Do que é feita a felicidade
Na primeira vez que a repórter Mônica Manir trocou e-mails com o sociólogo
holandês Ruut Veenhoven, ele estava no Butão para uma conferência que
tratava da Felicidade Nacional Bruta, um inusitado índice nacional de
desenvolvimento criado nesse país asiático. É uma versão diferenciada do
Produto Interno Bruto e expressa o objetivo de levar ?a maior das
felicidades para o maior número de pessoas?.
Esse índice deixou Veenhoven com sorriso largo no rosto. Como professor de
condições sociais para a felicidade humana e editor do Jornal de Estudos da
Felicidade, o sociólogo não se cansa de decifrar esse sentimento ? ou
melhor, a satisfação pessoal com a vida como um todo, como ele o traduz.
O sociólogo holandês Ruut Veenhoven, professor da cadeira de felicidade
humana trabalha na Universidade Erasmus de Roterdão e é editor do Jornal de
Estudos da Felicidade, ambos com sede na Holanda.
Em suas aulas, Veenhoven, 61 anos, propõe visões científicas sobre o
assunto, embora reconheça que de objetividade a felicidade tem pouco. ?O
fato de uma pessoa ser vibrante e amigável, por exemplo, não garante que
ela esteja satisfeita com seu dia-a-dia?, afirma.
Ainda assim, ele aposta nos números que indicam a liberdade política, o
acesso à educação e à segurança e o menor preconceito contra as minorias
como um cenário que tem tudo para gerar uma alegria legítima. Não descarta
as habilidades pessoais, como a desenvoltura e a energia, que ajudam nos
relacionamentos. E valoriza a sorte (e a internet, claro), que nos levou a
encontrá-lo em uma terra distante, encravada na cordilheira do Himalaia, de
onde respondeu a perguntas sobre esse bem maior.
BF ? A felicidade existe?
Ruut Veenhoven ? No sentido de satisfação com a própria vida, sim. A
maioria das pessoas tem idéia do quanto gosta da maneira como vive e essa
idéia é positiva para a grande parte delas. Isso acontece mais nas nações
que oferecem urbanização, informatização e onde o indivíduo é valorizado
como cidadão.
BF ? Existem graus de felicidade?
RV ? Sim, uma pessoa pode estar menos ou mais satisfeita com a vida. Essas
diferenças são expressas em uma escala de 1 a 10. Na pesquisa que
realizamos para avaliar a felicidade em 68 países, o grau de satisfação
apontado pelos brasileiros atingiu 7, que é um número médio. As populações
de Suíça, Dinamarca, Islândia, Luxemburgo e Canadá tiraram as notas mais
altas ? acima de 7,7. Rússia, Geórgia, Armênia, Ucrânia e Moldávia
atingiram as mais baixas -- menos de 4.
BF ? Segundo pesquisa feita de 1999 a 2001 pelo World Value Survey
(instituto americano), a Nigéria é o país mais feliz do mundo, seguida por
outras nações subdesenvolvidas, como El Salvador e Colômbia. Países
desenvolvidos, como Dinamarca e Holanda, não encabeçam a lista. Como o
senhor explica esse ranking?
RV ? Os dados detalhados desse estudo ainda não foram publicados e não tive
como checar os princípios que nortearam a pesquisa. Mas reafirmo que a
relação entre a felicidade e as condições da sociedade em que se vive são
fundamentais.
BF ? Como assim?
RV ? As pessoas são normalmente mais felizes em países que casam riqueza
econômica com democracia, educação, segurança e tolerância com as minorias.
A autonomia também conduz à felicidade. Em segundo lugar, vêm as
habilidades pessoais para lidar com problemas. Pessoas ativas e
extrovertidas levam vantagem sobre as demais, embora isso não seja regra.
Em terceiro lugar, conta o fator sorte. Mesmo quando se vive em uma
sociedade digna ou quando se sabe lidar com os problemas, um homem pode,
por exemplo, se sentir infeliz com a perda repentina de alguém querido.
BF ? A felicidade tem relação com a cultura ou é uma herança genética?
RV ? A felicidade depende da sociedade e conseqüentemente de aspectos
culturais. Mas há uma discussão sobre o papel dos fatores genéticos. Meu
colega Lykken (David Lykken, geneticista da Universidade de Minnesota, nos
Estados Unidos) acredita que a felicidade também é determinada pelos genes,
embora seu estudo considere a influência genética na personalidade e não
exatamente na felicidade. É certo que alguns traços de personalidade são
genéticos, como a propensão a ser ansioso. Mas os efeitos deles na
felicidade podem mudar ao longo da vida.
BF ? Estar apaixonado, acreditar em Deus, ganhar bem, ser bonito, ter
família são garantias de uma vida feliz?
