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João Salgueiro
14/4/2015, 13:42
O sucesso de nova estratégia económica só depende da nossa capacidade
para encorajar e atrair investimentos produtivos, em concorrência com
as localizações alternativas hoje disponíveis.
1. A economia e a sociedade portuguesa vêm defrontando há vários anos
situações de crise económica e social, com estagnação e declínio do
produto e do investimento e com os graves custos humanos associados ao
desemprego, à quebra de rendimentos e ao agravamento da carga fiscal,
tudo conduzindo a sério declínio das expectativas.
As atenções têm estado centradas sobre o difícil programa de
assistência financeira resultante da rotura no acesso aos mercados,
mas, face à acelerada mutação do quadro mundial e à necessidade de
revitalizar os objectivos e as instituições europeias, não pode
considerar-se como objectivo apenas o regresso às condições
anteriores.
Sem viabilizar um processo de desenvolvimento económico não será fácil
corrigir o desemprego, normalizar a carga fiscal, nem assegurar a
sustentação das políticas sociais. Tem demorado excessivamente a
configuração de estratégias capazes de mobilizar o potencial de
crescimento nacional.
É hoje mais evidente a necessidade de um autêntico virar de página
indispensável para assumir novos desafios, clarificar objectivos e
definir, com realismo, verdadeiras respostas e, antes de tudo, é
indispensável compreender melhor a natureza da própria crise e não
confundir as consequências com as suas causas.
A política comercial da UE configurava uma estratégia de
especialização das economias europeias em produtos de alto valor com a
redução do peso das actividades de mão de obra intensiva e baixos
salários, possibilitando, assim, manter elevados rendimentos do
trabalho e sistemas avançados de segurança social.
2. A queda do Muro de Berlim alterou radicalmente a natureza
geoestratégica do espaço europeu e da sua situação no Mundo, e
conduziu a inevitáveis reconfigurações económicas e políticas:
– a reunificação da Alemanha, com a adesão da RDA à UE, por decisão
unilateral da RFA, sem verdadeiras negociações de pré-adesão ao espaço
europeu;
– a implosão do Pacto de Varsóvia e da própria União Soviética;
– sucessivos quatro novos alargamentos – abrangendo 18 Países do Leste
Europeu e do Mediterrâneo;
– a desaparição dos sistemas de planeamento central e a adopção da
economia de mercado – mesmo nos países que mantêm governos comunistas,
pondo termo à competição entre sistemas económicos alternativos.
Em poucos anos, generalizou-se o sistema de mercado como único modelo
para organização das economias nacionais e das relações económicas
internacionais, opções fundamentais que conduzem à globalização
assente nos mecanismos de concorrência e livre formação dos preços.
3. A reconfiguração do quadro económico internacional, para maior
dependência dos mercados, tinha, aliás, começado quase duas décadas
antes. Com a reacção aos bloqueamentos criados pela stagflashion
abandonou-se o sistema de Bretton Woods. Desvalorizou-se, também, o
recurso às políticas de gestão da despesa global para combater o
desemprego e a inflação. Valorizou-se pelo contrário o estímulo das
capacidades de oferta, pela promoção da concorrência, da desregulação,
das privatizações e da livre circulação de capitais.
Com a mesma inspiração, decidiu-se em 1986 a criação doMercado Único
Europeu, anulando a compartimentação dos espaços nacionais, com a
eliminação de formalidades fronteiriças, diferentes regimes normativos
e preferências nacionais nas compras públicas bem como o estímulo da
concorrência nos sectores de serviços e a adopção do sistema monetário
europeu, precedendo a criação da moeda única.
A política comercial da UE assumiu, também, na prática, o objectivo de
desmantelamento das fronteiras externas, favorecendo os interesses dos
países membros mais competitivos, facilitando as importações para
assegurar, em contrapartida, fácil acesso aos mercados dos países em
vias de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, combater as pressões
inflacionistas, pela maior disponibilidade de bens de consumo de baixo
custo. Configurava uma estratégia de especialização das economias
europeias em produtos de alto valor com a redução do peso das
actividades de mão de obra intensiva e baixos salários,
possibilitando, assim, manter elevados rendimentos do trabalho e
sistemas avançados de segurança social.
