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24 Fevereiro 2018 Cláudia Pinto
O adiamento da maternidade até ao limite nem sempre é uma opção, mas
tem influência no número de filhos, nas relações conjugais e na saúde
da mulher. E, por vezes, é mesmo tarde demais.
Sempre quis ser mãe mas não queria fazê-lo sozinha. A idade foi
passando e acabou por conhecer o companheiro aos 38 anos. "Queria
muito ter um filho mas sempre disse que, primeiro, tinha de encontrar
um pai", explica Ana Teresa Costa, hoje com 43.
O adiamento da maternidade foi sendo imposto pela ausência de uma
pessoa que a fizesse concretizar o sonho. Não foi fácil, mas
conseguiu. A Maria, filha de Ana Teresa e de Nuno Madeira [também com
43 anos] nasceu em setembro passado.
O caminho, porém, foi penoso. Se engravidar era até relativamente
fácil e rápido, ter uma gravidez de termo passou a ser um enorme
desafio. Maria nasceu da terceira gravidez de Ana Teresa. As duas
primeiras não evoluíram. "Nunca estive muito assustada com a questão
da idade, mas como as primeiras vezes não correram bem, comecei a
convencer-me dessa ideia, que o problema era meu e que a idade poderia
estar a condicionar o processo", explica. Nuno vai mais longe. A vida
não fazia qualquer sentido se não fosse pai. "Sempre foi um objetivo.
Acho que é uma experiência quase obrigatória", confessa.
Foi precisamente a vida que o fez adiar o desejo da paternidade: entre
a aposta na vida profissional, o facto de ter trabalhado em Angola e
de não ter encontrado alguém que considerasse ter o perfil indicado
para ser a mãe de um filho seu, a idade foi passando, e o desejo,
adiado. Apesar de a pressão ser menor nos homens do que nas mulheres,
a demora já pesava. "Acho que, de qualquer forma, quereria ter filhos
independentemente da idade. Mas quanto mais tarde, menos 'costas'
vamos ter para os segurar e para os ter no colo… Tudo isso conta",
partilha.
Nascida às 41 semanas, a filha de ambos deixava para trás emoções
negativas associadas a tentativas falhadas. Pelo meio, Ana Teresa teve
de interromper a gravidez, mas também de se submeter a uma cirurgia ao
ser detetada uma massa no útero, que o procedimento viria a descobrir
serem restos de embrião [não se sabendo se seriam da primeira ou da
segunda gravidez não evolutiva]. Em todo o percurso, houve a
necessidade de mudança de médico ginecologista e de dar espaço a novas
sensações.
Estávamos em dezembro de 2016, quando Ana Teresa se começou a sentir
muito mais fraca. Para a professora de dança, este era o mês de
trabalho acrescido devido à Festa de Natal, e acabou por coincidir
também com um internamento da mãe no hospital. Tudo apontava para
cansaço. Afinal, o que sentia era natural e resultava da terceira
gravidez.
Após escolher nova médica, decidiu começar tudo de novo. "Gostei muito
de falar com ela, e ao passar para a ecografia, pela primeira vez,
deitei-me numa marquesa e ouvi bater um coração. Foi uma emoção
única", relembra. A médica disse ao casal que ia correr tudo bem, e
acabou por ser mesmo assim. Ana Teresa continuou a sua atividade
profissional até aos sete meses, e após um trabalho de parto por
indução, que demorou dois dias e culminou numa cesariana, o obstetra
disse-lhe: "Correu lindamente, está pronta para outra". Ter outro é
uma vontade e não é uma hipótese descartada. "Vamos ver", diz a recém
mãe.
Também Sara [nome fictício] adiou o sonho da maternidade até aos 38
anos. Tal como Ana Teresa, foi essa a idade que lhe levaria a conhecer
o atual companheiro. "Tive sempre a expectativa de um dia estar com
alguém com quem sentisse que fazia sentido avançar para esse projeto",
explica. Conforme os anos passavam, acentuava-se a ansiedade. Foi
assim desde os 25 anos. "Quando cheguei aos 30, pensava: 'ok, eu tenho
mesmo de resolver isto até aos 35'. Sentia imenso a pressão do tempo e
dos anos a passarem", confessa.
Hoje tem 40 e está a iniciar o seu segundo tratamento de Procriação
Medicamente Assistida (PMA) no Serviço Nacional de Saúde (SNS), no
Porto [por se tratar de uma inseminação artificial, tratamento de
primeira linha, pode fazer no SNS até aos 41 anos +364 dias, ao
contrário da FIV, tratamento de segunda linha, possível até aos 39
anos + 364 dias]. Depois de começar a tentar, passou também por uma
gravidez não evolutiva, às seis semanas, e uma gravidez bioquímica [no
último caso, houve fecundação e um aumento das hormonas da gravidez,
nomeadamente da beta-hcg, originando um teste de gravidez positivo.
