltar da Ponte Golden State. Empoleirou-se na
grade, olhou para a água a 70 metros e quatro segundos de distância.
Contou até dez. Respirou. Voltou a contar até dez e deixou-se cair.
Assim que entrou em queda livre, Ken caiu também na lucidez: "percebi
instantaneamente que tudo o que eu achava que era inflexível na minha
vida era totalmente flexível – tudo menos o facto de ter saltado da
ponte".
Kevin Hines em 2000 repetiu o gesto e a sensação de arrependimento: "o
que raio acabei eu de fazer? Eu não quero morrer!". Não, não tive
acesso ao Além. Conheço as história de Ken e Kevin, porque eles
sobreviveram ao salto. São milagres com bilhete de identidade e
personalidade jurídica; conheceram o inferno mas regressaram para
contar como é.
O suicídio é o grande ângulo morto, porque é impossível saber o porquê
daquele acto; é impossível fazer a autópsia mental do suicida. Estes
raros sobreviventes tornam-se assim focos de luz apontados à
escuridão. Através deles, ficamos a saber que, no momento em que
acciona o suicídio, no momento em que salta, o suicida acciona também
o arrependimento. Ele percebe logo ali, naquela fracção de segundo,
que só há uma coisa sem solução, a morte, e que a dor que sentia até
há uma fracção de segundo não era o fim do mundo. Ainda em pleno ar,
ele percebe que a dor, física e sobretudo psíquica, que o levou ao
parapeito da ponte não é definitiva; há um amanhã, há um futuro, há
conversas para ter, há abraços para dar, há fruta pra comprar e banhos
para dar. O salto é ao mesmo tempo o último momento do desespero e o
primeiro momento da lucidez reencontrada.
A dor engana, bloqueia a noção de recomeço. Este poder de sedução da
dor psicológica faz lembrar aquele filme omnisciente e omnipresente: o
"Groundhog Day"; aquela tristeza mecanizada ilude-nos, faz-nos
acreditar que todos os dias serão a repetição daquele dia de abismo,
daquele dia negro que se repete semana após semana como se o tempo não
avançasse. Diz-se que o "tempo cura tudo", não é?
O problema é que este vórtice anula a própria paragem do tempo,
ficamos com a sensação de estamos a viver o mesmo dia (e a mesma dor)
vezes sem conta num loop sem fim. É assim que nasce a tentação do
suicídio: se vai ser sempre assim, então mais vale acabar o jogo
agora! Quando estamos neste abismo, não conseguimos perceber que
aquela dor é momentânea e não eterna; não conseguimos imaginar que,
mesmo que a melancolia seja eterna, conseguiremos um dia lidar com ela
da mesma maneira que lidamos com outra doença ou com a naturalidade
com que falávamos na infância com um amigo imaginário.
O carácter momentâneo da vontade de morrer é reforçado por outro facto
há muito conhecido em São Francisco. As pessoas cujos suicídios são
abortados na hora h nunca mais tentam o suicídio. Nos anos 70, um
estudo seguiu o rasto de 515 pessoas que foram agarradas ou
dissuadidas ali mesmo no abismo do tabuleiro da ponte: a esmagadora
maioria (94%) ainda estava viva ou tinha tido morte natural. Isto
prova que o suicídio tem muito de momentâneo. Como escrevi há dias no
Expresso, resulta de um cruzamento entre duas linhas temporais, a
linha temporal da melancolia do indivíduo e a linha temporal da
acessibilidade aos meios para a morte (veneno/drogas, saltos, armas);
quando estas duas linhas se cruzam, abre-se a janela de oportunidade
do suicídio, uma "hora do demónio" que pode durar semanas ou meses.
Portanto, a acessibilidade aos meios durante este período negro é um
factor determinante. É por isso que os grandes suicidas da classe
médica são os anestesistas: são eles que têm à mão de semear as
injecções letais. Em sentido inverso, é por isso que a rede
anti-suicídio está a ser colocada na Golden State.
O princípio do suicídio e da eutanásia está errado. Parte de uma
ilusão. É um princípio que torna absoluto o que é momentâneo (a dor)
enquanto torna relativo o que é absoluto (a vida), procurando solução
naquilo é definitivo (a morte). Ninguém consegue travar o desespero do
suicida. Essa dor vai sempre andar entre nós. E que ninguém pense que
está imune ao seu contágio. Mas, se o suicida tem "direito" ao seu
desespero, a sociedade não pode validar esse desespero; a sociedade
não pode eternizar algo que é relativo e passível de recuperação; a
sociedade não pode aceitar o desespero como argumento. No fundo, há
que ser empático com o suicida mas implacável com a lógica do
suicídio.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

quarta-feira, fevereiro 21, 2018

# Ou Rosa dava a "missa" ou a igreja fechava

Há uma máquina montada. Em Reguengos de Monsaraz, à falta de padres,
são os leigos que mantêm as celebrações dominicais. Oito mulheres e
sete homens fazem uma espécie de missa, que não é missa. A prática que
começou a generalizar-se na Igreja Católica em Portugal desde os anos
90 dificilmente colhe tantos adeptos como nesta unidade pastoral
alentejana.

Uma das fiéis prepara as velas, ajeita o altar. Vêm as crianças da
catequese e as cerca de 30 pessoas que neste domingo vieram à igreja
da Vendinha, em Reguengos de Monsaraz, acabam de se sentar, pousando
as carteiras no beiral dos bancos de madeira. A audiência, quase só
mulheres, é o coro. As letras das músicas, impressas em acetatos,
estão projectadas numa tela branca para que todos as vejam. A melodia
é sabida de cor. O cântico de entrada está quase a terminar, quando
Rosa Calado se levanta da primeira fila, a cantar, para tornar lugar
no púlpito. Não há padre. É ela que o substitui. "Neste domingo,
trouxemos aquilo que cada um de nós é, nas nossas fragilidades",
começa por dizer, como que contando a sua história.

Rosa, 55 anos, empregada fabril em Évora, ainda tem um "santo tremor"
que sobe sempre consigo ao altar. Apesar de já ter dirigido centenas
de celebrações dominicais, ao longo das mais de duas décadas que as
tem a seu cargo. Começou de forma pontual, quando o padre tinha que ir
à terra. Ou Rosa ia ou a igreja fechava. "O Nosso Senhor havia de
meter as palavras certas na minha boca", acreditou.

Se dependesse dela, aquela igreja, que quase parece uma pequena casa,
nunca fecharia a porta. É pequena, caiada de branco, com um altar de
pedra. Cá fora, emoldurada pelo olival e campos de pasto, cor de
folhas e terra molhada.

Dentro, Rosa celebra uma espécie de missa que não é missa. Chama-se
celebração da palavra, em substituição da eucaristia, que, diz a
Igreja Católica, apenas pode ser feita por um padre. Na sua ausência,
os cristãos designados para orientar as cerimónias seguem um guia de
celebração. Há leituras, salmos, as mesmas orações, os mesmos
cânticos, a comunhão e a oração dos fiéis. Só não há homilia — em sua
substituição, os leigos fazem uma interpretação do evangelho — e a
consagração das hóstias — estas são consagradas pelo presbítero numa
missa anterior.

