# As mulheres nas religiões
O Papa João Paulo I disse que Deus tanto é Pai como Mãe e, estando
para lá do sexo, também poderia ser representado como mulher. O
Vaticano não gostou. Mas é neste contexto do feminino e Deus que se
conta uma estória. Ao contrário do que se lê e diz, Deus criou
primeiro Eva e não Adão. Eva aborrecia-se, sentia-se só e pediu a Deus
alguém semelhante a ela, com quem pudesse conviver e partilhar. Deus
criou então Adão, mas com uma condição: para não ferir a sua
susceptibilidade, Eva nunca lhe diria que foi criada antes dele. "Isso
fica um segredo entre nós..., entre mulheres!"
As primeiras figurações da divindade foram femininas, por causa da
fertilidade e maternidade. Depois, explica o filósofo F. Lenoir, com a
sedentarização segundo um modelo maioritariamente patriarcal,
aconteceu com as religiões o mesmo que com as aldeias e as cidades:
"Os homens tomaram o seu controlo, relegando a mulher para um papel
secundário ou até para uma ausência de papel, a não ser no seio do lar
e sob a tutela do marido. As justificações teológicas vieram
posteriormente." E o que é facto é que a maior parte das religiões têm
"uma forte tendência para a misoginia". O taoísmo é significativamente
diferente, porque é essencial nos seus ensinamentos a fusão do yin e
do yang, do feminino e do masculino, como "penhor de acesso à
imortalidade".
A mulher foi considerada tentadora, devendo os homens acautelar-se.
Foram-lhe retirados os poderes rituais, por causa da impureza. Lê-se,
na Bíblia, no livro do Levítico: "Quando uma mulher tiver o fluxo de
sangue que corre do seu corpo, permanecerá durante sete dias na sua
impureza. Quem a tocar ficará impuro até à tarde. Todo o objecto sobre
o qual ela se deitar ficará impuro; tudo aquilo sobre que ela se
sentar ficará impuro. Quem tocar no seu leito, deverá lavar as vestes,
banhar-se-á em água, e ficará impuro até à tarde. Se um homem coabitar
com ela e a sua impureza o atingir, ficará impuro durante sete dias e
todo o leito em que se deitar ficará impuro". Segundo F. Lenoir, outra
das razões da misoginia é o prazer feminino, "essa grande intriga para
o homem": "O ciúme em relação ao gozo feminino (jouisance), porque ele
é infinito enquanto o do homem é finito. Há uma espécie de abismo do
gozo sexual da mulher que mete medo ao homem e o contraria."
Concretizando e seguindo F. Lenoir na obra Dieu. Afinal, o hinduísmo e
o budismo não são menos misóginos. Na tradição hindu, há um código
legislativo redigido entre o século II antes da nossa era e o século
II da nossa era, fundado sobre textos sagrados, tacitamente ainda hoje
aplicado, em que se lê sobre o estatuto das mulheres: "Uma jovem, uma
mulher jovem, uma mulher avançada em idade nunca devem fazer algo
segundo a sua própria vontade, mesmo na sua casa", pois a mulher está
dependente do pai, do marido, dos filhos, e é inferior a eles. Também
não tem direito à iniciação religiosa: "A sua iniciação é o
casamento." Em ordem à libertação do ciclo das reencarnações, deve
esperar até ao renascimento como homem. E há o drama das satis: as
esposas que se imolam vivas quando o marido morre.
Segundo uma tradição, Buda aceitou, a pedido da tia, fundar uma ordem
de monjas, mas com condições: o monge mais jovem manteria sempre a
proeminência sobre a monja mais velha, mesmo que centenária, e nenhuma
poderia admoestar um monge, embora o contrário estivesse autorizado.
"Ainda hoje é assim." Um antigo texto budista lembra que "a filha deve
obedecer ao pai; a esposa, ao marido; por morte deste, a mãe deve
obediência ao filho." E para o Despertar búdico deve renascer como
homem.
A oração da manhã dos judeus ortodoxos inclui: "Dou-te graças, meu
Deus, por não me teres feito mulher". As mulheres devem ocultar o
cabelo e o corpo e, nesta corrente, só os homens têm direito a estudar
Teologia. "Felizmente, não é o caso na maioria dos judeus."
Jesus tratou bem as mulheres: rodeado por elas, que também podiam ser
discípulas, foram-lhe fiéis até à morte, ao contrário dos discípulos
homens, que fugiram. Mas as Igrejas católica e ortodoxas
discriminam-nas, impedindo-as, por exemplo, de aceder aos ministérios
ordenados. Já não é o caso entre as Igrejas protestantes, mais
próximas do texto evangélico.
No Alcorão, há passos que declaram a igualdade. Por exemplo, sura 9,
71: "Os crentes e as crentes são amigos uns dos outros. Ordenam o bem
e proíbem o mal. Fazem a oração, dão a esmola, obedecem a Alá e ao seu
Enviado." Mas também há suras nas quais se permite desposar duas, três
ou quatro mulheres; a herança do filho será igual à de duas filhas;
pode bater-se nelas: "Os homens têm autoridade sobre as mulheres em
virtude da preferência que Deus deu a uns sobre outros. Admoestai as
que temeis que se rebelem, deixai-as sós no leito e batei-lhes."(4,
34).
Que caminho longo a percorrer até à dignidade na igualdade e à
igualdade na dignidade!
*Padre e professor de Filosofia
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