Sucedem-se manifestações, fecho de embaixadas e boicote de produtos
Cartoons de Maomé enfurecem mundo islâmico
02.02.2006 - 11h29 Ana Navarro Pedro, (PÚBLICO) e AFP
http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1246619
Reivindicando o "direito de caricaturar Deus", o jornal popular francês
"France Soir" publicou ontem 12 caricaturas dinamarquesas do profeta Maomé
que enfureceram o mundo muçulmano. O primeiro-ministro dinamarquês, Anders
Fogh Rasmussen, "deplorou pessoalmente" esta maneira de "representar
símbolos religiosos", mas o modo como geriu o escândalo agravou a
tempestade diplomática: manifestações e um boicote generalizado aos
produtos do pequeno reino no Médio Oriente.
Já hoje, o governo norueguês anunciou o fecho ao público da sua
representação na Cisjordânia, após ameaças por parte de dois grupos armados
palestinianos."Nós levamos as ameaças muito a sério", declarou à AFP Rune
Bjaastad, porta-voz do ministro norueguês dos Negócios Estrangeiros.
O "France Soir", à beira da falência, publicou os desenhos saídos a 30 de
Setembro de 2005 no diário popular dinamarquês "Jyllands-Posten" em nome da
"defesa da liberdade de imprensa". Outros jornais europeus fizeram a mesma
opção. Em Espanha, o "ABC" e "El Periódico". Na Itália, o "La Stampa"
ilustrou um artigo factual com o desenho mais polémico, que mostra Maomé
com um turbante em forma de bomba. Na Suíça, o popular "Blick" publicou
dois desenhos e o "La Tribune", de Genebra, programou para hoje algumas
caricaturas. O alemão "Die Welt" foi o único media de referência europeu a
publicar (ontem, em primeira página) uma das caricaturas, em nome da
"liberdade de expressão".
Estas tomadas de posição ocorrem depois de o "Jyllands-Posten" ter
apresentado desculpas, na segunda-feira, por ter ofendido os muçulmanos. No
começo, o diário (imitado pelo jornal norueguês "Magazinet") tinha
publicado os desenhos num espírito de provocação, reivindicando o direito a
"desafiar, humilhar e blasfemar" o islão, segundo o editorial de 30 de
Setembro de 2005.
As desculpas aconteceram depois de milhares de palestinianos terem
participado num desfile organizado pelo grupo Jihad Islâmica na Faixa de
Gaza, e terem queimado uma foto de Rasmussen, em frente às instalações da
União Europeia. Desfiles muito agressivos decorreram também no Iémen e no
Sudão e por todo o Médio Oriente houve ameaças contra os cidadãos nórdicos,
levando as organizações internacionais a começarem a retirar os seus
colaboradores dinamarqueses e noruegueses destes países.
Em Rabat, foi marcada para amanhã uma manifestação de protesto de
movimentos islâmicos. A polícia dinamarquesa antecipa também uma
manifestação de jovens muçulmanos em Copenhaga, este fim-de-semana, e outra
de movimentos de extrema-direita que ameaçam queimar o Corão nas ruas da
capital.
No começo, o caso tinha um potencial para acalmar, mesmo se revelava um
abismo cultural entre dois mundos. Onze embaixadores árabes em Copenhaga
pediram que Rasmussen sancionasse os caricaturistas, recordando que a
representação de Maomé é proibida pelo islão.
Os diplomatas foram ignorados pela coligação de direita no poder, que "não
se deu ao trabalho de explicar que, no Ocidente, um governo não interfere,
nem sanciona, a liberdade de expressão, mas que as opiniões dos jornais
também não reflectem as posições de todo um povo", disse ao PÚBLICO o chefe
de redacção do diário Politiken, Torgen Seinenfaden, lamentando o "imenso
desperdício desta crise inútil".
A situação diplomática foi apodrecendo, explorada, em paralelo, pela
extrema-direita xenófoba dinamarquesa e por radicais islamistas no Médio
Oriente. Hoje, a tempestade parece fora de controlo. Os apelos ao boicote
dos produtos dinamarqueses já fizeram uma primeira vítima: o grupo de
lacticínios dinamarquês e sueco Arla Foods perde um milhão de euros por dia
no Médio Oriente, e teve de fechar as suas fábricas na região.
No plano diplomático, a Síria chamou ontem a Damasco o seu embaixador na
Dinamarca, imitando a Arábia Saudita e a Líbia. Irão, Iraque, Argélia e
Sudão exigem explicações à Dinamarca. Os ministros do Interior de 17 países
árabes, reunidos em Tunes, pediram ao Governo dinamarquês que "puna
seriamente" os caricaturistas.
O "France Soir", condenado por todas as religiões monoteístas em França,
diz que não agiu por gosto da provocação e sim porque os desenhos estão no
centro da polémica sobre o equilíbrio entre democracia e respeito pelas
crenças religiosas.