https://observador.pt/2018/06/03/__trashed-36/
3/6/2018, 14:35
Dos EUA chegam imagens de centros comerciais que se tornaram
"cidades-fantasma". Há risco de falências em massa na Europa e em
Portugal? A CBRE está "convicta" de que não, desde que haja
modernização.
Paredes estaladas, ervas daninhas a crescer por todo o lado e escadas
rolantes enferrujadas e cobertas de estuque caído do teto. Este é o
cenário pós-apocalíptico que se vê em centenas de (antigos) centros
comerciais espalhados pelos Estados Unidos da América. É o país do
consumo, por excelência — 70% do Produto Interno Bruto (PIB) vem do
consumo –, mas o excesso de construção e a expansão do comércio
eletrónico estão a fazer com que os centros comerciais, de um modo
geral, não estejam a recuperar da Grande Recessão como os mais
otimistas podiam esperar. Entre 2012 e 2017 caíram no abandono,
estima-se, mais de 800 centros comerciais nos EUA.
A "morte" dos shopping malls nos EUA não vai parar. O Credit Suisse
estimou recentemente que um em cada quatro centros comerciais nos EUA
irá falir nos próximos anos, o que está a fazer soar os alarmes também
na Europa. Afinal de contas, apesar das especificidades dos EUA, o
e-commerce também está a crescer na Europa e os hábitos de consumo,
incluindo no que toca às refeições rápidas, estão a ser alvo da
disrupção de empresas como a Uber, com serviços como o UberEats, e
outras. Até que ponto têm os shoppings na Europa, e também em
Portugal, razões para temer o colapso? E o que é que estão a fazer
para o tentar evitar?
Estas são algumas das questões que a consultora imobiliária
CBREcolocou num estudo publicado esta semana e que faz uma análise do
futuro dos centros comerciais não só na Europa mas, também, em
Portugal. A convicção da consultora, que se fundamenta nas conclusões
do estudo, é que o comércio norte-americano é muito distinto do
europeu, e isso faz com que não seja provável que se venha a
verificar, nos próximos anos, um encerramento em massa de centros
comerciais em Portugal. "Mas existem desafios que obrigam os
promotores e os operadores a adaptar-se, porque o setor vive uma fase
de grande transformação", afirmou Cristina Arouca, diretora do
departamento de research da CBRE, em entrevista ao Observador por
ocasião da publicação do estudo.
CBRE assessora negócios mas também faz gestão
A CBRE está envolvida não só no campo das transações de ativos
imobiliários mas, também, está a tratar da gestão e remodelação de
oito centros comerciais no país — incluindo os três antigos Dolce Vita
(que foram comprados por fundos do Deutsche Bank, num negócio
assessorado pela CBRE) o Alma Shopping, em Coimbra (antigo Dolce Vita
Coimbra), o Nosso Shopping, em Vila Real (antigo Dolce Vita Douro) e o
Alameda, Shop & Spot (antigo Dolce Vita Porto).
Na ótica da consultora, os dados comprovam que, ao contrário do que
acontece nos EUA, a retoma está a ser acompanhada por um aumento da
atividade dos centros comerciais. Em 2017, as vendas nos centros
comerciais subiram 8,4%, enquanto o comércio total cresceu 4%. Por
outro lado, o número de visitantes (o que neste setor se chama
footfall) aumentou 0,5%, após três anos em queda.
Outro sinal é o investimento no setor e os grandes negócios de centros
comerciais que estão a mudar de mãos. No primeiro trimestre de 2018
foram transacionados quatro centros comerciais, num valor acumulado de
673 milhões de euros, e estão a ser negociados, afirma a CBRE, mais 10
centros comerciais neste momento. "O ano de 2018 irá certamente
registar o maior volume de investimento no formato de centros
comerciais alguma vez observado em Portugal", antecipa Cristina
Arouca, acrescentando que "Portugal é um país de centros comerciais,
muitos de nós crescemos com o hábito de ir ao centro comercial, pela
conveniência, sobretudo, e isso continua a fazer parte da nossa
identidade".
