# Nomadélfia, «lei da fraternidade»: A terra que revive as primeiras comunidades cristãs
«Estamos a 12 km de Grosseto. Doze ou doze mil milhões de km? É
preciso perguntar, de tal maneira nos sentimos longe do mundo do
costume... Quem chega pela primeira vez tem dúvidas de que não é tudo
um quadro, retórica, belas pinturas, ilusão. Depois olha, escuta,
pergunta e fica atónito.»
Talvez estas palavras impressas nas páginas do jornal "Corriere della
Sera" nos anos 60, saídas da pena de um escritor agnóstico como Dino
Buzzati, que entre os seus contos tem um intitulado "O cão que viu
Deus", mesmo a tantos anos de distância, não se destinem a permanecer
sem eco; com efeito, continuam a indicar a surpresa pela existência de
uma comunidade onde a fraternidade não é conselho mas lei, deixando
ainda as pessoas atónitas, aturdidas.
Leva-nos até lá uma estrada branca orlada de ciprestes, fileiras de
vinhas bem cuidadas, campos semeados, as casas baixas de pedra dos
grupos familiares entre as oliveiras, uma azáfama de crianças com
bicicletas, as habitações comunais, no topo uma cruz branca, sinal de
um monaquismo social que encontrou raízes desde a primavera de 1949,
neste canto da Toscânia.
E a surpresa é a mesma que Buzzati relata como cronista escrupuloso
que chegou aqui em maio de 1965: «Um jornalista estrangeiro, que tem o
ar de não acreditar em nada, dirige-se a um menino e mostra-lhe outra
criança. "Aquele - pergunta-lhe com cara de provocação - é um irmão
teu?». «Porquê?», responde-lhe a criança; «também não é teu irmão?».
Nomadélfia, que do grego significa "lei da fraternidade", não é o
mundo irreal dos elfos do "Senhor dos Anéis", mas a possibilidade de
experimentar em pessoa um lugar de fraternidade e solidariedade que
tem como fundamento a realidade da vida cristã: o Evangelho.
Assim a quis o P. Zeno Saltini, que lançou a primeira pedra no
longínquo 1954, derivando-a das primeiras comunidades cristãs de que
falam os Atos dos Apóstolos, porque é precisamente da convicção de que
o Evangelho gera uma nova civilização, e que não era utopia a vida das
primeiras comunidades cristãs, a fonte de onde surgiu: «A multidão dos
que se haviam tornado crentes tinha um só coração e uma só alma, e
ninguém considerava propriedade aquilo que lhe pertencia, mas entre
eles tudo era comum».
«Uma verdadeira realidade social que é hoje uma pequena povoação de
300 pessoas, 50 famílias decididas viver juntas a fraternidade de
acordo com o código evangélico em todos os aspetos da vida e do
trabalho: familiar, social e político. Nem senhores nem servos, aqui
os bens são colocados em comum e as famílias estão disponíveis para
receber crianças para adoção.
Quatro ou cinco famílias juntas formam um "grupo familiar". As escolas
são internas e o ensino obrigatório foi estendido até aos 18 anos»,
explica Francisco, presidente de Nomadélfia, enquanto nos leva ao
túmulo do fundador, percorrendo o caminho que o papa Francisco fará
hoje, 10 de maio, para prestar homenagem à sua memória.
«Num mundo de palavras, é preciso responder com factos, o Evangelho
não é falatório. O P. Zeno era um homem visionário com consciência
lúcida, um homem muito simples e prático para quem mudar a civilização
significava partir de si mesmo.» No salão P. Zeno 113 crianças da
comunidade estão atarefadas com os presentes a oferecer ao papa, que
vem aqui para encontrar todos os habitantes, depois de conhecer um dos
grupos familiares.
Não admira, portanto, a vinda do papa a esta comunidade, que evoca um
vislumbre das longínquas Reduções Jesuítas, depois de ter colocado no
centro da "Gaudete et exsultate", a sua recente exortação apostólica
sobre a santidade, as bem-aventuranças evangélicas como cenário não só
para uma digna vida cristã.