RV ? Nenhuma dessas coisas ou situações garante a felicidade. Se um pai
perde um filho, ele provavelmente se sentirá infeliz apesar de todos os
recursos. Ao mesmo tempo, estudos mostram que tais condições aumentam a
dose de felicidade na maioria das vezes, especialmente a qualidade das
relações mais íntimas que cultivamos.
BF ? Quais são as pedras no caminho para a felicidade?
RV ? A maioria destes obstáculos é comum na vida: aprender como se
comportar, tornar-se independente, trabalhar para ganhar o sustento...
Nesse caminho, recebemos a ajuda de pais e professores, por exemplo. Se uma
pessoa tiver condição de escolher, o próximo obstáculo será descobrir que
tipo de estilo de vida combina melhor com o tipo de pessoa que se é. Essa
descoberta só pode ser feita por conta própria, por tentativa e erro.
BF ? A felicidade é passageira?
RV ? Estudos que acompanharam determinados grupos por um certo tempo
mostraram constância na felicidade. Quem se diz feliz hoje costuma dizer o
mesmo daqui a um mês. Outras pesquisas revelaram que as pessoas distinguem
entre o humor diário e essa satisfação com o todo. Ou seja, alguém pode
dizer que é feliz com o que tem, mas no momento se sente triste por causa
de algum problema pontual.
BF ? Quem reclama da vida não gosta do que tem?
RV ? Uma coisa não exclui a outra. Uma pessoa pode estar satisfeita com a
própria vida como um todo, mas permanecer atenta a déficits importantes.
Tanto a satisfação pessoal quanto a reclamação por uma vida melhor se
originam de uma reflexão profunda sobre os verdadeiros desejos. Além disso,
somente por meio do reconhecimento realista de uma dor aguda, seja do
corpo, seja da alma, é que podemos superar problemas.
BF ? Aceitar limitações e momentos difíceis abre portas para a felicidade?
RV ? Por um tempo, sim, mas muita aceitação pode inibir a luta por algo
melhor. A acomodação não tem nada a ver com a alegria plena.
BF ? A felicidade faz bem à saúde?
RV ? Sim. Pesquisas mostram que pessoas felizes vivem mais tempo,
provavelmente porque esse sentimento nos deixa menos vulneráveis às
doenças.
BF ? Homens e mulheres vêem esse sentimento de maneira diferente?
RV ? Muitos podem achar que as mulheres são mais infelizes nos países em
que são discriminadas, mas os homens também não se mostram satisfeitos com
a vida que têm nesses lugares. O que se sabe é que, independentemente da
nação, as mulheres jovens tendem a ser mais felizes que os homens jovens,
enquanto a relação se inverte com o passar dos anos. Isso se deve à
oportunidade (ou não) de casar. As jovens são mais procuradas e logo se
envolvem em relacionamentos sérios. Já os homens mais velhos são mais
cobiçados pelas mulheres. Como elas, em geral, vivem mais, acabam passando
seus últimos dias como viúvas e várias delas se dizem infelizes nessa
condição.
BF ? O senhor é uma pessoa feliz?
RV ? Sou tão feliz quanto a média dos cidadãos da Holanda. Isto é: numa
escala de 1 a 10, eu daria 8 para minha felicidade. E não sei realmente
dizer por quê. Se as pessoas conhecessem a origem de sua felicidade, minha
pesquisa não faria sentido.
Lugar de ser feliz
A Felicidade Nacional Bruta, um dos objetos de estudo de Ruut Veenhoven, é
a proposta de um país com cerca de 2 milhões de habitantes que quer se
modernizar sem perder de vista a qualidade de vida e o bem-estar da
população. Localizado entre China e Índia, o Butão aos poucos coloca os pés
no avanço tecnológico (em 1999, era o único país do mundo que ainda não via
TV), mas preferiu optar por um índice que tivesse mais a ver com suas
tradições budistas do que com o materialismo ocidental. A Felicidade
Nacional Bruta, que se contrapõe ao Produto Interno Bruto, vai medir o grau
de satisfação dos cidadãos diante de um desenvolvimento socioeconômico
igual para todos.
Sim para a felicidade, não para a ilusão
Ruut Veenhoven levantou alguns mitos relacionados à felicidade que a
ciência já derrubou. Portanto, não alimentar essas ilusões, que são tidas
como verdades, pode aumentar sua satisfação com a vida.
? Vive-se melhor no campo do que na cidade. Para os cientistas, felicidade
não é ter uma casinha e uma colina. A insatisfação com a vida no campo leva
gente de todos os cantos do mundo a migrar para áreas urbanas.
? A sociedade moderna é um poço de infelicidade. Não é verdade, porém os
mais satisfeitos são os que gozam da urbanização, da informatização, da
industrialização e da individualização, condições sociais típicas dos
países mais desenvolvidos.
? Família plena é família com crianças. Casais sem filhos têm uma visão
mais positiva e otimista da vida do que aqueles que deixam herdeiros.
