# O exemplo de uma menina de 11 anos por um mundo melhor
Malala Yousafzai, a menina que lutou contra taliban, luta agora contra a morte
12.10.2012 - 18:53 Por Cláudia Sobral
http://www.publico.pt/Mundo/malala-yousafzai-a-menina-que-lutou-contra-taliban-luta-agora-contra-a-morte-1567128?all=1
Eram muitas as noites em que Malala Yousafzai sonhava com soldados,
helicópteros ou os taliban, também muitas aquelas em que não conseguia
dormir. Mas tudo ficou ainda pior no dia em que a sharia (lei
islâmica) passou a ser lei no Vale de Swat – uma concessão do Governo
paquistanês para o cessar-fogo com os combatentes na região, em 2009.
Na noite de 14 de Fevereiro o pai pegava no rádio uma última vez para
ter a certeza que nada tinha mudado, num gesto meio ingénuo, quase
ridículo. Na manhã seguinte terminava o prazo dado pelos taliban: mais
nenhuma menina poderia ir à escola. Malala, que já era conhecida pela
sua luta pelo direito das mulheres à educação, foi. Apesar do medo.
"No caminho para a escola eles podem matar-nos, atirar-nos com ácido
para a cara, fazer o que entenderem", dizia então ao New York Times,
que a acompanhava para o documentário Class Dismissed. "Mas eles não
podem parar-me, eu vou ter a minha educação." Tinha 11 anos.
No diário que escrevia para o site da BBC Urdu ja nessa altura (que
assinava com o nome Gul Makai), descrevia a vida na sua cidade,
Mingora, controlada pelos taliban. Insurgia-se sobretudo pelo direito
das mulheres à educação. Via outros activistas mortos e exibidos pelas
ruas e praças de Mingora, e sabia que um dia poderia chegar a sua vez.
Quando na terça-feira regressava da escola, apareceram dois homens
armados que a atingiram na cabeça e num ombro. Gravemente ferida, está
em estado crítico num hospital militar em Rawalpindi, a recuperar de
uma operação à cabeça. Os próximos dias serão cruciais, não se sabe se
sobreviverá ou não.
A jovem activista paquistanesa de 14 anos era já um símbolo da
resistência contra os taliban do Paquistão – venceu o National Peace
Award for Youth, no Paquistão, e foi nomeada para o International
Children's Peace Prize, da Dutch Kids Rights Foundation. Mas nos
últimos dias o país esteve como nunca de olhos postos nela.
As orações semanais desta sexta-feira foram dedicadas a Malala por
todo o Paquistão, dois dias antes as escolas tinham estado fechadas. O
Presidente Asif Ali Zadari condenou o ataque, quis que ela fosse
tratada no Dubai. No Vale de Swat são organizados protestos.
Os taliban já garantiram que se sobreviver voltarão a atacar. "Apesar
de ela ser nova e uma menina e de os taliban não acreditarem em
ataques a mulheres, qualquer um que faça campanha contra o islão e a
sharia deve ser morto, segundo a sharia", explicava há dias o
porta-voz do grupo no comunicado em que o ataque foi reivindicado.
"Não é apenas permitido matar uma pessoa assim, mas obrigatório."
"Claro que vão tentar matá-la", escreve o editor de política
internacional da Slate. "Uma adolescente a falar no direito das
mulheres à educação é a coisa mais assustadora no mundo para os
taliban", escreveu. "Ela não pertence a uma ONG estrangeira. Ela é
muito mais perigosa do que isso: uma local, defensora do progresso da
educação e do esclarecimento. Se pessoas como ela se multiplicarem os
taliban não têm futuro."
Pelo Paquistão já outras adolescentes disseram que não deixarão que o
que aconteceu a Malala tenha sido em vão. Os dirigentes políticos
fizeram o mesmo.
Um ícone
"Malala é o nosso orgulho. Tornou-se num ícone para o país", disse o
ministro do Interior, Rehman Malik. O primeiro-ministro, Raja Pervez
Ashraf, foi visitá-la e pediu a todos os líderes paquistaneses que se
juntassem a ele e o chefe das Forças Armadas, Ashfaq Parvez Kayani,
afirmou que chegou a hora de "combater os que propagam esta
mentalidade bárbara e os seus simpatizantes".
Também Bushra Gohar, do Partido Nacional Awami, parte da frágil
coligação governamental com o Partido do Povo do Paquistão (PPP) e no
poder no Vale de Swat, já disse no Parlamento que "o tempo para acabar
com o terrorismo chegou".
Se este levará de facto à tomada de passos concretos na luta contra os
taliban, que mantêm os alguns dos seus santuários no Norte, não se
sabe ainda. Acontecerá o mesmo que em 2009, quando foi lançada uma
grande ofensiva aos taliban depois de um vídeo de uma adolescente a
ser espancada por um combatente? Para já não há movimentações
militares no Vale de Swat, escreve o New York Times citando oficiais
paquistaneses.O ataque contra a jovem activista, explicou num debate
da Al-Jazira o presidente da Associação de Advogados Paquistaneses,
Ahmad Malik, "prejudica a imagem do Paquistão tolerante que Malala
representava". Convidada no mesmo programa, Rubina Khalid, do PPP,
disse que sentiu vergonha. "Não podíamos protegê-la e ela estava a
lutar por aquilo por que devíamos ter sido nós a lutar. Devíamos ter
sido nós na linha da frente, não ela."
Malala dizia que queria estudar para ser médica. Mas esse era o seu
sonho, como explicou numa das entrevistas para o documentário do New
York Times. O pai queria que fizesse carreira na política. "Vejo um
grande potencial nela. Ela pode criar uma sociedade em que um
estudante de medicina possa facilmente tirar o seu doutoramento."