# Papa Francisco: «Empresas não devem existir para ganhar dinheiro», mas «para servir»,
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O papa recebeu hoje, no Vaticano, os participantes na conferência
internacional das Associações de Empresários Católicos, a quem afirmou
que as empresas não devem existir para ganhar dinheiro», mas «para
servir».
A desigualdade na atribuição de crédito, o papel do Estado na proteção
de bens coletivos, a corrupção enquanto atitude demoníaca, a
gratuidade e o acolhimento aos migrantes foram alguns dos temas do
discurso aos participantes, a quem sugeriu que invocassem, na oração e
no pedido de auxílio, o empresário argentino Enrique Shaw (1921-1962),
de quem decorre a causa de beatificação.
Excertos da intervenção:
«A atividade empresarial comporta constantemente uma infinidade de
riscos. Jesus, na parábola do tesouro escondido no campo (cf. Mateus
13, 44) e das pérolas preciosas (cf. Mateus 13, 45), compara a
obtenção do Reino dos Céus ao risco empresarial. Desejo refletir hoje
convosco sobre três riscos: o risco de usar bem o dinheiro, o risco da
honestidade e o risco da fraternidade.
Como qualquer técnica, o dinheiro não tem um valor neutro, mas adquire
valor em função da finalidade e das circunstâncias em que se usa.
Quando se afirma a neutralidade do dinheiro, está a cair-se no seu
poder
Em primeiro lugar o risco do uso do dinheiro. Falar de empresas
relaciona-nos imediatamente com um dos temas mais difíceis da perceção
moral: o dinheiro. Afirmei várias vezes que "o dinheiro é o esterco do
diabo", retomando quanto afirmavam os santos padres. Já Leão XIII, que
deu início à doutrina social da Igreja, observava que a história do
século XIX tinha dividido as nações «em duas castas, entre as quais
escavou um abismo» ('Rerum novarum'). Quarenta anos depois, Pio XI
previa o crescimento de um "imperialismo internacional do dinheiro"
('Quadragesimo anno'). Outros quarenta anos depois, Paulo VI, fazendo
referência à 'Rerum novarum', denunciava que a concentração excessiva
dos meios e dos poderes pode "conduzir a uma nova forma abusiva de
domínio económico, no plano social, cultural e mesmo político"
('Octagesima adveniens').
Jesus, na parábola do administrador desonesto, exorta a tomar a cargo
os amigos com a riqueza desonesta, para poder ser acolhido nas moradas
eternas. Todos os Padres da Igreja [sacerdotes dos primeiros séculos
da Igreja que se distinguiram na espiritualidade e doutrina]
interpretaram estas palavras no sentido de que as riquezas são boas
quando se colocam ao serviço do próximo, de outra forma são iníquas).
O dinheiro deve, portanto, servir, em vez de governar. O dinheiro é só
um instrumento técnico de intermediação, de comparação de valores e
direitos, de cumprimento das obrigações e de poupança. Como qualquer
técnica, o dinheiro não tem um valor neutro, mas adquire valor em
função da finalidade e das circunstâncias em que se usa. Quando se
afirma a neutralidade do dinheiro, está a cair-se no seu poder. As
empresas não devem existir para ganhar dinheiro, mesmo se o dinheiro
serve para medir o seu funcionamento. As empresas existem para servir.
Uma lógica financeira do mercado faz com que o crédito seja mais
acessível e mais económico para quem possui mais recursos; e mais caro
e mais difícil para quem tem menos, ao ponto de se deixar as faixas
mais pobres da população nas mãos de usurários sem escrúpulos
Por isso é urgente recuperar o significado social da atividade
financeira e bancária, com a melhor inteligência e inventividade dos
empresários. Isto significa assumir o risco de complicar a vida,
devendo renunciar a certos lucros económicos. O crédito deve estar
acessível para as casas das famílias, para as pequenas e médias
empresas, para os agricultores, para a atividade educativa,
especialmente a nível primário, para a saúde geral, para o
melhoramento e integração dos núcleos urbanos mais pobres. Uma lógica
financeira do mercado faz com que o crédito seja mais acessível e mais
económico para quem possui mais recursos; e mais caro e mais difícil
para quem tem menos, ao ponto de se deixar as faixas mais pobres da
população nas mãos de usurários sem escrúpulos. Do mesmo modo, a nível
internacional, o financiamento dos países mais pobres transforma-se
facilmente numa atividade usurária. É este um dos grandes desafios
para o setor empresarial, e para os economistas em geral, que é
chamado a conseguir um fluxo estável e suficiente de crédito que não
exclua ninguém e que possa ser amortizável em condições justas e
acessíveis.
Ainda que admitindo a possibilidade de criar mecanismos empresariais
que sejam acessíveis a todos e funcionem em benefício de todos, é
preciso reconhecer que será sempre necessária uma generosa e abundante
gratuidade. Será também necessária a intervenção do Estado para
proteger certos bens coletivos e assegurar a satisfação das
necessidades humanas fundamentais. O meu predecessor, S. João Paulo
II, afirmava que ignorar isto conduz "a uma 'idolatria' do mercado"
("Centesimus annus").
Pode acontecer que os empresários caiam na tentação de pensar que se
trata de algo que todos fazem, e que pequenos atos de corrupção
destinados a obter pequenas vantagens não têm grande importância.