Não é demais sublinhar o alcance de tão profundas alterações no
ordenamento económico mundial, ainda mal assumidas em muitas
instâncias europeias, mantendo ainda a ilusão do papel do
eurocentrismo e insuficiência de competitividade para assegurar o
autodesignado modelo social europeu.
A curto prazo, foram os países periféricos da UE – os mais atingidos
por esta evolução, registando elevadas taxas de desemprego nos seus
sectores tradicionais. A médio prazo, avanços de competitividade dos
países emergentes, particularmente os Tigres Asiáticos e, de forma
mais decisiva a República Popular da China, conduzem à necessidade de
ajustamentos estruturais mesmo nos países europeus já
industrializados.
Nos últimos anos, a Europa tornou-se o continente com piores
indicadores económicos e difícil confronto, não só com os países do
terceiro mundo mas também com os EUA.
4. A partir de 2008, defrontaram-se na União Europeia novas
dificuldades, com o desequilíbrio dos sectores financeiros,
esgotamento da expansão das actividades imobiliárias e menor
sustentabilidade das finanças públicas. Em geral, atribui-se essa
crise às consequências da especulação imobiliária e bancária nos
Estados Unidos – com os incumprimentos do subprime, perda de confiança
nos produtos derivados e colapso dos mercados interbancários. Mas a
Europa defrontava também os efeitos da crescente perda de
competitividade, provocada pelos avanços económicos e tecnológicos dos
países emergentes.
Nos últimos anos, a Europa tornou-se o continente com piores
indicadores económicos e difícil confronto, não só com os países do
terceiro mundo mas também com os EUA. Os progressos da economia
americana evidenciam os efeitos conjugados de políticas monetárias
mais activas, menor burocracia regulamentar e menores custos de
energia. Pelo contrário, a Europa defronta as consequências negativas
da rigorosa consolidação das finanças públicas e da desalavancagem
bancária, a somar aos efeitos duradouros da sua evolução demográfica e
da menos eficaz capacidade de integração das comunidades de
imigrantes.
A criação do mercado único europeu – como também a globalização do
mercado mundial – permitiu melhor aproveitamento de economias de
escala, estímulo de concorrência e difusão de inovações. Mas não se
tem ponderado com realismo, na medida necessária, os efeitos negativos
da polarização que provoca crescente concentração nas regiões com
melhores vantagens de competitividade, agravando a desigualdade nas
condições que são oferecidas às actividades económicas e às
populações. Tem-se procurado compensar essas consequências negativas
com políticas nacionais de desenvolvimento regional, estímulos fiscais
e financeiros, e transferência de recursos orçamentais. Mas há um
deficit de actuação a nível europeu.
Em Portugal, não se percebeu, em tempo útil, a dimensão e o alcance
das transformações em curso na Europa e no mundo e prolongou-se,
assim, grave incapacidade de resposta aos novos desafios, acumulando
crescentes desequilíbrios.
Nas fases iniciais do processo de integração promoveram-se
simultaneamente o princípio da liberdade de concorrência e o princípio
da coesão económica e social com o reforço de fundos estruturais. De
facto, valorizava-se activamente a coesão e a convergência das
condições económicas e sociais nos diferentes países membros. Enquanto
o sistema de economia de mercado competia com o sistema de planeamento
central, procurava-se assegurar que a generalização dos progressos
económicos contribuísse para assegurar base política de apoio ao
projecto europeu. No quadro da concorrência global, as prioridades da
integração europeia não assumem hoje o mesmo significado.
5. Em Portugal, não se percebeu, em tempo útil, a dimensão e o alcance
das transformações em curso na Europa e no mundo e prolongou-se,
assim, grave incapacidade de resposta aos novos desafios, acumulando
crescentes desequilíbrios.
