http://www.publico.pt/portugal/jornal/estudo-revela-que-25-das-criancas-com-um-ano-ja-consomem-refrigerantes-26620322
Por Andrea Cunha Freitas
01/06/2013 - 00:00
O aleitamento materno exclusivo é assegurado em média apenas até aos
três meses e meio de vida do bebé ENRIC VIVES RUBIO
Estudo sobre o padrão alimentar mostra que comem muita fruta e
vegetais e provam doces e refrigerantes muito cedo.
Para a maioria das pessoas, será difícil imaginar uma criança com
apenas um ano de vida a beber um refrigerante. Porém, de acordo com os
resultados preliminares do projecto EPACI Portugal 2012 - Estudo do
Padrão e de Crescimento na Infância, que serão divulgados hoje e que
para já se referem apenas às avaliações feitas na Região Norte, aos 12
meses 25% das crianças já provaram um refrigerante. Já as sobremesas
doces aparecem no prato das crianças pelos 13 meses (média), sendo que
50% experimentaram estes sabores entre os 12 e os 18 meses.
Felizmente, os pratos dos mais pequenos também têm uma boa quantidade
de frutas e vegetais. Porém, este bom indicador não será suficiente
para alterar a conclusão sobre o estado de nutrição destas crianças
que passam de uma sobrecarga ponderal (excesso de peso) de 4,3% ao
nascimento para 32,7% entre os 12 e os 36 meses.
O projecto EPACI Portugal 2012 vai avaliar, pela primeira vez, a forma
como crescem e como comem as crianças até aos três anos em Portugal.
"Actualmente, não temos nenhuma informação sobre esta fase importante
e decisiva a nível nacional ou europeu, era uma área em branco,
nebulosa", lamenta Carla Rêgo, a pediatra e mentora do projecto EPACI.
O inédito estudo - realizado pela Escola Superior de Biotecnologia
(ESB) da Católica do Porto com a Faculdade de Medicina (FMUP) e o
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto e o apoio da
Direcção-Geral de Saúde (DGS) - assenta na avaliação de mais de duas
mil crianças entre os 12 e os 36 meses de idade, de todo o país. Para
já, os resultados preliminares que são divulgados hoje correspondem
apenas às 721 crianças avaliadas na Região Norte, estando prevista
para Setembro a apresentação dos resultados nacionais. O processo de
avaliação envolve recolha de dados por entrevista aos cuidadores, mas
também medições e pesagens às crianças.
Os dados obtidos até agora mostram que até aos 12 meses de idade não
parece haver motivo para grandes preocupações sobre os hábitos
alimentares das crianças portuguesas. Destaca-se, no entanto, o facto
de o aleitamento materno exclusivo ser assegurado, em média, apenas
até aos três meses e meio de vida do lactente, ficando aquém da meta
dos seis meses estabelecida pela Organização Mundial de Saúde. E há
ainda outro indicador menos positivo que revela que em 20% das
crianças o leite de vaca é introduzido antes dos 12 meses. Porém, nada
de muito grave até aqui. "Até esta fase dos 12 meses há uma vigilância
mais apertada, com consultas regulares, e uma orientação correcta dos
profissionais de saúde aos cuidadores que, em geral, cumprem o que
lhes é dito, até porque nesta altura existe uma fragilidade associada
à criança e um medo de errar", justifica Carla Rêgo.
Pais "descarrilam"
Mas, a partir deste 12 meses, o bom comportamento dos cuidadores
"descarrila", reconhece a pediatra e docente na FMUP e na ESB.
"Percebemos que quando se fala aos pais em iniciar a dieta familiar, o
que começa é a "desbunda" familiar", refere a especialista,
sublinhando que nesse momento as crianças começam a partilhar "os
erros" da família.
Os resultados do estudo espelham isso mesmo. A idade média para a
introdução dos refrigerantes com e sem gás nas crianças é os 18 meses,
sendo que 25% começam aos 12 meses (no caso dos refrigerantes sem gás)
e 25% provam sumos com gás aos 15 meses. No caso das sobremesas doces,
as primeiras provas acontecem em média pelos 13 meses (50%
introduziram estes sabores entre os 12 e 18 meses). "Incrível",
comenta a pediatra, que avisa: "A forma como se come nos primeiros
anos de vida é determinante para o risco de obesidade, doenças
cardiovasculares, diabetes, etc." Carla Rêgo também esclarece que o
"treino do paladar" é algo que não se faz de um dia para o outro. Por
vezes, é preciso dar o mesmo alimento dez vezes a uma criança para ela
"aprender" a gostar. "Os doces são fáceis, a criança está habituada ao
doce leite materno. O mais difícil são os ácidos, azedos e amargos",
diz a pediatra, que nota ainda que a decisiva etapa da "programação
metabólica" destas crianças começa quando ainda estão na barriga da
mãe.
Mas há mais. Entre os 12 e os 36 meses, 12,2% das crianças nunca
comeram vegetais no prato, 31,4% nunca provou cereais. O EPACI não é
um estudo sobre a obesidade, tal como sublinha Carla Rêgo, porém nesta
avaliação do padrão alimentar e de crescimento é tido em conta o
estado de nutrição da criança. E nesta tabela percebe-se que os casos
de "adequação nutricional" de uma criança passam de 92,3% ao
nascimento para 66,9% na data de avaliação (entre os 12 e 36 meses),
que na "sobrecarga ponderal" a evolução é desde os 4,3% aos 32,7% no
mesmo período e que na "obesidade" se parte do zero para os 7,1%. Esta
evolução é "altamente preocupante" e é ainda mais grave quando olhamos
para os resultados sobre a percepção que os pais têm dos seus filhos:
apenas 6% dos cuidadores consideram que a criança tem peso a mais, 14%
que têm peso a menos e 80% acham que os seus filhos estão bem. "Um
distúrbio brutal da imagem corporal", conclui Carla Rêgo.
Misturar o bom e o mau
Sobre a diversificação alimentar, ficamos a saber que acontece em
média aos cinco meses, embora existam casos de crianças que
experimentaram outros alimentos além do leite com apenas três meses de
vida. Os dados mostram ainda que 45% das crianças começam pela sopa e
45% pela papa. A carne chega em média pelos seis meses, o peixe pelos
oito, os vegetais na sopa pelos seis e no prato pelos 12. Boas
notícias? 93% consomem diariamente leite, 81% comem sopa de vegetais
pelo menos duas vezes por dia, 92,5% comem fruta todos os dias.
"Nos hábitos alimentares, Portugal costuma fazer isto, misturar o
muito bom com o muito mau", constata Pedro Graça, coordenador da
Plataforma contra a obesidade da DGS. Dos resultados, o especialista
destaca uma "reviravolta" decisiva. "Este estudo mostra que o papel
dos pais é decisivo. Pela primeira vez, diz-se às famílias que a culpa
também é delas. Nestas idades a responsabilidade não é das escolas,
das cantinas, da televisão ou do marketing. São os cuidadores - pais,
avós ou amas - que são responsáveis. É um alerta importante",
sublinha. Considerando que os dados sobre os doces e refrigerantes -
"quase venenos nestas idades" - são "assustadores", Pedro Graça
lamenta que "as desgraças comecem "tão cedo". "Os hábitos alimentares,
os gostos que se criam nesta altura mantêm-se para toda a vida",
alerta.
Carla Rêgo não usa a palavra culpa. "Há muita desinformação. É preciso
informar mais e melhor os cuidadores, que são, de facto, os
responsáveis por estes resultados. Poucas pessoas sabem, por exemplo,
que um refrigerante por dia pode significar quase dois quilos de
açúcar por mês".
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