http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/a-internet-mudou-a-nossa-percepcao-do-tempo-1573458
Nicholas Carr, finalista do Pulitzer, tem sido um crítico dos efeitos
da Internet no nosso cérebro. Diz que a velocidade e bombardeamento de
informação constante está a fazer-nos perder a capacidade de
concentração e a tornar-nos menos reflexivos. Quinta e última
entrevista da série sobre a Internet.
O livro de Nicholas Carr The Shallows: What the Internet Is Doing to
Our Brains, foi finalista dos prémios Pulitzer de não-ficção. Como o
título indica, centra-se no impacto da Internet no nosso cérebro e nos
efeitos perversos do seu lado distractivo, errático e rápido.
Este é um tema a que se tem dedicado e que o levou a escrever um
ensaio amplamente divulgado no meio, "Is Google making us stupid?"
(pode ler-se na edição online da revista The Atlantic), onde relata a
sua experiência de leitura pós Internet e os efeitos na memória e
concentração. Autor ainda deThe Big Switch: Rewiring the World, from
Edison to Google (2008) e deDoes IT Matter? (2004), tem debatido o seu
ponto de vista em várias universidades pelo mundo.
O que é que o surpreendeu mais no avanço da Internet desde que a começou a usar?
O mais surpreendente foi a transformação de um meio de informação para
um meio de mensagens – particularmente nos últimos anos, as pessoas
tendem a usar a tecnologia para trocar mensagens pessoais, mais do que
para procurar informação.
Desde o princípio que o email foi uma parte importante da Internet,
mas aweb era mais usada para a visita a páginas, para encontrar
informação e explorar assuntos. À medida que usamos mais as redes
sociais, a Internet torna-se mais num meio para enviar e receber
mensagens. Não esperava que o uso da tecnologia mudasse tão
drasticamente.
E como é que esse aumento na troca de mensagens afecta a forma como
interagimos e pensamos?
A forma como a Internet se desenvolveu tornou-a mais distractiva,
exigindo às pessoas que retenham constantemente pequenas partes de
informação e que monitorizem pequenas correntes de informação. Uma das
grandes mudanças nos últimos anos, com o advento de novas redes como o
Facebook e o Twitter, e isso combinado com o aparecimento dos
smartphones e dos pequenos computadores, é que a forma como a Internet
funciona mudou. Portanto, passámos do modelo de ir a uma página web
ver o que tinha para oferecer para o modelo de informação que está a
correr constantemente e que aparece de vários sítios: do sms, do
email, das actualizações do Facebook e dos tweets. Isso encorajou as
pessoas a aceitar interrupções constantes, a fazer várias coisas ao
mesmo tempo. Perdemos a capacidade de afastar as distracções e de
sermos pensadores atentos, de nos concentrarmos no nosso raciocínio,
ou seja, a forma como a tecnologia evoluiu nos últimos anos tornou-se
mais distractiva; encoraja uma forma de pensar que é a de passar os
olhos pela informação e desencoraja um pensamento mais atento.
A geração que cresceu entre o mundo analógico e o digital está entre
essas duas formas de pensar e agir, mas quem é "nativo digital" está
já imerso nessa realidade multitasking [de tarefas múltiplas] e
distractiva que descreve. Isto não é mais uma mudança do que
propriamente uma perda na forma como essa geração pensa?
Não estou convencido de que exista essa separação clara e definida
entre uma geração e outra, a dos "nativos digitais" e a dos
"imigrantes digitais". A tecnologia é usada por mais velhos e mais
novos e os efeitos tendem a ser os mesmos para a maioria. A diferença
é que quanto mais cedo se está imerso na tecnologia – e é verdade que
a tecnologia está a ser usada por pessoas cada vez mais novas –,
maiores serão os efeitos na forma como aprendem a pensar. Uma das
coisas que se sabem é que as grandes mudanças no nosso cérebro
acontecem quando somos novos. Portanto, se as crianças estão imersas
numa tecnologia que encoraja o multitasking e o pensamento
distractivo, vão adaptar-se a isso e infelizmente não vão ter a
oportunidade ou o incentivo para desenvolver modos de pensar mais
contemplativos e reflexivos. Há o mito de que os "nativos digitais"
não sofrem os efeitos das novas tecnologias, porque se adaptam desde
cedo. Acontece que isso é completamente errado, são bastante
influenciados pelos aspectos positivos e negativos da tecnologia,
porque ela marca a forma como pensam desde o princípio.