Já em estado de necessidade e sem autêntica negociação, o pedido de
assistência financeira, em 6 Abril de 2011, configurou, para Portugal,
um verdadeiro choque com a realidade. O programa foi acordado, com a
UE, o FMI e o BCE, ignorando a verdadeira dimensão dos apoios que a
realidade exigia, nomeadamente, não contemplando os desequilíbrios do
sector empresarial do Estado. Assim – face à impossibilidade de
reafectar o crédito atribuído às empresas públicas – agravaram-se as
dificuldades financeiras das pequenas e médias empresas, contribuindo
para muitos encerramentos e agravamento do desemprego. Por outro lado,
o que constitui limitação mais essencial, o Programa foi inspirado por
uma estratégia de equilíbrio macro-económico de curto prazo, visando a
correcção dos desequilíbrios das finanças públicas e da balança
externa, sem suficiente ponderação da rigidez institucional e social
dos estrangulamentos vigentes. No pressuposto da perfeita mobilidade
dos factores produtivos, não contemplou de forma consistente uma
estratégia de desenvolvimento, desvalorizando o desafio central da
nossa estagnação económica.
O pedido de ajuda internacional não resultou apenas de crise
conjuntural mas confirmou, de facto, a falência do modelo de política
económica vigente até então, que assentava em pressupostos já sem
qualquer fundamento real.
Com efeito, entendeu-se então – sem fundamento real – que se tratava
apenas de mais um desequilíbrio que importava corrigir, quando, de
facto, se defrontava a exigência de um profundo reajustamento de
estruturas e políticas, após as radicais transformações no quadro
internacional, posteriores a 1989. Os programas de ajuda do FMI, em
1978 e 1983, visavam essencialmente corrigir o desequilíbrio externo
português decorrente do forte agravamento dos preços das importações
de petróleo, que quadruplicaram, em 1973, e duplicaram, de novo, em
1979. As medidas adoptadas em ambos os casos – que beneficiaram também
dos efeitos do forte crescimento dos preços internos – rapidamente
tornaram possível corrigir o excesso de despesa face ao desequilíbrio
da balança com o exterior, reduzindo as importações e estimulando as
exportações. Em 2011, a crise resultava não só de desfazamentos
estruturais, que punham em causa a competitividade futura de largos
sectores das nossas actividades produtivas, mas também a necessidade
de reconsiderar os próprios objectivos e instrumentos da nossa
política económica.
6. O pedido de ajuda internacional – face a bloqueios, infelizmente só
reconhecidos com atraso de quase duas décadas – não resultou apenas de
crise conjuntural mas confirmou, de facto, a falência do modelo de
política económica vigente até então, que assentava em dois
pressupostos já sem qualquer fundamento real. Por um lado, a ilusão de
que a "crise" poderia ser ultrapassada com o relançamento da economia
e do emprego através do aumento da despesa pública – de qualquer modo
já entretanto inviabilizado pelo excessivo agravamento da nossa dívida
externa. Por outro lado, a convicção de que, face às nossas
dificuldades, sempre seria possível recorrer à solidariedade europeia,
o que se tornara irrealista desde 1990, após a queda do Muro de
Berlim, e o termo da ameaça da URSS, que tornava menos essencial a
estabilidade solidária do espaço integrado da Europa Ocidental.
Inevitavelmente, a nova realidade expunha Portugal a uma diferente
ordem europeia e internacional, o que, infelizmente, está ainda longe
de ser assumido pela maior parte das nossas lideranças políticas e da
opinião pública. A correcção da crise que defrontamos não permitirá
voltar à "normalidade anterior aos novos desafios", nem será possível
encontrar as soluções apenas pela contenção da despesa e pelo
reequilíbrio dos preços relativos. O desafio essencial é,
inevitavelmente, o de assegurar condições de desenvolvimento, de
afirmação e de progresso para a economia portuguesa no espaço alargado
europeu e, também, no espaço global, face aos novos países emergentes.
Os indicadores relativos a 2014, com o modesto crescimento do PIB de
0,9%, podem indiciar o princípio do fim dos desequilíbrios de curto
prazo. Mas é indispensável recordar que desde o início do milénio até
ao desencadear da recente crise financeira, a média do nosso
crescimento anual foi apenas cerca de 0,6%.
Os indicadores relativos a 2014, com o modesto crescimento do PIB de
0,9%, podem indiciar o princípio do fim dos desequilíbrios de curto
prazo. Mas é indispensável recordar que desde o início do milénio até
ao desencadear da recente crise financeira, a média do nosso
crescimento anual foi apenas cerca de 0,6%.