Não há dúvida de que o comércio eletrónico é uma força disruptiva que
obriga a mudar o chip para manter a competitividade. A Internet torna
extremamente conveniente a compra a partir de casa ou do local de
trabalho e vai ser cada vez mais difícil convencer os consumidores a
deslocarem-se aos centros comerciais. A este respeito, a digitalização
a experiência de compra e no centro e os serviços de conveniência são
chaves para o futuro do setor", diz Cristina Arouca.
Mas em que é que os centros comerciais dos EUA são diferentes?
Um primeiro fator que faz com que a situação dos EUA não seja
comparável à da Europa e de Portugal está relacionado com o ponto de
partida. "As caraterísticas e a situação do comércio nos Estados
Unidos são bastante diferentes daquelas verificadas no nosso país, já
que o grau do excesso de oferta, da obsolescência do stock e da
penetração do comércio online em Portugal é muito menor do que nos
Estados Unidos", afirma a especialista.
Desde logo, a penetração. Na Europa, a pesquisa da CBRE indica que,
por cada habitante há 1,2 metros quadrados de superfície comercial (o
que inclui retalho mas, também, lojas de rua). Em Portugal o mesmo
indicador é de 0,9 metros quadrados. Nos EUA, cada habitante "tem
direito" a 5 metros quadrados de área comercial — ou seja, quatro
vezes superior.
Tão ou mais grave do que o facto de serem muitos (ou, mesmo,
demasiados) é o facto de serem velhos. Em contraste com a Europa, a
grande expansão dos centros comerciais nos EUA começou nos anos 50.
Mais de um terço dos centros comerciais foi construído antes da década
de 80 e só 20% foram construídos neste século. Em Portugal, salienta a
CBRE, mais de 60% da área de centro comercial foi inaugurada depois do
ano 2000. São, portanto, edifícios mais modernos e eficientes.
Os centros comerciais nos EUA são, também, tipicamente department
stores — de que o El Corte Inglés é o exemplo mais próximo, em
contraste com os centros comerciais que alugam espaço de loja. "Esse é
um modelo que tem perdido popularidade, porque os consumidores
demonstram cada vez mais que preferem o enfoque nas marcas, nas lojas
de marca, e menos na diversidade de uma department store", diz
Cristina Arouca. Esse fator, ligado à mudança dos hábitos de consumo,
leva os especialistas a verem nos EUA uma crise estrutural e não
apenas conjuntural. Ao mesmo tempo, quando se olha para os planos de
abertura de lojas nos EUA predomina o segmento low cost (cadeias como
a Dollar General e a Dollar Tree, além da gigante Walmart).
A "nova geração" de centros comerciais
O último fator — esse, sim, uma tendência mais global — é o
crescimento do e-commerce. Nos EUA, praticamente um em cada quatro
dólares gastos no retalho está no comércio eletrónico(desde conteúdos
de media, brinquedos e jogos, eletrónica e vestuário). Na Europa, há
um caso ainda mais extremo — uma em cada três libras gastas no Reino
Unido são em e-commerce. Mas em Portugal a proporção ainda não passou
dos 5%, Espanha está em 7% e a média europeia é 16%.
Apesar de ainda não ser muito expressivo em Portugal, "o comércio
online obriga os promotores e operadores a uma adaptação", diz
Cristina Arouca. A consultora imobiliária apresentou o estudo a um
conjunto de clientes e desse encontro saiu a ideia clara de que
"promotores sabem que vivemos num mundo em mudança e têm de estar
preparados para essa mudança". É por isso que tantos centros
comerciais no país estão a investir em remodelações profundas — para
não ficar para trás na "nova geração de centros comerciais" que, diz
Cristina Arouca, é necessária para sobreviver nesta nova era.
O mercado de centros comerciais em Portugal é maduro, altamente
competitivo e todos sentem as necessidade de inovar", diz Cristina
Arouca.
Nos centros comerciais construídos, ou reconstruídos, nos últimos
anos, o objetivo que está na base de todo o processo é a criação
daquilo que a linguagem de consultoria desta área chama de
"experiências". O centro comercial deixa de ser um aglomerado de lojas
e restaurantes, cada um com a sua fachada de cores garridas — isso é
especialmente visível nas praças de restauração mais modernas, onde os
logótipos dos restaurantes se mantêm mas seguem uma mesma linha
gráfica, com fundo da mesma cor e letras, também, da mesma cor.