Tudo se tornou oficial quando o padre Manuel José Marques viu a
Unidade Pastoral de Reguengos ficar sem sacerdotes que assegurassem o
serviço dominical, nos inícios dos anos 2000. O padre criou um grupo,
onde Rosa foi incluída. Escolheu gente da terra, conhecidos da igreja.
Deu-lhes formação. Organizou uma agenda.

O grupo ganhou força e responsabilidade quando o "Manuel Zé", como é
conhecido, se viu com sete paróquias em mão, auxiliado apenas por um
diácono. Eram 15 igrejas para dois homens só. Hoje há mais oito
mulheres e sete homens a assegurar que as igrejas continuam de portas
abertas.

"Se me dissessem que iria estar aqui nas celebrações tantos anos, eu
tremia, tremia deveras. Teria até a tentação de dizer que não",
confessa Rosa. "Isto é um trabalho que nem é nosso. Temos que ser
humildes. Crescemos muito", diz a mulher, que chegou a trabalhar das
23h às 7h na fábrica, dormindo duas ou três horas para estar às 11h na
catequese e ao meio-dia na missa. Hoje esta mulher, a quem a fé "faz
bem", só sai dali quando o padre ou a igreja o quiserem.

Escolhidas pelo padre, estas 15 pessoas "receberam a missão" do bispo
de Évora. Fora isso, o formalismo fica à porta. Afinal, Rosa trata a
audiência por "amigos", senta-se nos bancos da plateia e canta durante
toda a cerimónia. Usa a roupa de um dia normal. Não têm um curso
específico nem um diploma.

As profissões dos orientadores são tão díspares quanto as suas idades:
há uma assistente de call center de 35 anos, uma florista de 25, uma
professora de 35, um bancário de 50, um agricultor reformado e um
militar da GNR com 38 anos. Alguns foram escuteiros, dos coros ou
grupos de jovens, a maioria são catequistas. Rodam entre si a vez de
celebrar o sábado ou o domingo nas comunidades que lhes estão
atribuídas. A máquina, oleada, funciona em pleno. Já é natural que
assim seja.

Os crentes não se opõem, nunca o fizeram, garante o sacerdote. "Senti
sempre que não houve nenhuma resistência, pelo contrário." Recebeu
vários agradecimentos quando a rotina se consolidou, diz. "Venha um
qualquer, nós queremos é que haja celebração", disseram-lhe. "De
alguma maneira, quando os cristãos sentem esta necessidade de
celebrarem o domingo, reúnem-se. Depois é preciso dar-lhe um nome e
organizar a celebração, para que não se transforme numa reunião ou
numa catequese." O objectivo sempre foi claro: "Não o sendo, tem que
ser o mais parecido com uma eucaristia."

Cerca de um terço das paróquias da diocese de Évora alteram entre
missas e celebrações da palavra, orientadas sobretudo por diáconos
permanentes, nalguns casos por leigos, explicou a diocese.

O que se passa em Reguengos de Monsaraz não é caso único: acontece
noutras dioceses do Alentejo e também no Algarve e Trás-os-Montes.
Ali, o papel dos leigos é apenas singular pela dimensão e organização.
Noutros locais, "muitos padres não estão abertos a esta
possibilidade", praticada "desde os anos 1990", diz Manuel José
Marques. "Preferem ir às comunidades de mês a mês do que confiar o
serviço em alguém que não foi ministrado", entende. "Afinal, os padres
não são todos iguais."

É um sinal dos tempos, da falta de padres, do abandono do interior. Em
Portugal há 3040 padres para 4377 paróquias, segundo o anuário
católico, a cargo da Conferência Episcopal Portuguesa. E o número de
sacerdotes diocesanos (que não pertencem a uma ordem religiosa e têm
atribuídas uma ou mais paróquias) tem baixado de ano para ano.

Cerca de um terço das paróquias da diocese de Évora alternam entre
missas e celebrações da palavra, orientadas sobretudo por diáconos
permanentes, nalguns casos por leigos, explicou a diocese ao PÚBLICO.
É uma das soluções possíveis para fazer face à crise das vocações. O
outro recurso são os padres estrangeiros: das 157 paróquias da diocese
alentejana, 22 estão a cargo de sacerdotes estrangeiros, sobretudo
brasileiros e angolanos. Ainda assim, 108 paróquias não têm pároco
residente.

A carência tornou-se "crítica" na aldeia de Cláudia Rocha quando esta
tinha pouco mais de 20 anos. Não teve como não se chegar à frente.
Aturou as questões dos amigos — "Mas tu és padre?" —, a desconfiança
dos pais, os olhares curiosos de quem "via uma miúda frente ao altar",
a falar para uma assembleia que raramente ultrapassa as dez pessoas.
Aos 32 anos, não lhe perdeu o gosto.

Era a única católica lá de casa. "Sempre tive necessidade de estar e
partilhar com a minha comunidade mesmo que os meus pais não fossem
religiosos", recorda. Ia à catequese com as amigas. Ia à missa sozinha
todos os domingos. Foi baptizada aos 17 anos e quando voltou à terra,
depois da universidade, recebeu o convite do padre. "Fiquei lisonjeada
e em pânico." Mas a capacidade de comunicação, que aperfeiçoou no
curso que a tornou assistente social, moldou-a para o papel.

"Há muita gente que vai à igreja, apregoa aqueles valores, mas não os
reproduz na sua vida. Gosto de os colocar à prova. Se vejo que há um
maior constrangimento sobre dado tema, vou por aí." Cláudia faz por
traduzir os textos bíblicos, desconstruir ideias preconcebidas, passar
os valores cristãos. É assim há dez anos, nas cerimónias que dirige em
Santo António do Baldio e no Carrapatelo, alternando com o padre, uma
florista e uma socióloga. "Não sou ninguém para julgar, mas acho que
estamos ali para transmitir sabedoria. São comunidades envelhecidas,
muito resistentes à mudança, para quem muito poucos olham. Porque
iriamos nós também deixá-los sozinhos?", questiona.

A comunidade também não a abandonou quando pensou que o faria. Ao
divorciar-se, questionou o padre se faria sentido continuar. "Para ele
e para as pessoas, isso nem foi uma questão." Continuou.

Cláudia não o faz para se valorizar. "Nem estou ali para ser padre.
Estou ali para passar uma mensagem e questionar, mas isso nada tem a
ver comigo. Poderia ser qualquer cristão naquele papel", acredita.

Na verdade, a prática e a escassez aguçaram esse engenho nas pequenas
aldeias de Monsaraz. À falta do padre e orientadores, são os crentes
que abrem a igreja. Fazem uma pequena celebração, à sua maneira.
"Estando envolvidas, as pessoas tornam-se responsáveis e levam o barco
até onde for preciso." Cláudia também poderá não estar sempre
disponível para o ofício.

"Há muita gente que vai à igreja, apregoa aqueles valores, mas não os
reproduz na sua vida. Gosto de os colocar à prova. Se vejo que já um
maior constrangimento sobre dado tema, vou por aí."
Cláudia Rocha

Tornar as coisas mais bonitas

Apesar de ter havido um certo reconhecimento do papel das mulheres na
Igreja Católica, impulsionado pelo Papa Francisco, que criou no ano
passado a Comissão de Estudo sobre o Diaconado Feminino, a posição da
igreja e do sumo pontífice é clara: só os homens podem ser padres. Mas
a discussão ganhou fôlego.

