# A doença do barulho
Pedro Afonso 28/6/2017, 0:19
Exige-se aos responsáveis políticos que falem de imediato, quando na
maior parte das vezes a prudência, e a humildade do silêncio, seriam a
melhor homenagem que a ser feita às vítimas e às famílias.
Nunca como hoje se viram tantos comentadores nas televisões e nos
jornais a falar sobre a atualidade. Quase todos falam sobre tudo, numa
verborreia frenética. A internet, através das redes sociais e das
caixas de comentários, veio aumentar este exército imparável de
pessoas que precisam constantemente de falar e serem ouvidas. Fala-se,
comenta-se e critica-se em excesso. Muitos dos comentários são pouco
moderados, irrefletidos e por vezes caluniosos. Numa palavra: vivemos
num mundo repleto de barulho e superficialidade.
Acompanhar a atualidade na comunicação social, com a respetiva legião
de comentadores, é uma tarefa cada vez mais penosa. Estamos perante o
narcisismo do palavreado eloquente. Quem fala mais é o mais forte, o
mais importante e admirado, ainda que não diga nada de verdadeiramente
relevante. O silêncio é entendido habitualmente como um sinal de
fraqueza, e não como uma atitude prudente e uma prova de sabedoria. Ou
seja, o homem que fala é celebrado, o homem silencioso é visto como um
fraco e ignorante.
O barulho está por todo o lado. Os desastres e as tragédias
mostram-nos os mistérios da fragilidade humana. Mas a sociedade vive
numa permanente embriaguez de palavras, reclamando-se uma explicação
rápida para fenómenos complexos e nalguns casos inexplicáveis.
Exige-se aos responsáveis políticos que falem de imediato, quando na
maior parte das vezes a prudência, e a humildade do silêncio, seriam a
melhor homenagem que poderia ser feita às vítimas e às famílias
enlutadas.
O nosso Presidente da República prossegue a sua missão política, numa
atividade pública impaciente, usando a palavra com a mesma velocidade
com que aparece nos mais variados lugares e eventos. Trump sofre de
uma tagarelice orgulhosa, mesmo após a sua eleição como presidente,
continua a escrever frequentemente no Twitter, na maior parte das
vezes futilidades. Mas os grandes líderes sabem que há um tempo para
falar e outro para estar calado. Por exemplo, Mahatma Gandhi, Nelson
Mandela, e Santa Madre Teresa de Calcutá passaram por longos períodos
de silêncio nas suas vidas, refletindo, alimentando uma vida interior
que nos era transmitida pela autenticidade das suas palavras.
Facilmente se pressente que as suas opiniões foram pensadas, vividas
com profundidade no silêncio, antes de nos serem comunicadas.
Quando me iniciei na psiquiatria, escutei do meu mestre: "Vais
aprender a estar calado, a ouvir, a acolher o sofrimento do outro, e a
usar o silêncio como um verdadeiro remédio". Ora, julgo que um dos
maiores problemas da atualidade é a "doença do barulho". O homem
pós-moderno vive adicto ao barulho. Os ecrãs tecnológicos, autênticas
prisões cintilantes em que todos nós passamos mais tempo, continuam a
alimentar-nos de um fluxo ininterrupto de informações e conteúdos,
sequestrando-nos no efémero. Temos que desconfiar do ruído e da
confusão da vida moderna que aos poucos nos vai estupidificando. A
incapacidade que as pessoas mostram para estarem no silêncio, é um
sinal preocupante. Como é possível conhecermos a nós próprios no meio
do barulho?
O mundo moderno abomina o silêncio. As nossas vidas estão a ser
edificadas sobre um barulho constante. O ruído palavroso foi-se
instalando sub-repticiamente nas nossas vidas, entorpecendo os nossos
sentidos como se fosse uma droga. A doença do barulho é conhecida há
muito tempo pelos Ordem dos Cartuxos. O tratamento para esta
enfermidade foi encontrado através do silêncio. Nos Estatutos desta
Ordem religiosa, no livro 2, capítulo 14, recomenda-se o seguinte: "…
os irmãos contem e meçam as palavras quando lhes está permitido
falar…. Frequentemente, a conversa que começa sendo útil, degenera
cedo em inútil, para terminar sendo censurável."
O silêncio é visto hoje como um fracasso, como algo deplorável e
profundamente antiquado. Não posso estar de acordo com esta ideia. Sei
que é difícil, mas é necessário no dia a dia procurar momentos de
silêncio para refletir, evadindo-nos do ambiente ruidoso que nos cerca
constantemente. A nossa saúde psíquica, a nossa vida interior, e a
nossa liberdade assim o exigem.
Médico Psiquiatra
--
---
Recebeu esta mensagem porque está inscrito no grupo "Pensantes" dos Grupos do Google.
Para anular a subscrição deste grupo e parar de receber emails do mesmo, envie um email para pensantes1+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, consulte https://groups.google.com/d/optout.