Depois, por diversas razões, a gravidez não evolui. Muitas mulheres
acabam por menstruar e nem se apercebem que passaram por uma gravidez
bioquímica].
Da primeira inseminação artificial que fez, em novembro passado,
percebeu que a idade pode ter tido peso no que correu mal. "Nunca
saberei se aos 20 anos teria sido diferente, mas tudo indica, no nosso
caso, que o fator de infertilidade está ligado à idade", explica.
Curiosamente, foi o avançar da idade que a fez mudar um pouco a sua
postura perante a possibilidade de vir a ser mãe. "Sinto que a
maturidade me fez olhar para as coisas de outra forma. Decidi que vou
ser feliz na mesma, com as circunstâncias que a vida me proporcionar,
quer tenha filhos, quer não tenha. Já não quero ser mãe a todo o
custo. Estou a aproveitar a oportunidade que o SNS me está a dar de
tentar através de recurso à ciência, mas se com as hipóteses previstas
na lei, não conseguir, tudo bem. Sigo em frente", diz, determinada. O
companheiro apoia e tem sido fundamental nesta nova forma de pensar.
"Foi também ele que me motivou a tentar mais uma vez. Quando nos
ligaram do hospital, ele disse-me 'vamos lá, vamos ver'".
Relativamente à pressão social, Sara não a sente a nível familiar, nem
no grupo de amigos. Não esconde o problema, e tem uma opinião muito
própria sobre "o apelo à maternidade de forma errada". "As redes
sociais vieram agudizar de tal forma essa pressão que chego ao ponto
de afirmar que há pessoas que querem ter filhos porque se sentem
pressionadas pelo Facebook ou Instagram dos outros, é a maternidade
das redes sociais."
O adiamento até ao limite da fertilidade é uma característica dos
tempos. Seja por motivos pessoais ou profissionais, seja porque não se
encontrou a pessoal ideal para concretizar um projeto que,
habitualmente [mas não necessariamente, como se perceberá ao longo
deste artigo] é vivido a dois, os motivos são variados e conhecidos
dos médicos ginecologistas ou ligados à área da reprodução.
Em Portugal adiam-se os nascimentos duas vezes
De acordo com dados da Pordata, em 1960 a taxa bruta de natalidade
situava-se nos 24,1% por cada 1000 habitantes, e em 2016, nos 8.4%.
Esta percentagem colocou Portugal, em 2016, como o país que registou a
segunda taxa de natalidade mais baixa, entre os restantes países da
União Europeia, segundo estimativas do Eurostat.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) faz notar que a evolução da
idade média à fecundidade — a idade em que, em média, as mulheres
residentes em Portugal tiveram filhos (independentemente de serem
primeiros, segundos, terceiros, …) — tem vindo a alterar-se nos
últimos anos. E se em 1980, a idade média com que as mulheres tinham o
primeiro filho se situava nos 24 anos, os dados relativos a 2016
apontam para os 29,6 anos. "Se a idade em que, em média, se tem o
primeiro é aos 29,6 anos e a idade em que, em média, se têm todos os
filhos é igual a 31,1 anos, podemos depreender que uma grande parte
das mulheres tem apenas um filho, logo, que a maioria dos nascimentos
são primeiros filhos", explica Maria Filomena Mendes, coordenadora do
Laboratório de Demografia do Centro Interdisciplinar de História,
Culturas e Sociedades (CIDEHUS), professora associada da Universidade
de Évora e presidente da direção da Associação Portuguesa de
Demografia (APD).
A responsável lidera o projeto "Determinantes da Fecundidade em
Portugal", que conta com financiamento da Fundação Francisco Manuel
dos Santos, e integra ainda o estudo "Duplo Adiamento: as intenções
reprodutivas de homens e mulheres depois dos 35 anos", financiado pela
Fundação para a Ciência e a Tecnologia, coordenado por Vanessa Costa.
Ambos os estudos permitem caracterizar a evolução da fecundidade no
nosso país e o seu impacto naquilo a que os investigadores intitulam
de duplo adiamento. "Frequentemente, as mulheres adiam novamente o
nascimento do segundo filho, após terem tido o primeiro,
verificando-se um grande espaçamento entre ambos os nascimentos",
explica Maria Filomena Mendes.
