# António Damásio vê a Arte como “alternativa” para ser feliz
em todo o mundo e com cadeira na Universidade de Iowa (Estados
Unidos), que no primeiro livro se atreveu a denunciar "O Erro de
Descartes", veio "dar" aos portugueses "uma via alternativa que ajude
a superar os problemas que a condição humana nos coloca". Apontou a
arte como uma forma de encontrar estímulos capazes de desencadear "um
estado neurofisiológico de grande coerência e harmonia". Aconselhou
mesmo em não ceder ao desespero, pois se as nossas células mudam com a
aprendizagem, também podemos resolver os problemas nacionais.
À primeira vista parece abusivo ligar uma coisa a outra. Talvez.
Se assim for, que nos perdoe o nosso cientista, que aproveitou o dia
do seu padroeiro, Santo António, para expor, na conferência —
"Cérebro, Corpo e Emoção" — como, através da arte, ela pode ser, na
maioria dos casos, "a resolução afectiva e intelectual" do nosso
problema de vivência e passar até para "um estado sublime". Fê-lo,
como ele sabe (apesar de se confessar um "amador da arte e da
estética"), através das relações dos conceitos estéticos e da
neurologia, em que é um dos especialistas máximos.
Aconteceu no auditório do Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra,
repleto, a rebentar pelas costuras, com interessados sentados no chão
e nas coxias.
Obras de Shakespeare, Beethoven, Picasso, Hitchcock, Gershwin e
Schonberg foram exemplos que Damásio escolheu para ilustrar a sua
palestra, a convite de Vasco Wellenkamp, director artístico de dança
do 40º Festival de Sintra.
Se a questão da criação e da percepção da arte não é de agora, pois
percorre toda a Filosofia (desde Aristóteles), afinal o que há de novo
para Damásio? São as relações entre os conceitos estéticos e a
neurobiologia. Com muita cautela e bastante humor, explicou que se
trata de "descobrir novos níveis de relação".
Para o investigador, a arte é "um meio de transformar os universos que
nos rodeiam, mas também do nosso universo interior". Será que o
interior é perturbado pelo exterior? Por que razão se vêem filmes de
terror, perturbantes e dolorosos? Damásio respondeu, dizendo que a
arte "dá voz a esses problemas e perturbações". Escolheu o quadro
Guernica, de Picasso, e o filme Vertigo, de Hitchcock, para dizer que
o indivíduo, pensando sobre coisas que lhe podiam acontecer, acaba por
"vivê-las sem ter de passar pelos horrores da experiência", tendo a
possibilidade de, numa espécie de ensaio, "pensar na solução para o
problema". Ou seja, com a "sensação interposta de uma perturbação
frente a um objecto de arte, temos possibilidades de ver formas de
adaptação e resolução do problema ou da nossa perturbação".
Pavarotti ídolo no Japão
Foi mais longe. Colocou a arte ao mesmo nível (ou acima) da ciência e
da tecnologia, ao considerá-la como "a base provável da percepção do
sublime, um estado neurofisiológico de grande coerência e harmonia".
O investigador estava no seu meio, pois há anos que dirige o
departamento de neurologia da Universidade de Iowa. Discorrendo sobre
o assunto, garantiu que "há predisposições cerebrais em relação às
emoções e aos sentimentos e há emoções comuns e semelhantes em toda a
face da Terra. Porquê? Por usarem uma "linguagem comum de emoções",
funcionam em Lisboa, Nova Iorque ou Xangai e são muito fáceis de
exportar". Exemplo: Luciano Pavarotti ser o ídolo do público japonês
(mesmo não percebendo o que diz), embora não fosse do seu agrado.
Se, assim, as artes, como a dança ou a música, são universais, são-no
porque também as emoções são universais, embora as causas sejam
diferentes. "Uma grande parte dessas causas resulta da estrutura
universal, outra (mais pequena) vem da nossa estrutura interior", diz.
Esta última sujeita a alterações como a educação, a cultura, o regime
político em que vivemos, os nossos pais, etc.
Para Damásio a arte é também criar "simulações". "Ao sentir
indignação, compaixão, empatia face a objectos de arte, modificamos
algo dentro do nosso corpo, mas também alteramos a imagem que temos
dos outros corpos". Mais: "A arte sublime (apontou a 9.ª de Beethoven)
desencadeia um emoção estética particular (...) de que resulta um
estado neurofisiológico de grande coerência e harmonia". Daí, até à
"junção de felicidade" vai um passo.
Por fim, com muito humor e oportunidade, deixou um recado: "A
estrutura do nosso corpo está sempre a ser mudada; se há células da
córnea e do coração que ainda são as mesmas, todas as outras foram
mudando com a aprendizagem". Daí o seu conselho: "Ainda que haja
preocupação (os problemas nacionais tinham sido identificados numa
intervenção anterior), não cedam ao desespero, pois podemos aprender a
resolvê-los".