Curioso é que Dora Cruz, de 32 anos, não se lembra de outra cerimónia
na aldeia do Campinho que não as dirigidas por mulheres. O que em
Monsaraz "já está no hábito das pessoas", "só é estranho para os de
fora", acredita.

Quando foi a sua vez de dirigir, "queria dizer tudo às pessoas, não
deixar nada para trás". Depois percebeu que não era o contexto
histórico das leituras que os crentes da pequena aldeia, entre campos,
queriam ouvir. "As pessoas abalavam daqui vazias." Então ganhou ritmo,
capacidade de síntese e à-vontade. Agora separa-se mais dos
apontamentos que prepara durante a semana, desde que não lhe falte a
"providência divina".

A celebração dirigida por esta educadora de infância é uma coisa de
família: o marido Francisco toca guitarra, o filho bebé já assiste, os
amigos são pessoas da comunidade. "Nasci aqui, os meus pais são daqui,
sempre estive aqui. Já que vínhamos à igreja de qualquer maneira,
porque não contribuir para ela? Animar um bocadinho as coisas,
torná-las mais bonitas?"

Os dois compromissos

As olarias, porta sim, porta sim, ladeiam o caminho até ao centro de
São Pedro do Corval. A estrada sem passeios, com as casas brancas à
boca da rua, há-de levar à pequena igreja no largo da aldeia. Joaquim
Cebola, 65 anos, reformado da função pública, há-de preparar o altar
sozinho, se não vier nenhum acólito. Acontece que os jovens, os poucos
que permanecem na aldeia, já não se interessam tanto. Num dia bom,
chegariam 30 a 40 pessoas à cerimónia.

Subirá ao altar em tons de azul, daquela igreja branca, vestido tal
como está, calças bordô, camisa e casaco preto. Só veste a alva quem
já era acólito.

Nem sempre Joaquim seguiu a educação cristã que tivera em pequeno. "Há
um momento em que não somos capazes de encaixar aqui." Havia de sair
de casa para fazer o serviço militar na Marinha e "não estava para
essas coisas". Foi a sua "passagem pelo deserto", diz hoje.

Regressado à terra, voltou à missa. Juntou-se ao coro, "de meia dúzia
de pessoas, carolas". Reconquistou a fé. E, volvidas várias décadas de
ligação à igreja, "caiu-lhe nas mãos" aquela responsabilidade. Há
cerca de oito anos fez a formação teológica através da diocese e
dirigiu as primeiras cerimónias. Hoje já dirige funerais (exéquias) e
leva a comunhão aos idosos do centro social. Todos os anos, em
Outubro, faz a formação litúrgica. É a forma que a diocese encontrou
para ir actualizando os estudos dos leigos. Alguns frequentam também
os cursos de cristandade da Arquidiocese de Évora.

A Internet serve a todos como fonte de estudo. Rosa Calado deixou de
ir a Fátima ou à livraria eclesiástica em Évora para comprar os livros
dos anos A, B e C. "Googla" e encontra. Apesar do tom informal com que
dirige a cerimónia na Vendinha e na Cumeada, sabe que não é a única a
procurar os textos. A sua audiência é interessada, exige-lhe
constantemente uma "prova de fogo". "Agora estamos numa aldeia global,
as pessoas não querem só a parte teológica, querem ver isso
reproduzido nas questões da sua vida", retorque. Precisa de tempo para
meditar durante a semana e conseguir adequar o evangelho "àquilo que a
comunidade pede" de si.

Pela disponibilidade que exige, nem sempre é fácil conciliar a vida
eclesiástica e familiar. Para Joaquim, a fronteira é cada vez menor.
Casado, com filhos, partilha com a mulher, salmista, esta
"disponibilidade e vontade de servir". "A percepção da vida antes e
depois é diferente. Às vezes prejudicamos a família para servir os
outros, porque são dois compromissos assumidos perante Deus: de um
lado o matrimónio, do outro o compromisso perante a família cristã."

Para este homem, a igreja é algo do qual todos se servem, mas à qual
poucos servem. "Servi-la é o mais difícil. Por isso, quando seguimos
este caminho, isto muda-nos."

MARGARIDA DAVID CARDOSO
in Público, 14 de Janeiro de 2018

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

# Progresso e esperança

É um daqueles livros que nos obrigam a reflectir, porque andamos em
lamúrias inconsequentes, não colocando os problemas onde devem ser
colocados. Evidentemente, seria de lamentar se esse livro nos
arrancasse à obrigação de continuar a pensar. De facto, os problemas
estão aí, imensos, mas já diferentes do que normalmente julgamos. O
livro teve, com mérito, enorme sucesso. O seu autor: Johan Norberg. O
título: Progresso. O subtítulo: Dez razões para ter esperança no
futuro. Razões fundamentadas.

O autor sabe dos problemas que nos afligem. "Terrorismo. Estado
Islâmico. Guerra na Síria e na Ucrânia. Crime, homicídio, execuções em
massa. Aquecimento global. Fomes, cheias, pandemias. Estagnação,
pobreza, refugiados. "Destruição e desespero em toda a parte", como
uma mulher declarou num inquérito de rua quando a rádio pública lhe
pediu para descrever o estado do mundo. É isso que vemos nos
noticiários e parece ser a história dos nossos dias. Cinquenta e oito
por cento dos que votaram para a Grã-Bretanha sair da União Europeia
no recente referendo levado a cabo no país dizem que a vida hoje é
pior do que há trinta anos."

Há razão para todo este pessimismo? Ou o que se passa é que os meios
de comunicação social só se interessam pelas más notícias, porque as
boas não são notícia? "Os jornalistas estão sempre à espreita da
história mais dramática na área geográfica por eles coberta". Mas o
que é facto é que "o mais importante da nossa época é estarmos a
assistir à maior melhoria dos padrões de vida globais jamais
registada. Pobreza, malnutrição, analfabetismo, mão de obra e
mortalidade infantis estão a descer mais depressa do que em qualquer
outro período da história humana. Ao longo do último século, a
esperança de vida aumentou mais de duas vezes o que aumentou nos
duzentos mil anos anteriores. O risco de exposição de um indivíduo à
guerra, à morte numa catástrofe natural ou à ditadura em nenhuma outra
época foi mais pequeno. Uma criança que nasça hoje tem mais
probabilidades de alcançar a idade da reforma do que os seus
antecessores tinham de comemorar o quinto ano de vida". Evidentemente,
não se pode ser ingénuo e ficar cego frente às guerras em curso, a
crimes, às catástrofes, à pobreza e à miséria no mundo. Todos esses
problemas são terrivelmente reais, tanto mais quanto os meios de
comunicação social nos obrigam a tomar consciência deles. "A única
diferença é que agora encontram-se em rápido declínio. O que hoje
vemos são excepções, ao passo que antes eram a regra."

Este progresso arrancou concretamente com o iluminismo intelectual dos
séculos XVII e XVIII. Desde então continuamos a acumular
conhecimentos, científicos e de outras ordens e "cada indivíduo pode
basear o seu contributo nos das centenas de milhões de pessoas que o
precederam, num círculo virtuoso". "Seria um erro terrível" ignorar os
problemas, as ameaças constantes, os perigos, e tomar os progressos da
humanidade como garantidos. Mas este livro é "sobre os triunfos da
humanidade". E aí ficam as dez razões para ter esperança no futuro.