No primeiro estudo, chegou-se à conclusão de que o adiamento
condiciona o número de filhos tidos, a intenção de vir a ter mais
bebés no futuro, e a dimensão familiar que se espera vir a ter no
final da vida reprodutiva. Por outro lado, o impacto nas taxas de
natalidade é facilmente correlacionado. "Muitas vezes, os nascimentos
adiados transformam-se em nascimentos 'renunciados', por razões
várias, entre elas, devido ao facto da infertilidade poder impedir a
concretização da intenção de ter mais filhos. Existe uma 'janela de
oportunidade', pelo menos, para a mulher, tendo em consideração a
limitação dos seus anos férteis. A decisão de ter mais um filho, se
for sendo sucessivamente adiada, pode terminar por ser abandonada…Esta
situação é, de certa forma, semelhante no caso dos homens, uma vez
que, na sua maioria, são casados ou coabitam com uma mulher com uma
idade próxima da sua", adianta a professora.
A realidade portuguesa acaba por ser semelhante à tendência
generalizada no espaço europeu, explica Maria Filomena Mendes. "Em
Portugal, para além das dificuldades de inserção dos jovens no mercado
de trabalho, os baixos salários, a precariedade laboral, a dificuldade
em conjugar estudo e trabalho, também as dificuldades de arrendamento,
contrariam as possibilidades de sair de casa dos pais mais cedo, viver
de forma autónoma, constituir família e ter filhos na 'casa' dos 20
anos. Neste caso particular, as medidas de política devem tender a
apoiar os jovens e não a 'família' dos pais", defende.
"Existe uma 'janela de oportunidade', pelo menos, para a mulher, tendo
em consideração a limitação dos seus anos férteis. A decisão de ter
mais um filho, se for sendo sucessivamente adiada, pode terminar por
ser abandonada... Esta situação é, de certa forma, semelhante no caso
dos homens, uma vez que, na sua maioria, são casados ou coabitam com
uma mulher com uma idade próxima da sua"
Maria Filomena Mendes, coordenadora do Laboratório de Demografia do
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades
É que esta realidade nem sempre se coaduna com o que os portugueses
desejam. "Com o nosso estudo, concluímos que os portugueses têm, em
média, um filho, mas desejam ter dois a três, tencionando a vir a ter,
até ao final da sua vida fértil, em média, 1.8 filhos."
Daniel Pereira da Silva é médico ginecologista e presidente da
Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia
(FSPOG), e lida com esta realidade na sua prática clínica. "Noutras
gerações, a gravidez era, muitas vezes, uma fuga para um desejo de
maior liberdade. Neste sentido, o país fez uma evolução absolutamente
fantástica, porque coloca nas mãos da mulher a sua autonomia no que
respeita aos direitos fundamentais, o que, até então, estava
condicionado, até porque nem tinham acesso ao planeamento familiar,
incorrendo noutro tipo de riscos", defende.
O estudo "International Research of Western European Womens's
well-being", realizado pela Kantar, em que foram inquiridas 7000
mulheres dos 16 aos 59 anos, em sete países europeus [Alemanha,
Suécia, Espanha, Reino Unido, Portugal e Itália], revela que as
mulheres portuguesas são as que, juntamente com as espanholas, se
mostram mais satisfeitas com os seus estilos de vida, em comparação
com as restantes, não se notando uma grande diferença nas várias
faixas etárias. "Existem muito mais mulheres portuguesas a trabalhar
comparativamente à média europeia, sendo que o número de trabalhadoras
em part-time ou domésticas é muito menor." O estudo revela ainda que
as portuguesas têm "um caráter mais individualista, e levam a saúde
muito a sério, quando comparadas com as inquiridas de outros países.
Por cada ano que passa, as possibilidades de um indivíduo se manter
sem filhos aumentam 24%, indica o estudo "Determinantes de Fecundidade
e Infecundidade Tardia em Portugal e nos países do Sul da Europa",
publicado em 2014.
Quanto ao que mais privilegiam nas suas vidas, as escolhas recaem na
segurança financeira, estilos de vida saudáveis, bem como o equilíbrio
entre a vida familiar e privada.
Daniel Pereira da Silva comenta estas conclusões e considera que "o
contexto social atual leva a que o mundo do trabalho e a carreira
ocupem as mulheres, em termos de tempo e de prioridades, relativamente
a outros aspetos que também são importantes para si, mas que tem de
secundarizar. Não é menos verdade que, num certo estrato social,
algumas necessidades se sobreponham ao projeto familiar, como por
exemplo, fazer viagens de sonho antes de se ser mãe ou pai".
A medicina não resolve sempre
Maternidade, paternidade, fecundidade, natalidade, fertilidade,
infertilidade. Todos estes termos têm em comum o facto de terminarem
em "idade". E é precisamente com o passar da mesma, que as taxas de
nascimentos ficam comprometidas, e que os casais se tornam menos
férteis.
