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26/07/2017 Texto Ricardo J. Rodrigues | Fotografias Rui Oliveira/Global Imagens
Há em Portugal modelos alternativos de prevenção e combate aos
incêndios. Esta é a história da aldeia que comprou fardas e viaturas
para combater ela própria as chamas quando a ajuda tarda, dos corpos
privativos que guardam fábricas e eucaliptais das empresas de
celulose, da corporação de sapadores criada de propósito para defender
o maior tesouro natural do país. E da máxima que todos repetem sem
cessar: o investimento compensa.
Depois de Pedrógão Grande em Junho de 2017, que fez 64 mortos, e da
serra de Sintra em 1966, que vitimou 25 soldados, o incêndio mais
mortífero de que há registo em Portugal aconteceu a 14 de junho de
1986 nas encostas serranas do concelho de Águeda. Nessa noite, 16
homens perderam a vida para o fogo que lavrava no Caramulo e que
acabaria por engolir 8500 hectares de terreno.
Na aldeia de Belazaima do Chão, ninguém esquece a catástrofe, toda a
gente conhecia alguém apanhado pelo inferno. Mas a dúvida que se
colocava nos dias seguintes, com o verão prestes a começar e os
bombeiros depauperados, era esta: que será dos que sobreviveram à
catástrofe se o fogo se lembrar de descer o vale do Vouga? E foi aí
que Manuel Antunes de Almeida, tão comovido como todos os outros,
proferiu a alto e bom som: «Pois se não há meios de combate para nos
defender tem de ser o povo a arranjá‑los.»
Depois do grande incêndio de 1986, o povo de uma aldeia de Águeda
decidiu tomar o combate aos incêndios nas próprias mãos.
Manuel tinha 35 anos e nem sequer possuía terra, mas desde os 15 que
se habituara a ir para a guerra sempre que o eucaliptal ateava. «O
fogo mexia‑me com as entranhas, a mim e a todos os que viviam aqui. E,
depois daquela tragédia, tínhamos de fazer alguma coisa.» E fizeram.
Primeiro foi um peditório na freguesia, para comprar o primeiro
dispositivo de ataque ao fogo, «que se montava e desmontava em cima
dos tratores e demorava tempo a chegar à mata». Perceberam logo que
era solução escassa, precisavam de um carro que chegasse rápido aos
incêndios. E então começaram a reforçar os pedidos de contribuições, a
organizar quermesses, rifas e festas.
Em 1987, ele e os três mais empenhados fundavam a Associação de
Proteção Civil de Belazaima do Chão, compravam um veículo de combate a
incêndios e organizavam o povo da aldeia para o combate voluntário aos
fogos da região. «Se viesse desgraça tocávamos a rebate o sino da
igreja e o povo juntava‑se todo. Era o alerta.»
Passadas três décadas a associação tem dez viaturas – três
autotanques, quatro veículos ligeiros de combate a incêndios e três
veículos florestais, que perfazem uma capacidade de mobilidade de 35
mil litros de água. E garantem haver corporações de bombeiros no país
com menos meios.
Os 45 voluntários vivem todos na freguesia, e ainda se juntam a rebate
do sino. Na verdade, nenhum deles tem formação de bombeiro. Estão
equipados com fardamento antifogo, dos capacetes às botas, mas vestem
amarelo e preto. A lei diz que não podem usar as cores das autoridades
oficiais. A lei diz que não podem combater as chamas. A lei foi criada
20 anos depois de a população andar a proteger as matas.
Belazaima do Chão é um exemplo do lado menos conhecido da prevenção e
combate aos incêndios em Portugal. Por todo o país, há empresas,
grupos de cidadãos e iniciativas públicas que investem na guerra ao
fogo com sistemas complementares ao Estado. São bombeiros privativos,
agentes especiais de prevenção, trabalhadores contratados para limpar
as matas, vigiar as florestas e fazer‑se às chamas em propriedades
privadas ou em matas protegidas.
São «os amarelos». Reforçam com homens e material o corpo nacional de
proteção civil na defesa dos seus interesses específicos – áreas que
não ardem, custe o que custar. Representam um investimento avultado,
mas todos dizem que o que se gasta no reforço é compensado largamente
pelo que se poupa em prejuízo. Matas que não ardem, equipamentos onde
o fogo não chega, eucaliptais que permanecem intactos.