1. A mais básica das necessidades humanas consiste em obter energia
suficiente para que o corpo e a mente funcionem, o que ao longo da
história as pessoas nem sempre conseguiram. É indescritível o que se
passou no decorrer dos tempos, também na Europa, neste domínio. "Os
franceses e os ingleses do século XVIII ingeriam muito menos calorias
do que a média actual na África subsariana, a região mais atormentada
pela subnutrição". No centro da França, em 1662, "houve quem comesse
carne humana". No passado, trabalhava-se menos horas, e o motivo disso
não deve causar inveja: as pessoas não tinham acesso às calorias
necessárias para as crianças crescerem saudáveis e os adultos manterem
funções corporais sadias. As novas tecnologias agrícolas, os
fertilizantes artificiais, a Revolução Verde, o comércio
internacional, entre outras, foram armas decisivas contra o flagelo da
fome. A Suécia, país dos antepassados do autor, foi declarada livre da
fome crónica no início do século XX. Também por isso, a população
mundial passou de 1,6 mil milhões de pessoas em 1900 para os actuais
mais de 7 mil milhões. Pela primeira vez na história da humanidade, o
problema da comida começou a encontrar solução - nalguns casos até
começou o problema contrário: o da obesidade - e de 1950 a meados dos
anos 80, a população do mundo duplicou, passando de 2,5 mil milhões
para 5 mil milhões. E, contra os pesadelos de Malthus, "conforme se
tornaram mais ricas e aumentaram a educação, as pessoas começaram a
ter menos filhos, e não mais, como se previa", o que, aliás, digo eu,
por vezes, levanta problemas dramáticos, como é o caso de Portugal.

2. Saneamento. Para sustentar a vida, não basta a comida. É
fundamental tratar resíduos e desperdícios. Sem isso, a água,
essencial para a vida, fica contaminada e torna-se transmissora de
calamidades, espalhando bactérias, vírus, parasitas, vermes. "Embora
difícil de quantificar, parece que o principal problema de saúde
ambiental do mundo continua a ser a contaminação da água para beber e
para uso doméstico, combinada com a inexistência de um saneamento
adequado para a eliminação de resíduos, fezes e urina." "Há relatos
contemporâneos de aristocratas a defecar nos corredores de Versalhes e
do Palais Royal. Na verdade, as sebes de Versalhes eram altas para
servirem de divisórias entre os que aí se iam aliviar." Em 1980,
"apenas 24 por cento da população mundial tinha acesso a saneamento
decente. Em 2015, esse número subiu para 68 por cento". A maior
percentagem de população sem água nem saneamento vive na África
subsariana, mas, mesmo aí, houve "um aumento de 20 pontos percentuais
no uso de água potável de fontes melhoradas de 1990 a 2015".
Continuaremos.

in DN 01.12.2018 Anselmo Borges

Parte 2 - DN 08.12.2017

Como ficou dito, o livro Progresso, de Johan Norberg, apresenta dez
razões para ter esperança no futuro. Continuo o seu elenco, para lá
das apresentadas quanto à comida e ao saneamento.

3. Esperança de vida. Para não irmos a épocas anteriores piores,
devemos referir que na década de 1830 a esperança de vida na Europa
Ocidental ia até aos 33 anos e melhorou apenas de forma muito lenta.
Antes de 1800, nenhum país do mundo tinha uma esperança de vida
superior a 40 anos. O espantoso é que não existe um único país que não
tenha visto melhorias na mortalidade infantil desde 1950.

4. Pobreza. Não precisamos de uma explicação para a pobreza porque é
desse ponto que todos partimos. A pobreza é o que temos até criarmos
riqueza. No início do século XIX, as taxas de pobreza eram superiores
às dos países pobres hoje, até nos países mais ricos. Quando nos anos
50 do século XX a pobreza extrema foi erradicada em quase todos os
países da Europa Ocidental, começou a segunda grande evasão da
pobreza, na Ásia Oriental, com países como o Japão, a Coreia do Sul,
Taiwan, Hong Kong e Singapura, que acelerou quando os dois gigantes
mundiais, a China e a Índia, decidiram começar a abrir as suas
economias em 1979 e 1991, respectivamente. O segredo do
desenvolvimento da Ásia foi a sua integração na economia global. Entre
1981 e 2015, a proporção de países de rendimento baixo a médio que
sofriam de pobreza extrema foi reduzida de 54% para 12%. Em 1820, o
mundo tinha apenas cerca de 60 milhões de pessoas que não viviam em
pobreza extrema. Actualmente, mais de 6,5 mil milhões de pessoas não
vivem em pobreza extrema.

5. Violência. Nos inícios da Idade Moderna, aconteceu uma coisa
incrível: A taxa europeia de homicídios caiu de 30-40 para 19 por cada
100 mil vítimas no século XVI e para 11 no século XVII. No século
XVIII, desceu para 3,2 e hoje é de apenas 1. Entre o século XVII e o
século XVIII, o número anual de execuções por cada 100 mil pessoas
baixou de mais de 3 para menos de 0,5. Hoje ronda os 0,1. Claro que os
riscos de guerra, incluindo nuclear, estão aí à vista. Pense-se nisto:
A qualquer momento um grupo terrorista pode deitar a mão a uma bomba
nuclear. Mas as tendências gerais a favor do valor da vida e da paz
são fortes.

6. Ambiente. Disse Indira Gandhi: Não são a pobreza e a necessidade os
maiores poluidores? O ambiente não pode ser melhorado em condições de
pobreza. Os danos maiores dão-se nos países pobres. Agora, há o acesso
global à soma dos conhecimentos da humanidade, e isso pode significar
que o dilema no centro do aquecimento global - a nossa necessidade de
energia - na verdade é também a sua solução.

7. Literacia. A taxa global de literacia cresceu cerca de 21% em 1900
para quase 40% em 1950 e em 2015 era de 86%. Isso significa que
actualmente apenas 14% da população adulta não sabe ler e escrever, ao
passo que em 1820 apenas 12% sabiam.

8. Liberdade. No ano de 1900, exactamente 0% da população mundial
vivia numa democracia verdadeira, na qual cada homem ou mulher vale um
voto. Em 1950, 31% vivia em democracia e no ano 2000 ia nos 58%. Hoje,
até os ditadores têm de fingir gabar a democracia e forjar eleições.

9. Igualdade. É um facto: continua a haver discriminação e
intolerância contra as mulheres, os homossexuais, minorias étnicas e
religiosas e há pessoas que são vítimas de preconceito, hostilidade e
crimes de ódio. Mas hoje, com raras excepções, pela primeira vez, os
governos defendem a igualdade e o direito de amarmos quem quisermos e
os fanáticos já não têm o auxílio, nem sequer o silêncio, das
maiorias. Quando se pensa na escravatura, no racismo, na opressão das
mulheres, é difícil não constatar um progresso espantoso.

10. A próxima geração. Apesar do que se diz nos noticiários, as
condições da infância nunca foram tão benévolas como agora. O autor
pede para se imaginar uma menina de 10 anos há duzentos anos. Fosse
onde fosse, não esperaria viver mais de 30 anos. Fora criada em
condições que hoje consideramos insuportáveis. Vivia num mundo
implacável, onde o risco de morte violenta era quase três vezes
superior ao actual. Desde então, a humanidade assistiu a uma revolução
nos níveis de vida material e à consciência dos direitos humanos. E
quando se pensa nos avanços em conhecimento de todo o género em que
essa menina vai hoje poder participar, deve reconhecer-se que está a
dar os primeiros passos num mundo novo. O nosso futuro está nas mãos
dela.

