JOANA GORJÃO HENRIQUES
17/11/2014 - 14:05
http://www.publico.pt/mundo/noticia/escravos-em-todo-o-mundo-sao-358-milhoes-1676528?page=-1
Com as mesmas estimativas de 2013, Portugal ocupa o décimo lugar entre
167 dos países com menor índice de escravatura, e é o 11º entre os
europeus. O Brasil é um dos países elogiados pelo combate ao trabalho
forçado e escravo no Índice Global da Escravatura 2014.
29,8 milhões, o número da vergonha da escravatura no século XXI
Depois de no ano passado ter estimado a existência de 29 milhões de
escravos modernos em todo o mundo, o Índice Global da Escravatura 2014
apresentou esta segunda-feira novas estatísticas: são 35, 8 milhões.
Os novos números representam uma subida de 20% em relação ao primeiro
relatório de sempre sobre a escravatura, divulgado em 2013, mas não
indicam, porém, uma subida do número de escravos, sublinha a Walk Free
Foundation, uma instituição que luta pela erradicação da escravatura,
e autora do relatório. Esta "subida" deve-se a uma melhoria na
precisão e no rigor da metodologia usada e no facto de estarem agora a
ser revelados casos de escravatura moderna em locais onde estava
escondida. O índice de 2014 inclui mais cinco países do que o
anterior: Taiwan, Sudão do Sul, Coreia do Norte, Kosovo e Chipre.
O termo escravatura moderna é usado de diferentes maneiras em
diferentes países, e é inclusivamente alvo de debates. Para o
relatório, escravatura moderna implica o controlo ou posse de uma
pessoa, retirando-lhe a sua liberdade individual, com intenção de a
explorar. Inclui tráfico de pessoas e trabalho forçado.
Com os mesmos dados do ano passado, 1400 escravos, Portugal ocupa o
décimo lugar entre 167 dos países com menor índice de escravatura, e é
o 11º da Europa. Cinco países - Índia, China, Paquistão, Uzbequistão
e Rússia - concentram 61% do total de escravos estimados. O pior país
em termos de prevalência da escravatura é, como em 2013, a Mauritânia,
com 4% da população em situação de escravatura, mas em termos
absolutos é a Índia que bate os recordes com 14,3 milhões estimados. O
Uzbequistão vem a seguir à Mauritânia, algo que se deve a uma
imposição de trabalho forçado do próprio governo na apanha de algodão,
e que está documentado por várias organizações, dizem no relatório.
O Qatar foi um dos países que "subiu" no ranking entrando no top ten
dos países com maiores índices de escravatura: tem agora 1,4% da
população em situação de escravatura (e os autores acham que esta é
uma estimativa conservadora). A presença no top ten do Paquistão,
República Democrática do Congo, Sudão, Síria e República Centro
Africana é um reflexo do impacto da guerra na escravatura moderna,
interpreta a Walk Free.
Já em relação à Mauritânia, a escravatura é algo difícil de erradicar
porque está integrada na sociedade e é perpetuada pela tradição, passa
de geração em geração e faz parte do sistema social, escrevem.
Meio milhão na Europa
Apesar de ser a região do globo com o menor índice de escravatura,
1,6%, a Europa continua a ter mais de meio milhão de escravos entre as
suas fronteiras - a maioria é para exploração laboral e sexual.
Islândia, Irlanda e Luxemburgo são os países europeus com menor
incidência de escravatura na Europa, enquanto a Bulgária, República
Checa e Hungria têm os níveis mais altos. A Turquia tem, porém, o
número absoluto mais alto, com mais de 185 mil.
O tráfico de seres humanos para a indústria da cannabis na Irlanda e a
mendicidade forçada em França são alguns dos casos mais recentes.
Cerca de 65% das vítimas de tráfico serão cidadãos da União Europeia,
70% das vítimas identificadas serão para exploração sexual e 19% para
exploração laboral. Continuam a existir situações de servidão
doméstica de cidadãos não-europeus nas casas de pessoal diplomático,
escrevem.
Uma das novidades do Índice deste ano é medir as respostas dos
governos à escravatura e a taxa de vulnerabilidade da população em
cada país relativamente ao problema.
Em relação à resposta governamental, Portugal está em 23º lugar no
ranking dos 167 países e em 17º no dos 37 países europeus. Já no
índice de vulnerabilidade está no 150º e em 24º no europeu (neste
caso, quando mais alta a posição, melhor). Para medir as respostas
governamentais ao problema foram usados cinco factores que devem estar
incluídos na luta contra a erradicação da escravatura, de acordo com a
Walk Free: identificação e apoio a vítimas, mecanismos de justiça
criminal adequados, coordenação e responsabilização do governo
central, combate às atitudes, sistemas sociais e instituições que
facilitam a escravatura, e subcontratação.
O Brasil, que neste índice aparece em melhor posição do que Portugal
ocupando o 14º lugar, é um dos países elogiados pelo relatório como um
dos três que está a fazer um esforço para prevenir o recurso ao
trabalho forçado e escravo nas cadeias de produção, ao lado dos
Estados Unidos e Austrália. Estes países fizeram um compromisso
público de combate à escravatura moderna nas suas cadeias de produção,
como a Austrália, ou tomaram passos decisivos para garantir
transparência como a criação da lista negra de empresas no Brasil em
que são publicados os nomes das empresas que lucraram com trabalho
forçado, escreve a Walk Free.
Quanto à vulnerabilidade da população à escravatura, ela baseia-se em
cinco factores: as políticas de combate à escravatura moderna, as
protecções dadas por direitos humanos, o nível de desenvolvimento
económico e social, o nível de estabilidade estatal e a extensão dos
direitos das mulheres e de níveis de discriminação.
O problema asiático
Tal como no ano passado, este índice de 2014 mostra que quase dois
terços da população escravizada está na região da Ásia-Pacífico.
Trabalho forçado, tráfico para exploração sexual e casamentos forçados
são as formas que a escravatura assume, e em países como a Índia e
Paquistão a população, por vezes famílias inteiras, são escravizadas
através de trabalho escravo na construção, agricultura, produção de
tijolos, etc.
Nesta região, a Índia, Paquistão e Tailândia representam quase 50% do
total da população mundial escravizada e isto "é um reflexo do facto
de muitos dos países no sudeste asiático terem a mão de obra
desqualificada que fornece a cadeia de produção de várias indústrias,
da comida à tecnologia".
"Há a ideia de que a escravatura é uma coisa de uma era passada. Ou
que só existe em países afectados pela guerra ou pela pobreza. Estes
dados mostram que a escravatura moderna existe em todos os países" ,
afirma Andrew Forrest, o fundador da Walk Free, citado no comunicado
de imprensa do relatório.
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