pelo Rabi Daniel Lapin
Em Dezembro de 2005, o Presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, declarou várias vezes que o Holocausto era um mito. Com um personagem oficial de tão alto nível na comunidade internacional a fazer semelhante afirmação, é imperativo que a verdade seja mostrada com mais rigor. O texto do Rabi Daniel Lapin, publicado pela primeira vez em Maio de 1999, dá conta da deturpação do holocausto, até mesmo nos Estados Unidos. Ele critica a associação estabelecida entre Adolf Hitler e o cristianismo e examina o sentimento anti-cristão retratado no Museu do Holocausto em Washington.
Em Fevereiro de 99, o Presidente Clinton disse ao Pequeno-almoço Nacional de Oração, em Washington, D.C., que "Adolf Hitler pregava uma forma prevertida de cristianismo". Isso é declaradamente falso. Hitler era de facto um inimigo do cristianismo, e um pagão. Consideremos a sua declaração de 1933 que ?É através dos camponeses que realmente conseguiremos destruir o cristianismo porque há neles uma verdadeira religião enraizada na sua natureza e no seu sangue?.
Se Hitler era na verdade um anti-Cristão, então onde foi o Presidente Clinton buscar esta caracterização do Führer como uma espécie de vingador crente? Tenho pena de dizer que talvez tenha sido por causa de deturpações actualmente promovidas em museus sobre o Holocausto e programas sobre o Holocausto de todo o país.
Estando eu na posição desconfortável de rever as lembranças actuais do Holocausto, uma pergunta óbvia é se elas desencorajam animosidades entre os povos, como era sua intenção. Outra pergunta que acho importante como rabi, é se os seus ensinamentos ajudam ou prejudicam o povo judeu. E para mim a resposta às duas questões está longe de ser óbvia.
A maioria das exposições sobre o Holocausto que hoje existem recebeu apoios financeiros dos contribuintes americanos. Mas alguns cidadãos que inicialmente as apoiaram com sincera generosidade, consideram agora que elas promovem o ódio ao cristianismo. Estou preocupado, por exemplo, com as apresentações no Museu do Holocausto em Washington, D. C. Este museu é um dos maiores gritos contra o preconceito, a nível mundial, e simultâneamente um lugar que promove propaganda anti-cristã. Embora tenha sido construído com fundos privados, o museu ocupa terreno doado pelo povo americano, a nação mais cristã à superfície da terra. É evidente que as tropas americanas que libertaram os campos de concentração também eram maioritariamente compostas de cristãos. Portanto, é-me difícil compreender porque é que os produtores do filme que é mostrado aos visitantes do Museu do Holocausto, de que vi uma cópia, parecem determinados em dedicar grande parte do seu pequeno documentário a inverdades que denigrem o cristianismo.
Se é inegável o papel histórico da Igreja no anti-semitismo, será justo focar apenas isso ? e excluir completamente a discussão da rejeição da Igreja por parte de Hitler e o virulento anti-semitismo ateu por parte de Estaline? Não só Estaline é expurgado, como o filme dá a entender que o cristianismo deu origem ao anti-semitismo no mundo. As opressões de Faraós, Hamanitas, Romanos, Gregos, e Babilónios ao Povo Judeu não são consideradas pelos realizadores. Por exemplo, o vídeo que é mostrado repetidamente às multidões que passam pelo museu leva o espectador a acreditar que Hitler se considerava actuando como um agente da Igreja Católica. Repare nesta frase no "climax" do filme: "Entra Adolf Hitler, nascido Austríaco e baptizado Católico". Imagine como é que nós, Judeus, reagiríamos a um filme apresentado por Cristãos sobre os milhões de vítimas do comunismo, no qual o narrador dissesse solenemente: "Entra Karl Marx, nascido judeu". Certamente os Judeus teriam o direito de reclamar que esta informação, apesar de ser inegavelmente correcta, não era essencial para a história, e portanto era intencionalmente maldosa. No vídeo do museu do Holocausto não é mencionado o ódio visceral que Hitler tem ao papa e ao catolicismo. Estaremos nós sem querer a causar ressentimento entre os cristãos? Isso não será, de certeza, útil para os judeus.