Qualquer tentativa de corrupção, ativa ou passiva, é já começar a
adorar o deus dinheiro
Há um segundo risco que deve ser assumido pelos empresários. O risco
da honestidade. A corrupção é a pior praga social. É a mentira de
procurar o lucro pessoal ou do próprio grupo debaixo da capa de um
serviço à sociedade. É a destruição do tecido social sob a capa do
cumprimento da lei. É a lei da selva mascarada de aparente
racionalidade social. É o engano e a exploração dos mais fracos ou
menos informados. É o egoísmo mais grosseiro, escondido atrás de uma
aparente generosidade. A corrupção é gerada pela adoração do dinheiro
e regressa ao corrompido, prisioneiro daquela mesma adoração. A
corrupção é uma fraude à democracia e abre as portas a outros males
terríveis como a droga, a prostituição e o tráfico de pessoas, a
escravidão, o comércio de órgãos, o tráfico de armas, e assim por
diante. A corrupção é tornar-se seguidor do diabo, pai da mentira.
Todavia, "a corrupção não é um vício exclusivo da política. Há
corrupção na política, há corrupção nas empresas, há corrupção nos
meios de comunicação, há corrupção nas Igrejas e há corrupção também
nas organizações sociais e nos movimentos populares" ("Discurso aos
participantes no 3.º encontro mundial dos movimentos populares").
Uma das condições necessárias para o progresso social é a ausência de
corrupção. Pode acontecer que os empresários se vejam tentados a ceder
às tentativas de chantagem ou de extorsão, justificando-se com o
pensamento de salvar a empresa, e que um dia poderão libertar-se dessa
praga. Além disso, pode acontecer que caiam na tentação de pensar que
se trata de algo que todos fazem, e que pequenos atos de corrupção
destinados a obter pequenas vantagens não têm grande importância.
Qualquer tentativa de corrupção, ativa ou passiva, é já começar a
adorar o deus dinheiro.
Não faltam exemplos de ações solidárias em favor dos mais
necessitados, realizadas por pessoal de empresas, clínicas,
universidades ou outras comunidades de trabalho e de estudo. Este
deveria ser um modo habitual de agir
O terceiro risco é o da fraternidade. Recordámos como S. João Paulo II
nos ensinou que "ainda antes da lógica da troca […] existe 'algo que é
devido ao homem porque é homem', por força da sua eminente dignidade"
("Centesimus annus"). Também Bento XVI, insistindo na importância da
gratuidade como elemento imprescindível da vida social e económica,
dizia: "A caridade na verdade põe o homem diante da admirável
experiência do dom […] que exprime e realiza a sua dimensão de
transcendência […]. O desenvolvimento económico, social e político
precisa […] de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de
fraternidade" ("Caritas in veritate").
A atividade empresarial deve incluir sempre o elemento da gratuidade.
As relações de justiça entre dirigentes e trabalhadores devem ser
respeitadas e exigidas de todas as partes; mas, ao mesmo tempo, a
empresa é uma comunidade de trabalho em que todos merecem respeito e
apreço fraterno da parte dos superiores, colegas e subalternos. O
respeito pelo outro como irmão deve estender-se também à comunidade
local em que se situa fisicamente a empresa e, de certo modo, todas as
relações jurídicas e económicas da empresa devem ser moderadas,
envolvidas num clima de respeito e fraternidade. Não faltam exemplos
de ações solidárias em favor dos mais necessitados, realizadas por
pessoal de empresas, clínicas, universidades ou outras comunidades de
trabalho e de estudo. Este deveria ser um modo habitual de agir, fruto
de profundas convicções da parte de todos, evitando que se torne uma
atividade ocasional para aplacar a consciência ou, pior ainda, um meio
para obter uma utilidade publicitária.
Os nossos avós ou pais chegaram de Itália, Espanha, Portugal, Líbano
ou de outros países, na América do Sul e do Norte, quase sempre em
condições de extrema pobreza. Poderão fazer seguir uma família,
progredir até se se tornarem inclusivamente empresários porque
encontraram sociedades acolhedoras, por vezes tão pobres como eles,
mas dispostas a partilhar o pouco que têm
No que diz respeito à fraternidade, não posso não partilhar convosco o
tema das emigrações e dos refugiados, que oprime o nosso coração. Hoje
as emigrações e os deslocamentos de uma multidão de pessoas à procura
de proteção tornaram-se um dramático problema humano. A Santa Sé e as
Igrejas locais estão a realizar esforços extraordinários para
enfrentar eficazmente as causas desta situação, procurando a
pacificação das regiões e dos países em guerra e promovendo o espírito
de acolhimento; mas nem sempre se obtém tudo o que se deseja. Peço
ajuda também a vós. Por um lado, procurai convencer os governos a
renunciar a qualquer tipo de atividade bélica. Como se diz nos
ambientes empresariais: um "mau" acordo é sempre melhor do que uma
"boa" luta. Por outro, colaborai para criar fontes de trabalho digno,
estável e abundante, seja nos lugares de origem seja nos de chegada e,
nestes últimos, seja para a população local seja para os imigrantes.
Temos de assegurar que a imigração continue a ser um importante fator
de desenvolvimento.
A maior parte de nós aqui presente pertence a famílias de emigrantes.
Os nossos avós ou pais chegaram de Itália, Espanha, Portugal, Líbano
ou de outros países, na América do Sul e do Norte, quase sempre em
condições de extrema pobreza. Poderão fazer seguir uma família,
progredir até se se tornarem inclusivamente empresários porque
encontraram sociedades acolhedoras, por vezes tão pobres como eles,
mas dispostas a partilhar o pouco que têm. Conservai e transmiti este
espírito que tem raízes cristãs, manifestando também aqui o génio
empresarial.»
Papa Francisco
Vaticano, 17.11.2016
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 17.11.2016
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