É difícil imaginar como tão fraco desempenho não provocou preocupação
generalizada, nem encorajou o debate sobre as razões do insucesso, nem
vontade de encontrar novas políticas económicas. Portugal registou,
nesse período, o pior conjunto de indicadores económicos dos países da
área do euro, ao mesmo tempo que acumulava forte crescimento da dívida
nacional – do Estado, das empresas e dos particulares – e suficientes
indícios de problemas no mercado de trabalho.
7. Face à falência das estratégias anteriores e à mediocridade dos
resultados conseguidos, tornam-se indispensáveis outros quadros
mentais, capazes de compreender e assumir os desafios, as
oportunidades e ameaças que defrontamos. Não parece razoável esperar
que se retroceda no caminho da crescente globalização, face aos
interesses dos principais protagonistas que a têm tornado possível.
Pelo contrário, assistiremos, provavelmente, a avanços da globalização
que, não existindo qualquer Governo mundial, será a que resulta dos
mercados e da concorrência, tanto para as decisões de curto como de
médio prazo, decisões de consumo e de investimento. Não serão
certamente as nossas dificuldades que justificarão melhores condições
oferecidas pelos mercados, mas sim a coerência e a confiança que as
estratégias económicas e a coerência política inspirarem.
Também não se pode ignorar a inevitável aceleração da mudança quando
milhões de investigadores, em todos os ramos da ciência, alargam o
espaço dos saberes. Maior número de investigadores do que o somatório
de todos os que viveram em séculos anteriores, dispondo agora de
instrumentos de pesquisa sem confronto com os que estavam ao alcance
dos cientistas de outras épocas, níveis de precisão até agora
desconhecidos, redes de telecomunicações, computadores e bases de
dados contribuem para avolumar o fluxo de inovações tecnológicas e
institucionais. Também pela primeira vez é hoje possível trabalhar em
rede, acelerando a difusão dos conhecimentos e das tecnologias, que a
concorrência e a mobilidade das empresas e capitais generaliza e
amplifica no espaço global.
Nada permite concluir que só os países de maior dimensão podem
progredir. Pelo contrário, na Europa como na Ásia, foram países de
menor dimensão que primeiro conseguiram assegurar progressos
significativos e sustentados.
8. Não parece que a resposta portuguesa se possa encontrar com simples
recurso a medidas dispersas. É indispensável nova visão que permita
ultrapassar os imobilismos, os equívocos e os complexos que, há mais
de duas décadas, comprometem os diagnósticos e as estratégias
nacionais.
Desde logo, as hipotéticas limitações de Portugal, como País pequeno e
periférico, que dificultariam o nosso desenvolvimento económico. Nada
permite concluir que só os países de maior dimensão podem progredir.
Pelo contrário, na Europa como na Ásia, foram países de menor dimensão
que primeiro conseguiram assegurar progressos significativos e
sustentados.
Também não é possível considerar que a localização do País corresponda
a uma posição periférica no espaço da economia global. Certamente,
beneficiamos de uma posição mais favorável do que dispunham os tigres
asiáticos em relação aos dois principais mercados mundiais – América
do Norte e Europa Ocidental – e dispomos ainda de vantagens relativas
face a África e América Latina e ao seu potencial de crescimento.
É igualmente indispensável erradicar os complexos de dependência que
têm comprometido o nosso progresso: dependência das empresas face ao
Estado, para prolongar a sobrevivência de estruturas e práticas
inviáveis; e dependência do País face à UE, com a subalternização
de"bom aluno europeu", para configurar estratégias de afirmação
nacional no espaço europeu e nos mercados mundiais.
