# Cientistas portugueses vão criar filetes de robalo “in vitro”
Daqui a dois anos, equipa espera produzir em laboratório um filete
típico de robalo a nível de sabor e textura. Para tal, vai usar
extractos de algas, células estaminais de robalo e impressão 3D.
Diogo Soares 26 de Dezembro de 2021, 7:16
Uma impressora 3D é uma tecnologia espectacularmente versátil, uma vez
que consegue fazer quase tudo. É esta tecnologia que quatro
investigadores do Instituto Superior Técnico (IST) vão utilizar para
embarcar numa "experiência gastronómica" em que vão imprimir um filete
de robalo.
O projecto Algae2Fish pretende produzir o primeiro filete de peixe in
vitro completo (músculo e gordura) através de impressão 3D. Feito à
base de células estaminais embrionárias de robalo e extractos de
algas, o filete será impresso, em camadas de músculo e gordura, para
dar origem a um filete biologicamente idêntico ao tradicional. Com
início em Dezembro deste ano, a experiência vai durar dois anos e
conta com 215 mil euros financiados pelo Good Food Institute (GFI),
uma organização não-governamental para alimentos sustentáveis.
"O objectivo é pegar em células de robalo, juntá-las a biotintas,
imprimi-las tridimensionalmente e cultivá-las até que cresçam e
atinjam uma forma, um sabor e uma textura idêntica ao filete de peixe
que o consumidor está habituado", explica ao PÚBLICO Diana Marques,
aluna de mestrado em biotecnologia do IST e que integra a equipa desta
experiência.
Actualmente, a impressão 3D pode ser usada para imprimir tecidos e
órgãos biológicos funcionais, um método que se denomina de
bioimpressão. Este tipo de impressão utiliza as chamadas "biotintas" –
polímeros naturais ou sintéticos compostos por células vivas –, o que
faz com que esta tecnologia ganhe cada vez mais destaque na área da
medicina. No entanto, também está a ser utilizada para outros fins e é
o que está a fazer a equipa do IST, que agora vai tentar desenvolver
um filete de peixe in vitro para consumo humano.
"A principal inovação do projecto é conjugar a bioimpressão 3D com as
biotintas num produto final comestível, neste caso um filete de
robalo, a partir de algas e materiais vegetais", esclarece ao PÚBLICO
Frederico Ferreira, investigador principal do projecto e professor
associado do Instituto de Bioengenharia e Biociências do IST. As
células de peixe vão ser impressas na forma de "esqueleto
tridimensional", onde vão crescer e diferenciar-se nos tecidos finais
de um peixe (músculo e gordura) com características nutricionais
idênticas ao de um típico filete de robalo.
A equipa liderada por Frederico Ferreira, que conta ainda com Carlos
Rodrigues e Paola Alberte, investigadores do IST com experiência em
bioengenharia e bioimpressão 3D, ainda não tem uma amostra pronta para
comer. Será só ao fim de dois anos que obterá o tal filete, mas já deu
passos importantes nessa direcção. O investigador explica que ainda
estão numa fase inicial, em que conseguiram uma optimização da
"fórmula e boa resolução" das biotintas feitas a partir de componentes
de algas.
Segundo os investigadores, as biotintas são inovadoras devido à
fórmula que desenvolveram. Feitas à base dos polissacarídeos presentes
em algas – que conferem as propriedades de gelificação adequadas para
serem usadas como tinta de impressão 3D –, as tintas vão manter as
células vivas e suportar o seu crescimento. Isto porque contêm os
nutrientes e as proteínas que os peixes absorvem naturalmente quando
se alimentam de algas. Diana Marques explica que têm duas tintas
diferentes, uma tinta para imprimir a parte muscular e uma tinta para
imprimir a parte gordurosa. "E com estas duas novas biotintas
comestíveis, concebidas para criar os dois tipos de tecidos do peixe,
iremos construir o filete", acrescenta a investigadora.
Como é o processo
Ao longo dos próximos dois anos, a equipa espera conseguir criar e
optimizar o processo até culminar num filete de peixe in vitro. Mas
como se desenrolará então a produção de um filete de robalo em
laboratório?
Primeiro, Frederico Ferreira explica que as células estaminais
embrionárias de robalo foram escolhidas devido à sua disponibilidade
comercial e a estudos anteriores que indicavam a possibilidade de as
diferenciar em células musculares e adiposas com recurso a estímulos
eléctricos e bioquímicos (já lá chegaremos).
O investigador esclarece que as células serão adicionadas às bases das
biotintas de algas – cada tinta tem nutrientes específicos para as
ajudar a tornar nos tais dois tecidos: o tecido muscular e o tecido
gorduroso. De seguida, as tintas serão colocadas na impressora 3D, que
irá imprimir uma estrutura previamente definida em forma de filete.
"Quando fizermos a impressão da estrutura do filete, já estamos a
colocar tudo na localização correcta, mas as células ainda têm se se
diferenciarem, crescerem, multiplicar-se e preencher o espaço que lhes
está reservado", explica Frederico Ferreira. Tal como numa casa em
construção que cresce de dentro para fora, a "estrutura comestível"
impressa a partir das biotintas será a base do filete in vitro de
robalo.
