MARIA JOÃO LOPES 19/11/2013 - 07:49
Conhecida como "a freira mais radical da Europa", Teresa Forcades
esteve em Portugal para apresentar o livro A Teologia Feminista na
História.
A monja beneditina Teresa Forcades está em divergência com a Igreja em
muitos temas fracturantes, é anticapitalista e espera uma "revolução
pacífica" na Europa, mas elogia o Papa Francisco por ter vontade de
mudar as coisas.
Já recebeu uma carta da Santa Sé e foi alvo da ira de católicos mais
conservadores. Não rejeita cegamente o aborto, aceita o casamento gay,
a adopção por parte destes casais, defende o acesso das mulheres ao
sacerdócio. Catalã, de 47 anos, estudou Medicina e Teologia, e aos 30
abraçou a vida monástica. É anticapitalista e faz parte de um
movimento que reivindica a independência da Catalunha. Do vocabulário
que usa fazem parte palavras que causam desassossego na Igreja:
revolução, ruptura, mudança, política, desobediência civil.
O encontro de Teresa Forcades com a fé dá-se aos 15 anos. Como não
cresceu numa família religiosa – os pais eram católicos
não-praticantes – sempre achou que Igreja era uma instituição
"caduca". Na adolescência leu os evangelhos: "Quando terminei, tive
uma sensação de indignação. Vivi 15 anos sem saber isto? Foi muito
forte", recorda a irmã beneditina que, apesar de este ano estar em
Berlim a dar aulas de Teologia, vive no Mosteiro de St. Benet de
Montserrat, perto de Barcelona.
Estudou Medicina, que já não exerce, na Universidade Estatal de Nova
Iorque e Teologia em Harvard. Doutorada em ambas as áreas, tem uma
tese sobre medicinas alternativas. O recurso excessivo a medicamentos
é outro dos temas que a preocupam. Escreveu um livro chamado Crimes
das Grandes Companhias Farmacêuticas e ficou conhecida por se ter
oposto à vacina da gripe A e desmontado vários aspectos ligados a este
mediático caso de saúde.
A vocação monástica só surgiu aos 28 anos, aos 30 entra para o
mosteiro. Na adolescência, nunca pensou que iria ser monja: "Por causa
do celibato; imaginava que não se podia ser feliz sem um par", conta.
Na Igreja Católica é muito fácil esconder-se atrás da tradição e ele
[Papa Francisco] não faz isso
Teresa Forcades
Hoje aceita que o repto da vida religiosa passa por trabalhar a
afectividade: "As pessoas casadas ou com um par também podem ter esta
experiência de se sentirem atraídos por outra pessoa, e têm igualmente
de trabalhar isso". As pessoas da Igreja também se apaixonam. Já lhe
aconteceu e teve de trabalhar a emoção: "É um desafio, sempre",
admite.
Teresa Forcades esteve em Lisboa na sexta-feira, dia 15, a falar sobre
As Falsas Democracias e as Consequências Políticas da Noção Cristã de
Pessoa, no III Colóquio de Teologias Feministas, organizado pela
Associação Portuguesa de Teologias Feministas em colaboração com o
Policredos – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. No
sábado, apresentou A Teologia Feminista na História, que o padre e
poeta José Tolentino Mendonça considera um "verdadeiro livro do
desassossego". Nele, Forcades pergunta: "Por que é que as
contribuições intelectuais das mulheres tiveram tendência a
desaparecer da História?"
"É verdade que os homens dominam a História ou o mundo? Porquê? É
verdade que não quiseram ou não puderam preservar as contribuições
intelectuais das mulheres ou tê-las em conta? Porquê? E Deus, o que
diz de tudo isto?". Ela faz muitas perguntas
Muitas das posições que assume estão no livro Conversas com Teresa
Forcades. Aceita o casamento entre homossexuais, que adoptem crianças
e defende que uma mulher que aborta não deve ser perseguida nem
punida. "Para uma pessoa religiosa, católica, cristã, e para qualquer
pessoa, o respeito pela vida é fundamental, e eu não vou contra isso.
