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10 Fevereiro 2018 Ana Cristina Marques
Identificar emoções e aprender a geri-las pode ser a resposta para o
insucesso escolar. Há escolas que garantem que o segredo está na
pergunta "o que estás a sentir?". Até o Governo concorda.
Até há sensivelmente um ano, o pequeno Jaime chorava com medo das
expressões violentas do irmão autista, dez anos mais velho do que ele.
De cada vez que se zangava, a cara dele contorcia-se de tal forma que
ganhava contornos agressivos e o rapaz de então oito anos
assustava-se. Hoje, a realidade em casa de Maria Ana, a mãe, é
diferente e o motivo passa pela chamada educação emocional. Jaime é
uma das crianças que beneficia desta atividade extracurricular no
Jardim-Escola João de Deus de Leiria. "A educação emocional traz
resultados mais tarde na vida. Traz ferramentas para que ele consiga
lidar com situações difíceis, sobretudo tendo dois irmãos autistas
que, de vez em quando, têm crises emocionais", conta Maria Ana.
Que escolas apostam nos sentimentos?
O Jardim-Escola João de Deus de Leira é, por enquanto, o único daquele
grupo que tem uma parceria com a Escola das Emoções — que nasceu em
março de 2014 para trabalhar "o crescimento emocional da sociedade".
Há quatro anos que existe uma atividade extracurricular vocacionada
para a educação das emoções, para alunos dos três aos 10 anos, e há
três anos que a "disciplina" Estudo das Emoções chegou às salas de
aulas ao nível do infantário (para os quatro e cinco anos). "Nestas
aulas de educação das emoções as crianças começam por se conhecer a si
próprias, mas também os outros. São trabalhadas quatro emoções
básicas: alegria, tristeza, raiva e o medo", explica ao Observador
Vera Sebastião, diretora do jardim-escola.
Os objetivos, continua Sebastião, passam por compreender as emoções,
perceber que as ações têm consequências e desenvolver as capacidades
sociais das crianças. Algumas estratégias passam por explicar que as
emoções estão sempre associadas a um pensamento, uma equação por vezes
difícil de visualizar, mas que é desconstruída em sala de aula. "Este
trabalho é uma sementeira, os frutos são colhidos mais tarde." Para a
diretora escolar, hoje em dia vivemos na "era dos três P", uma vez que
os pais "protegem, permitem e proporcionam", três características cujo
equilíbrio parece ser difícil de alcançar. O falar e pensar as emoções
chega, então, a mais de 100 crianças daquele jardim-escola, sendo que
o de Alvalade (do grupo João de Deus) também está de olhos postos na
iniciativa.
Em Lisboa, na rede pública, também existem soluções semelhantes, que
consideram os sentimentos das crianças e dos adolescentes um processo
tão importante quanto a aquisição de conteúdos. No Agrupamento de
Escolas do Alto do Lumiar existe o projeto "Luta por Valores", onde
curiosamente o kickboxing está associado ao pensamento emocional.
"Trabalhamos a integração de regras e o respeito pelo outro, isso
faz-se através do desporto", diz Maria Caldeira, diretora do
agrupamento que fica num Território Educativo de Intervenção
Prioritária (TEIP), referindo que a prática aplica-se sobretudo a
alunos mais reativos, com problemas disciplinares, do primeiro ciclo.
É também no primeiro ciclo de uma escola deste agrupamento que existe
ioga e meditação três vezes por semana, prática que pretende alcançar
o aumento da concentração e o saber ouvir o outro — acontece em
colaboração com a Universidade de Aveiro, que está a monotorizar os
resultados. Maria Caldeira fala ainda do programa "Eu e os outros",
aplicado no contexto da sala de aula, onde os professores fazem role
playing com os alunos, usando histórias que derivam sempre de um
problema. E como se isto não bastasse, em 2o18 o agrupamento planeia
apostar na formação de pais.