11. Epílogo. As coisas terem melhorado - esmagadoramente - não garante
o progresso no futuro. É evidente. Pense-se inclusivamente na
possibilidade do Apocalipse: armamento nuclear nas mãos de grupos
terroristas. A nova situação do mundo não faz correr o risco da morte
global?

No meu entender, neste livro tão animador há um vazio: a falta da
invocação da transcendência. Para, concretamente num tempo de
desorientação, de inesperança, de consumação do niilismo, niilismo
sedado, responder às perguntas metafísico-religiosas, inelimináveis:
viver para quê?, qual o sentido último do progresso e da existência?

Pensando precisamente no futuro da humanidade, que na sua grande
maioria ainda se afirma religiosa, poderíamos esperar que, como líder
global, Francisco dê impulso à reunião do Parlamento Mundial das
Religiões para tratar de problemas cuja urgência para a humanidade
ninguém pode negar, como a salvaguarda da mãe Terra, questões de
bioética e relacionadas com as NBIC (nanotecnologias, biotecnologias,
inteligência artificial, ciências cognitivas e do cérebro), diálogo
intercultural e inter-religioso, governança global, a justiça e a paz
mundial, trans-humanismo e pós-humanismo, a esperança e o sentido.

Padre Anselmo Borges - Padre e professor de Filosofia

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

quinta-feira, fevereiro 15, 2018

# Falar de emoções como quem aprende matemática. São estas as escolas do futuro?

http://observador.pt/especiais/falar-de-emocoes-como-quem-aprende-matematica-sao-estas-as-escolas-do-futuro/

10 Fevereiro 2018 Ana Cristina Marques

Identificar emoções e aprender a geri-las pode ser a resposta para o
insucesso escolar. Há escolas que garantem que o segredo está na
pergunta "o que estás a sentir?". Até o Governo concorda.

Até há sensivelmente um ano, o pequeno Jaime chorava com medo das
expressões violentas do irmão autista, dez anos mais velho do que ele.
De cada vez que se zangava, a cara dele contorcia-se de tal forma que
ganhava contornos agressivos e o rapaz de então oito anos
assustava-se. Hoje, a realidade em casa de Maria Ana, a mãe, é
diferente e o motivo passa pela chamada educação emocional. Jaime é
uma das crianças que beneficia desta atividade extracurricular no
Jardim-Escola João de Deus de Leiria. "A educação emocional traz
resultados mais tarde na vida. Traz ferramentas para que ele consiga
lidar com situações difíceis, sobretudo tendo dois irmãos autistas
que, de vez em quando, têm crises emocionais", conta Maria Ana.

Que escolas apostam nos sentimentos?

O Jardim-Escola João de Deus de Leira é, por enquanto, o único daquele
grupo que tem uma parceria com a Escola das Emoções — que nasceu em
março de 2014 para trabalhar "o crescimento emocional da sociedade".
Há quatro anos que existe uma atividade extracurricular vocacionada
para a educação das emoções, para alunos dos três aos 10 anos, e há
três anos que a "disciplina" Estudo das Emoções chegou às salas de
aulas ao nível do infantário (para os quatro e cinco anos). "Nestas
aulas de educação das emoções as crianças começam por se conhecer a si
próprias, mas também os outros. São trabalhadas quatro emoções
básicas: alegria, tristeza, raiva e o medo", explica ao Observador
Vera Sebastião, diretora do jardim-escola.

Os objetivos, continua Sebastião, passam por compreender as emoções,
perceber que as ações têm consequências e desenvolver as capacidades
sociais das crianças. Algumas estratégias passam por explicar que as
emoções estão sempre associadas a um pensamento, uma equação por vezes
difícil de visualizar, mas que é desconstruída em sala de aula. "Este
trabalho é uma sementeira, os frutos são colhidos mais tarde." Para a
diretora escolar, hoje em dia vivemos na "era dos três P", uma vez que
os pais "protegem, permitem e proporcionam", três características cujo
equilíbrio parece ser difícil de alcançar. O falar e pensar as emoções
chega, então, a mais de 100 crianças daquele jardim-escola, sendo que
o de Alvalade (do grupo João de Deus) também está de olhos postos na
iniciativa.

Em Lisboa, na rede pública, também existem soluções semelhantes, que
consideram os sentimentos das crianças e dos adolescentes um processo
tão importante quanto a aquisição de conteúdos. No Agrupamento de
Escolas do Alto do Lumiar existe o projeto "Luta por Valores", onde
curiosamente o kickboxing está associado ao pensamento emocional.
"Trabalhamos a integração de regras e o respeito pelo outro, isso
faz-se através do desporto", diz Maria Caldeira, diretora do
agrupamento que fica num Território Educativo de Intervenção
Prioritária (TEIP), referindo que a prática aplica-se sobretudo a
alunos mais reativos, com problemas disciplinares, do primeiro ciclo.

É também no primeiro ciclo de uma escola deste agrupamento que existe
ioga e meditação três vezes por semana, prática que pretende alcançar
o aumento da concentração e o saber ouvir o outro — acontece em
colaboração com a Universidade de Aveiro, que está a monotorizar os
resultados. Maria Caldeira fala ainda do programa "Eu e os outros",
aplicado no contexto da sala de aula, onde os professores fazem role
playing com os alunos, usando histórias que derivam sempre de um
problema. E como se isto não bastasse, em 2o18 o agrupamento planeia
apostar na formação de pais.

"Falamos de emoções antes de falar de tudo o resto. Isto tem um
impacto direto na autoestima e na capacidade de a criança responder ao
meio que a envolve", acrescenta Margarida Silveira Rodrigues, diretora
da Escola Raiz, em Lisboa, que faz parte do modelo HighScope —
proveniente dos Estados Unidos, tem sensivelmente 50 anos e está
validado cientificamente. "Uma das suas áreas é o desenvolvimento
social e emocional, não na forma de uma disciplina, mas está integrado
no programa. Tanto a formação dos professores como o modo de ensino
tem por base este tipo de desenvolvimento", esclarece, deixando claro
que é natural e recorrente a pergunta "O que estás a sentir?".
Margarida Silveira garante que assiste ao aumento da capacidade de
resiliência das crianças, que aceitam mais facilmente o erro.

Também Vera Sebastião, da Escola das Emoções, e Maria Caldeira falam
em resultados positivos. Certo que continuam a existir comportamentos
impulsivos, admite a primeira, que nota que as crianças se tornam mais
consequentes e, por isso, pedem desculpa mais facilmente. "É o começo
de tudo. Os pais estão muito felizes", continua. Já as crianças e os
adolescentes debaixo da alçada do Agrupamento de Escolas do Alto do
Lumiar têm, por norma, vários problemas de disciplina e são
provenientes de famílias destruturadas, mas também elas e eles parecem
beneficiar num sentido relacional.