Uma parte do nosso insucesso é consequência de se ter prolongado tempo
demais a vontade de construir o futuro pela defesa e sobrevivência de
estruturas e opções do passado, de qualquer modo inviabilizadas pela
inevitável "destruição criativa"
Infelizmente, uma parte do nosso insucesso é consequência de se ter
prolongado tempo demais a vontade de construir o futuro pela defesa e
sobrevivência de estruturas e opções do passado, de qualquer modo
inviabilizadas pela inevitável"destruição criativa". Pelo contrário, é
necessário conceber e concretizar respostas à medida das oportunidades
que o futuro hoje já torna possíveis. Esperar a reposição das
condições e do enquadramento da nossa economia anterior a 2007 não faz
sentido. Importa olhar para novas actividades e para a reconfiguração
das já existentes, avaliando o potencial de inovação à luz das
experiências alheias de sucesso.
9. Um novo modelo económico implica, por sistema, uma metodologia de
benchmarketing. Procurar avaliar o exemplo das economias que têm
conseguido melhores resultados, economias em vários continentes e de
dimensão diversificada, como a Alemanha ou Dinamarca, Singapura, a
Coreia ou a China. Na diversidade de condições e de recursos, esses
Países têm em comum terem sido capazes de criar sistemas que encorajam
e atraiam investimento produtivo.
Não ocorre melhor estratégia do que tornar Portugal uma localização de
referência no espaço económico global para novos projectos e
localização de empresas. À escala da economia portuguesa, são
praticamente ilimitados os recursos ao nosso alcance – novos
projectos, capitais e competências técnicas – que, constantemente, se
reorientam pela procura das melhores vantagens relativas das
diferentes localizações.
O sucesso de nova estratégia económica só depende da nossa capacidade
para encorajar e atrair investimentos produtivos, em concorrência com
as localizações alternativas hoje disponíveis. Constitui a única forma
de assegurar o nosso progresso sustentado – de criar empregos
qualificados, aliviar a carga fiscal e suportar os encargos sociais.
O benchmarking das experiências de sucesso económico – em Países de
diferente dimensão e diversos continentes – evidencia quais as
melhores condições para encorajar o investimento produtivo:
– estratégia de desenvolvimento credível e estável;
– sistema de justiça que garanta o respeito da lei e a resolução de
conflitos, em tempo útil;
– erradicação da burocracia, com uma Administração Pública amigável,
transparente e inovadora;
– avaliação, rigor e disciplina das finanças públicas, fundamento da
moderação fiscal
– sistema de ensino e investigação, formador de competências e
favorável ao investimento e ao emprego;
– encorajamento do espírito de iniciativa, pela valorização dos
mercados de concorrência, para os factores de produção e para os
produtos.
Em democracia as nossas escolhas têm dependido, em última análise, da
cultura dominante na "sociedade de direitos", que desvaloriza a
construção do futuro, absorvida pelo imediatismo das facilidades.
10. Na realidade, a atracção e encorajamento de novos projectos
depende da conjugação de instituições e políticas que valorizem
Portugal e os nossos recursos humanos e materiais no confronto
internacional. Trata-se de orientações que correspondem, aliás, a
reformas estruturais já reconhecidas em Portugal como indispensáveis
desde 1979, mas sempre adiadas.
Interessa clarificar qual a causa dos sucessivos adiamentos: mau
enquadramento institucional? Erradas prioridades das lideranças
políticas? Alheamento dos eleitores e da opinião pública? De facto e
em democracia as nossas escolhas têm dependido, em última análise, da
cultura dominante na"sociedade de direitos", que desvaloriza a
construção do futuro, absorvida pelo imediatismo das facilidades.
Repetem-se protestos quanto às consequências dos fracos resultados
conseguidos mas não se evidencia igual vontade de corrigir as suas
causas e de configurar verdadeiras alternativas. Continua a não se
reconhecer qualquer estratégia nacional capaz de corresponder às
expectativas dos portugueses, nem sequer de aproveitar as
oportunidades ao nosso alcance.
Importa responder, sem bloqueamentos mentais, aos desafios que hoje
defrontamos, na Europa e no Mundo, clarificando objectivos e assumindo
as decisões necessárias para os alcançar. Após 40 anos de promessas
mal cumpridas, é necessário reconhecer que o nosso maior obstáculo não
reside, talvez, na ignorância dos desafios que defrontamos, dos
desequilíbrios e dos bloqueios nacionais. Reside, antes de tudo, na
incapacidade de mudança, continuando a aceitar-se adiamentos e a
preferir a defesa das Instituições do passado à construção de
respostas para vencer no novo quadro de competências e de concorrência
mundial. É necessário garantir novas oportunidades efectivas, pelos
avanços de desempenho e pela reconfiguração do enquadramento nacional
para assegurar, sem álibis, a atracção e criação de valor que garanta
competitividade, novos empregos e solidariedade sustentável.