Consideremos estas palavras que o filme referido acima atribui a Hitler: "Defendendo-me dos judeus, estou a agir para o Senhor. A diferença entre a Igreja e mim, é que eu estou a levar o trabalho até ao fim." Embora eu seja um estudioso da II Guerra Mundial, e muito familiarizado com muitos dos detalhes menos conhecidos da vida de Hitler, incluindo a sua odisseia espiritual, e apesar de ter procurado diligentemente, não consegui localizar esta frase entre os testemunhos dos escritos ou discursos de Hitler. Ao escrever este artigo, ainda não encontrei a fonte dessas palavras. Seleccionar estas como as únicas entre todas as que Hitler disse, para serem mostradas no filme de 15 minutos, poderá ser visto pelos cristãos, com justificação, como um ataque. Como é que esta bofetada, exactamente, poderá ajudar os judeus?
Falando no Mein Kampf, Konrad Heiden, o famoso biógrafo de Hitler, declarou que "o livro pode mesmo ser apelidado como uma Bíblia satânica. Para o autor ? embora ele tenha sido suficientemente esperto para não o declarar explicitamente ele próprio... a crença na igualdade humana é uma espécie de feitiço hipnótico exercido pelo judaísmo que quer conquistar o mundo com a ajuda das igrejas cristãs." Por outras palavras, Hitler via o judaísmo e as igrejas cristãs do mesmo lado da batalha - opostas a ele. Ele manipulava as fontes mais profundas do anti-semitismo que existiam na Europa, cuja culpa é partilhada pela Igreja; mas não era um agente do cristianismo.
Hoje em dia, nas escolas, devia ser inculcada às crianças judias gratidão para com aqueles cristãos que sofreram durante o Holocausto por salvar vidas judaicas. No entanto o papel desinteressado desses cristãos é largamente ignorado. Aqueles que salvaram judeus são chamados Gentios Justos. Acho que chegou a altura de mudar esta expressão por duas razões. A primeira é a de que ela implica um oxímoro sugerindo que normalmente não esperaríamos encontar estas duas palavras juntas. "Vejam, encontrei um! Um gentio que é mesmo justo!" (pergunto-me como é que nós judeus poderíamos reagir a um prémio concedido em cada ano por uma organização cristã a um "Empresário Judeu Honesto"). Em segundo lugar, falar de Gentios Justos presta um mau serviço aos muitos cristãos que salvaram judeus especificamente por causa da sua fé. Eles eram "cristãos justos" e não "gentios justos". Muito poucos judeus compreendem que foram muitas vezes os valores cristãos a única razão pela qual estes heróis tenham decidido arriscar as suas vidas.
Há um caso famoso perante o qual a comunidade Judaica saltou entusiásticamente para a carruagem para reconhecer uma dívida. É o caso de Oskar Schindler da famosa Lista de Schindler. A gratidão é-lhe devida, absolutamente. Mas a energia gasta a reconhecer os seus actos só revela a falta de agradecimento a tantos outros. Embora eu tenha declinado ver o filme, o meu entendimento do Sr. Schindler é que não era um homem particularmente religioso, ou sequer uma pessoa com muita moral. Será que o filme tende a sugerir que a moralidade religiosa é irrelevante desde que uma pessoa salve judeus? Em qualquer dos casos, então que dizer daqueles que salvaram judeus e o fizeram por causa dos seus valores e moralidade cristãos?
Não tem a intenção de denegrir o Sr. Schindler, ou qualquer outro que tenha arriscado a sua vida para salvar judeus, perguntar porque é que um livro em concreto sobre este assunto foi ignorado pela comunidade judaica. Como tantos judeus da minha geração, eu cresci a ler avidamente montes de livros sobre o Holocausto. Imaginem a minha surpresa quando, em adulto, encontrei uma emocionante história verdadeira sobre a qual eu não só nunca tinha lido nada, mas da qual eu nunca sequer tinha ouvido falar. À medida que comecei a perguntar à minha roda, percebi que também nenhum dos meus amigos judeus ou dos milhares de judeus no público das minhas conferências tinha ouvido falar deste excelente livro.
