http://observador.pt/2016/01/05/fmi-elogia-resultados-das-reformas-na-justica-do-governo-passos-coelho/
Especialistas do FMI elogiam resultados das reformas na Justiça do
governo Passos Coelho
5/1/2016, 22:30 MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
Dois especialistas fazem rasgado elogio a reformas de Paula Teixeira
da Cruz e diz que redução de pendentes, novo mapa judiciário e aumento
da eficácia das penhoras fomentam crescimento do PIB.
"De acordo com a experiência do staff do Fundo Monetário Internacional
(FMI), as reformas da justiça levadas a cabo pelas autoridades
portuguesas deverão estar entre as mais bem sucedidas neste setor".
Não poupando nas palavras, este é apenas um dos rasgados elogios que
os técnicos do FMI fazem às reformas do governo Passos Coelho na área
da Justiça num relatório distribuído no final de 2015 e assinado por
Sebastian Pompe e Wolfgang Bergthaler, dois especialistas do Fundo em
reformas estruturais no setor da Justiça.
É certo que os autores do relatório do FMI avisam também que ainda é
cedo para avaliar de forma definitiva os resultados globais das
reformas, sendo certo também que o relatório não vincula formalmente o
Fundo, mas fazem questão de enfatizar os resultados positivos que já
foram alcançados.
Concentrando-se nas reformas da organização judiciária (mais conhecida
como o novo mapa judiciário), do Código de Processo Civil e na nova
lei de insolvências e penhoras, os dois técnicos do FMI valorizaram os
seguintes dados:
Mais de 500 mil processos de execução pendentes foram fechados até
junho de 2014 – o que representa 45% de todos os processos de execução
pendentes desde maio de 2011;
A taxa de resolução de processos subiu para 158%, fazendo de Portugal
um dos países europeus com melhor performance. Desde o início das
reformas (4.º trimestre de 2012), a taxa de resolução ultrapassou de
forma regular os 100%. Isto é, foram concluídos mais processos do que
aqueles que entraram;
A entrada de processos de execução desceu de 450.792 (2008) para
206.981 (2014) em virtude das medidas implementadas para baixar o grau
de litigância;
Antes das reformas, os tribunais demoravam mais de 1.500 dias para
concluir um processo (independentemente da área de direito) – com a
exceção de dois meses em 2008. Desde janeiro de 2013, os processos são
resolvidos abaixo dos 1.500 dias, sendo que em vários meses
alcançaram-se mesmo resultados médios entre os 500 e os mil dias;
Desde setembro de 2013 que foram iniciados cerca de 1,7 milhões de
processos de penhora com 125.000 operações de penhora efetuadas e 337
milhões de euros recuperados– valor este que representa cerca de 0,2%
do PIB. Só para percebermos a evolução, basta recordar que entre 2003
e 2013 apenas foram recuperados com o anterior regime de execuções
cerca de 20 milhões de euros.
Os resultados alcançados deveram-se, segundo o FMI, ao programa
extraordinário de redução de pendências e aos seguintes incentivos
aplicados pelo governo PSD/CDS (junho de 2011/outubro de 2015):
. incentivando as empresas a recorrerem apenas em última instância aos
tribunais;
. transferindo os custos dos contribuintes para os litigantes através
do aumento das taxas de justiça; criando uma tabela única e a
aumentando as custas judiciais,
. simplificação do processo cível através da redução de atos
jurisdicionais e da limitação do número de testemunhas, por exemplo; e
criação de um procedimento pré-judicial no processo de insolvência que
permite ao credor perceber se o devedor tem meios financeiros e
património que lhe permita pagar a dívida.
. nova organização judiciária que permitiu reduzir e concentrar
distritos judiciais e tribunais, aumento da especialização dos
tribunais e o novo Código de Processo Civil
O FMI entende que, apesar do contributo dos técnicos do próprio Fundo
e da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, os resultados das
reformas se deveram às autoridades portuguesas. "Não há dúvida que os
esforços das reformas foram uma conquista portuguesa", nomeadamente
devido a uma "estratégia abrangente","preparação", "capacidade",
"cooperação com os agentes judiciários" e com os "técnicos das
instituições da troika" e "capacidade de liderança" demonstradas pelo
governo português, representado pela ministra Paula Teixeira da Cruz.
Os técnicos do FMI, por outro lado, não deixam de apresentar as suas
críticas, com destaque para o crash (Citius)do sistema informático dos
tribunais ocorrido aquando da entrada em vigor do novo mapa judiciário
em setembro de 2013, situação que provocou "uma paralisação temporária
do sistema, que continuou por um longo período de tempo". Contudo, os
autores do relatório dizem que devido "à persistência das autoridades
estas questões foram largamente ultrapassadas".
