# Vem aí o pós-capitalismo
http://expresso.sapo.pt/economia/2016-02-28-Vem-ai-o-pos-capitalismo
Um jornalista britânico, Paul Mason, argumenta em quase 500 páginas
que o capitalismo está enredado num choque com a revolução tecnológica
em rede e a sociedade do conhecimento que abrem oportunidades para uma
nova economia e política, cuja janela de oportunidade se abre até
2050. O livro de Mason "Pós-Capitalismo – Um guia para o nosso futuro"
é lançado em português em março
Jorge Nascimento Rodrigues Jornalista
O capitalismo já não consegue adaptar-se às alterações tecnológicas"
dos últimos vinte e cinco anos desde que irrompeu o que batizámos de
revolução das tecnologias de informação. A capacidade de adaptação e
agilidade que o capitalismo sempre demonstrou desde as entranhas da
Idade Média europeia, como se fosse uma espécie darwiniana, "pode ter
atingido os seus limites". Esta constatação coloca uma interrogação
sobre o futuro do capitalismo e abre uma oportunidade de transição
para algo diferente, que o jornalista britânico Paul Mason, que há
pouco mais de um mês fez 56 anos, apelidou de "pós-capitalismo".
Mason explica essa contradição entre o capitalismo e uma economia
global assente na informação num volumoso livro de quase 500 páginas
intitulado precisamente "Pós-Capitalismo – Um guia para o nosso
futuro", publicado em julho de 2015 no Reino Unido pela editora Allen
Lane e cuja tradução em português será lançada pela Editora Objetiva
agora em março. O jornalista e repórter em diversos media britânicos,
e em diversas plataformas, da impressa, à televisão e ao digital,
junta à argumentação teórica episódios que presenciou. Por isso, o
livro não é só um passeio por doutrinas económicas e de economia
política, mas também um eco de conhecimento empírico.
O neoliberalismo foi uma experiência falhada
A crise financeira de 2008 evolui para "uma crise de ordem mundial" e
revelou, diz o autor, que "o neoliberalismo foi uma experiência
falhada". Mason mergulha na história económica dos grandes ciclos
longos do capitalismo para colocar a hipótese de que estamos, agora,
perante "uma rutura significativa e aparentemente permanente dos
padrões que o capitalismo industrial exibiu nos últimos duzentos
anos".
Para se entender o que ele quer dizer é preciso mergulhar nos
capítulos do livro onde explica como faz uma "ponte" entre três áreas:
os ciclos económicos longos descobertos por um economista russo de
nome Nikolai Kondratief, executado por ordem de Estaline por ter
revelado a capacidade adaptativa cíclica do capitalismo; a teoria da
crise do modo de produção capitalista elaborada por Karl Marx apesar
das "suas falhas" e abastardamentos pelos seus sucessores e as ideias
percursoras do revolucionário comunista alemão sobre o papel do
conhecimento numas notas sobre as máquinas e um "intelecto geral"; e a
sociedade pós-capitalista e o trabalhador do conhecimento do pai da
gestão austro-americano Peter Drucker.
Para o economista russo Constantin Gurdgiev, professor em Dublin,
Mason relaciona diversos aspetos, expõe uma boa argumentação e tira
duas conclusões fundamentais no plano económico: "Referindo as
conexões entre a fragilidade do sistema financeiro global (a hipótese
de financeirização), os desequilíbrios macroeconómicos persistentes, e
os níveis elevados de endividamento público e privado, ele expõe duas
conclusões chave para descrever o atual estado da economia mundial: um
sistema económico baseado na alavancagem que não é mais sustentável e
a necessidade de quebrar o sobreendividamento na economia real".
Um "plano zero" alternativo a dois maus cenários
Num plano mais teórico, a hipótese de Mason é que o "quarto ciclo
longo" do capitalismo foi "alongado" vinte anos mais do que o tempo
médio dos anteriores ciclos e que essa "anomalia" aponta, pela sua
dinâmica, para uma bifurcação, para dois cenários, em que o ponto
crítico "pode ser atingido por volta dos anos 2050".
Um cenário em que "a elite global se mantém" e salva a globalização
impondo uma espécie de "capitalismo cognitivo" que sofrerá da tentação
de se livrar da democracia (colocando-a quem sabe entre parêntesis ou
no congelador) e torna real o risco de consolidação de uma oligarquia.