Para atrair mais gente, os centros comerciais investem, também, em
áreas para sentar, zonas para as crianças e, por outro lado, há uma
grande aposta em eventos esporádicos, ligados às artes ou à culinária,
por exemplo. "Se nos centros comerciais tradicionais há uma tendência
para que seja um grande hipermercado a âncora do espaço, hoje cada vez
mais a zona de restauração — o food court — é o principal espaço dos
centros comerciais. E essa é uma âncora que tem potencial para ser
defensiva [isto é, capaz de suster bons rendimentos] perante a
emergência do comércio online", explica Luís Teodoro, diretor da
gestão de ativos imobiliários da CBRE, ao Observador.
"Defensiva" apesar da crescente popularidade de serviços de entrega de
refeições em casa, como o UberEats, o Glovo ou o NoMenu? "Esses
serviços não concorrem com as refeições nos centros comerciais — desde
que os centros comercias se adaptem aos novos tempos. Esses serviços
concorrem, sim, com a pizza congelada que temos no congelador", afirma
Cristina Arouca.
Combater as novas tecnologias com as novas tecnologias
Os centros comerciais mais modernos vão, também, albergar cada vez
mais serviços como clínicas de saúde, lojas do cidadão, ginásios e
outras valências. Essa é uma das formas de levar as pessoas ao centro
comercial, que deixa de ser apenas um centro de retalho mas, também,
de serviços e experiências culturais, gastronómicas ou lúdicas. Sem
essas valências, será difícil atrair o público e resistir à emergência
do comércio online.
O comércio online não existe por oposição às lojas físicas. Tem de
haver uma complementaridade. Aliás, há muitos casos de empresas que
decidiram fechar as lojas físicas para poupar custos e porque estavam
a vender cada vez mais online e, depois, acabaram por ver as vendas
online caírem. As lojas físicas ajudam ao reconhecimento das marcas e
é por isso que muitas lojas pagam rendas altas na Avenida da Liberdade
ou no Chiado sabendo que podem não ter lucro naquela loja — mas esse
investimento é compensado de outras formas (vendas em outras lojas
físicas ou online)", diz Cristina Arouca.
As novas tecnologias não são, contudo, puramente uma ameaça, que tira
receitas e pessoas dos centros comerciais e das lojas físicas. Parte
da estratégia de crescimento dos centros comerciais passa por combater
o fogo com fogo ou, neste caso, combater as novas tecnologias com
novas tecnologias. E uma das grandes tendências na inovação no retalho
passa pela utilização dos dados e de plataformas de inteligência
artificial para conhecer os visitantes do centro comercial — não
necessariamente conhecê-lo individualmente mas criar padrões de
cliente através de ferramentas como a Calibrate, que a multinacional
CBRE lançou nos últimos meses em vários países e que "chegará a
Portugal, aos centros comerciais que gerimos, em breve", diz Luis
Teodoro.
E o que é a Calibrate? É uma ferramenta de estudos de mercado, em
tempo real, partindo dos dados gerados pelos dispositivos que
praticamente todos os portugueses transportam consigo no bolso ou na
bolsa. "A Calibrate usa dados anónimos de entre 3 e 3,5 milhões de
smartphones, podendo alcançar entre 30% e 35% da população
portuguesa", explicou Luis Teodoro, basicamente usando os dados (os
location services, ou serviços de localização por GPS, que muitas apps
que temos nos telemóveis usam) para conhecer melhor quem os visita.
E não se trata, apenas, de conhecer melhor quem os visita. É muito
valiosa, para os centros comerciais, a informação sobre quantas vezes
a pessoa x visita o centro comercial por mês, ou quanto tempo passa no
centro. A Calibrate permite, também, saber se o cliente mora num
bairro mais caro ou mais barato (ou, melhor, sendo os dados anónimos,
onde é que passa pelo menos oito horas todas as noites — o que dá uma
boa ideia, em termos gerais, de onde a pessoa mora).
"A ideia é que esta ferramenta irá ajudar as marcas a tomar decisões
de investimento mais certeiras e a maximizar o potencial de cada loja
física", afirma a CBRE.
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