O que se passa é que eu não quero que a mulher que aborta vá para a
prisão. Entendo que as circunstâncias são complexas. Mas sou contra
que a pessoa que aborta tenha essa pena e seja perseguida", sintetiza.
Convicções que lhe valeram uma carta do Vaticano em 2009, em que lhe
era pedido que se explicasse. Ela fê-lo, mas não recuou. "O conflito
entre o direito à vida e à autodeterminação do próprio corpo é um tema
complexo", diz. Dá um exemplo: no caso de um pai que tenha um filho
que precise de um rim para sobreviver, a Igreja não o obriga a dar
esse rim. "Por que é que não fazemos uma lei católica que diga que tem
a obrigação, naturalmente, de dar o rim ao filho? O pai não vai
morrer, só vai salvar a vida do filho", questiona.
Creio que temos uma Igreja que, na sua estrutura, é patriarcal e
misógina. Realmente discrimina as mulheres. Impede o acesso ao
sacerdócio e as tomadas de decisões também não estão abertas às
mulheres
Teresa Forcades
Ser polémica não lhe agrada, mas é impossível não agitar as águas. Foi
alvo da indignação de cerca de cinco mil católicos que assinaram uma
petição a pedir que fosse suspensa. A esta seguiu-se outra de apoio,
que reuniu cerca de 12 mil subscritores.
Agitar as pessoas
Com tanta abertura em relação a temas fracturantes, não é de estranhar
que se entusiasme com o inquérito do Papa Francisco para a preparação
do Sínodo da Família. Para este sínodo – que vai ter duas assembleias
gerais, uma extraordinária, em Outubro de 2014, e uma ordinária, em
2015 – o Papa quer ouvir as bases sobre temas como o aborto, a
contracepção, o divórcio, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a
adopção por parte destes casais. Não é um referendo, mas está a dar
que falar.
"É um primeiro passo. A solução de um conflito é dar-se conta de que
existe e quantificá-lo. É muito importante. O que está a pedir o Papa?
Que os bispos saibam quantas pessoas divorciadas têm nas suas
dioceses, quantas gostariam de receber o sacramento da comunhão e que
agora estão impossibilitados por culpa do divórcio. É muito bom, saber
quantos há", diz, repetindo os mesmos argumentos para casais que vivem
juntos, sem ou antes do matrimónio, sejam heterossexuais ou
homossexuais.
Para a irmã beneditina, este levantamento permite outro olhar
sociológico sobre estas questões. "Uma coisa é saber em genérico que
existe o divórcio, os casais homossexuais, outra coisa é quantificar
em cada diocese. O mesmo para a contracepção. Quantas mulheres
utilizam? É óbvio, também em Portugal, que as famílias católicas não
têm 20 filhos. Algo se passa...", diz, sorrindo.
Apesar das expectativas criadas em torno do inquérito, no final da
reunião da assembleia geral da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP),
que decorreu em Fátima na passada semana, o assunto mereceu apenas dez
linhas num comunicado de sete páginas. O patriarca de Lisboa e
presidente da CEP, D. Manuel Clemente, defendeu que o protagonismo já
tinha sido dado pelo Papa e garantiu que a CEP abraça, e vai cumprir,
o apelo, sendo bem-vinda a contribuição de todos os católicos.
No entanto, na carta pastoral A Propósito da Ideologia de Género, os
bispos deixam bem clara a posição em relação ao aborto ou ao casamento
gay, e apelam mesmo à revogação das leis. Entre outros excertos, pode
ler-se que "os cidadãos e legisladores que partilhem uma visão mais
consentânea com o ser e a dignidade da pessoa e da família são
chamados a fazer o que está ao seu alcance para as revogar".
Na carta, lê-se ainda que "nunca um ou mais pais podem substituir uma
mãe, e nunca uma ou mais mães podem substituir um pai" e que "uma
criança desenvolve-se e prospera na interacção conjunta da mãe e do
pai, como parece óbvio e estudos científicos comprovam".
