# A cada dia caem várias torres gêmeas em silêncio...
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Entrevista a Frei Betto: A cada dia caem várias torres gêmeas em silêncio
Adital - Suíça - Sergio Ferrari* para Adital - Amigo pessoal e estreito conselheiro do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, não duvidou, no início do ano passado, em deixar sua fraternidade dominical de São Paulo para se transladar para Brasília. Não como funcionário,,nem como ministro, senão como simples militante. Na Capital, Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, é o responsável de Mobilização Social do Programa Fome Zero, que tenta reduzir este flagelo e bate em 45 milhões de brasileiros. Diálogo aberto com um homem de esquerda, ex-preso político, jornalista, escritor de aproximadamente 50 livros, religioso e, além disso, um dos padres da Teologia da Libertação latino-americana.
A fome faz distinção de classes
Adital - Qual a base conceitual que sustenta a campanha Fome Zero, que vem sendo implementada pelo governo brasileiro em nível nacional?
Frei Betto - Muita gente pensa que são três as causas principais de mortes no mundo: a guerra, o terrorismo e a Aids. Não é verdade! O que mais mata é a fome. 842 milhões de seres humanos vivem em situação de desnutrição crônica. As estatísticas falam em 100 mil mortes diárias por essa causa, das quais, 30 mil crianças em idades que variam de zero a cinco anos. Várias torres gêmeas a cada dia! Mas, são mortes anônimas. Ninguém as chora, poucos se indignam, não há monumentos com seus nomes. Existem 45 milhões de pessoas com Aids no mundo. E é importante fazer campanhas. Mas a fome mata 20 vezes mais do que a Aids. Por que não há, proporcionalmente, tantas campanhas contra a fome?
Adital - Tem a resposta?
Frei Betto - Tenho só uma, um tanto cínica. A fome faz distinção de classes. Os ricos não são atingidos, portanto não se preocupam. Por isso, Lula impulsiona o programa Fome Zero e, no plano internacional, promove a criação de um Fundo sobre a base de aplicação de uma espécie de Taxa Tobin sobre as relações comerciais nos paraísos fiscais (ou sobre a compra-venda de armas).
O assistencialismo do Norte
Adital -Paradoxalmente, essa proposta foi bem recebida por alguns
governantes, dentre eles alguns europeus, que não são muito "sociais", nem
progressistas.
Frei Betto - Não temos nenhum preconceito. Aceitamos todo aquele que queira aderir para enfrentar a pobreza e a fome. Uma coisa sim que me preocupa, é a concepção assistencialista que há na Europa. Combater a fome não é doar comida aos "pobres". Essa é a pior maneira de combatê-lo porque desestimula a produção local; incentiva a corrupção de muitos políticos que negociam alimentos em troca de apoio eleitoral; e justifica os subsídios no Norte.
Adital - Como conseguir então, por exemplo, que Fome Zero não caia nesse
mesmo desvio?
Frei Betto - O Fome Zero não é assistencialista, mas um programa de inclusão social. Procura criar condições de sustentabilidade. Não é uma proposta de distribuição de alimentos, mas de inserção social através de uma redistribuição dos ingressos. A partir de fomentar, paralelamente, o cooperativismo, o microcrédito, a educação cidadã, a reforma agrária.
Adital - ¿ Um esforço por aumentar a consciência e a organização dos
beneficiados pelo programa?
Fray Betto - Perfeitamente. Temos estruturado uma rede organizada em todos os estados de Brasil, que se lhama "Talher", que em português faz referência aos instrumentos para comer e à capacitação. Contamos já com 540 educadores formados e com 10 funcionários do Governo Federal, que trabalham no escritório, implementando a pedagogia de Paulo Freire.
Adital - Como se implementa esse enunciado pedagógico num programa como o que o senhor coordena?
Frei Betto - Quando chegamos a uma família e damos-lhe um cartão magnético - que se chama cartão cidadão - para tirar a cada mês seu dinheiro do banco federal, exigimos que não haja nenhum analfabeto (e se houver, deveria começar de imediato sua alfabetização); que as crianças assistam às aulas; que participem de um programa de saúde, de classes de cooperativismo ou micro-créditos. Aí entra a educação popular e cidadã. Um esforço para que a gente adquira consciência sobre os direitos da família, de planejamento familiar - que não é controle de natalidade! Toda uma estratégia integral. A este exercício lhe chamamos condicionalidade. Um conceito criado pelos políticos para complicar as coisas (remarca jocosamente), mas que fala em nosso caso de direitos e deveres.
Adital -Houve críticas sobre uma certa lentidão para aplicar o Fome Zero. Pelo que o senhor diz tudo marcha bem?
Frei Betto - Este ano que terminou tem sido um grande sucesso. Pensamos em favorecer um 1 milhão de famílias em 1 mil municípios. Chegamos a 3 milhões 615 mil famílias em 2.340 municípios, mais da metade dos que existem no Brasil. Foram prioritárias as regiões quase desérticas do Nordeste; aldeias indígenas; grupos de sem terra; habitantes de aterros sanitários; e as comunidades quilombolas. Conseguimos unificar todas as políticas estatais ligadas ao combate contra a fome. E, adicionalmente, quando se beneficia a um grupo humano, chegam os agentes de nosso programa para promover a saúde pública, a educação, as hortas comunitárias e domésticas, a educação nutricional etc. Agora, promovemos também a construção de uma cisterna em cada casa beneficiada. Um método muito simples inventado por um camponês, que permite recuperar, ainda nas zonas mais secas, até 16 mil litros de água de chuva do teto da moradia. Cada uma custa 450 dólares, tem uma vida útil de 40 anos e é construída pelo mesmo grupo familiar.