O modelo dos amarelos
«Se eu tiver um polícia em casa 24 por horas por dia tenho menos
possibilidades de ser assaltado», diz Patrícia Cerdeira, porta‑voz do
Ministério da Administração Interna (MAI). O governo sabe que estes
modelos alternativos existem, que são eficazes e não é raro usa‑los
como reforço aos dez mil bombeiros que estão operacionais em Portugal
na Fase Charlie – a época crítica de incêndios, que normalmente dura
de julho a setembro, mas que este ano começou mais cedo, a 17 de
junho.
«É verdade que as áreas que eles protegem ardem menos, mas temos de
ver que o trabalho destes homens está designado a territórios muito
específicos, enquanto ao MAI cabe a administração estrutural do
socorro em todo o país», defende o ministério. «Uma coisa que pouca
gente sabe é que no dia da tragédia de Pedrógão, por exemplo, houve
outros 156 incêndios em Portugal que precisaram de ser apagados.»
Para Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros
Profissionais (ANBP), a questão não é assim tão simples. «Temos por
exemplo grandes áreas de eucalipto das empresas de celulose que nunca
ardem. E isso diz‑nos o quê? Que as empresas não deixam desleixar o
seu património.» As mesmas medidas são mais difíceis de aplicar em
zonas de minifúndio, que é o grosso da floresta do país.
As associações de bombeiros têm uma pergunta para o Ministério da
Administração Interna: se os privados conseguem salvar a floresta
porque é que o Estado não o faz?
«Ainda assim, o Estado é completamente displicente. Os prejuízos com
os incêndios em Portugal são em média de 200 milhões de euros por mês,
e neste ano serão muito mais avultados. Com um investimento de 500
milhões anuais teríamos em todo o país as mesmas condições que existem
nesses eucaliptais privados.»
Jaime Marta Soares, presidente da Liga de Bombeiros Portugueses (LBP),
alinha pela mesma bitola e até aponta as urgências: «É imperativo que
cada corporação de bombeiros tenha uma equipa especial de intervenção.
É urgente que o Estado comece a investir para evitar custos
acrescidos. É preciso limpar as matas, vigiá‑las, ordenar o
território.»
«Eu sei que os eucaliptos e os pinheiros não votam, que é preciso
coragem política para tomar medidas impopulares. Mas estas gestões
alternativas e estes modelos privados só nos mostram que há soluções e
que elas funcionam. Os governantes continuam a ignorar as florestas e
com isso estamos a perder vidas, estamos a perder o nosso petróleo
verde, por puro desleixo dos governantes. O comportamento do Estado é
pura e simplesmente criminoso.»
Hoje sai um autotanque amarelo de Belazaima do Chão, Vasco Oliveira e
Manuel Serra seguem para um eucaliptal perto da aldeia, o dia está
quente e é melhor vigiar a mata antes que venha tragédia. O primeiro é
presidente da junta, e por isso cabe‑lhe a gestão da Unidade Local de
Proteção Civil (ULPC).
Quando a Lei‑Base da Proteção Civil foi aprovada, em 2006, o Estado
estabeleceu que podiam criar‑se ULPC nas freguesias. «Até aí, a
relação com os bombeiros era mais tensa», admite o homem. Trabalhavam
sozinhos, à margem das autoridades. «A autarquia percebeu a vontade de
autoproteção do povo e promoveu o diálogo entre a nossa associação e a
corporação de Águeda. Aceitámos as regras, mudámos o nome e pintámos
tudo de amarelo para nos diferenciarmos. Hoje sabemos que não podemos
ser a primeira linha, temos de servir de reforço. Mas, quando os
incêndios acontecem no nosso território, somos os primeiros a chegar.»
Apesar de a lei não definir competências claras, Marta Soares, da LBP,
é perentório: «As ULPC não podem intervir nos incêndios senão para
apoio ao rescaldo e para prevenção. Não têm formação de bombeiros e
podem tornar‑se um risco acrescido em cenários já por si perigosos.»