Por cada ano que passa, as possibilidades de um indivíduo se manter
sem filhos aumentam 24%, indica o estudo "Determinantes de Fecundidade
e Infecundidade Tardia em Portugal e nos países do Sul da Europa",
publicado em 2014. "Estes valores, realmente, são quase dramáticos, ou
seja, as implicações do adiamento e da não recuperação do adiamento
são devastadoras, em termos não só da natalidade – traduzida no número
de nascimentos que iremos ter – mas também da fecundidade final das
diferentes gerações", defende a professora da Universidade de Évora.
Segundo o Inquérito Português de Fecundidade, de 2013, concluiu-se que
"para os indivíduos com 30 ou mais anos, também a idade em que tiveram
o primeiro filho é determinante para que se tenha apenas um único
filho. Quanto mais velhos, maior a tendência para permanecerem com
este primeiro filho, e quanto mais tempo adiarem o primeiro
nascimento, menor a probabilidade de terem conseguido ter um segundo
ou terceiro filhos", sublinha a presidente da APD.
Como forma de alertar para a questão da idade como uma das causas da
infertilidade, a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR)
lançou a campanha "Cuida da tua fertilidade" no início do ano passado,
para chamar à atenção para a importância da idade, bem como de outros
fatores de risco, como o tabagismo, o álcool e o excesso de peso. "A
ideia surgiu como resposta a uma lacuna que tínhamos identificado
previamente no respeitante à informação das pessoas em idade
reprodutiva, em Portugal, relativamente à prevalência e ao risco da
infertilidade no nosso país", explica Teresa Almeida Santos,
presidente da direção da SPMR e professora auxiliar da Faculdade de
Medicina da Universidade de Coimbra.
O estudo porta a porta contou com a resposta de 2400 indivíduos entre
18 e os 40 anos e concluiu que se sabia muito pouco sobre "a
fisiologia da reprodução". Por outro lado, percebeu-se que os próprios
médicos não abordam espontaneamente este assunto, fazendo-o apenas em
18% dos casos. "Quando as pessoas respondiam que tinham informação por
parte dos médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) ou ginecologistas
era porque o solicitavam, e não por iniciativa dos mesmos", sublinha.
Face a estes resultados e à constatação de que as pessoas estão a
engravidar cada vez mais tarde, e não têm conhecimento de que a
fertilidade da mulher é muito influenciada pela idade, a SPMR entendeu
que tinha de dar uma resposta. "Tínhamos os meios e entendemos que era
responsabilidade da SPMR divulgar esta mensagem."
A campanha está disponível online, mas foi divulgada em prime-time,na
RTP e na RTP3, bem como noutros meios de comunicação e nas redes
sociais. Foram ainda realizadas ações de rua, sessões em algumas
escolas e na Universidade de Coimbra, em festivais de verão, bem como
iniciativas que consistiram no envio de postais de correio com
mensagens da campanha para os médicos de MGF.
Daniel Pereira da Silva corrobora a ideia da campanha. "A mulher, de
uma maneira geral, tem uma noção que a idade e o tempo não jogam a seu
favor, mas não tem a perceção do impacto real dessa realidade. Muitas
vezes, ela julga que os meios tecnológicos atuais são capazes de
suprir com relativa facilidade esse desejo e essa realidade biológica,
mas não é bem assim."
É cada vez mais recorrente surgirem mulheres na consulta de Daniela
Sobral, "desesperadas porque nunca lhes foi transmitida a ideia de que
a idade é uma grande condicionante da fertilidade, e quando se
apercebem disso, é tarde demais". E o desconhecimento sobre os riscos
do avançar da idade também é notório. "A população em geral não tem
noção das dificuldades em engravidar e como há cada vez mais mulheres
famosas a fazerem-no mais tarde, a realidade ainda fica mais
distorcida. Por vezes, nem mesmo os profissionais de saúde dão a
devida importância a este problema."
Às mulheres próximas dos 35 anos de idade que surgem na consulta,
Daniel Pereira da Silva alerta para a questão da idade, ainda que
sinta que não lhe cabe o direito de fazer qualquer pressão. "Como
costumo afirmar, uma gravidez não se receita nem prescreve. O que lhes
explico é que é legítimo ter outras prioridades, até porque a
maternidade pode nem sequer fazer parte do seu projeto de vida. Mas
não deixo de alertar para os riscos."
Apesar de aproveitar a oportunidade da consulta para chamar à atenção
para a passagem do tempo, tenta fazê-lo sempre com cuidado. "A pressão
da própria mulher pôr-se em causa a si própria pelo facto de
eventualmente querer ser mãe e não ter muito tempo, pelas suas
condições biológicas, já é um sofrimento e uma agressão, de alguma
forma", afirma.