Soft skills para "enfrentar os desafios do século XXI"

No relatório "Competências para o progresso social — O poder das
competências socioemocionais", publicado no fim de 2015 pela OCDE e
citado no livro A Escola Certa para o Seu Filho, lê-se que as crianças
precisam de "um conjunto equilibrado de competências cognitivas e
socioemocionais para serem bem-sucedidas na vida moderna". O relatório
em questão fala nas chamadas soft skills (competências
socioemocionais), defendendo que "a capacidade de atingir objetivos,
de trabalhar eficientemente em grupo e de lidar com as emoções" vai
ser "essencial para enfrentar os desafios do século XXI".

Num artigo publicado no blogue TED-Ed, que diz respeito a uma
iniciativa na área da educação associada às conferências TED,
investigadores citados referem que as capacidades emocionais deveriam
ser tão importantes na educação das crianças como é a matemática, a
história ou a ciência. Há pesquisas que sugerem que pessoas com
capacidades emocionais mais apuradas têm melhores resultados nas
escolas, mas também melhores relações e menos comportamentos de risco.
No mesmo artigo, datado de fevereiro de 2017, lê-se que existe um
esforço nas escolas norte-americanas para ensinar "aprendizagem social
e emocional" ("social and emotional learning, SEL", em inglês), ainda
que haja um maior enfoque em capacidades como cooperação e
comunicação.

Nem de propósito, a Comissão Nacional para o Desenvolvimento Social,
Emocional e Académico, do Aspen Institute divulgou descobertas
preliminares que fazem parte do mais recente relatório, onde se lê que
o desenvolvimento social, emocional, cognitivo, linguístico e
académico está "profundamente ligado" e que todas estas áreas "são
centrais para a aprendizagem e para o sucesso".

Segundo a neurocientista Mary Helen Immordino-Yang, citada num artigo
de 2016 do The New York Times, a emoção é essencial à aprendizagem e
não deve ser subestimada ou tida como uma moda. "É literalmente
neurobiologicamente impossível pensar profundamente sobre coisas que
não nos interessam."Francisco Esteves, professor catedrático na Mid
Sweden University, na Suécia (além de investigador do CIS-IUL) esteve
presente nas I Jornadas Internacionais do Pensamento Emocional,
realizadas no passado dia 2 de fevereiro no ISCTE-IUL, onde, falando
sobre pensamento emocional, alertou para o facto de o processamento
cognitivo ser muito mais afetivo do que neutro e que, muitas vezes, os
processos racionais são influenciados pela componente afetiva que não
deve ser, por isso, ignorada.

"Os seres humanos são emoção, esse elemento vital da nossa
existência", esclarece ao Observador Helena Marujo, professora no
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e uma das
principais investigadoras em Portugal na área da Psicologia Positiva.
É ela quem diz que, enquanto sociedade, existe uma cada vez maior
preocupação intelectual, sendo que "minorámos tudo o que tem que ver
com a experiência do sentimento". Qualquer desempenho depende do nosso
bem-estar, diz, acrescentando que ninguém consegue aprender com
emoções negativas.

Para a especialista em psicologia positiva, a ideia de trazer as
emoções para dentro da sala de aula não só faz sentido como é algo
"incontornável". "Uma criança valorizada pelos colegas e professores
sente esperança e tudo isso são experiências emocionais que têm uma
influência cognitiva", defende, ao mesmo tempo que diz que deveríamos
apostar numa educação mais holística. "É preciso relembrar que a
educação é um processo relacional, acontece entre pessoas, mesmo numa
era altamente tecnológica."

Há lugar para as emoções na sala de aula?

A preocupação com as emoções dos mais novos não está desprovida de
argumentos e são muitos os que apontam o dedo ao atual modelo de
ensino. "O ensino transmissivo das palestras habituais nas nossas
escolas está completamente inadequado", defende Margarida Silveira, da
Escola Raiz, que entende que a inteligência emocional deve ser
trabalhada em contexto escolar, embora não na forma de uma disciplina.
"Acho que em qualquer ensino se pode fazer um trabalho sobre as
emoções", diz. O argumento é partilhado por Maria Caldeira, do
Agrupamento de Escolas do Alto Lumiar, que refere que o treino das
competências emocionais deveria ser transversal a tudo e que deveria
começar nas escolas, sejam elas públicas ou privadas."Pode ser uma
atividade extracurricular, mas o importante é que em todas as
disciplinas isto aconteça. Se os alunos estiverem sensibilizados para
isto há ganhos ao nível do sucesso académico, mas criar uma disciplina
de treino de competências emocionais não faz sentido", esclarece a
diretora do agrupamento.

Sobre isto, fonte oficial do Ministério da Educação garante ao
Observador que áreas como desenvolvimento pessoal e relacionamento
interpessoal são hoje "reconhecidas como pré-requisitos para a
aprendizagem, mas também como finalidades do processo de
aprendizagem". Para o Ministério da Educação, "estes projetos são uma
ferramenta muito adequada para responder a este desafio colocado pelo
perfil do aluno", sendo que a "opção pela inclusão destas áreas
assenta no consenso internacional de que os alunos serão tanto mais
sucedidos na sua vida ativa quanto forem capazes de trabalhar com
autonomia, de se relacionarem bem consigo próprios e com os outros".

A espanhola Ana Peinado, que esteve nas já referidas jornadas, diz que
o trabalho dos professores passa por "colocar sementes no coração das
crianças", isto é, "formar pessoas de maneira íntegra", pelo
quequestiona o modelo de ensino que se centra apenas na partilha de
conhecimento e na inteligência matemática — segundo a psicóloga, que
desenvolve a sua atividade em programas de desenvolvimento emocional
em centros infantis, básicos e secundários, existem diferentes tipos
de inteligência, considerando crianças mais vocacionadas para a
natureza, para a escrita, para o desporto, etc, às quais os
professores se deveriam adaptar. "Dos bons professores recordamos
sempre as características afetivas", disse diante de um auditório
praticamente cheio. "O problema do ensino não é tanto o aluno não
querer ir às aulas. Há professores que também não querem ir",
continuou. É ela quem garante que as chaves para educar com
inteligência emocional passam por descobrir o talento de cada aluno,
servir de motor de arranque para as suas competências e fazer com que
toda e cada criança se sinta "útil, valorizada e querida".

"Os educadores não têm formação para trabalhar desta forma. Ficam
sensibilizados, mas não sabem como fazê-lo. O que pretendemos ao
trazer as emoções para a educação é chegar às massas de alunos através
de professores e educadores em termos de prevenção", acrescenta Vera
Sebastião, da Escola das Emoções. É aqui que entra também aAssociação
Prevenir, que desde 2002 está apostada na formação de professores e
educadores ao nível da inteligência emocional e das competências
socioemocionais — a primeira permite distinguir, identificar e gerir
emoções, a segunda engloba competências como a assertividade, a
autoestima e o autocontrolo.

A atuação da associação abrange idades desde dos três aos 14 anos,
isto é, do ensino pré-escolar ao segundo ciclo. Em causa estão
parcerias com câmaras municipais, juntas de freguesia e até
agrupamentos escolares que contactam esta entidade no sentido de
formar os seus docentes. Os métodos e os materiais disponibilizados
variam consoante a idade dos alunos: se no pré-escolar há objetos como
o baralho dos sentimentos, no primeiro ciclo existem livros de banda
desenhada, desenvolvidos em parceria com a Porto Editora. "Damos
formação aos professores e educadores ao longo do ano letivo, sendo
que a formação tem uma base teórica e prática, consoante os temas a
trabalhar na sala de aula", explica ao Observador Margarida Barbosa,
psicóloga educacional e presidente da Associação Prevenir em Portugal
(a irmã gémea está sediada em Espanha).