Esta visita apostólica, 70 anos após o nascimento de Nomadélfia,
depois de evocar a memória de padres colocados em questão, mas
testemunhas autênticas do Evangelho, quer apontar como é possível
viver o cristianismo das bem-aventuranças. Porque basicamente
Nomadélfia diz isto: o cristianismo não é, de forma alguma, uma
utopia. A utopia está apenas diante do nosso egoísmo. E também diz que
não é conversa fiada, é um facto; e que é preciso fazer, antes de
dizer.
«Caso contrário, a nossa religião é só um minar o nome de Deus em
vão», dizia já em 1951 o P. David Maria Turoldo. Entre tanto
cristianismo adocicado, reduzido, suavizado, entrevê-se aqui um oásis
do cristianismo integral, com tudo o que implica de arriscado, de
perigoso, até de escandaloso, para o homem da civilização do
bem-estar.
O não crente Dino Buzzati confrontou-se e deixou-se interrogar
intimamente pela provocação evangélica de Nomadélfia. Chegará a
escrever que ela é «uma patente de Jesus», ficando desarmado diante do
espírito de comunhão e da espontaneidade das suas crianças.
«Nomadélfia, sem dizer uma única palavra, faz-nos a mais dolorosa
repreensão, faz-nos compreender como está errado o nosso modo de
viver, os afãs, os desejos, a vaidade, a corrida desesperada atrás do
vento. Ser rico, ser famoso, ser invejado. Que belo! Por muito que se
consiga, nunca é demais. Nunca saciados, nunca tranquílos! E pensar
que seria tão simples. A bondade. Querer-se bem. Eles conseguiram, e
nós não... É possível que homens de carne e sangue como nós tenham
conseguido realizar o Evangelho em plena alegria?... O sonho dos
santos tornou-se aqui realidade diária.»
«Hoje é necessário entender o que Nomadélfia significa para a Igreja,
e o que a Igreja significa para Nomadélfia», diz-nos o bispo Rodolfo
Cetoloni.
Quanto ao P. Zeno, o bispo de Grosseto encaminhou em 2013 o pedido à
Santa Sé para a introdução da causa de canonização, mas a resposta
negativa da Congregação para a Doutrina da Fé não permitiu conceder
até hoje o "nada obsta". Não é novidade. A 7 de agosto de 1978, no dia
a seguir à morte de Paulo VI, que tinha mostrado profundo apreço pelo
seu trabalho, o P. Zeno escreveu: «Quando Montini era cardeal de
Milão, disse à condessa Albertoni Pirelli, que ofereceu estas terras:
"Se Nomadélfia for bem sucedida, teremos de rever muitas coisas na
Igreja"».
Depois de rezar junto ao túmulo do fundador, o papa declarou que
«Nomadélfia é uma realidade profética que se propõe realizar uma nova
civilização».
«Perante os sofrimentos de crianças órfãs ou marcadas pela
necessidade, o P. Zeno compreendeu que a única linguagem que
compreendiam era a do amor. Por conseguinte, soube encontrar uma forma
peculiar de sociedade onde não há espaço para o isolamento ou a
solidão, mas vigora o princípio da colaboração entre famílias
diversas, em que os membros se reconhecem irmãos na fé», acentuou.
Em Nomadélfia «estabelecem-se laços bem mais sólidos do que os
parentais», apontou o papa, que lançou um apelo: «Diante de um mundo
por vezes hostil aos ideais pregados por Cristo, não hesiteis em
responder com o testemunho alegre e sereno da vissa vida, inspirada no
Evangelho».
Quando deixar Nomadélfia, Francisco retoma a viagem de helicóptero, em
direção a Loppiano, onde visita a "Cidadela Internacional" do
movimento dos Focolares, também caracterizada pela vida em comum
inspirada pelos Atos dos Apóstolos.
Para conhecer melhor este projeto basta ir a:
https://www.nomadelfia.it
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