A divulgação de casos de sucesso por parte de alguns meios de
comunicação social é algo que preocupa a presidente da SPMR. "Há
alguma responsabilidade de alguns órgãos de comunicação, porque ao
transmitirem a mensagem de que a gravidez é possível aos 47, 48 anos,
está a transmitir-se esperança, mas esta é infundada ou não é
completamente explicada. Os pressupostos para que isto aconteça não
são suficientemente explanados", defende.
Quando o relógio biológico começa a funcionar mal
Com o passar da idade, não é apenas a pele que envelhece. Também a
qualidade de ovócitos diminui progressivamente com o passar dos anos.
"A mulher nasce com um número finito de ovócitos que vai sendo
consumido ao longo da sua vida sem haver reposição. A diminuição dessa
reserva ovárica dá-se, tanto a nível qualitativo, como quantitativo",
esclarece a médica dos Lusíadas.
Daniel Pereira da Silva explica-nos também o impacto da passagem do
tempo na capacidade de reprodução. "A mulher, na adolescência, tem
aquilo que se chama capital folicular (células não se reproduzem), e
todos os meses, em cada ciclo, vai consumir um determinado número de
folículos. Logo, a capacidade que tinha quando começou a menstruar,
vai diminuindo progressivamente. Claro que este ritmo não é igual para
todas as mulheres." E neste retrocesso, os homens ganham a luta contra
o tempo. "Em cada ciclo reprodutivo feminino, temos um ovócito
reprodutivo. De 18, que são escolhidos biologicamente, apenas um vai
ter potencial de ser fertilizado. Nos homens, são milhões de
espermatozoides. O processo de andropausa é bastante mais lento do que
a menopausa nas mulheres, daí que os homens tenham capacidade de
procriar em idades mais avançadas", explica.
Por outro lado, o adiamento da maternidade pode ter consequências
específicas na saúde, dando espaço ao aparecimento de algumas doenças
ginecológicas que podem também vir a comprometer a fertilidade. "O
útero perde capacidade com a idade, mas de uma forma indireta, pois
passa a ser mais sede de doenças que podem afetar a capacidade de vir
a gerar uma gravidez ou uma gestação a termo, como por exemplo, as
infeções pelo papiloma vírus humano e o aparecimento dos miomas. É
relativamente frequente encontrar miomas em mulheres com 40 anos que
querem engravidar e a quem vamos fazer exames e um check up para saber
se estão em condições para tal. Alguns não têm potencial de interferir
na fertilidade, mas outros sim, e alguns deles são completamente
assintomáticos. É uma condição inerente da idade e uma causa de
infertilidade", alerta Daniel Pereira da Silva.
Outra consequência da gravidez tardia é a diferença de idades entre os
pais e os filhos, o que leva ao "aumento do risco do 'generation gap',
comprometendo a possibilidade de convívio com os avós e aumentando a
tendência para o envelhecimento da população", acrescenta.
Ainda que não existam estudos portugueses que correlacionem
diretamente o adiamento da decisão de engravidar com as taxas de
infertilidade, a ligação entre ambas as situações é visível nos
consultórios e facilmente percebida pelos médicos ginecologistas e
especialistas em reprodução. "O fator isolado que mais diminui a
probabilidade de ocorrer uma gravidez, quer espontaneamente, quer
através de tratamento, é sem dúvida, a idade da mulher", assegura
Daniela Sobral.
Preconceito, insensibilidade e pressão social
Clara [nome fictício] tem 42 anos e o marido 41. O adiamento da
maternidade deveu-se ao facto de terem casado tarde e de ambos
considerarem que era preciso criar rotinas de casal para que os filhos
viessem para dar "um acréscimo à felicidade, e não constituírem um
motivo de rutura, como tantas vezes se vê".
Quando decidiram ter filhos, após três anos de casados, tentaram pelo
método natural. "A médica de família, que nos acompanhava desde
sempre, desvalorizou os meses a passarem atribuindo culpas à ansiedade
própria do momento. Com o passar do tempo começámos a ficar
desconfortáveis com esta situação, e decidimos procurar outras
alternativas no privado, e mudámos de ginecologista obstetra mas já
com uma vertente de infertilidade para prever o futuro", explica.
Foram diagnosticados alguns miomas a Clara, sendo a mesma submetida a
uma miomectomia [cirurgia que consiste em extrair o(s) mioma(s)],
tendo procurado nova ajuda numa clínica especializada em
infertilidade, em Lisboa. "O nosso sonho começou a construir-se a
partir daí. Encontrámos um médico que respeitava a nossa fé, as nossas
dúvidas, que as esclarecia como ninguém e que tinha as palavras de
esperança que precisávamos de ouvir. Já não o largámos. Fizemos os
exames para saber se estava tudo bem. Havia uns pequeninos problemas,
mas que não deveriam ser impeditivos de uma gravidez, mas havia uma
coisa que jogava contra nós — o tempo", conta. Acabou por ser o tempo
a precipitar a decisão: esperar que a natureza fizesse o seu trabalho
ou avançar para um tratamento mais "agressivo"? O casal optou pela
segunda hipótese.