Em ambiente escolar, os professores trabalham a vertente emocional uma
vez por semana no âmbito da disciplina "Educação para a Cidadania".
Margarida Barbosa esclarece que a periocidade tem-se traduzido em
resultados positivos a curto e longo prazo. A curto prazo, a relação
entre alunos melhora, o vocabulário emocional aumenta e a aprendizagem
torna-se, no geral, mais fácil, adianta. A longo prazo, os alunos
começam a falar de uma forma mais otimista e acabam por reconhecer
mais facilmente as emoções nos outros.

Só em Portugal, já mais de 20 mil crianças beneficiaram dos métodos da
Associação Prevenir, que não estão, no entanto, imunes a críticas. Num
artigo do El País, de 2016, o professor e autor do livro "Contra a
Nova Educação" Alberto Royo alega que este tipo de pedagogia se foca
numa "felicidade ignorante", ao mesmo tempo que afirma que o "fim
último da escola é transmitir conhecimentos". "Sempre é mais atrativo
dizer que os alunos vão ser empáticos, felizes. Adquirir conhecimentos
e estudar é menos sugestivo." Margarida Barbosa, da Associação
Prevenir, está longe de concordar com este argumento, afirmando que os
professores com quem se cruza sentem cada vez mais necessidade e
vontade em trabalhar as emoções. "Se isto fosse obrigatório em
Portugal, seria uma coisa muito bem recebida", defende.

Mas será que trabalhar sentimentos na sala de aula pode de alguma
forma distorcer o papel que a sociedade deu à figura do professor?
Nesse ponto, Margarida Barbosa é rápida a esclarecer que os programas
da associação têm sempre uma vertente que permite o envolvimento da
família. Para a psicóloga educacional, não basta ensinar português ou
matemática, por exemplo, mas também atuar preventivamente nas escolas
de modo a evitar comportamentos de risco e problemas de indisciplina.
"Sempre existiram comportamentos de risco, mas hoje em dia os
professores podem, com esta formação, preveni-los ou resolvê-los." "A
educação das crianças está entregue à família, mas também à escola. A
educação nas escolas tem de ser a continuidade da educação em casa e
vice-versa", acrescenta Vera Sebastião. "A escola aproveita que a
criança em grupo consegue perceber melhor o certo e o errado por
comparação."

Aprender a lidar com os medos e as frustrações tem sido a mais-valia
da "educação emocional" na casa de Maria Ana, a mãe do pequeno Jaime,
que à medida que o tempo vai passando, e as emoções vão sendo
identificadas, reconhece-lhe mais maturidade nas diferentes situações.
"Cá em casa trabalhamos muito o falar sobre o que sentimos.
Trabalhamos, inclusive, com os dois irmãos. Acho que a escola lhe deu
boas ferramentas."

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

quarta-feira, fevereiro 14, 2018

# Alemanha propõe transportes públicos gratuitos para combater poluição

https://www.msn.com/pt-pt/financas/negocios/alemanha-propõe-transportes-públicos-gratuitos-para-combater-poluição/ar-BBJ6yUJ?li=BBoPWjC&ocid=mailsignout

18/30 ECO.PT Lusa 3 horas atrás

Governo quer transformar transportes públicos em gratuitos para
reduzir a poluição nas cidades, em resposta à ameaça de sanções da
União Europeia.

O governo alemão pretende introduzir a gratuitidade nos transportes
públicos para reduzir a poluição nas cidades, em resposta à ameaça de
sanções da União Europeia, numa altura em que deverão também proibir
automóveis a diesel em certas metrópoles.

A medida, conhecida esta terça-feira, foi comunicada a Bruxelas a 11
de fevereiro, epretende tornar gratuito o uso dos transportes
coletivos para reduzir o número de viaturas particulares em
circulação, num processo que deverá ser testado em cinco cidades do
país: Bona, Essen, Herrenberg, Reutlingen e Mannheim.

A carta enviada à Comissão Europeia a que a agência France Presse teve
acesso, indica queo projeto – que envolve as autoridades regionais e
locais – deverá ser concretizado "o mais tardar até ao final do ano",
com viagens gratuitas nos autocarros, comboios e outros transportes
coletivos, além de criar novas regras sobre os limites de poluição.

Com este pacote de medidas, Berlim espera convencer Bruxelas a não
aplicar sanções, como tem vindo a ameaçar fazer a nove países da União
Europeia devido à falta de propostas para a redução da poluição do ar
nas cidades, já que no final de janeiro ultrapassaram regularmente os
limites de emissões destinadas a proteger a saúde dos cidadãos face a
dois poluentes: as partículas finas (PM10) e o dióxido de azoto (NO2).

Na Alemanha, país onde o automóvel reina, o número de utilizadores de
transportes públicos tem vindo a aumentar nos últimos vinte anos, e um
bilhete para um transporte coletivo custa, por exemplo, 2,80 euros em
Berlim, e 2,90 em Munique.

No entanto, as autoridades locais pretendem saber como o governo
federal vai financiar este projeto, que pretende igualmente passar a
usar mais transportes elétricos.

O presidente da câmara de Bona, Ashok Sridharan, alertou que terão de
aumentar subitamente e em grande quantidade os autocarros e comboios
ecológicos, e que não conhece nenhum fornecedor que possa satisfazer
tal encomenda num tão curto espaço de tempo.

As tentativas pontuais de estabelecer a gratuitidade nos transportes
públicos verificaram-se até agora impraticáveis, nomeadamente nos
Estados Unidos, onde Seattle acabou por abandonar o projeto.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

quarta-feira, fevereiro 07, 2018

# Rendimento Básico Incondicional? Vai mas é trabalhar!

http://observador.pt/opiniao/rendimento-basico-incondicional-vai-mas-e-trabalhar/

Luís Aguiar-Conraria 7/2/2018, 7:31

De um ponto de vista económico, qual é o principal risco do Rendimento
Básico Incondicional? E, obviamente, o de muita gente não querer
trabalhar e ficar a viver apenas das transferências do Estado.

Nestes últimos dias, houve dois artigos publicados aqui, no
Observador, dedicados ao Rendimento Básico Incondicional (RBI). Um
escrito numa perspectiva ética e filosófica (de autoria de Roberto
Merril e Catarina Neves), argumentando que o RBI democratiza o acesso
à liberdade, e outro (da deputada Inês Domingues) numa perspectiva
mais política, no sentido nobre do termo, tocando diversos assuntos,
incluindo a sua exequibilidade à escala europeia. Como não há duas sem
três, deixem-me acrescentar mais um artigo, este numa perspectiva mais
económica, ou seja, analisando o efeito do RBI nos incentivos dos
vários agentes económicos e acrescentando alguns resultados empíricos.

Vale a pena lembrar quais são as duas características essenciais desta
proposta: (1) trata-se de uma transferência em dinheiro e (2) é
universal, ou seja, todos recebem, independentemente de serem ricos ou
pobres.

