http://observador.pt/opiniao/o-misterio-da-estrada-de-arruda-sobre-o-ranking-das-escolas/
João Pires da Cruz 20/12/2016, 0:52
Nos rankings e comparando com o concelho de Oeiras, o mais educado de
todos os concelhos do país e o segundo em poder de compra, nenhuma
escola consegue chegar aos pés da população de Arruda. Porquê?
Não fosse o celebérrimo bacalhau assado do "Fuso" e o concelho de
Arruda dos Vinhos seria tão conhecido dos leitores como Sobral de
Monte Agraço, Cadaval ou Alenquer. Arruda dos Vinhos é um concelho
agrícola da chamada zona Oeste, no distrito de Lisboa a cerca de 40 km
do centro da capital, numa zona de difíceis acessos e, por isso, ainda
não atacada dos bairros de moradias de subúrbio.
O mistério que ataca este pacato concelho prende-se com a estranha
composição genética da sua população. Por algum acaso da natureza, o
concelho de Arruda apresenta resultados escolares muito estranhos a
nível nacional. Porque é que digo que deriva da composição genética da
população? Vejamos, o concelho está longe de ser um dos mais ricos do
país. Se compararmos com o concelho de Lisboa, o mais rico de todo o
país, a população de Arruda tem uma performance escolar melhor que
todas as escolas públicas da capital. Ora, Arruda é, tirando Alenquer,
o concelho com o poder de compra per capita mais reduzido de todos os
do distrito de Lisboa e ocupa o lugar 71 entre os 308 do país.
Por outro lado, se formos comparar com o concelho de Oeiras, o mais
educado de todos os concelhos do país e o segundo em poder de compra
per capita, nenhuma escola consegue chegar aos pés da população de
Arruda. Ora, sabendo nós que os resultados escolares são
essencialmente determinados pela condição social e cultural das
famílias e Arruda está muito longe de ser o nosso Silicon Valley, só
uma conclusão se pode tirar daqui. A biologia pregou uma partida aos
portugueses e desenvolveu nos vales vinícolas da Estremadura uma
singular estirpe de Homo sapiens cuja capacidade escolar ultrapassa em
muito o vulgo. E, curiosamente, foi muito localizado. Se olharmos para
os concelhos vizinhos de Sobral, Cadaval, Alenquer ou Mafra, a estirpe
de super alunos parece não se ter propagado, dado que os resultados
escolares nestes concelhos não se comparam. Outra explicação, que os
sociólogos não concordarão, prende-se com o facto de a única escola do
concelho de Arruda ser uma escola com acordo de associação chamada
Externato João Alberto Faria, a 48ª melhor do país, a acreditar nos
resultados do secundário.
Eu comecei a interessar-me pela história do Externato quando dois
jovens oriundos de Arruda começaram a trabalhar comigo. E, um dia, por
acaso, um deles deixou escapar que durante a vida escolar
pré-universitária nunca percebeu o conceito de "furo". Por alguma
razão estranha, os professores dos alunos de Arruda não faltam, não
fazem greves, não vêm para Lisboa em defesa da escola pública. Estas
pobres crianças são sujeitas à inacreditável tortura de terem as aulas
que estão marcadas no horário. E perguntei: mas quanto é que custava o
externato? Nada. Apesar de ser privado, o Ministério da Educação paga
para todos os alunos do concelho poderem ter aulas no externato e, por
isso, é público. Como é a única escola do concelho, nem sequer podem
selecionar os alunos que querem, como acontece com as escolas de
Oeiras, por exemplo, que num esquema simples de afunilamento vão
atirando os alunos mais fracos para escolas "lixeira", deixando os
bons alunos nas "boas" escolas.
Em tempos, o Ministério da Educação resolveu alterar este "vergonhoso"
estado de coisas naquela terriola saloia e tentou iniciar a construção
de uma escola do Estado em Arruda. A pronta intervenção da câmara
municipal e dos cidadãos, que exigiram judicialmente ao Ministério a
publicação dos custos por turma nas escolas do Estado que justificasse
a construção, evitou que a escola fosse construída e a educação da
população foi protegida até hoje. O custo para o Estado é,
curiosamente, inferior ao Orçamento do Estado para a educação a
dividir pelo número total de turmas no país, o que significa que fica
abaixo da média do custo de uma turma nas escolas do Estado. E isto
sem contar que as escolas privadas pagam TSU e as escolas do Estado
não, o que significa que, se contarmos com o proveito da segurança
social, uma turma no Externato João Alberto Faria custa menos 25%
daquilo que custa uma turma nas escolas do Estado dos concelhos
vizinhos, cujos resultados escolares as colocam 200 a 400 lugares
abaixo no ranking de 2016.