Vasco Oliveira admite que, hoje, obedecem às indicações do comando,
mas também avisa que não vai deixar mato arder ao pé de casa. «De dez
em dez anos, um hectare de eucalipto dá sete a dez mil euros ao seu
proprietário. Foi a floresta que travou a desertificação nesta zona do
país e, se temos os meios para nos proteger, não deixaremos de o
fazer.»
Oficialmente, estas unidades não podem atuar sozinhas, são o reforço
do sistema estatal. E no entanto muitas delas nasceram porque as
populações não se sentiam seguras com as instituições. Contactada pela
NOTÍCIAS MAGAZINE, a Autoridade Nacional de Proteção Civil diz não
saber quantas ULPC existem em Portugal: «Não temos esses registos
compilados.»
Gestão privada, benefício público
De todos os modelos alternativos que existem em Portugal na defesa
contra o fogo o maior é provavelmente a Afocelca – Prevenção e Combate
e Incêndios Florestais. Nascida em 2002 para proteger as propriedades
das principais empresas de celulose do país (Portucel, Soporcel, Celbi
e Silvicaima), acompanhou as alterações empresariais dos grupos
económicos e está hoje ao serviço da The Navigator Company e do Grupo
Altri, dois gigantes do setor.
Dispõe de um dispositivo de 300 homens, três dezenas de viaturas
ligeiras de combate a incêndios, 24 carros pesados e três helicópteros
com brigadas aerotransportadas. «Temos a nosso cargo a defesa de 220
mil hectares de floresta, de norte a sul do país», diz João Pedro
Costa, chefe de operações. «Estamos distribuídos de modo a que, em 30
minutos, possamos estar em qualquer teatro de operações. Mas metade
das intervenções que operamos não são em terrenos nossos, são de apoio
aos comandos de bombeiros. Sobretudo com os meios aéreos.» Não é um
serviço pago, mas o protocolo com o Estado diz que é o MAI a assegurar
essas despesas.
Metade dos homens que combatem incêndios nos eucaliptais dasempresas
de celulose são os mesmos que limpam as matas no Inverno.
A sala de comando fica na Figueira da Foz, um espaço com três enormes
mapas a ocuparem toda a parede. Um do Norte do país, outro do Centro,
outro do Sul. No pico da Fase Charlie, estão ali sete pessoas em
permanência. «Em cada comando distrital de operações de socorro temos
um agente de ligação que nos avisa por telefone se existir incêndio
que represente perigo para as nossas propriedades.»
É o que acontece agora, há fogo na zona de Odemira e a primeira coisa
a fazer é marca‑lo no mapa. Nos computadores, analisam‑se as
variáveis: direção e intensidade do vento, temperatura, perigosidade.
«Vamos mandar um veículo ligeiro, por enquanto não há grande risco»,
anuncia João Pedro. Ocorrências como estas repetem‑se várias vezes ao
dia, e as equipas sabem que o trabalho funciona 24 horas. Por ano,
registam seis mil ocorrências.
Os operacionais no terreno não são, para efeitos oficiais, bombeiros,
antes sapadores florestais. Mas a maneira como atuam, e as ações que
desempenham em nada divergem do trabalho das entidades homologadas
como tal. Recebem formação na empresa, em vez de faze‑lo na Escola
Nacional de Bombeiros.
«Há dias em que estamos no lodo, com múltiplas ocorrências e não temos
por onde nos virar», diz João Pedro Costa. «Mas o pior que nos pode
acontecer é o pior que pode acontecer aos bombeiros – ver algum dos
nossos ficar ferido.»
Em 15 anos de atuação, sete trabalhadores da Afocelca perderam a vida
para as chamas. «No ano passado tivemos um ferido grave, um dos nossos
supervisores, que é meu sócio e um grande amigo. O carro despistou‑se
e caiu de uma ravina para o meio do incêndio. Ainda está no hospital.
É duro.»