As resistências às mudanças
Adital -Há resistências no Brasil ao programa Fome Zero?
Frei Betto - Não ao programa. Mas sim às reformas estruturais que devem ser implementadas e sem as quais o Fome Zero não pode ter sucesso. Refiro-me especialmente à reforma agrária.
Adital -Que segue sendo muito lenta na sua aplicação tal como o indicam algumas vozes críticas de trabalhadores sem terra.
Frei Betto - Existe já um plano para assentar 530 mil famílias em quatro anos. O Movimento dos trabalhadores rurais sem Terra (MST) pedia 1 milhão. De imediato, o governo assegura um pouco mais da metade dessa demanda. Este ano serão 115 mil famílias. Nisso, não queremos pecar pela demagogia e promessas que não podem ser cumpridas.
Adital -Quem se opõe realmente a essa reforma?
Frei Betto - No país, há cerca de 600 milhões de hectares cultiváveis. Desse total, um terço pode afetar ir para a reforma agrária porque são terras ocupadas por proprietários ilegais, grandes latifundiários.
Adital -Quando se fala do tema da terra, vem automaticamente uma pergunta sensível: a relação do governo com os movimentos sociais. Continua vigente o "casamento" que se produziu quando Lula chegou ao governo em janeiro do 2003?
Frei Betto - O que continua vigente é uma relação crítica entre contrapartes. Em todo este tempo, nenhum movimento social rompeu com o governo de Lula. Existem críticas que consideramos positivas. Mas, é indiscutível que Lula vem desses movimentos e conhece na carne própria a miséria. E é muito claro na sua idéia de evitar dois erros que seriam terríveis. Um, o "capitalista", que seria criminalizar ao movimento social. O outro, o "socialista", que seria considerar aos movimentos sociais como correias de transmissão da política de Estado, o que atentaria contra sua necessária autonomia.
Adital - É mantida a paciência desses movimentos apesar de que as mudanças sejam mais lentas do que se esperava? Há setores que tem rompido com o Partido dos Trabalhadores no governo.
Frei Betto - São mantidas as expectativas. As primeiras pesquisas indicavam que a gente dava ao Governo um crédito de dois anos. Até agora, só dois ou três setores, sem contar a extrema direita ou a oposição , tem se distanciado. Uns poucos parlamentares de extrema esquerda e alguns intelectuais.
Fome Zero, versão política do milagre bíblico
"Em termos do Evangelho o pão e a fé estão intimamente ligados. Acredito em Deus que diz que é o pão e a vida", enfatiza Frei Betto ao explicar seu novo compromisso próximo as esferas do poder. Apesar dessa proximidade, "não tenho mudado em nada nas minhas convicções e prática. Sigo trabalhando com a gente mais pobre e o considero como um trabalho pastoral".
"Para mim é a versão política da multiplicação dos pães e peixes feita por Jesus". Não podemos esquecer, remarca Betto, que "a oração que nos ensinou Jesus tem dois refrães: Pai nosso e pão nosso. Posso chamar a Deus como Pai se luto para que o alimento seja não somente meu senão de todos"
Tensões internas e corrupção
Em novembro do 2003, quatro parlamentares nacionais - três deputados e uma senadora - foram expulsos do Partido dos Trabalhadores (PT). A origem dessa medida, suas vozes críticas contra a lei de aposentadoria da função pública e seus votos negativos no Parlamento contra medidas que consideraram "anti-populares". Foi o primeiro sinal da tensão interna desde que Lula chegara ao governo em janeiro do 2003. Sobre o tema, Frei Betto mostra-se cauto e um pouco distante: "Eu não sou militante do PT e me custa opinar sobre uma instituição à que não pertenço", enfatiza. Para acrescentar de imediato: "penso que, em qualquer estrutura, se não se aceita a decisão democrática da maioria, tem que sair. Não haveria maneira, por exemplo, de seguir na igreja se não estivesse de acordo com o que ela determina". Inclusive, se houve uma maioria qualificada na Diretoria Nacional do PT para exigir a disciplina do grupo parlamentar, a posição do partido significou uma mudança de fundo, tal como ressaltou a senadora dissidente Heloísa Helena. Durante o governo precedente de Fernando Henrique Cardoso, o PT teria se oposto radicalmente a iniciativas como as que depois votou o ano passado, provocando a tensão interna.
Com respeito ao recente e mais falado caso de corrupção que envolve a Waldomiro Diniz, a posição do teólogo-militante é radical. "É um caso isolado. Pela informação que disponho trata-se de um homem corrupto. Foi imediatamente afastado. Já foi exonerado de sua responsabilidade por Lula e agora será julgado pela Justiça. Não podemos tolerar este tipo de fato. A ética não é só um principio básico senão um signo distintivo do governo de Lula. Qualquer caso de corrupção deve ser exemplarmente investigado. Penso que a imprensa tem feito muito bem seu trabalho, de denunciar e comprovar os fatos"
* Sergio Ferrari é jornalista e colaborador de Adital na Suíça.
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