http://observador.pt/2015/09/30/estudo-da-nova-diz-que-barreiras-de-acesso-ao-sns-nao-aumentaram-durante-a-crise/
30/9/2015, 20:12 ANTONIO COTRIM/LUSA
Entre 2011 e 2015 as barreiras no acesso ao Serviço Nacional de Saúde
não aumentaram, nem existiu uma fuga para os privados. A maior
dificuldade dos portugueses continua a ser o acesso ao medicamento.
As barreiras no acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) não
aumentaram nestes últimos anos de crise e as que existem são "pouco
significativas". Esta é uma das principais conclusões do novo estudo
da Nova School of Business and Economics, que vem contrariar aquela
que tem sido uma afirmação comum nos últimos anos, em relação ao
acesso ao Serviço Nacional de Saúde. O estudo "A avaliação do impacto
das políticas públicas na saúde: 2011-2015" foi encomendado ao
economista e vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, Pedro Pita
Barros, pelo Ministério da Saúde, e dificilmente poderia ser mais
positivo.
Em 2015, 14,8% dos portugueses que se sentiram doentes acabaram por
não ir ao médico. E porquê? "O principal motivo [para as pessoas não
irem ao médico] não está nas barreiras que existem", garantiu Pita
Barros, durante a apresentação do estudo, esta quarta-feira, remetendo
para os resultados do inquérito levado a cabo junto de 1.260 pessoas
que mostra queo principal motivo (91,45%) para as pessoas não terem
ido ao médico foi por acharem que a doença não era suficientemente
grave.
"Não houve um agravar das barreiras de acesso [nos últimos anos]. As
barreiras de acesso nas taxas moderadoras não são muito importantes,
nem as dos custos do transporte. As que parecem ser maiores parecem
estar nos medicamentos", prosseguiu o economista, acrescentando que
essas dificuldades são mais sentidas pelos desempregados e reformados.
As barreiras de acesso ao Serviço Nacional de Saúde, avaliadas pela
utilização e necessidade de utilização da população, não são
significativas para a generalidade da população e, ao contrário do que
frequentemente se assume com base em situações episódicas, não
aumentaram durante o período de crise económica", lê-se no resumo do
estudo.
Onde, ainda assim, as barreiras mais se fazem sentir continua a ser no
acesso ao medicamento. Aliás, um quarto das pessoas (25,83%) com
menores rendimentos admite não ter adquirido os remédios prescritos
por falta de dinheiro. Isto acontece porque é na farmácia que os
portugueses deixam a maior fatura das despesas com saúde, mesmo os
preços tendo caído.
Minutos mais tarde, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, viria a
reforçar a ideia de que foi precisamente na área onde existem maiores
barreiras – a do medicamento – onde houve uma "maior atuação" por
parte deste Governo.
O estudo aponta ainda para a melhoria da eficiência do SNS, citando o
estudo recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Económico (OCDE), e para a redução das assimetrias sociais e das
desigualdades de natureza geográfica.
Fuga do público para o privado? Outro mito…
Continuando a desconstruir algumas das ideias que têm vingado nos
últimos quatro anos, este estudo vem mostrar que"não houve fuga" dos
utentes "do público para o privado".
Em 2015 houve uma menor percentagem de população a ir a uma consulta
sem marcação no centro de saúde ou a uma urgência hospitalar do que em
2013. Por outro lado, duplicou a percentagem de pessoas que optaram
por marcar uma consulta com o médico de família (de 15,48% em 2013
para 29,24% em 2015). E, no mesmo período, houve mais gente a ir às
urgências dos hospitais privados.
As pessoas julgam que foi fuga para o privado porque houve aumento da
procura no privado, mas as pessoas não estão a vir do setor público.
Estão é a ir dos consultórios privados para os hospitais privados",
explicou o economista Pedro Pita Barros.
