# Ir de férias com sentimentos de culpa e para pensar no trabalho...
http://www.ionline.pt/artigos/portugal/sete-cada-dez-jovens-tem-uma-sensacao-vazio-ao-ir-ferias/pag/-1
Estudo inédito em Portugal mostra uma geração que pensa não precisar
de parar para repor energias. E sente culpa por poder fazer falta
Enquanto uns sonham meses por elas, outros sentem que não precisam de
parar para carregar as baterias e ficam desconfortáveis ao pensar que
poderão fazer falta no seu local de trabalho ou sobrecarregar os
colegas. O fenómeno do sentimento de culpa por ir de férias começou a
ser diagnosticado nos EUA e há dados em Portugal que mostram que nem o
clima torna os jovens portugueses imunes a esta aparente viragem
psicológica. Um inquérito feito este ano pela Associação Portuguesa de
Psicologia da Saúde Ocupacional (APPSO) a uma amostra de 3619
trabalhadores revela que sete em cada dez representantes da geração
milénio - nascidas entre 1982 e 1993 - dizem sentir um vazio ao ir de
férias. Entre os mais velhos inquiridos apenas 4% confessa esta
sensação. Já o descanso só é sinónimo de liberdade e bem-estar para
14% dos jovens contra 89% dos mais velhos. E só 6% dos mais novos vê
nas férias a hipótese de repor energias, contra 73% dos mais velhos.
Com números tão expressivos, eles devem andar por aí mas não são
fáceis de apanhar quando toda a gente parece estar em modo de último
sprint antes das benditas férias. Num grupo de amigos, emergem uns
quatro candidatos (pensando nos workaholics). Dois falham: adoram o
trabalho mas "férias são férias" e desligam completamente. Outros
dois, contudo, não têm a mesma visão retemperante e não hesitam em
classificar de "abominável" a ideia de tirar "férias por férias", por
exemplo para ficar deitado na praia ou à beira da piscina.
Não lhe chamariam culpa, mas o facto é que estão satisfeitos a
trabalhar e só planos que impliquem actividade é que os fazem tirar
alguns dias. Desde que começou a trabalhar, Miguel, de 30 anos, tira
no máximo metade dos dias de férias a que tem direito na farmácia em
Lisboa. "Para carregar baterias estou melhor a trabalhar, só o faço
quando tenho alguma coisa planeada", conta. E neste rol de actividades
de lazer não entram semanas de papo para o ar. "Não consigo", diz.
"Temos de contribuir para o PIB."
José, engenheiro de 37 anos, também não se lembra de férias desse
género. Tem 40 dias por gozar e a única vantagem que vê numas férias
sem planos é poder repor o sono, mas chegam poucos dias. "Geralmente
tiro mais dias no Natal." Sem família própria, conta que se sente mais
integrado no trabalho, onde os projectos e prazos de entrega acabam
por exigir dos funcionários alguma flexibilidade. "Neste momento temos
um deadline até ao final de Agosto. Algumas pessoas tinham férias e
desmarcaram."
O QUE SE PASSA Perceber os porquês desta mudança de opinião em relação
às férias acaba por ser um exercício de especulação que cruza factores
pessoais e geracionais. Para José, só terá este sentimento em relação
às férias quem gosta do que faz ou tem responsabilidades. Já Miguel
sublinha que o motiva estar a ser útil, a produzir seja o que for,
mais do que parado. "Quando tiro uma semana, ao terceiro dia já começo
a pensar se está tudo bem, se estou a fazer falta", diz.
No estudo da APPSO, a que o i teve acesso, a preocupação com a
produtividade é latente: 81% dos inquiridos da geração milénio disse
encarar as férias como "um tempo de improdutividade com complicações
profundas na sua actividade." Entre os mais velhos, são apenas 12% os
que manifestam esta sensação. A discrepância prossegue: oito em dez
jovens trabalhadores dizem que quando são obrigados legalmente a tirar
tempo de férias sentem que não o queriam fazer, contra um em dez dos
trabalhadores mais velhos.