Além disto, uma visita ao Museu do Holocausto em Washington, mostrou que o livro nem sequer existia na sua loja.
Será que este era um volume obscuro e escondido? Não, de todo! O livro é largamente conhecido e lido nos lares e nas escolas cristãs por todo o país. Foi feito um filme sobre ele. O livro é The Hiding Place, de Corrie ten Boom, que conta a história verdadeira de como ela e a sua família esconderam judeus na Holanda. Tanto este como a sua continuação In My Father's House, são bem escritos e incrivelmente emocionantes.
Então porque é que tem sido ignorado na comunidade judaica? Porque é que tem sido efectivamente censurado nas listas de leituras judaicas sobre o Holocausto? Por que é que a versão em filme foi boicotada por grupos judeus? Só posso perceber que esta reacção resulta do facto de The Hiding Place não se conformar com o estereótipo sobre os cristãos religiosos ao qual a comunidade judaica sucumbiu. Ao contrário de Herr Schindler, que salvou judeus por sabe-se lá que razões, que ele pessoalmente sentia, as actividades da família ten Boom eram directamente motivadas pela sua crença em Jesus. Nas suas palavras: "Senhor Jesus, eu ofereço-me pelo Teu povo. De qualquer maneira. Em qualquer lugar. A qualquer momento."
É evidente que Corrie ten Boom e a sua família desejavam mostrar a toda a gente, incluindo os judeus, aquilo que eles acreditavam fervorosamente ser a verdade do cristianismo. No entanto o facto de salvarem vidas judaicas, não tinha como condição que os judeus aceitassem o cristianismo. De facto a família ten Boom mostrou grande respeito e esforço para acomodar os judeus que queriam manter-se kosher e observar o Sabbath enquanto estavam escondidos. Infelizmente, a bondade desta família cristã foi descoberta; os Nazis levaram-nos prisioneiros para os seus infames campos onde morreram todos menos a Corrie. Felizmente os judeus que eles tinham escondido, escaparam à captura. O pai de Corrie, o Sr. Casper ten Boom, um cidadão Holandês muito respeitado e já com oitenta e tal anos na altura do Holocausto, foi informado pelos nazis que seria libertado se prometesse que acabaria com as suas actividades de acolher judeus. A sua filha lembra-se da cena:
O chefe da Gestapo inclinou-se. "Eu queria mandar-te para casa, velhote," disse ele. "Aceito a tua palavra de que não vais causar mais problemas." Eu não podia ver a cara do meu pai, só os seus ombros bem direitos e a auréola de cabelo branco acima deles. Mas ouvi a sua resposta. "Se for hoje para casa," disse ele calma e claramente, "amanhã abrirei de novo a minha porta a qualquer pessoa necessitada que bata."
Pouco depois disto Casper ten Boom morreu, na prisão da Gestapo, isolado da sua família. A filosofia deste grande homem mostra-se logo no princípio do livro. Quando inicialmente ele tenta acolher um bébé judeu e um pastor tentou preveni-lo do perigo. O Sr. ten Boom responde-lhe: "O senhor diz que nós podemos perder as nossas vidas por causa desta criança. Consideramos isso a maior honra que esta família poderia ter." Ele repete mais à frente que "nesta casa, todas as pessoas de Deus são sempre bem-vindas."
A Corrie passou anos nos campos de concentração e perdeu a irmã e o sobrinho às mãos dos Nazis, por causa dos seus crimes de salvarem vidas de judeus. Corrie acabou os seus dias recentemente na Califórnia do Sul, sem o reconhecimento nem o agradecimento de uma comunidade judaica obcecada pela Lista de Schindler. Nós devemos-lhe ? e aos seus amigos cristãos ? um pedido de desculpas.
Rabbi Daniel Lapin é presidente da Toward Tradition. O seu livro America's Real War foi recentemente publicado.