Surpreendentemente, os autores do relatório mostram compreensão para o
facto de a redução de tribunais não ter sido tão ambiciosa como a
troika gostaria, dando mesmo esse caso como um exemplo de
"compromissos realistas que eram necessários".
Aviso ao governo PS
No relatório do FMI podem ser lidos também alguns avisos para o futuro
que terão de ser analisados pela nova ministra Francisca Van Dunem.
"Não podemos dizer que o sistema ficou perfeito – se é que existe tal
coisa numa reforma judiciária que procura sempre a melhoria do
sistema. [Contudo,] As reformas mostraram um impressionante progresso
a curto e a médio prazo" e outras,"apenas darão resultados a longo
prazo", lê-se no documento.
Os técnicos do FMI fazem questão de enfatizar o seguinte:
Os efeitos de algumas das reformas-chave, como a nova estrutura de
gestão do sistema judicial e a análise do desempenho dos tribunais,
ainda não foram sentidos e qualquer falha em levar avante estas
medidas pode enfraquecer a reforma como um todo"."O lado institucional
da reforma ainda está num estágio inicial e apela a um envolvimento
sustentado das autoridades, tanto a nível político como operacional",
enfatizam os técnicos do FMI, à atenção do novo governo do PS e a sua
vontade em reverter algumas das reformas levadas a cabo, nomeadamente
a algumas medidas do novo mapa judiciário.
O sistema de cobrança de dívidas, entendem os técnicos do FMI,
necessita de ser mais eficaz, devendo igualmente ser reforçada a
fiscalização dos oficiais de execução – isto, apesar de ter ocorrido
um "progresso significativo" nesta área com as reformas implementadas.
Também a área de reestruturação de dívidas e insolvências deve
continuar a ter a atenção do governo no sentido de se aperfeiçoarem os
mecanismos implementados. Por outro lado, a Justiça Tributária
continua a operar fora da nova organização judicial e do sistema
informático da Justiça "e devia ser integrada de forma expedita",
aconselham.
O diagnóstico que precedeu as reformas
No relatório do FMI está bem espelhado o diagnóstico que esteve na
origem das reformas levadas a cabo pelo governo PSD/CDS:
Portugal é o país mais lento da União Europeia (UE) em termos de
número de dias necessários para concluir um processo de execução ou
queixas na área do direito comercial: mais de 800 dias (dados de
2010);
Mais de 80% das empresas portuguesas pagam foram dos prazos acordados
– é a segunda percentagem mais elevada da UE (dados de 2013);
Portugal é o terceiro país europeu com maior risco em termos
pagamentos, sendo que o Estado português é o quarto com pior
performance em termos de prazo de pagamento: mais de 120 dias (dados
de 2013)
Número de processos de execução pendentes subiram todos os anos desde
1993 (135.766 pendências) até 2011 (1.208.842 pendências)
Entre 1991 e 2009, apenas em dois anos (2006 e 2007) a taxa de
resolução de processos ultrapassou os 100%. Isto é, só nesses dois
anos é que foram concluídos mais processos do que aqueles entraram.
O número de processos pendentes subiu de 600 mil (1991) para cerca de
1,6 milhões (2009). Apenas em 1994, 2006, 2007 e 2008 foi possível
reduzir esse número
Estes dados, segundo o FMI, faz com que as empresas portuguesas tenham
desafios constantes em termos de liquidez e que muitas delas terminem
mesmo em processos de insolvência por não terem capacidade financeira
para aguentar prazos tão dilatados. "A prevalência de práticas de
pagamentos atrasados tem um efeito acelerador do desemprego",
enfatizam mesmo os técnicos do Fundo sedeado em Washington.
"Desde há muito que está provada a importância e o contributo para o
crescimento económico de um eficiente sistema de direito de
propriedade e efetivos processos de execução e queixas comerciais.
Tradicionalmente, a importância da relação desses fatores é definida
pela capacidade que um país tem em ter acesso aos mercados de capitais
internacionais – o que se traduz em investimento direto
internacional", afirmam os técnicos do FMI.
Por isso mesmo, o relatório destaca a pouca capacidade que Portugal
tem demonstrado nos últimos anos para atrair investimento estrangeiro
– principalmente quando o nosso país é comparado com países como
Espanha e França. Além dos custos salariais e das leis laborais
rígidas, também "o lento sistema de justiça civil e comercial"
contribuiu, no entendimento dos técnicos do FMI, para esses fracos
resultados na captação de capitais essenciais para o desenvolvimento
da economia face à descapitalização das empresas e dos bancos
portugueses.
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