Voltemos aos estímulos a estímulos eléctricos e bioquímicos. Nesta
altura, as células já estão impressas no seu lugar correcto, mas ainda
não estão diferenciadas. É aqui que entra outra parte inovadora do
processo. Francisco explica que serão aplicados estímulos eléctricos e
bioquímicos após a impressão. São esses estímulos que vão transformar
as células estaminais embrionárias nos tecidos de músculo e gordura.
O processo, recorda o investigador, já é utilizado em células de
mamíferos in vitro, para criar tecidos para fins de investigação em
biomedicina, e agora será aplicado a células de peixe. "As biotintas
têm condutividade eléctrica. As células vão responder aos estímulos, o
que as vai ajudar desenvolver-se, a crescer na direcção correcta e a
diferenciarem-se no tecido final", acrescenta o investigador.
O resultado esperado será então um filete sem espinhas, com as riscas
alternadas de músculo e gordura características de um típico filete de
robalo, com textura e sabor idênticos ou semelhantes ao que o
consumidor está habituado. "Fizemos muita pesquisa na literatura
[científica] acerca do sabor e da nutrição do peixe e por isso é que
escolhemos tintas de músculo e gordura, porque todo o sabor e textura
estão relacionados com estes dois tecidos", acrescenta Diana Marques.
Mesmo do ponto de vista nutricional, os investigadores esperam que
benefícios para a saúde sejam semelhantes. A investigadora explica que
os extractos de algas utilizados conterão os mesmos antioxidantes e
nutrientes, aumentando o valor nutricional do filete ao fornecer os
óleos gordos ómega-3 típicos do peixe. "Ao cultivar o peixe em
ambiente controlado, também conseguiremos excluir contaminantes como o
mercúrio e microplásticos que hoje são encontrados nos peixes",
acrescenta Diana Marques.
O início de uma ideia
E como surgiu a ideia desta experiência? "A ideia ocorreu-me em
conjunto com uns colegas para um projecto numa cadeira de
empreendedorismo do mestrado", recorda Diana Marques. As suas
preocupações ambientais e de sustentabilidade alimentar quotidianas
estiveram na base do conceito, uma vez que é vegan. A ideia de
"imprimir peixe" foi levada pelo grupo de alunos em 2019 ao concurso
de projectos empreendedores E.Awards@Técnico. Ficaram em segundo
lugar.
Após o concurso, a jovem estudante quis continuar a desenvolver a
ideia na sua tese de mestrado em biotecnologia (que terminou este
mês), pedindo a orientação de Frederico Ferreira, especialista em
biomateriais para o cultivo e diferenciação de células estaminais.
Estavam assim lançadas as bases para o Algae2Fish, que, ao concorrer a
fundos do GFI anualmente na área de inovação alimentar, ganhou este
ano uma das 21 bolsas de financiamento e permitiu-lhe iniciar agora o
projecto.
O desenvolvimento de carne em laboratório – de porco, vaca ou frango –
não é novidade. Muitos desses projectos encontram-se em fase avançada,
com alguns já na fase da comercialização. No entanto, o
desenvolvimento de peixe in vitro ainda está pouco explorado, segundo
a equipa do IST. No caso específico do peixe em laboratório, o número
de startups que está a tentar criá-lo diminui drasticamente para cerca
de oito, tendo somente uma sede na Europa (a alemã Bluu Bioscience).
"Vimos uma falta de projectos relacionados com o peixe e percebemos
que o nosso processo é único e tem bastante potencial. O uso de
células de peixe traz vantagens logísticas (podem ser cultivadas a
temperaturas mais baixas) e, ao contrário da carne cultivada, que se
restringe ao porco, vaca e frango, existem inúmeras espécies de peixe
às quais esperamos que o nosso processo seja alargado", afirma Diana
Marques.
Se for bem-sucedida, a equipa do IST espera que o seu método possa ser
vendido a empresas em todo o mundo que estejam a desenvolver novas
formas de cultivar peixe. Se a técnica for eventualmente ampliada e
utilizada pelos fabricantes de alimentos, Frederico Ferreira acredita
que serão criadas novas indústrias da cadeia de fornecimento desta
nova matéria-prima. "E pela nossa apetência por peixe e com o
conhecimento científico que temos actual e futuro, Portugal poderá ser
um país importante nesta área", diz.
Actualmente, e de acordo com o Relatório da Economia Azul da União
Europeia, a Europa importa três vezes mais peixe do que produz, e
espera-se que a procura global aumente em 5% durante a próxima década.
Devido à poluição, pesca e aquacultura intensiva, quase metade dos
habitats marinhos da União Europeia foram avaliados como estando em
perigo ou quase ameaçados, segundo a Lista Vermelha de Habitats
publicada pela Comissão Europeia. Assim, o peixe cultivado a partir de
células, como o do projecto Algae2Fish, poderá ajudar a satisfazer a
procura crescente sem prejudicar ainda mais os oceanos.
"Eu adoro peixe, venho de um país que adora peixe e quero continuar a
comer peixe", afirma Frederico Ferreira, citado num comunicado do Good
Food Institute. "Há um papel a desempenhar na pesca sustentável em
pequena escala, mas se queremos que todos continuem a apreciar o peixe
não podemos continuar a pesca intensiva em alto-mar que causa tantos
danos aos ecossistemas oceânicos."
Texto editado por Teresa Firmino
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