Após a realização de duas Fertilizações In Vitro (FIV), a gravidez
desejada aconteceu. "Entre o início do primeiro tratamento, que correu
menos bem, e a nossa gravidez passaram cerca de 3/4 meses. Em todo
este processo, a componente financeira não foi uma limitação para nós,
o que facilitou sempre as nossas opções."
Foram anos a lidar com "a inevitável tristeza e ansiedade e um medo
atroz de que fosse tarde demais", confessa Clara. Mas não foi. O casal
acabou por ter gémeos e os seus "milagres", como lhes chamam, têm sete
meses. "A fé, no nosso caso, foi importante pois na nossa peregrinação
a pé a Fátima, eu pedia que me fosse possível aceitar sem rancor e sem
mágoa, o que estivesse guardado para mim, para nós", confessa.
Para trás, ficou um processo duro e composto por algumas provações,
como a consulta com a psicóloga da clínica privada que confrontou o
casal com questões nunca antes colocadas. "Foram perguntas feitas com
uma delicadeza que nunca esqueceremos, mas que nos provocaram reações
que até ali nunca tínhamos vivido. E se um de nós tivesse esse
objetivo, e o outro, não? Conseguiríamos ser felizes sem cobranças nem
rancores depois de tomarmos uma decisão? Foi de facto uma consulta
marcante para ambos, mas que apenas veio confirmar o que ambos
desejávamos: iríamos tentar até que fosse clinicamente impossível ou
inviável", partilha.
Aos outros casais que estejam a passar pelo mesmo, a recém mãe sugere
que se afastem os tabus ou as palavras escolhidas entre os casais.
"Não falar pode criar uma fronteira entre os dois. Depois, sem dúvida,
ter uma equipa médica em quem se confie. Para nós, foi absolutamente
determinante quando nos sentimos protegidos por médicos que nos
acolheram, nos esclareceram, e acima de tudo, nos aceitaram com todas
as nossas dúvidas", explica Clara.
O casal confessa que sentiu alguma discriminação, sendo que o que mais
lhes custou veio em forma de comentários: "Cheguei a ouvir perguntas
como: 'então, não chega de boa vida?', 'Não chega desse egoísmo?'.
Eram perguntas que se deixavam escapar com maldade e escárnio, mas
ditas em tom de brincadeira. Apesar de terem sido episódios pontuais,
deixaram a sua mágoa", conta Clara. A resposta, no entanto, não
tardava. "Respondíamos que o problema era dos dois, que ambos
queríamos ter filhos e não estávamos a conseguir."
Sara sente também esta pressão social e o tabu ao redor. Responde às
perguntas sobre a maternidade consoante o estado de espírito. "Embora
ache que as pessoas não têm consciência disso, muitas vezes, gostava
que tivessem noção que podem estar a fazer perguntas indiscretas.
Apesar de achar que não o fazem por mal, considero que a sociedade
está pouco sensibilizada para o facto de existirem muitos casais a
passar por este problema. Ainda há muita vergonha, ainda se esconde,
não se fala muito sobre isso",defende.
E é porque ainda existe esse tabu que a maioria dos testemunhos para
este artigo está devidamente resguardada com nomes fictícios, a pedido
dos entrevistados. Ana Teresa Costa e Nuno Madeira foram os únicos a
aceitar assumir a sua identidade verdadeira.
Apesar da pressão social e das consequências do panorama atual, a
decisão pode não estar nas mãos dos casais. "O adiar a gravidez, por
vezes, não é uma opção. Acho que é injusto dizer-se que as mulheres
estão a ter filhos mais tarde porque querem viajar ou porque querem
progredir na carreira. É na fase da maior fertilidade que as mulheres
têm de apostar na sua profissão porque tem mesmo de ser assim, e
porque estão a lutar para terem alguma estabilidade de vida, pois caso
contrário, podem perder boas oportunidades. A realidade social do país
é esta", defende Ana Oliveira Pereira, psicóloga clínica da Ava
Clinic, com mestrado em Psicologia da Saúde.
Sara concorda, e tem uma opinião muito própria relativamente às vozes
críticas da maternidade. "Quando oiço que as mulheres não devem adiar,
não acho que seja essa a questão. Às vezes, não há hipótese! O meu
caso é um exemplo disso, em que não tinha uma relação estável que me
desse um sentimento de segurança para um projeto destes. Nos casos em
que as pessoas adiam por não terem condições económicas, talvez seja
um pouco mais criticável, no sentido em que nunca existem condições
económicas e laborais perfeitas para ter filhos. Vai ser sempre
difícil, mas é sempre possível dar a volta", afirma.