A primeira característica levanta muitas objecções entre quem tem uma
visão paternalista do Estado. Afinal, os pobres são pobres porque
fazem escolhas erradas e não se sabem governar. Se lhes damos dinheiro
para as mãos, ainda o vão gastar em croquetes, rissóis e pão com sal.
Quem pensa assim prefere que a solidariedade seja fornecida com apoios
concretos (subsídio à habitação, isenção de taxas moderadoras no
hospital, apoios à compra de livros escolares, etc). Mas, na verdade,
há vários estudos que mostram que quando se dá dinheiro a quem precisa
ele é, regra geral, bem gasto: educação, saúde, comida de melhor
qualidade. Mas, na verdade, é a segunda característica que exige uma
ruptura na forma como estamos habituados a pensar em solidariedade
social. Que sentido faz dar à pessoa mais rica de Portugal um subsídio
igual ao da mais pobre?

Um dos motivos por que tantos economistas simpatizam com esta ideia
vem dos desincentivos criados pela maioria dos tradicionais apoios
sociais. A maioria dos apoios sociais (desde isenção de taxas
moderadores a abonos de família, passando pelo Rendimento Social de
Inserção) deixa os seus beneficiários perante uma escolha perversa.
Perante, por exemplo, a hipótese de aceitarem um emprego mais bem
pago, arriscam-se a perder vários apoios, o que, na prática, pode
levar a que o seu rendimento líquido não aumente muito. Isto é mais ou
menos equivalente a um imposto sobre o rendimento tão progressivo que
os aumentos salariais são totalmente comidos pelo aumento do imposto a
pagar.

O argumento apresentado no parágrafo anterior pode parecer rebuscado e
desligado da realidade, mas, na verdade, retrata um problema real. Não
conheço nenhum estudo para Portugal sobre estes efeitos, mas, há uns
tempos, li um relato sobre uma mulher nos Estados Unidos que ao mudar
de um emprego de 25000 dólares por ano para outro de 35 000 (o que
representa um belo aumento salarial de 40%) tinha na verdade ficado
com um rendimento líquido inferior. Isto porque além de pagar mais
impostos tinha também deixado de receber vários subsídios, que iam
desde apoios directos ao salário a apoios para o seguro de saúde,
renda e abonos. No fim, estava arrependida e queria voltar ao emprego
anterior. Talvez seja difícil encontrar casos destes tão gritantes em
Portugal, mas estes efeitos perversos estão sempre presentes. Imagine
alguém que está a receber um subsídio de desemprego de, por exemplo,
600€ e recebe uma oferta de emprego de 600€. O ganho líquido imediato
de aceitar o emprego é o de ficar com menos tempo livre. Se — e este
se é enorme — os vários apoios sociais fossem todos substituídos por
um RBI estes efeitos perversos desapareciam totalmente.

Neste momento, estão a perguntar como é que se financia isto. Contas
por alto mostram a enormidade da tarefa, tornando-a quase utópica. Se
se pensar num rendimento de 400€ por mês (mais do dobro do rendimento
social de inserção) entregue a 9 milhões de pessoas, o valor total das
transferências com RBI seria de 43 mil milhões de euros (mais de 20%
do PIB). Isto teria de ser financiado com uma brutal redução dos
actuais apoios e transferências do Estado (desde o rendimento
solidário para idosos ao subsídio de desemprego, passando pela redução
das pensões) e por um aumento dos impostos.

Saliente-se, no entanto, que para a maioria das pessoas que pagam
impostos este aumento seria compensado pela transferência recebida.
Actualmente, quem paga impostos já vê parte do seu rendimento ser
transferido para outros. Com o RBI, passaria a pagar mais impostos mas
também seria beneficiário das transferências. Ou seja, ao contrário do
que possa parecer, esta solução não implica uma redução do rendimento
líquido. Na verdade, se a medida fosse bem calibrada, o impacto
directo no valor médio das transferências líquidas seria nulo.

De um ponto de vista económico, qual é então o principal risco desta
medida? O principal risco é, obviamente, o de muita gente não querer
trabalhar e ficar a viver apenas das transferências do Estado. Se isso
acontecer, esta ideia é inviável. Como expliquei acima, para as
pessoas que neste momento já usufruem de transferências sociais, este
problema não existe. Aliás, o oposto acontece. Com o actual esquema de
apoios sociais, há um desincentivo a procurar outras fontes de
rendimento, que desaparece com o RBI.

O potencial problema surge junto das pessoas que actualmente não
recebem apoios do Estado. Será que recebendo uma transferência mensal
do Estado a sua disponibilidade para trabalhar não diminui?
Possivelmente a disponibilidade para fazer horas extraordinárias,
trabalhar ao fim-de-semana, ou até procurar um segundo emprego
diminui. Afinal, o lazer é um bem de consumo como os outros e as
pessoas podem querer usar o seu rendimento extra para usufruir de mais
tempos livres.

Como os dois efeitos descritos acima são contraditórios, é impossível
saber a priori qual o efeito final. Felizmente, já existem algumas
experiências que nos podem dar alguma ideia de qual dos efeitos é
dominante. Recentemente, Ioana Marinescu, professora de Economia na
University of Pennsylvania, fez um apanhado de umas quantas situações.

Por exemplo, há uma tribo de índios Cherokee que tem licença para
explorar uns casinos. Os rendimentos desses casinos são distribuídos
por todos, dando um rendimento anual médio de 4000 dólares por pessoa.
Esta transferência é independente da situação económica de cada um
pelo que funciona como um verdadeiro RBI. Um estudo levado a cabo por
cinco economistas e publicado no American Economic Journal: Applied
Economics conclui que o impacto deste rendimento na propensão a
trabalhar foi nulo. Ou seja, o efeito perverso do RBI não se
verificou.

Também no Alasca há uma experiência semelhante, Alaska Permanent Fund
Corporation, sendo distribuído entre os seus habitantes parte dos
lucros da exploração de petróleo na região. Nos últimos anos, o valor
distribuído andou entre os 1000 e os 2000 dólares anuais. Mais uma
vez, não houve qualquer impacto no nível de emprego, mas desta vez
houve um aumento em dois pontos percentuais do trabalho em part-time.

Os dois exemplos descritos acima dão a entender que o principal risco
do RBI não se materializará de forma muito acentuada. No entanto, é
preciso ter em conta que quer no caso do Alasca quer dos Cherokee o
rendimento distribuído não é suficiente para alguém viver
exclusivamente dele. Mas há vários outros estudos que mostram que este
"efeito rendimento" é pequeno. Por exemplo, existem estudos sobre
vencedores de prémios de lotaria que mostram que continuam a querer
trabalhar, apesar de se terem tornado bastante mais ricos.

Concordo com Noah Smith, colunista da Bloomberg View, que diz que os
dados sugerem que um valor modesto para o RBI não tem os efeitos
perversos que tantos temem. Assim, caso se queira avançar com esta
ideia, pode-se começar com um montante pequeno. Depois vai-se dando
pequenos passos. Gradual e lentamente, aumenta-se o valor a ser
transferindo e vai-se testando os seus efeitos na economia. Se, em
algum momento, os efeitos negativos se manifestarem, pára-se.

--

---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.

Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.

sexta-feira, fevereiro 02, 2018

# TED Talk: Poverty isn't a lack of character; it's a lack of cash

--

---
Recebeu esta mensagem porque subscreveu ao grupo "Pensantes" do Grupos do Google.
Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, visite https://groups.google.com/d/optout.