# Mundo caminha para regimes ditatoriais apoiados nas tecnologias, defende académica portuguesa
A "tremenda crise" de segurança que se vive hoje em dia no mundo está
a transformar as democracias em ditaduras, ao abrigo de exceções que
estão a destruir os valores ocidentais, defendeu hoje a académica
portuguesa Irene Pimentel.
Em declarações à agência Lusa no Tarrafal, norte da ilha cabo-verdiana
de Santiago, onde participa na primeira conferência internacional
sobre a Rota dos Presídios no Mundo Lusófono, a historiadora
portuguesa alertou para os perigos de as excessivas medidas de exceção
estarem a destruir a democracia.
"Estamos numa tremenda crise, que não sabemos muito bem onde vai dar.
O grande problema é que as próprias democracias, que não podemos dizer
que são ditaduras, têm exceções, estabeleceram regimes de exceção para
determinadas categorias, como terroristas ou bombistas, criando
administrativamente uma nova legitimidade e uma nova lei,
completamente fora da lei da democracia", advertiu.
Salientando o "caso típico" de Guantanamo, a "prisão" norte-americana
localizada em Cuba, Irene Pimentel criticou o facto de ainda
existirem, nos dias de hoje, campos de concentração que estão a
perverter a democracia e liberdade dos cidadãos.
A professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, que dissertou sobre "O Sistema
Concentracionário na Europa e no Mundo", realçou que, em nome de
"eufemismos" ligados, por exemplo, à Lei Patriótica ("Patriot Act")
norte-americana, se possa prosseguir com a tortura.
"Há aquela frase célebre de (António Oliveira) Salazar: «Uns safanões
a tempo para que os temíveis bombistas não provoquem perda de vidas
humanas, de mulheres e crianças». Com esse argumento, atualmente, está
a dar-se cabo da democracia. Quando estamos a fazer exceções em
democracia, estamos a dar cabo dela", sublinhou.
Questionada pela Lusa sobre para onde então se caminha, Irene Pimentel
respondeu que poderá estar-se a caminhar para "novas ditaduras",
diferentes das que se conhecem, "porque não há referências e os
contextos são diferentes", salvaguardando ainda que a tecnologia
atualmente ao dispor ajuda "tremendamente" ao processo.
"Estamos em transformação, sem quase darmos por isso, de uma
democracia para ditaduras. Por exemplo, hoje em dia, não é preciso na
Europa, ou em Portugal, instaurar a censura tal como ela existia na
ditadura. Basta controlar os «mass media», pôr os jornalistas a
ganharem pouco, a estarem disponíveis para tudo, etc, e, de repente,
temos um pensamento único, sob a capa da pluralidade", avisou.
Recuando no tempo, e comparando com os campos de concentração
portugueses nas antigas colónias em África, Irene Pimentel sublinhou
que a lógica atual não é de extermínio, como o que se passou na
Alemanha nazi, mas de neutralização dos opositores, tal como o Estado
Novo fez, primeiro, com os antifascistas, entre 1936 e 1954, e,
depois, com os nacionalistas, em Angola, Cabo Verde, Guiné e
Moçambique.
"Não creio que eram campos para matar, mas se as pessoas morressem não
vinha grande mal ao mundo. Era sobretudo neutralizá-los, afastá-los,
para que não houvesse mais interferências", disse, admitindo que o
caso do campo da Machava, em Moçambique, foi mais longe na eliminação
física dos opositores.
"Mas nada se pode comparar com os campos de concentração da Alemanha
nazi, sobretudo depois de 1941, com Dachau, Buchenwald e Auschwitz",
frisou, lembrando a "fase de extermínio", sobretudo de judeus.
http://www.ionline.pt/artigos/portugal/mundo-caminha-regimes-ditatoriais-apoiados-nas-tecnologias-defende-academica
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