? Quanto mais velho, mais triste. Estudos mostram que a idade não determina
o grau de felicidade, assim como a aposentadoria não é necessariamente um
passaporte para um dia-a-dia sem sentido.
http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/edicoes/0060/canal3c/a.shtml
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ECONOMISTAS JAPONESES DEFENDEM ÍNDICE DE
"FELICIDADE NACIONAL BRUTA"
Um grupo de economistas japoneses defendeu recentemente que o seu país
deveria preocupar-se menos com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)
e inspirar-se no exemplo do Butão, um pequeno reino dos Himalaias, que mede
o seu progresso com base num outro tipo de indicador: a Felicidade Nacional
Bruta (FNB).
"O Japão tem muito que aprender com o Butão nesta matéria", afirmou
Takayoshi Kusago, ex-economista do Banco Mundial e professor da
Universidade de Osaka, durante o simpósio subordinado a este tema,
organizado em Tóquio no início de Outubro.
Apesar de o PIB do Butão ser de apenas 500 milhões de dólares, quase nove
mil vezes inferior ao do Japão (4,4 mil milhões de dólares), desde 1970 que
o pequeno reino budista se preocupa sobretudo com o crescimento do índice
que mede a felicidade individual dos cidadãos. A "FNB" leva em conta
factores como o desenvolvimento socio-económico duradouro e equitativo, a
preservação do meio ambiente, a conservação e promoção da cultura e a
boa governação.
"Em busca de um modelo de desenvolvimento, o Butão não encontrou qualquer
índice que estivesse de acordo com os valores e aspirações do país,
constatando que o mundo estava dividido entre nações ricas e em nações
pobres", explicou o economista butanês Karma Galay.
Os economistas japoneses admitem que no respeitante ao índice de FNB, os
progressos do Butão são muito superiores aos do Japão, onde a taxa de
suicídio é uma das mais elevadas do mundo e não raramente ocorrem mortes
por excesso de trabalho. Os economistas destacaram ainda o facto de as
crianças do Butão serem praticamente especialistas em questões de meio
ambiente, matéria que, na opinião de Shunichi Murata, professor da
Universidade Kansei Gakuin, é "muito melhor do que se ensina geralmente aos
meninos japoneses".
AFP - In "A Página da Educação", Nov. 2005, pg. 27
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Editorial: Felicidade nacional bruta
http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/nytimes/2137001-2137500/2137271/2137271_1.xml
11:16 06/10 The New York Times
Os Estados Unidos são um país feliz? Em julho de 1776, quando Thomas
Jefferson reivindicou a busca da felicidade como um direito humano básico,
pode ter sido a última vez que a felicidade foi oficialmente proposta como
um objetivo nacional.
Mas no Butão, a questão de felicidade nacional ainda está em pauta, graças
ao monarca que insistiu, há quase uma geração, que a felicidade bruta
nacional é mais importante do que o produto nacional bruto.
Um cínico economista pode argumentar que uma nação com o produto nacional
bruto tão pequeno quanto o de Butão pode se dar ao luxo de se preocupar com
a felicidade nacional bruta, e que o melhor jeito de aumentar a FNB é
aumentando o PNB.
Mas essa é uma afirmação não verificada, e há muitas evidências que sugerem
que não é necessariamente verdade. Nosso senso de felicidade é criado por
muitas coisas que não são necessariamente medidas em termos puramente
econômicos, incluindo o senso de comunidade e objetivo, a quantidade e
conteúdo de nosso tempo livre e mesmo nosso senso de estabilidade ecológica
e ambiental do mundo ao nosso redor.
Falar sobre a felicidade nacional bruta pode soar puramente uma utopia, em
parte porque nós fomos ensinados a acreditar que a felicidade é
essencialmente uma emoção pessoal, não um atributo de uma comunidade ou
país.
Mas pensar na felicidade como um quociente de fatores culturais e
ambientais pode nos ajudar a entender a crescente desconexão entre a
prosperidade americana e o senso de bem-estar dos EUA.
Alguns sociólogos se preocupam que o esforço para quantificar a felicidade
possa realmente prejudicar a busca por ela. Mas há um outro jeito de
considerar a questão. O mundo se parece com o que ele é ? como se estivesse
sendo devorado por espécies deploráveis ? em parte por causa das limitadas
suposições econômicas que governam o comportamento das corporações e
nações.
Estas suposições normalmente excluem, por exemplo, os custos dos estragos
ambientais, sociais ou culturais. Uma compreensão mais clara do que deixa
os homens felizes ? não meramente consumidores mais ávidos ou trabalhadores
mais produtivos ? pode ajudar a começar a reformar estas suposições, de
modo que se obtenha um resultado moderado e aprimorado nas vidas que
conduzimos e o mundo onde vivemos.