"Falamos de emoções antes de falar de tudo o resto. Isto tem um
impacto direto na autoestima e na capacidade de a criança responder ao
meio que a envolve", acrescenta Margarida Silveira Rodrigues, diretora
da Escola Raiz, em Lisboa, que faz parte do modelo HighScope —
proveniente dos Estados Unidos, tem sensivelmente 50 anos e está
validado cientificamente. "Uma das suas áreas é o desenvolvimento
social e emocional, não na forma de uma disciplina, mas está integrado
no programa. Tanto a formação dos professores como o modo de ensino
tem por base este tipo de desenvolvimento", esclarece, deixando claro
que é natural e recorrente a pergunta "O que estás a sentir?".
Margarida Silveira garante que assiste ao aumento da capacidade de
resiliência das crianças, que aceitam mais facilmente o erro.
Também Vera Sebastião, da Escola das Emoções, e Maria Caldeira falam
em resultados positivos. Certo que continuam a existir comportamentos
impulsivos, admite a primeira, que nota que as crianças se tornam mais
consequentes e, por isso, pedem desculpa mais facilmente. "É o começo
de tudo. Os pais estão muito felizes", continua. Já as crianças e os
adolescentes debaixo da alçada do Agrupamento de Escolas do Alto do
Lumiar têm, por norma, vários problemas de disciplina e são
provenientes de famílias destruturadas, mas também elas e eles parecem
beneficiar num sentido relacional.
Soft skills para "enfrentar os desafios do século XXI"
No relatório "Competências para o progresso social — O poder das
competências socioemocionais", publicado no fim de 2015 pela OCDE e
citado no livro A Escola Certa para o Seu Filho, lê-se que as crianças
precisam de "um conjunto equilibrado de competências cognitivas e
socioemocionais para serem bem-sucedidas na vida moderna". O relatório
em questão fala nas chamadas soft skills (competências
socioemocionais), defendendo que "a capacidade de atingir objetivos,
de trabalhar eficientemente em grupo e de lidar com as emoções" vai
ser "essencial para enfrentar os desafios do século XXI".
Num artigo publicado no blogue TED-Ed, que diz respeito a uma
iniciativa na área da educação associada às conferências TED,
investigadores citados referem que as capacidades emocionais deveriam
ser tão importantes na educação das crianças como é a matemática, a
história ou a ciência. Há pesquisas que sugerem que pessoas com
capacidades emocionais mais apuradas têm melhores resultados nas
escolas, mas também melhores relações e menos comportamentos de risco.
No mesmo artigo, datado de fevereiro de 2017, lê-se que existe um
esforço nas escolas norte-americanas para ensinar "aprendizagem social
e emocional" ("social and emotional learning, SEL", em inglês), ainda
que haja um maior enfoque em capacidades como cooperação e
comunicação.
Nem de propósito, a Comissão Nacional para o Desenvolvimento Social,
Emocional e Académico, do Aspen Institute divulgou descobertas
preliminares que fazem parte do mais recente relatório, onde se lê que
o desenvolvimento social, emocional, cognitivo, linguístico e
académico está "profundamente ligado" e que todas estas áreas "são
centrais para a aprendizagem e para o sucesso".
Segundo a neurocientista Mary Helen Immordino-Yang, citada num artigo
de 2016 do The New York Times, a emoção é essencial à aprendizagem e
não deve ser subestimada ou tida como uma moda. "É literalmente
neurobiologicamente impossível pensar profundamente sobre coisas que
não nos interessam."Francisco Esteves, professor catedrático na Mid
Sweden University, na Suécia (além de investigador do CIS-IUL) esteve
presente nas I Jornadas Internacionais do Pensamento Emocional,
realizadas no passado dia 2 de fevereiro no ISCTE-IUL, onde, falando
sobre pensamento emocional, alertou para o facto de o processamento
cognitivo ser muito mais afetivo do que neutro e que, muitas vezes, os
processos racionais são influenciados pela componente afetiva que não
deve ser, por isso, ignorada.
