# Hungria: tudo ao contrário de Portugal
Em Budapeste, os governantes têm dedicado o seu tempo, desde 2010, a
projetar e implementar nacionalizações de companhias, aumentar o
salário mínimo, aliviar a carga fiscal sobre as famílias, incentivar o
consumo interno, taxar mais os bancos, reduzir de forma acentuada os
encargos do Estado com as parcerias público-privadas (PPP), baixar os
impostos para as empresas, entre outras medidas. Se as políticas
pensadas e executadas pelo governo português olhassem para o espelho,
a imagem daí resultante seria naturalmente invertida e veríamos então
o executivo húngaro em ação.
Portugal e Hungria têm áreas e população de dimensões em tudo
semelhantes. São dois países da União Europeia (UE) que distam entre
si 2390 quilómetros. O primeiro está no euro e o segundo ainda possui
moeda própria, o chamado florim húngaro. Portugal quer terminar o ano
de 2012 com um défice de 5% e uma dívida de 120% relativamente a um
PIB que deverá cair 3%. A Hungria, pelo contrário, deverá ter um
défice de 2,5% e uma dívida de 78,4%, tendo como base uma economia que
deverá recuar 1,2%. Bem-vindo ao mundo dos contrastes no seio da
Europa dos 27.
Alguns poderão perguntar-se se estar ou não sob resgate externo poderá
condicionar as políticas. Ora, embora seja um caso pouco falado em
Portugal, a Hungria acaba por estar a beneficiar de ajuda do FMI e da
UE. O programa da Hungria data de 2008 e tinha o valor de 20 mil
milhões, tendo sido entregues até ao momento 14 mil milhões, que
acabarão de ser pagos em 2016. O problema surgiu em 2010, na sequência
da transição de um Governo socialista para um conservador de Direita,
liderado pelo polémico Viktor Órban. Em setembro último, o
primeiro-ministro pôs um travão nas políticas de austeridade do FMI,
depois de meses de conflito. Pelo meio, Budapeste foi inundada por
cartazes anti-FMI colocados pelo governo e que procuravam
assumidamente angariar o apoio da população.
"Segundo o acordo feito pelo governo anterior, os salários e pensões
teriam de sofrer reduções progressivas e, por esse motivo, o atual
Executivo cancelou essas medidas e parou com o processo de cortes",
explicou, ao Dinheiro Vivo, o secretário de Estado das Finanças, Gyula
Pleschinger.
Se pudesse dar um conselho a Portugal, diria que é possível renegociar
acordos com o FMI? "Nós negociámos com o FMI com base nos nossos
progressos. Estamos preparados para soluções de compromisso, mas estas
não devem ir contra os valores básicos deste governo", sublinha o
secretário de Estado. "A crise mostrou que implementar uma união
monetária sem uma união fiscal foi muito perigoso e o euro era
demasiado forte para Portugal e Grécia e muito barato para a
Alemanha", acrescenta.
O governo húngaro quis deixar mais dinheiro para as famílias e
introduziu a taxa única de 16% no IRS, aumentando antes os impostos
sobre o consumo, nomeadamente o IVA, cuja taxa máxima está nos 27%.
Consultando a página de Internet do executivo, a sensação de estarmos
perante a imagem de Portugal, invertida por um espelho, ganha mais
força. O salário mínimo (485 euros) português está congelado desde 1
de janeiro de 2011 e não se perspetiva aumento. Na Hungria, o salário
mínimo vai subir 5,4% em 2013, para 341 euros. A eletricidade e o gás
, nas mãos de privados, deverão descer cerca de 10% no início de
janeiro por imposição do governo húngaro. Em Portugal, o gás vai subir
2,5% e a eletricidade 2,8%, após várias outras subidas, nomeadamente a
que resultou da aplicação do IVA máximo a estes serviços.
A austeridade no seio do Estado está a ser implementada, mas com
moderação. "Na administração pública não aumentámos os salários nos
últimos dois anos. O valor nominal e a duração do subsídio de
desemprego sofreu cortes [tal como em Portugal]. Queremos recolocar as
pessoas no mercado de trabalho e incentivamos as famílias a terem
filhos através da atribuição de vários subsídios", afirma Pleschinger.
À luz do perfil dos três maiores partidos políticos portugueses (PSD,
PS e CDS), pode parecer estranho que na Hungria tenham sido
socialistas a privatizar quase todo o sector empresarial e sejam agora
conservadores a tentar recuperar ativos importantes para a esfera do
Estado. A oposição de Bruxelas tem sido manifesta, mas Budapeste não
desiste.
No superministério do Desenvolvimento Nacional, a ministra Zsuzsa
Németh confessou ao Dinheiro Vivo que a Comissão Europeia não gosta
das políticas de nacionalização. "Quando comprámos um banco privado
comercial, através do nosso banco de fomento, a Comissão Europeia
torceu o nariz. Mas tivemos de lhes lembrar que existe um caso
semelhante na Alemanha. Por outro lado, a banca privada tem tido
grandes lucros, mas não está a emprestar às empresas", afirmou.