Em termos de "ciência sociológica", o caso de Arruda dos Vinhos é
aquilo a que se chama "uma maçada". Afinal, há um concelho cuja
totalidade da população, ricos e pobres, cultos e incultos são
servidos por uma escola privada que presta o serviço público e,
pasme-se, os resultados ultrapassam consideravelmente os do concelho
mais ricos e com mais educação do país, com o maior número de
licenciados, mestrados e doutorados e cujas escolas são do estado.
Mas, ao contrário dos ilustres académicos destas "ciências", não vou
cair no erro de achar que os professores são melhores ou piores
dependendo de quem assina a sua folha salarial. Mas vou dizer que o
profissionalismo deles depende. E é isso que está em causa.
O caso do Externato de Arruda mostra que, sem selecionar alunos, é
possível ter bons resultados. O que se calhar não é possível, é tê-los
sem selecionar professores. Como o Externato recebe menos do Estado
que as escolas do Estado e, nesse bolo, ainda tem que pagar TSU, é
relativamente óbvio que os professores do Externato terão que receber
menos que os seus colegas do Estado, se viverem apenas daquilo que o
contrato de associação permite. A lógica económica diz-nos que os
melhores professores seriam então aqueles que estão no Estado porque
podem ganhar mais. Mas os resultados dizem o contrário, que os bons
professores são os que estão no Externato de Arruda. A resposta terá
de vir de onde metemos menos dinheiro e apresenta melhores resultados.
Os professores do Estado não estão à altura dos professores do
Externato de Arruda, apesar de ganharem mais.
Como pai, tenho um filho numa escola do Eestado e um filho numa escola
privada. Como ambos têm os mesmos pais, digamos que estão em igualdade
de circunstâncias, socialmente falando. Vêm de uma casa de rendimentos
razoáveis com mais graus académicos que 99% das restantes casas do
país. O primeiro, de carácter mais reservado e cumpridor, manteve-se
na escola do Eestado até à universidade, sempre nos quadros de honra.
O segundo, mais dado à festa, teve de ser colocado numa escola privada
porque as notas estavam sempre em perigo. São os professores da escola
privada mais conhecedores da matéria que os da escola do Estado? Vamos
ser razoáveis, se pomos em causa os conhecimentos a este nível de
pessoas licenciadas então mais vale mudar de país. A resposta é,
obviamente, não. Os professores do Estado são tão, ou mais,
conhecedores da matéria que os seus colegas do privado. Mas entre os
meus filhos a diferença também não se coloca nesse nível porque, como
imaginarão, em casa deles não falta quem os possa ensinar.
O que diferencia os professores pode ser resumido numa frase muitas
vezes repetida entre os professores do Estado que é "sou pago para
ensinar, não sou pago para educar". O simples pronunciar da frase
deveria ser justa causa de despedimento, porque ensinar sem educar
fazem milhares de vídeos no YouTube, que têm pessoas bem mais
qualificadas que quem diz a frase, a darem aulas muito melhor
estruturadas. Um professor que assume que é pago para educar é um
profissional e a diferença do Externato de Arruda, da escola privada
onde o meu filho anda e a escola do Estado onde o meu outro filho
andou, é essa. O meu filho que andou na escola do Estado até ao fim,
não precisava de um professor profissional porque, na verdade, nem de
professor precisava. Uma escola que só serve para alunos assim, não
serve para nada, porque alunos assim não precisam de professores,
podem ser ensinados no YouTube. Onde os professores são precisos é
quando os alunos precisam de um professor. E quando precisam é quando
têm dificuldades, quando são distraídos, quando os pais não são
doutorados, quando não têm dinheiro para as coisas mais básicas.
Assim, quando os sociólogos justificam os resultados da escola do
estado com base nas características sociais dos alunos, estão a
declarar a inutilidade da escola do estado. Se a escola do Estado só
serve para os alunos ricos e educados, então os pais deles que paguem.
Onde o Externato João Alberto Faria e centenas de escolas privadas/com
contrato de associação atuam, não é por terem os melhores professores.
É por terem professores profissionais que tomam a responsabilidade de
educar os miúdos que têm pela frente.
Quando, no início deste ano letivo, o Ministério da Educação decidiu
eliminar alguns dos contratos de associação com escolas como o
Externato de Arruda com base no argumento – falso, ainda por cima – de
que, devido ao custo, se deveriam canalizar os recursos financeiros
para as escolas do Estado, esqueceu-se de garantir a educação para os
alunos que estava a prejudicar. Sim, uma escola eles tiveram.
Professores, não sabemos. Em instante algum o Ministério se preocupou
em atribuir um profissional de educação a essas crianças.
É claro que, como comecei a dizer, é possível que a minha primeira
hipótese esteja correta. Tudo isto se deve a um qualquer fenómeno
genético localizado, quem sabe provocado pela radiação dos escapes de
uma nave espacial de visita aos vales do Oeste, ou se trate mesmo de
uma povoação de extraterrestres que se esconde entre nós. E os
sociólogos tenham razão.
PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer
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