# Poesia
Viver é uma peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma
cambalhota. Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora
dinâmico e agressivo.
Viver não é cumprir nenhum destino, não é ser empurrado ou rasteirado
pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus, que também tem a sua vida.
Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e de amor, de sucesso e de
comemoração de cada um dos dias que se podem partilhar com os outros.
Viver é não estar quieto, nem conformado, nem ficar ansiosamente à
espera.
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil,
nem justa, e não dá para comparar a nossa com a de ninguém. De um dia
para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos
nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos
mais tarde.
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E
ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde
todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma
ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que
nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e
um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela
exige reflexão. E exige soluções.
A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga
porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós
encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais
séria das coisas divertidas.
Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'
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O Único Amigo
Não me alcançarás, amigo.
Chegarás ansioso, louco;
mas eu já terei partido.
(E que medonho vazio
tudo o que tiveres deixado
atrás, para vir comigo!
Que lamentável abismo
tudo quanto eu tenha posto
entre nós, sem culpa, amigo!)
Não poderás ficar, amigo.
Voltarei talvez ao mundo.
Mas tu já terás partido...
Juan Ramón Jiménez, in "Forma del Huir"
Tradução de José Bento
Sent by: Mónica Claro