Representa isto um retrocesso em relação à abertura pastoral do Papa?
Teresa Forcades entende que é uma defesa de alguns sectores da Igreja.
Como se, diante de tanta agitação, estivessem a dizer: "Não pensem que
algo vai mudar": "Não sei o que se vai fazer com os resultados do
inquérito, por isso poria aqui uma nota de precaução. Porque podemos
ter uma decepção. Creio que é positivo que se estude isto, mas não
quer dizer que vá haver mudanças. Pode haver, e é positivo, mas vamos
ver...", acautela.
Apesar de a última palavra vir sempre do topo, Teresa Forcades diz que
só a expectativa já é de saudar: "Mesmo que a resposta oficial seja a
de que não há alterações, já se está a gerar uma expectativa social, e
depois não há quem a pare. É bom que as pessoas se agitem, para que
haja mudanças".
De uma forma geral, o que Teresa Forcades destaca no Papa Francisco é
"essa vontade que tem demonstrado em mudar coisas": "Na Igreja
Católica é muito fácil esconder-se atrás da tradição e ele não faz
isso". Além disso, não tem dúvidas de que está a tornar-se uma ameaça
para muitos "interesses". Notícias recentes deram conta de que os
alertas do Papa contra a corrupção – dentro e fora do Vaticano –
poderiam tê-lo colocado na mira da máfia. O procurador responsável
pelos processos da N'drangheta, a organização criminosa calabresa, diz
que os grupos estão "nervosos e agitados" com tantas chamadas de
atenção do Papa.
No capitalismo posso contratar alguém com o seu trabalho, ganhar mil
euros e pagar-lhe um euro. Não me parece bem. É imoral. Não quero esse
mundo
Teresa Forcades
Deus e dinheiro
Também em relação às mulheres, esta monja defende que teologicamente
nada impede não só que sejam cardeais, como acedam ao sacerdócio.
"Creio que temos uma Igreja que, na sua estrutura, é patriarcal e
misógina. Realmente discrimina as mulheres. Impede o acesso ao
sacerdócio e as tomadas de decisões também não estão abertas às
mulheres", diz. Não é só isto que "tem de mudar radicalmente", a
Igreja também tem de ser entendida "de um modo menos clerical",
acrescenta.
Multifacetada, gosta ainda da palavra política. Faz parte do movimento
de cidadãos Procés Constituente, que está a criar um modelo para um
estado independente e livre do capitalismo na Catalunha – e que tem
acções de desobediência civil marcadas para dia 30.
No Evangelho diz-se que não se pode servir a Deus e ao dinheiro, isto
é anticapitalismo. "No capitalismo posso contratar alguém com o seu
trabalho, ganhar mil euros e pagar-lhe um euro. Não me parece bem. É
imoral. Não quero esse mundo", esclarece. Entre outros modelos de
organização, defende, por exemplo, as cooperativas. "Esta sociedade
que imagino não é uma sociedade controlada por um comité central. Não
quero o capitalismo nem um governo que controle tudo. Não quero isso
para nada, já vimos isso na História e é um desastre", frisa.
Diz que os partidos políticos, tal como existem e são financiados, são
reféns do poder económico e não estão a servir a democracia. No livro
Sem Medo, escrito com a especialista em movimentos sociais Esther
Vivas, defende, entre outras ideias, a incompatibilidade entre
capitalismo e democracia.
Esta monja beneditina, para quem o mundo é hoje um conjunto de "falsas
democracias", foi considerada pela BBC como uma das mais influentes
intelectuais de esquerda e "a freira mais radical" da Europa. Ela
acredita que o momento que se vive na Europa é uma "oportunidade
política" para a mudança. Não uma mudança "de cosmética", não uma
"reforma", mas uma ruptura, uma revolução: "Uma revolução pacífica e
democrática".
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/teresa-forcades-a-freira-sem-medo-1612959
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