Nas consultas de psicoterapia, Ana Oliveira Pereira tenta trabalhar as
questões da culpabilização com as mulheres. "O desconhecimento também
ajuda um pouco a perceber o adiamento da gravidez. Nem sempre foram
alertadas pelos seus médicos ginecologistas para a questão do tempo."
Não esperar mais e ter filhos sozinha
Quando o problema de encontrar o pai ideal se perpetua, há quem não
adie mais o sonho. "Companheiros há muitos, mas filhos não", diz-nos
Sónia [nome fictício], de 43 anos. O apelo da maternidade
intensificou-se aos 36, a mesma idade com que terminou um
relacionamento e começou a pesquisar como poderia ter filhos, sozinha.
Aos 39 anos, começou a tratar dos tratamentos de fertilidade que lhe
permitissem recorrer a dador de esperma, em Espanha, uma vez que a lei
que dá esta possibilidade em Portugal só foi aprovada em 2017. "Acho
ótima a mudança da lei e a oportunidade de fazermos tratamento no
nosso país. Os tratamentos faziam-se à mesma, lá fora, pelo que a lei
veio melhorar essa possibilidade", conta.
Absolutamente decidida, não mais se desviou do caminho. "Não quis
adiar mais este projeto por ninguém. A idade começava a pesar",
partilha. Depois de oito tentativas, apenas o último tratamento foi
realizado em Portugal, numa clínica privada de fertilidade, em Lisboa,
e conseguiu engravidar. Já tinha conseguido uma gravidez numa das
tentativas mas sofreu um aborto espontâneo. "Foi o que me custou mais
em todo este processo: ter conseguido e ter perdido." Não quis, no
entanto, que o sonho esmorecesse, e voltou a tentar.
À data de fecho deste artigo, a gravidez de Sónia tinha acabado de
chegar às 18 semanas. O Diogo está previsto nascer em julho deste ano,
e esta gestação resultou de doação de esperma mas também de doação de
óvulos. "Percebi que a possibilidade de ter sucesso era maior com esta
hipótese."
Até ao momento, Sónia gastou perto de 30 mil euros, e confessa que não
tem sido um processo fácil. "Como estes são processos complicados e de
sucessivas tentativas, senti sempre um grande apoio das pessoas ao
redor, desde a família e amigos, aos médicos que me acompanham. Os
familiares ajudaram muito, até a nível financeiro, porque é ainda mais
complicado gerir isto, estando sozinha", diz. E os mais próximos sabem
que a decisão de ser mãe solteira é inabalável.
Desvaloriza os sintomas de gravidez e não antecipa muito o futuro. "É
como se o Diogo estivesse a dizer-me: 'olá, estou aqui'. De resto, vou
vivendo cada dia e cada conquista, a gravidez é ultrapassada passo a
passo". E quando lhe perguntamos se está preparada para as perguntas e
para o desafio de assumir uma maternidade sozinha, confessa que não é
algo que lhe traga ansiedade. A minha única preocupação é ir
explicando a verdade ao meu filho, adaptada à idade. Toda a gente sabe
a minha verdade, pelo que não há que esconder. Quem não aceitar,
paciência. O que acho fundamental é passar-lhe os princípios e os
valores que defendo. Quero educar o meu filho no sentido de lidar bem
com aquilo que a sociedade considera tabu", defende.
Não se assusta com o facto de não ter uma pessoa ao lado para ajudar
com os desafios da maternidade. Contará com o apoio da mãe. E também
não lhe faz confusão ter recorrido a uma dadora de óvulos. "Se me
perguntar se gostava que fosse parecido comigo, claro que gostava, mas
não é essencial. A idade é um fator muito importante, pelo que
recorrendo a dadora, acho que estou a dar mais hipóteses de qualidade
de vida ao meu filho, do que se tentasse com os meus óvulos."
De forma a preparar o corpo e a mente para os tratamentos e uma
possível gravidez, Sónia teve sempre cuidado com o peso, a atividade
física e a alimentação, tendo encontrado na acupuntura a tranquilidade
que precisava para estar à altura das exigências. "Prefiro preparar-me
do caminho para a frente do que ficar a alimentar-me do que ficou para
trás. Na verdade, quem se mete nestes processos tem de se mentalizar
que não é chegar e vencer, e que isto é uma sucessão de várias etapas,
em que algumas falham, e outras não", defende.