Uma das bases de meios aéreos da empresa está instalada em Abrantes,
onde as empresas de celulose detêm uma das suas principais manchas de
eucalipto. Bruno Freitas é o supervisor da equipa, e hoje tem outro
colega com idênticas funções no terreno, Horácio Ferreira. «A nossa
grande vantagem em relação aos bombeiros é a velocidade com que
conseguimos atuar. É muitíssimo frequente sermos os primeiros a chegar
ao fogo», diz o primeiro, e o segundo concorda.
Há eucaliptos por todo o lado, depois uma casa tipicamente ribatejana,
onde uma brigada aerotransportada se mantém em alerta permanente. Um
piloto, mais cinco homens que seguem por meios aéreos para os
incêndios quando é preciso. Rafael Marques, que se estreia neste ano
na Afocelca, é bombeiro há vários anos. «Aqui damos por nós a
extinguir o fogo com muito mais eficácia. As matas estão limpas, há
caminhos abertos, têm alguns pontos descontínuos. É o que faz a
diferença.»
Todos aqueles homens vivem na região, e isso é uma vantagem. Conhecem
o terreno, entendem os ventos, sabem que os mapas nem sempre estão
atualizados. «Enquanto os bombeiros têm de recrutar reforços de outras
regiões, nós trabalhamos com gente que conhece o terreno», diz Horácio
Ferreira.
Daí a minutos há de sair para visitar uma brigada terrestre, que faz
vigilância a toda a floresta que se estende de Constância a Tomar. Os
homens são seis, andam ali de binóculos a observar as copas das
árvores, qualquer sinal de fumo e fazem‑se ao caminho no autotanque.
Todos eles trabalham para as mesmas empresas de celulose no inverno, a
limpar a vegetação rasteira e as bermas das estradas, localizar pontos
de água. «Já muitas vezes nos safámos por conhecermos bem as zonas
onde operamos. Quando o fumo retira a visibilidade, não foi uma nem
duas vezes que indicámos aos bombeiros onde podiam abastecer água»,
diz um deles.
Como guardar um tesouro
Esta história pode muito bem seguir para norte, porque desde o início
de julho que há uma novidade no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Para
proteger o maior tesouro natural do país, o Ministério do Ambiente
decidiu criar dez equipas de proteção da floresta, duas por cada
concelho com área de jurisdição no Parque (Arcos de Valdevez, Melgaço,
Montalegre, Ponte da Barca e Terras de Bouro).
«Depois do incêndio do ano passado no Soajo, onde arderam 6800
hectares, era preciso fazer alguma coisa», diz Jorge Dias, engenheiro
florestal do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF), que coordena as equipas em Terras do Bouro, um dos municípios
com mais área protegida.
O Gerês dispunha de 14 vigilantes para 70 mil hectares de área
protegida. Agora chegou um corpo especial de 50 homens, para que a
floresta não arda.
Estão dez homens a trabalhar na estrada da Pedra Bela, mesmo no
coração da Mata Nacional do Gerês. Limpam fetos e giestas, vinte
metros para cada margem do alcatrão. Há dias, fizeram o mesmo ao redor
de algumas casas ali próximas, que tinham pinheiros a roçar‑lhes as
paredes. Um perigo.
«Isto é a primeira lufada de ar fresco em muitos anos», confessa Tomás
Azevedo, que trabalha para o ICNF há 24 anos. Foi sapador, vigilante
da natureza, entretanto estudou e hoje é engenheiro florestal.
«Durante décadas, fomos perdendo gente e meios e agora há um reforço
de 50 homens, o que para nós é extraordinário. Veja, até aqui só
tínhamos 14 vigilantes para cobrir uma área de 70 mil hectares. Agora
podemos prevenir os incêndios, em vez de combate‑los.»
O projeto‑piloto do Ministério do Ambiente pode aparentemente
representar um gasto, mas todos aqui acreditam que ele significará
poupança. E que se expandirá a outras áreas protegidas. Além das
equipas humanas, a que formalmente se chama Corpo Nacional de Agentes
Florestais, também foram instaladas várias antenas de
telecomunicações, para permitir uma espécie de SIRESP privativo do
parque.
Nos próximos meses, além de limpar matas, os homens vão lutar contra
invasoras, substituir o arvoredo resinoso pelas folhosas endémicas do
país, vigiar e atacar os incêndios à primeira faísca. «Na floresta,
muitas vezes, é preciso andar três horas a pé para se chegar às
chamas», diz Jorge Dias.