A mudança no calendário para constituir família será uma das
explicações - hoje a idade média dos portugueses no primeiro casamento
ronda os 30 anos e os filhos vêm mais tarde. Para Miguel e José, não
terem família própria é uma explicação plausível para não terem
necessidade de tirar mais dias. No estudo da APSO, a despreocupação
com questões familiares também é visível. Só 20% vê nas férias uma
oportunidade para rever os planos quanto à vida pessoal e familiar,
contra 45% dos trabalhadores de outras gerações. Por outro lado, os
mais novos aceitam mais as férias como uma oportunidade para pensar na
vida profissional (42% partilha esta opinião) do que os mais velhos.
Só 15% pensa nas férias como uma forma para pensar no que vai fazer no
trabalho.
Para João Paulo Pereira, director-executivo da APPSO, na base deste
sentimento está algo mais transversal, independentemente mesmo do
sucesso ou do cargo. "A geração milénio organiza-se mais a si mesma e
por isso as férias são um momento em que sentem menor produtividade",
diz o psicólogo e coacher. "São uma geração muito mais voltada para o
trabalho como forma de prazer e por isso mesmo o termo férias e o que
elas representavam está fora da sua linha de pensamento do que é
exercer uma actividade laboral."
Há cinco anos que a APPSO recolhe indicadores sobre esta matéria e
João Paulo Pereira adianta que os sentimentos de ligação ao trabalho
têm vindo a aumentar em todos as faixas etárias, mas de forma mais
expressiva nas gerações mais novas: aumentaram 25% os que colocam em
causa o período de férias contra uma subida de 2% nos outros
trabalhadores. O medo de perder o trabalho parece ser outro motivo
para esta reticência em parar, que por vezes leva a descompensações
emocionais, diz o psicólogo, neste momento a acompanhar três casos de
pessoas para quem as férias eram acompanhadas de sentimentos de
culpabilização. Excesso de cansaço e incapacidade de organizar de uma
forma mais equilibrada o trabalho são alguns motivos para procurar
ajuda.
Filomena Chainho, directora de operações da Albenture Portugal,
empresa que trabalha em mediação laboral, confirma que o fenómeno está
presente mas muitas vezes só é notado quando existe um grande grau de
dependência. Nos últimos cinco anos de actividade em Portugal, recorda
apenas uma intervenção nesta área, solicitada por uma empresa que
tinha uma funcionária que permanecia demasiado tempo no trabalho por
receio de descurar as suas funções. "A quebra da rotina é benéfica e
mesmo com as empresas a exigirem cada vez mais, aquelas que são nossas
clientes são as primeiras a reconhecer que não conseguem tirar o
melhor partido de um funcionário cansado, mesmo quando ele não
demonstra esse cansaço."
Por agora, as empresas não parecem estar muito despertas para isso.
Como reagem os chefes de Miguel aos dias que ficam por tirar? "Acho
que ficam contentes", diz. José adianta que, ao reconhecer a exigência
feita aos trabalhadores, a empresa é flexível: permite acumular os
dias até darem jeito. Mas admite que existe um ambiente que olha um
pouco de lado quem é menos flexível ou sai mais cedo. "Há muita
pressão de fazer mais por menos e as pessoas acabam por ceder. Tenho
colegas na Alemanha e lá há muito maior controlo: se uma pessoa está
mais de dez horas a trabalhar no dia seguinte tem de ir logo ao
sindicato. Cá a flexibilidade é total e não há controlo nenhum."
Razões estudadas para tirar férias
Menos stresse
• Investigadores da Universidade da Califórnia compararam o ritmo
cardíaco de pessoas ligadas ao email do trabalho com outras que faziam
uma pausa de cinco dias. Verificaram que as primeiras têm ritmos
cardíacos mais intensos, o que sugere um stresse elevado pelo simples
facto de estar sempre a ter solicitações.
Prevenir ataques cardíacos
• Alguns estudos já ligaram uma maior incidência de ataques cardíacos
entre quem faz menos férias ao longo da vida. Um trabalho publicado no
ano 2000 após seguir 3000 homens que não fizeram férias durante cinco
anos apurou terem um risco 30% maior de doença coronária.
Menos depressão
• Um estudo com 1500 mulheres feito por uma clínica norte-americana
verificou que quanto menos férias tiravam maior era o risco de terem
uma depressão mais tarde.
Mais produtividade
• Investigadores de Tel Aviv concluíram que desligar é essencial:
quem vai de férias com o telemóvel atrás perde os efeitos do descanso
mais depressa. Quem desliga por completo, regressa mais produtivo.
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