Ainda lhe restou um embrião que está criopreservado para o caso de
voltar a querer ter filhos. "Não sei se vou tentar novamente. Para já,
estou muito focada nesta gravidez", conclui.
Fertilidade para sempre?
Daniel Pereira da Silva assume que é cada vez mais frequente na
prática clínica a gravidez obtida por doação de óvulos. Por outro
lado, o médico ginecologista defende a possibilidade que as mulheres
têm, em idade jovem, de recolher ovócitos para utilizarem mais tarde.
"É algo que tem muitas implicações éticas, sobretudo no que respeita
ao investimento público, mas é uma situação relativamente nova, à
semelhança do que já se faz em doentes oncológicos." Teresa Almeida
Santos concorda que o tema é polémico, e que a possibilidade só existe
no privado, mas que esta é uma técnica que permite "preservar a
fertilidade por razões ditas sociais, e não por motivos de doença".
Por outro lado, para a líder da SPMR, existe escassez de dadoras.
"Mesmo os centros privados são limitados na sua capacidade de
resposta, e apenas acessíveis a quem tem muito dinheiro".
Ana Oliveira Pereira já entrevistou cerca de 2500 dadoras de óvulos e
desde o ano 2000 que lida com mulheres que querem ser mães mesmo sem
companheiro. A psicóloga define a infertilidade "como uma crise",
considerando que a psicoterapia pode ajudar os casais ou mulheres
solteiras que lidam mal com esta situação. "É duro e penoso lidar com
esta realidade. No entanto, um casal que sobrevive à doença de um
filho, a uma doença crónica grave, ao desemprego, e não se separa,
também não o faz devido à infertilidade", defende.
A Associação Portuguesa de Fertilidade (APF) recebe casais com
diagnóstico de fertilidade ou pessoas que já estão a tentar engravidar
há algum tempo, sem sucesso. "Temos cerca de 9000 associados e nestes
12 anos de existência, calculamos que já tenhamos ajudado mais de 30
mil casais", explica a vice presidente, Filomena Gonçalves.
Há quem procure saber mais sobre o seu problema, quem precise de apoio
jurídico, mas também quem sinta necessidade de conhecer e falar com
outros casais a passar pela mesma situação.
A associação aposta no alerta para o adiamento da maternidade,
sobretudo por receber casos variados de quem está a tentar há muitos
anos e não consegue. "Julgo que as pessoas estão cada vez mais
conscientes de que a fertilidade tem um prazo de validade, sobretudo
na mulher. Cada vez mais se fala nisso. Mas, por outro lado, as
pessoas estão muito convencidas de que a Medicina é milagrosa. Com
toda a campanha que existe para a congelação de óvulos, é frequente
achar-se que tudo vai correr bem e que a Medicina vai resolver,
acabando por colocar a carreira e outros aspetos à frente. Às vezes,
não é bem assim, porque os métodos têm os seus riscos e podem não
funcionar", explica a representante da APF.
O ano de 2017 foi marcante para quem trabalha diariamente com o tema
da infertilidade. "Foi finalmente aprovada a gestação de substituição,
algo que temos vindo a debater deste a nossa existência, e foi um
avanço brutal que era necessário. Por outro lado, consideramos que a
legislação se tornou mais inclusiva e permite que as mulheres
solteiras e casais homossexuais possam recorrer a técnicas de PMA, que
até então, estavam apenas destinadas a casais heterossexuais. Faço um
balanço muito positivo do ano que passou, muito devido a esta
legislação, mas também no que se refere ao apoio que demos aos casais
que acompanhamos", diz.
Apesar das boas notícias e de o facto de a legislação ter sido
pioneira no que a estes temas diz respeito, a associação tem divulgado
o desagrado relativamente ao chumbo no Parlamento, do projeto que
visava o alargamento no SNS, do número de ciclos por casal, de três
para cinco. "A proposta estava bastante equilibrada nesse sentido, e
sentimos que este chumbo é um retrocesso. Temos vindo a reivindicar o
aumento do número de ciclos porque, muitos destes casais, não
conseguem engravidar ao fim de três ciclos, e não têm forma de ir para
o privado", explica Filomena Gonçalves.
Outra das reivindicações da APF faz diz respeito aos seguros de saúde
que "recusam considerar a infertilidade como uma doença. Seria muito
importante que houvesse vontade política para mudar os seguros de
saúde, obrigando-os a incluir a PMA", sugere.
Um dos projetos da APF para este ano é a sensibilização de
profissionais de saúde e doentes para a criopreservação da fertilidade
em doentes oncológicos, que é algo que nem todos fazem. "Conhecemos
casos de homens e mulheres que são enviados para tratamentos
oncológicos sem ser preservada a sua fertilidade. Continua a ser um
assunto que nos preocupa muito", conclui.
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