Como é que imagina as principais mudanças na forma de pensar desta
geração daqui a dez anos?
As conexões do nosso cérebro formam-se durante esse período em que
lançamos as fundações do nosso modo de raciocinar que perdura o resto
das nossas vidas. Se a maior parte da nossa experiência se centra em
olhar para um ecrã, em particular um ecrã de computador, que encoraja
mudanças rápidas na nossa atenção, o multitaskinge a atenção
repartida, então esse passa o ser o modo como optimizamos o nosso
cérebro para agir – treinamo-nos a nós próprios para pensar dessa
forma. Por outro lado, se não dermos oportunidade para desenvolver
outros modos de pensar mais atentos que requerem concentração – o tipo
de pensamento que é encorajado, por exemplo, por um livro impresso,
porque não há mais nada além das páginas –, isso vai influenciar a
forma como pensamos e mais especificamente a estrutura do nosso
cérebro. Essencialmente, estamos a fazer uma escolha ao disponibilizar
a tecnologia para crianças cada vez mais novas, estamos a fazer com
que elas pensem de uma forma que diria superficial, dando informação a
toda a hora, dividindo a sua atenção. Não penso que isto seja a
primeira vez que isto acontece com a tecnologia, mas a sociedade devia
fazer julgamentos sobre a forma como usamos as nossas mentes baseados
no que a tecnologia tem de bom e de mau.
No seu livroThe Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains fez
uma analogia sobre as novas ferramentas com os mapas, que
transformaram a nossa noção de tempo e de espaço, e, por exemplo, o
relógio mecânico, que na altura também transformou a nossa noção do
tempo. Porque acha que a Internet tem mais influência na nossa forma
de pensar do que os mapas ou relógios tiveram na altura?
Acho que os mapas e os relógios não influenciaram completamente a
forma como pensamos, eles encorajam modos de pensar mais abstractos
sobre o mundo, mudaram a nossa percepção do espaço e de tempo. Olhando
para a Internet e para os computadores em geral: nunca tivemos
tecnologia que usássemos tão intensamente durante todo o dia, cada vez
mais pessoas usam smartphones. Que modos de pensamento a tecnologia
incentiva e que modos de pensamento desincentiva? Como disse, encoraja
um modelo de pensamento mais disperso e desencoraja um pensamento mais
atento. Algumas pessoas podem dizer que o pensamento mais tranquilo,
contemplativo, não é muito importante, que deveríamos tornar-nos mais
superficiais e obter informação mais rapidamente. Há outras pessoas,
como eu, que defendem que há certos aspectos da mente humana a que só
temos acesso quando prestamos atenção. Há provas de que a atenção é
crucial para a formação de memória, para o pensamento crítico e
conceptual e, por isso, essas formas de pensar são extremamente
importantes para aproveitar todo o potencial da mente humana.
Falando da memória a longo prazo, uma das coisas que os aparelhos nos
permitem fazer – o computador, o email, o telemóvel – é documentar e
arquivar as nossas conversas, relações, muito mais do que antes. Como
acha que a nossa relação com o passado vai ser afectada por isso?
Não tenho a certeza de que vá afectar o nosso passado. As pessoas
tiraram fotografias, e mais recentemente fizeram vídeos, e uma das
coisas que sabemos é que, quando estamos a registar estas coisas,
achamos que é muito importante, mas depois na verdade não olhamos para
elas, achamos um pouco chato revisitar as coisas do nosso passado. É
verdade que o Facebook e outros meios nos permitem armazenar mais
informações e imagens sobre a nossa vida, mas não tenho a certeza de
que as pessoas passem, de facto, muito tempo a olhar para elas….