11. A economia portuguesa beneficia neste momento de uma conjugação
excepcional de condições favoráveis, com a desvalorização da nossa
moeda em relação ao dólar, a descida do preço do petróleo, as baixas
taxas de juro e à abundância de liquidez proporcionada pelo BCE bem
como, provavelmente, alguma reanimação da actividade económica
europeia e do mercado ibérico.
Não podemos, no entanto, ignorar que este novo quadro nos obrigará a
ponderar os seus efeitos nos países produtores de petróleo com quem
mantemos importantes relações. Mais decisivamente, não podemos
esquecer que se trata, provavelmente, de oportunidades conjunturais
descontinuáveis em qualquer momento. Expostos aos prováveis riscos de
overshooting nos mercados mundiais, importa consolidar credibilidade
que suporte a confiança dos investidores e valorize a imagem do País,
dos nossos activos e dos produtos nacionais.
Só depende de nós o melhor aproveitamento dos recursos ao nosso
alcance. Em diversos sectores, temos vindo a registar significativos
progressos, que poderiam ter tido lugar muitos anos atrás: valorização
dos produtos da pesca, da agricultura (azeite, vinho, fruta, legumes…)
e das industrias tradicionais (calçado, têxteis, metalomecânicas,
mobiliário…). Assiste-se também à criação de novas empresas pelo
aproveitamento de oportunidades tecnológicas associadas aos avanços de
qualidade das Universidades e de centros de investigação.
Consolida-se, ainda, o aumento das exportações, a valorização e
diversificação da oferta turística e exportação de novos serviços de
engenharia e sistemas de informação.
Um Desígnio Nacional que concilie mais ambição e mais urgência. Mais
ambição para garantir progresso económico, capaz de assegurar
recuperação de soberania, sustentação de emprego qualificado e avanços
sociais.
Ao mesmo tempo está à vista o potencial existente em alguns dos nossos
portos – e muito em especial o caso de Sines – e também o potencial
que resultaria de melhores ligações ferroviárias de mercadorias à
Europa. E também o potencial ao nosso alcance na exportação de
projectos de engenharia, serviços de saúde e educação e os que devem
resultar da mais estreita ligação universidade-empresas e do reforço
de novosclusters industriais e centros tecnológicos. Continuamos
também a manter a esperança e responsabilidade adiada quanto ao
aproveitamento dos recursos da plataforma marítima continental, o que
depende de fortes avanços de conhecimentos e de tecnologia, da
concretização sem adiamentos de parcerias internacionais, e da
capacidade negocial correspondente aos nossos interesses essenciais
que evite repetir a abdicação de soberania acordada com o Tratado de
Lisboa.
Em última análise o que está em causa é substituir políticas
governamentais e novas competências da Administração – instáveis e
excessivamente descontinuadas – por uma estratégia integrada de
desenvolvimento, capaz de configurar autêntico Desígnio Nacional que
envolva os nossos principais agentes de mudança: associativismo
empresarial mais competitivo, sindicalismo de progresso, competências
dos dirigentes autárquicos, dos agentes culturais e de comunicação e,
acima de tudo, a participação dos portugueses, da sua ambição,
capacidade de diagnóstico e acompanhamento crítico.
Um Desígnio Nacional que concilie mais ambição e mais urgência. Mais
ambição para garantir progresso económico, capaz de assegurar
recuperação de soberania, sustentação de emprego qualificado e avanços
sociais. Mais urgência de todos os que não ignoram a aceleração das
mutações no espaço global e que querem estar presentes na criação do
futuro da Europa e do Mundo.
* Texto da conferência proferida a 14 de Abril de 2015 na abertura do
ciclo de colóquios "Relançar Portugal – Bloqueios e Desafios",
organizado pelo Instituto de Estudos Políticos da UCP e pela SEDES.
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