"Os seres humanos são emoção, esse elemento vital da nossa
existência", esclarece ao Observador Helena Marujo, professora no
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e uma das
principais investigadoras em Portugal na área da Psicologia Positiva.
É ela quem diz que, enquanto sociedade, existe uma cada vez maior
preocupação intelectual, sendo que "minorámos tudo o que tem que ver
com a experiência do sentimento". Qualquer desempenho depende do nosso
bem-estar, diz, acrescentando que ninguém consegue aprender com
emoções negativas.
Para a especialista em psicologia positiva, a ideia de trazer as
emoções para dentro da sala de aula não só faz sentido como é algo
"incontornável". "Uma criança valorizada pelos colegas e professores
sente esperança e tudo isso são experiências emocionais que têm uma
influência cognitiva", defende, ao mesmo tempo que diz que deveríamos
apostar numa educação mais holística. "É preciso relembrar que a
educação é um processo relacional, acontece entre pessoas, mesmo numa
era altamente tecnológica."
Há lugar para as emoções na sala de aula?
A preocupação com as emoções dos mais novos não está desprovida de
argumentos e são muitos os que apontam o dedo ao atual modelo de
ensino. "O ensino transmissivo das palestras habituais nas nossas
escolas está completamente inadequado", defende Margarida Silveira, da
Escola Raiz, que entende que a inteligência emocional deve ser
trabalhada em contexto escolar, embora não na forma de uma disciplina.
"Acho que em qualquer ensino se pode fazer um trabalho sobre as
emoções", diz. O argumento é partilhado por Maria Caldeira, do
Agrupamento de Escolas do Alto Lumiar, que refere que o treino das
competências emocionais deveria ser transversal a tudo e que deveria
começar nas escolas, sejam elas públicas ou privadas."Pode ser uma
atividade extracurricular, mas o importante é que em todas as
disciplinas isto aconteça. Se os alunos estiverem sensibilizados para
isto há ganhos ao nível do sucesso académico, mas criar uma disciplina
de treino de competências emocionais não faz sentido", esclarece a
diretora do agrupamento.
Sobre isto, fonte oficial do Ministério da Educação garante ao
Observador que áreas como desenvolvimento pessoal e relacionamento
interpessoal são hoje "reconhecidas como pré-requisitos para a
aprendizagem, mas também como finalidades do processo de
aprendizagem". Para o Ministério da Educação, "estes projetos são uma
ferramenta muito adequada para responder a este desafio colocado pelo
perfil do aluno", sendo que a "opção pela inclusão destas áreas
assenta no consenso internacional de que os alunos serão tanto mais
sucedidos na sua vida ativa quanto forem capazes de trabalhar com
autonomia, de se relacionarem bem consigo próprios e com os outros".
A espanhola Ana Peinado, que esteve nas já referidas jornadas, diz que
o trabalho dos professores passa por "colocar sementes no coração das
crianças", isto é, "formar pessoas de maneira íntegra", pelo
quequestiona o modelo de ensino que se centra apenas na partilha de
conhecimento e na inteligência matemática — segundo a psicóloga, que
desenvolve a sua atividade em programas de desenvolvimento emocional
em centros infantis, básicos e secundários, existem diferentes tipos
de inteligência, considerando crianças mais vocacionadas para a
natureza, para a escrita, para o desporto, etc, às quais os
professores se deveriam adaptar. "Dos bons professores recordamos
sempre as características afetivas", disse diante de um auditório
praticamente cheio. "O problema do ensino não é tanto o aluno não
querer ir às aulas. Há professores que também não querem ir",
continuou. É ela quem garante que as chaves para educar com
inteligência emocional passam por descobrir o talento de cada aluno,
servir de motor de arranque para as suas competências e fazer com que
toda e cada criança se sinta "útil, valorizada e querida".