Ter acesso imediato a factos, à informação e às nossas interacções
parece influenciar o modo como formamos memórias. Há estudos que
mostram que quanto mais se acredita que se vai encontrar algo através
do Google, menos provável é que nos lembremos disso. Não há nada de
errado nisso, sempre houve livros. O perigo aqui é que algumas pessoas
pensem que, se tudo estiver disponívelonline, não temos de nos lembrar
de nada, não temos de ter essa informação pessoal na nossa memória a
longo prazo. A questão é que a memória pessoal é diferente daquilo que
está online. Muita da riqueza do nosso pensamento vem da nossa
capacidade de deslocar informação – factos, emoções – da nossa memória
de curto prazo para a nossa memória a longo prazo. É através desse
processo – daquilo a que os psicólogos chamam "consolidação da
memória" – que ligamos aquilo que sabemos, aquilo que aprendemos, a
nossa experiência com outros factos e experiências. E são essas
conexões, essas conexões pessoais que fazemos entre toda a informação
que está na nossa memória, que nos permitem pensar conceptualmente, ir
além dos pequenos bocados de informação e factos que os computadores
fornecem e formar um conhecimento pessoal único – o que na verdade
desenvolve o eu pessoal. Por isso, há o perigo de confundirmos os
dados de computador e que estão onlinecom memória pessoal, que são
coisas diferentes e desempenham papéis diferentes. Mas se sacrificamos
a nossa memória pessoal porque acreditamos que podemos encontrar tudo
online, então perdemos a base do nosso pensamento mais profundo.
Hoje a Internet, como observa, está refém da velocidade e da
"alimentação" constante. Como é que os media podem tirar vantagens de
outro tipo de velocidade da Internet?
Uma das coisas mais interessantes que a Internet está a mudar é a
nossa percepção do tempo – está a fazer-nos esperar por respostas e
informação muito rápidas e a treinar-nos para que, cada vez que
clicamos num link, termos informação no segundo seguinte. Quando
enviamos um sms, um email, esperamos uma resposta muito rápida. Esta
mudança da forma como percepcionamos o tempo e a nossa necessidade de
resposta imediata influencia definitivamente a forma como usamos os
media em geral. Esperamos muito mais estímulos e respostas muito mais
rápidas do que as que tivemos no passado. Por um lado, há muitas
coisas boas nisso. Por outro, isso desafia as organizações dedicadas a
notícias. A distinção na qualidade, nas fontes de informação torna-se
cada vez menos importante, porque as pessoas apenas querem muita coisa
e rapidamente – e torna-se difícil para as empresas demedia se
distinguirem umas das outras e dizerem às pessoas para abrandar e
passarem mais tempo em cada coisa que publicam. Não sei como é que a
indústria dos media se vai adaptar e fazer a transição, porque ainda
estamos no meio do processo.
Disse concordar com os críticos do Facebook e do Twitter que vêem
estas redes sociais como meios para satisfazer a nossa vaidade e
necessidade de auto-expressão. Como é que responde a outra corrente
que as descreve como um bem valioso que mobiliza pessoas e produz
conteúdo, tirando vantagem das pessoas que têm tempo livre para
fazerem coisas a favor da comunidade?
Concordo com muitos desses argumentos. Uma das coisas boas da Internet
é que permite às pessoas expressarem-se de mais formas do que no
passado. Não sou contra a auto-expressão. O que acontece,
particularmente com o Facebook, é que se tornou menos sobre
auto-expressão profunda e tornou-se mais uma gestão de imagem,
auto-promoção, é a ansiedade de estar constantemente em conversa e a
actualizar o perfil. De alguma maneira somos tão puxados pela nossa
auto-imagem que estas ferramentas nos incentivam a pensar na forma
como nos apresentamos a nós próprios, como se fôssemos uma criação
mediática a toda a hora. E isso pode interferir com uma auto-expressão
profunda. Mas cada rede é diferente – a forma como evoluíram fez com
que se tivessem tornado mais uma auto-expressão rápida do que
profunda.
Ainda é crítico de projectos como a Wikipédia?
Quando escrevi isso em 2005, a Wikipédia não era especialmente boa,
embora recebesse já todo o tipo de elogios. Mas tenho de reconhecer
que se tornou muito melhor. Em muitos aspectos é uma produção incrível
de pessoas que se interessam por democratizar a informação. Melhorou e
desempenha um papel muito importante de distribuição de informação
grátis para pessoas que, de outro modo, teriam dificuldade em chegar a
ela. Acho que há sempre o perigo de se tornar a única fonte de
informação, em vez de ser apenas o ponto de partida.