Estes homens caminham com dorsais em que cabem 30 litros de água,
podem atacar antes de os bombeiros chegarem. Mas a ideia nem é essa. A
ideia é que o fogo não chegue. «É no inverno que se luta contra os
incêndios. Enquanto não houver gente na floresta, enquanto o mato
estiver entregue à sua sorte, as tragédias continuarão a acontecer.»
Os bombeiros antes dos bombeiros
Na Beira Litoral, pode contar‑se uma história diferente. Os Bombeiros
Privativos da Vista Alegre foram a primeira corporação privada do país
e nasceram antes do aparecimento de qualquer quartel estatal no
distrito de Aveiro. A empresa foi fundada em 1824, e desde essa altura
que alguns trabalhadores tinham funções de lutar contra as chamas.
Há relatos de combate a grandes incêndios no centro de Ílhavo e do
Governo Civil de Aveiro ainda antes da fundação oficial, em 1880. São
várias as empresas, entre fábricas e aeroportos, a adotar um modelo
semelhante para se autoprotegerem dos incêndios. Além da segurança, um
corpo privativo de bombeiros representa uma enorme poupança junto das
seguradoras.
Antes de existir alguma corporação de bombeiros no distrito de Aveiro,
já o corpo privativo da Vista Alegre operava em Ílhavo.
A Autoridade Nacional de Proteção Civil, responsável pelo registo
destas corporações, não conseguiu responder numa semana, apesar de
múltiplas tentativas, quantas unidades funcionam no país. A Liga dos
Bombeiros tem registadas nove, embora admita que possam existir mais.
Estes homens frequentam a Escola Nacional de Bombeiros, nada os
distingue das restantes autoridades, simplesmente estão afetos às suas
empresas. No caso da Vista Alegre, o único incêndio realmente grave
dentro das instalações da empresa aconteceu na década de 1980, nas
oficinas de pintura.
Luís Pelicano, que comandou o quartel de 1966 a 2000, recorda‑se bem
desse dia. «Não estávamos bem equipados, mas conseguimos conter as
coisas a tempo. A maior parte das ocorrências a que demos assistência
aconteceram fora da empresa.» Ao seu lado, o antigo adjunto, João
Rocha, que todos conhecem por Custódio, vai fazendo uma lista com os
dedos. Uma fábrica de colchões em Vagos, um incêndio no regimento de
Infantaria 10, em Aveiro, ou um incêndio que destruiu o quartel de
bombeiros de Vagos.
As instalações dos bombeiros privativos está hoje cheia de relíquias,
verdadeiras peças de museu. Há carros e escadas que um dia foram
puxados a cavalo, há uma ambulância feita a partir de uma carrinha pão
de forma, e depois há um par de veículos mais atuais, que são os que
estão em uso.
«Já se sabe como são as empresas», diz Pelicano, «só gastam com o que
for preciso. Então com o refugo das loiças começámos a organizar
quermesses para comprar material, instalar postos de água, modernizar
o que conseguíamos.» O homem tem 80 anos e guarda orgulho pelo
trabalho feito. Os 600 trabalhadores da fábrica de Ílhavo, acredita
ele, estão a salvo.
A corporação conta hoje com 17 bombeiros, liderados por João Machado e
o seu adjunto, Rui Jorge. Um trabalha no armazém de expedição das
loiças, outro na olaria, se os alarmes soarem abandonam o posto e
partem para o socorro.
«Estamos mais preparados para incêndios industriais, claro, mas
apoiamos sempre que nos pedem em missões na floresta. E, sabe»,
reflete o comandante, quase como se falasse com os seus botões,
«antigamente não havia tanto fogo. Havia menos gente aflita. Nós
sempre fizemos vigilância ao fim de semana, e gostávamos de continuar
a fazer, mas agora parece que não nos querem no terreno. Não é bem
isso. O que parece é que é tudo feito à pressa, sem grande
coordenação. Ao menos nós aqui, olhe, estamos organizados. E também
queremos ajudar. O país não pode continuar a arder assim.»
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