"Os educadores não têm formação para trabalhar desta forma. Ficam
sensibilizados, mas não sabem como fazê-lo. O que pretendemos ao
trazer as emoções para a educação é chegar às massas de alunos através
de professores e educadores em termos de prevenção", acrescenta Vera
Sebastião, da Escola das Emoções. É aqui que entra também aAssociação
Prevenir, que desde 2002 está apostada na formação de professores e
educadores ao nível da inteligência emocional e das competências
socioemocionais — a primeira permite distinguir, identificar e gerir
emoções, a segunda engloba competências como a assertividade, a
autoestima e o autocontrolo.
A atuação da associação abrange idades desde dos três aos 14 anos,
isto é, do ensino pré-escolar ao segundo ciclo. Em causa estão
parcerias com câmaras municipais, juntas de freguesia e até
agrupamentos escolares que contactam esta entidade no sentido de
formar os seus docentes. Os métodos e os materiais disponibilizados
variam consoante a idade dos alunos: se no pré-escolar há objetos como
o baralho dos sentimentos, no primeiro ciclo existem livros de banda
desenhada, desenvolvidos em parceria com a Porto Editora. "Damos
formação aos professores e educadores ao longo do ano letivo, sendo
que a formação tem uma base teórica e prática, consoante os temas a
trabalhar na sala de aula", explica ao Observador Margarida Barbosa,
psicóloga educacional e presidente da Associação Prevenir em Portugal
(a irmã gémea está sediada em Espanha).
Em ambiente escolar, os professores trabalham a vertente emocional uma
vez por semana no âmbito da disciplina "Educação para a Cidadania".
Margarida Barbosa esclarece que a periocidade tem-se traduzido em
resultados positivos a curto e longo prazo. A curto prazo, a relação
entre alunos melhora, o vocabulário emocional aumenta e a aprendizagem
torna-se, no geral, mais fácil, adianta. A longo prazo, os alunos
começam a falar de uma forma mais otimista e acabam por reconhecer
mais facilmente as emoções nos outros.
Só em Portugal, já mais de 20 mil crianças beneficiaram dos métodos da
Associação Prevenir, que não estão, no entanto, imunes a críticas. Num
artigo do El País, de 2016, o professor e autor do livro "Contra a
Nova Educação" Alberto Royo alega que este tipo de pedagogia se foca
numa "felicidade ignorante", ao mesmo tempo que afirma que o "fim
último da escola é transmitir conhecimentos". "Sempre é mais atrativo
dizer que os alunos vão ser empáticos, felizes. Adquirir conhecimentos
e estudar é menos sugestivo." Margarida Barbosa, da Associação
Prevenir, está longe de concordar com este argumento, afirmando que os
professores com quem se cruza sentem cada vez mais necessidade e
vontade em trabalhar as emoções. "Se isto fosse obrigatório em
Portugal, seria uma coisa muito bem recebida", defende.
Mas será que trabalhar sentimentos na sala de aula pode de alguma
forma distorcer o papel que a sociedade deu à figura do professor?
Nesse ponto, Margarida Barbosa é rápida a esclarecer que os programas
da associação têm sempre uma vertente que permite o envolvimento da
família. Para a psicóloga educacional, não basta ensinar português ou
matemática, por exemplo, mas também atuar preventivamente nas escolas
de modo a evitar comportamentos de risco e problemas de indisciplina.
"Sempre existiram comportamentos de risco, mas hoje em dia os
professores podem, com esta formação, preveni-los ou resolvê-los." "A
educação das crianças está entregue à família, mas também à escola. A
educação nas escolas tem de ser a continuidade da educação em casa e
vice-versa", acrescenta Vera Sebastião. "A escola aproveita que a
criança em grupo consegue perceber melhor o certo e o errado por
comparação."
Aprender a lidar com os medos e as frustrações tem sido a mais-valia
da "educação emocional" na casa de Maria Ana, a mãe do pequeno Jaime,
que à medida que o tempo vai passando, e as emoções vão sendo
identificadas, reconhece-lhe mais maturidade nas diferentes situações.
"Cá em casa trabalhamos muito o falar sobre o que sentimos.
Trabalhamos, inclusive, com os dois irmãos. Acho que a escola lhe deu
boas ferramentas."
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