Outro, de "quebra de consenso", em que a globalização entra em rutura,
numa espécie de variante do que ocorreu nos anos 30 do século passado,
com a escalada de extremismos, um filme que se conhece, apesar de
muita gente não ter memória histórica desse período.
Mason fala de um terceiro caminho, de uma alternativa, em que a janela
de oportunidade até 2050 permitiria fazer uma transição para o tal
pós-capitalismo e superar três "ruturas sistémicas – a financeira, a
climática e a demográfica". Ele diz que não é utopia: "as formas
básicas de uma economia pós-capitalista já existem no interior do
atual sistema".
O que é necessário é criar condições para se expandirem rapidamente.
Para isso existem dois "agentes". Um agente social que é a massa
global conectada em rede. O que essa massa pode fazer já o vimos, diz
Mason, em ação mais localizada na Primavera Árabe, em Madrid com os
Indignados, em Kiev, em Hong Kong. Movimentos que mostraram como é
preciso "reconfigurar todo o projeto da esquerda", o que exige
provavelmente "arranjar novos rótulos". O outro agente é o Estado, um
estado que Mason quer que seja "Wiki", inspirado na Wikipedia, que
funcione na base de um projeto distribuído, e não político
tradicional.
O autor fala de um "projeto zero" para essa ação política a que junta
algumas medidas que assentam como uma luva em alguns temas polémicos
atuais.
O "zero" vem de três zeros: um sistema energético com consumo zero de
combustíveis de origem fóssil; produção com zero custos marginais; e
redução do tempo de trabalho o mais possível a zero, com base na
expansão de uma economia automatizada.
Este "projeto zero" passa por algumas medidas mais emblemáticas:
socializar o sector energético e o sistema financeiro e em geral os
complexos económicos de monopólio; nacionalizar os bancos centrais,
com responsáveis eleitos e vigiados, e impondo uma meta explícita de
crescimento sustentável e um objetivo de inflação "do lado mais
elevado da média recente"; tornar gratuitos os produtos de primeira
necessidade e os serviços públicos; instituir um rendimento básico
universal garantido pelo Estado; impulsionar um sector privado "o mais
extenso possível no mundo não financeiro", aberto a uma geometria
variável apoiada na inovação e admitindo a deslocalização de funções
estatais para esse sector; combinar um perdão controlado de algumas
dívidas soberanas com uma política global durante 10 a 15 anos de
certos controlos de capital (impedindo que as pessoas transfiram
dinheiro para investimento não financeiro ou para contas offshore) e
de estímulo à inflação.
Frustração com o capitalismo
Para Peter Cohan, colunista da revista "Forbes", o livro de Mason
surge num período em que "há uma frustração crescente com o
capitalismo, em que a economia não tem funcionado bem desde o final
dos anos 1990".
Eventos como a subida de um partido considerado radical de esquerda ao
poder na Grécia, um país do euro, ou a nova liderança no Partido
Trabalhista britânico com Jeremy Corbyn ou a projeção recente do
candidato democrático Bernard Sanders nas primárias nos Estados Unidos
são sinais dessa mudança de sentimento político.
"Mas creio que o livro falha numa importante fonte de valor – a
propriedade intelectual. Já vivemos num capitalismo informacional que
permite a cada pessoa explorar oportunidades que casem com a
propriedade intelectual que detenham. Quando esse casamento desagua em
oportunidades de mercado, os indivíduos podem ganhar", diz-nos Cohan.
O autor
Paul Mason andou nos anos 1980 por um grupo dissidente trotskista
britânico intitulado Workers Power, tornou-se um jornalista
independente desde 1991 muito diversificado. Foi editor adjunto da
Computer Weekly, lançou a EBusinesse Review, foi editor de economia do
programa Newsnight da BBC Two e desde maio de 2014 é o editor de
economia do Channel 4 News. Colabora em diversos jornais, como o The
Guardian. Publicou, desde 2007, cinco livros. Foi premiado com o
Wincott Prize for Business Journalism em 2003, com o Workworld
Broadcaster of the Year em 2004 e com o Diageo African Business
Reporting Award em 2007.
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