E olhando para os números que resultam do inquérito, feito a mais de
2.000 pessoas, repara-se que a percentagem de pessoas que diz ter ido
a um consultório privado da última vez que se sentiu doente passou de
5,52% para 3,76%, em 2015. Já as que disseram ter ido a uma urgência
hospitalar num privado passou de 2,09%, em 2013, para 5,02%, em 2015.
Os números permitem concluir que houve uma "recomposição do setor
privado, sem afetar o uso do setor público", avançou o vice-reitor da
Universidade Nova de Lisboa.
"Eu não sei se houve fuga para o privado, sei que o privado cresceu
muito nestes últimos anos o que não deixa de ser curioso nestes anos
de crise profunda. Agora como é que nós vamos evoluir o nível de
eficiência, por forma a uma convivência harmoniosa entre os dois
setores é que é o grande desafio", reagiu Isabel Vaz, diretora
executiva da Luz Saúde, presente no painel.
Fatura virtual não está a sensibilizar utentes
Outro dado curioso deste estudo prende-se com a fatura virtual que
começou por ser um projeto-piloto em 2012 e que se alargou à
generalidade dos serviços de urgência do Serviço Nacional de Saúde em
2013. Desta "fatura" consta informação sobre aquele que é o custo real
dos cuidados de saúde prestados ao utente. A medida foi implementada
para sensibilizar os utentes para os custos dos cuidados de saúde e
reduzir as idas abusivas às urgências.
Receber a nota informativa leva a maior utilização", afirmou Pedro
Pita Barros, na apresentação do relatório. "Algo altamente contra
intuitivo".
"A medida parece não resultar numa diminuição da procura dos serviços
de urgências, mas antes promover um aumento da procura dos mesmos, o
que não deixa de ser uma surpresa a necessitar de aprofundamento",
lê-se no resumo do estudo que teve por base os dados de cinco unidades
hospitalares.
E aspetos negativos a assinalar nesta avaliação de quatro anos de
políticas públicas na saúde? A promessa não cumprida de atribuir um
médico de família a todos os portugueses e a "menor qualidade da
resposta hospitalar" no caso dos cuidados de saúde mental, "medida
pelas taxas de readmissão hospitalar". Problemática é também a questão
das dívidas hospitalares. "É um problema que é preciso ter em atenção"
pois as "soluções extraordinárias [que foram sendo criadas ao longo
dos últimos quatro anos] não alteram a dinâmica. Isto não é um
problema do medicamento, mas da gestão em geral", defendeu Pedro Pita
Barros.
Num comentário ao estudo, Isabel Vaz reafirmou que "a verdade é que o
sistema nacional de saúde andou para a frente" e que "estamos
melhores". Também o ministro Paulo Macedo fechou a sessão de
apresentação deste estudo, afirmando que "o SNS não falhou" nestes
quatro anos.
Temos menos desigualdades, menos assimetrias, menos barreiras na área
com maiores barreiras que é a dos medicamentos, temos uma maior
eficiência e melhores indicadores de saúde. Além disso, conseguiu-se
obter um consenso sem qualquer paralelo sobre o SNS. Hoje todos os
partidos plíticos apoiam um SNS. Poderão ter alguma questão de
pormenor, mas todos defendem que seja como ele é hoje", rematou o
ministro.
E como ler estes resultados à luz das notícias que foram saindo nestes
quatro anos, dando conta de tempos de espera elevados, filas para
marcação de exames, entre outros problemas? "Relatos de problemas na
saúde temos todos os dias e haverá todos os dias. Não pode ser o caso
único que nos vai fazer tirar conclusões sobe o todo", respondeu, já à
margem da cerimónia.
Quanto ao estudo ter sido encomendado pelo Governo, questão levantada
pelo professor catedrático do ISEG, João Duque, Pita Barros garantiu
que nunca foi pressionado e que não tenta "convencer ninguém". "Dou os
meus dados. Tentámos ser o menos interpretativos possível.
Independência ou não, vocês julgarão."
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